A Falsa e a Verdadeira escrita por BbreBerry


Capítulo 2
Mas o que é amar?


Notas iniciais do capítulo

Segundo capítulo, nhê *u* Agora narrado pela Aline



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Qual o exato instante em que nasce amor de um coração? Eu não saberia responder. Aliás, não se ama de um instante, ama-se de uma atemporalidade, amor é sentimento que descansa sobre as mais perenes águas. Portanto, amor, para mim, não é algo que nasça, é algo que floresce. De encantamento em encantamento, toma grandeza, beleza; de alegrias compartilhadas, de elos estabelecidos e carícias roubadas, as pétalas crescem, passam da timidez à exuberância, passam a revelar toda a beleza que lhes cabe.

Este era o meu coração, sentimento a brotar, graça a florescer. Ou não? Questionava-me. Havia nele tanta amargura, uma angústia a comprimir cada uma de suas batidas, emudecendo-o em sombrios confins. Era a mentira, que me obrigava a carregá-la em meu peito. Como pode – perguntava-me, vezes e mais vezes – amar e enganar? Amar e fazer de tola a pessoa amada? Que flor era a que se abria em meu coração, afinal? Qual nome teria? Talvez fossem apenas as minhas frustrações vitimizando inocentes, nada mais. Haveria amor verdadeiro a florescer em falso coração?

Seja lá quais forem as respostas de minhas reflexões, nada me impedia de fazer aquilo, dia após dia. Passionalmente, ignorando todas as advertências, todos os julgamentos que me condenavam, todas as repressões que em mim gritavam. Não sabia o nome do amor, não sabia o nome da culpa, sabia o nome Ana.

– Mano! Você não sabe o que aconteceu hoje! Eu tava atravessando a rua, de boas, sinal fechado e tudo, quando de repente, um babaca, querendo meter o louco, veio e me atropelou! Mano! – assim foi como Ana começou a conversa daquele dia, através do programa.

– Meu Deus! – preocupei-me. – Mas está tudo bem com você? Algum machucado?

– Ah, só uns cortezinhos bestas. Mas, velho, levantei na hora e comecei a gritar com o imbecil no meio da rua, vontade de enfiar a porrada nele, só não fiz isso porque ele meteu o pé e fugiu. Ia ser fácil, geral tava me apoiando.

– Mais um motivo para eu não gostar da ideia de morar aí em São Paulo.

– E é diferente aí onde você mora?

– Bem, pelo menos eu nunca fui atropelada aqui, em Niterói.

– Você não sai de casa a pé, é uma patricinha mimada que sempre tem a carona da mamãe para onde quer que vá – a intimidade pode criar contextos bastante distintos. Por algum motivo gostava dessas brincadeiras por parte dela, de ser, digamos, interpretada dessa forma por alguém. Afinal, talvez isso fosse uma das poucas verdades, de fato, eu sequer sabia o que era pegar um ônibus.

– E você é a vida louca, que é atropelada e levanta logo para discutir com quem te atropelou.

– É! A patricinha e a vida louca, somos um casal perfeito! – inseriu um coração.

– Somos sim! – fiz o mesmo. – Apesar de, estranhamente, você ser a mais gay da relação.

– Que, mané, gay! Tá me estranhando, é?! Vem cá que eu te mostro quem é gay – provocou.

– To indo, to indo! – a única coisa pior do que não ir, era saber que não podia ir, e saber o porquê de não poder ir. E saber que jamais iria. Eram os meus poucos minutos de frustração e autocondenação ao interpretar, ou, melhor dizendo, ao tomar para mim a identidade de Mabel... certo, esta ainda não era uma forma precisa de expressar a situação na qual eu me encontrava, pois não sentia-me outra pessoa, ainda que aquele avatar negasse tal sensação, tudo era verdade em meu peito, ao menos, assim eu preferia pensar.

– Mah – era o apelido que eu recebera dela -, to saindo aqui. Hora do trampo.

– Vai lá, logo tenho que ir à faculdade, mesmo – não, eu não tinha, aquilo era apenas mais uma mentira, uma que ocultaria as minhas dificuldades, tanto no âmbito de tomar decisões, como no de ver-me obrigada a socializar com alguém, ainda mais, com aquela apresentação, com aquele nome, com tudo o que eu amaldiçoava em mim e, que, me amaldiçoava, em um ciclo de eternas mágoas. Ana não precisava saber disso. Quem precisaria saber disso? Nem eu mesma gostaria de saber.

E então, com a despedida, tudo se ruía em mim, desmoronava em pó, sofrendo o abalo desta amarga realidade, que eu não podia aceitar. A amarga realidade de ser quem eu sou.

– Isso é sério?! – a porta abriu-se em um rompante intempestivo, para o meu pasmo, tratava-se de Ajejandra, com feição cerrada, ainda que seus traços, naturalmente, não a permitisse intimidar. Carregava, e apontava a mim, alguns papéis.

– O que? – perguntei, meio acuada em minha cadeira.

– Essas conversas entre você e a Ana! – fez uma pequena pausa, na qual os gráceis pomos de seu rosto coraram. – Você já parou para ler isso?

– Eu escrevi isso – observei -, ou, pelo menos metade disso. Por que imprimiu as conversas que eu te mandei?

– Você sabe o quão estranho é ler conversas de outras pessoas falando sobre os seus peitos?

– Ah – fora minha vez de corar, desviei o olhar para algum canto qualquer -, bem, por isso eu não queria que visse. É embaraçoso. Mas de qualquer jeito, não é como se estivéssemos falando dos seus peitos, mas sim, dos meus, caso eu tivesse peitos.

– Aparentemente, caso você tivesse peitos e eles fossem enormes! – olhou-me com aqueles olhos, grandes e vivificados, tinham agora aspecto de inquisidores.

– Você não devia ficar dando atenção a esses detalhes – disse, olhando para o chão, com a voz a engasgar-se em minha garganta.

– Detalhes?! Vocês são duas pervertidas! – jogou-se sobre a minha cama.

– Você não chegou à parte em que falamos sobre sua bunda ou, simplesmente, preferiu não comentar? – por mais embaraçoso e desconfortável que fosse o meu contexto, resistir a provocar Alejandra me era algo custoso.

Ela encarou-me, a boca torcida, as sobrancelhas anguladas, uma doce e caricata expressão de ira. Levantou-se abruptamente e se pôs a estapear o meu braço, a leveza daquelas mãos, claramente, não seriam capazes de ferir uma mosca.

– É sério – aquilo só me instigava a persistir os atiçamentos, enquanto defendia-me e ria -, porque, se os seus peitos são enormes, não sei qual é o adjetivo que melhor descreve a sua bunda.

– Tudo bem – Alejandra cessou repentinamente os ataques, trajou feições que lhe concedia aparência de superior arrogância, verdade seja dita, seus traços contribuíam consideravelmente mais para o desenho de tal expressão do que para a de ira. Deu as costas a mim e recolheu os papéis que trouxera -, achei que você quisesse, ou melhor, que você precisasse de minha ajuda, mas vejo que não.

– Ei, eu não disse isso, não fique assim! – estendia o braço em sua direção.

– Não, não, você não precisou dizer – dirigiu apenas os olhos a mim – Claro que, obviamente, em algum momento ela vai querer fotos minhas de presente, em algum momento ela vai querer ver-me pela webcam, em algum momento ela irá querer ouvir a minha voz. Sem falar, claro, que você precisa de ajuda com o espanhol, uma vez que você manteve a minha história, sabe, ela própria já disse como adoraria e se derreteria toda ao ouvir-me falar espanhol. Também disse que cursava farmácia, que é o meu curso, e, por experiência própria, sei que ela irá te perguntar algo sobre qual remédio tomar ou não tomar, isso sempre acontece em algum momento.

– Tudo isso me pareceu mais um pedido para ajudar-me do que o oposto – concluí, levantando uma de minhas sobrancelhas em gesto instigador. – Qual é o seu súbito interesse nisso, Alejandra?

– Do que você está falando, Li?! – pareceu assustar-se e corou, dando um passo para trás. – Eu só estou dizendo que você precisa da minha ajuda, e, para obtê-la, precisa me tratar bem, muito bem.

– Mas eu já te trato muito bem, amor – sorri carinhosamente.

– Bem – ela respirou fundo, recompondo-se -, já são quase cinco horas, tenho que voltar para casa e arrumar-me para a faculdade. Eu só queria – hesitou, gesto atípico para ela – é que eu pensei que, talvez, você devesse me passar a senha que usa para a Mabel. Sabe, se algum dia eu tiver que falar com a Ana por telefone, é bom que eu já tenha alguma experiência em conversar com ela, para evitar possíveis gafes.

– Hm – levei um ou dois minutos para refletir – não acha que eu lhe enviar as conversas já é suficiente? Não tenho qualquer problema em lhe passar a senha, mas tenho medo de que você caia em alguma contradição com minhas histórias, ou mesmo, que ela acabe por perceber a diferença durante a conversa.

– Se eu cair em contradição, melhor que seja por um programa que evitará que a minha verdadeira intenção seja percebida, é mais fácil de desfazer o erro por uma conversa online. E, sobre ela perceber a diferença, somos amigas desde antes do início dos tempos, por favor, uma convivência assim, inevitavelmente, torna as pessoas semelhantes, ao menos em algum nível, até porque, no caso, você já está escondendo as coisas que mais nos distinguem.

– Tá – refleti por mais alguns instantes -, fico com algum receio, mas creio que esteja certa. A senha é essa aqui – com um gesto da mão, pedi à Alejandra que me desse uma das folhas que carregava, peguei uma caneta e anotei, devolvendo-lhe o papel em seguida.

– Payasitah!123 – ela leu. – Sério? Usou meu apelido com um ponto de exclamação e uma sequência numérica ridícula? – parecia indignada. – Quem te conhecer apenas por essa história, jamais dirá que você tem personalidade própria.

– Para com isso! – protestei com expressão chorosa. – Hum! Foi apenas um jeito fácil de decorar uma senha, não queria usar as minhas próprias para a Mabel.

– Comentários como esse não te ajudam em nada a parecer ter qualquer personalidade, Li.

– Só me avise antes quando for logar – disse emburrada -, preciso saber, já que passo boa parte do dia conversando com a Ana.

– Tudo bem, eu te ligo, qualquer coisa.

Assenti com a cabeça e nos despedimos.

Não sabia dizer o quê, mas meu coração parecia querer fazer-me pressentir algo. Aquele mesmo coração, tão florido e tão abalado, parecia temer, por algum motivo, as pétalas que conquistara. Mas por quê? Por que, coração? O que há de errado com o seu bater, por que o faz tão palpitante? Aflito. Estaria eu cometendo novo erro? Ora, este parece ser o meu destino, afinal.


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Notas finais do capítulo

E vamos lá, gente, pelo menos um comentariozinho na história, não mereço? ç___ç Digam-me o que estão achando, gostando, não gostando, enfim, todos os comentários são bem-vindos!