A Falsa e a Verdadeira escrita por BbreBerry


Capítulo 1
O Fake


Notas iniciais do capítulo

Olá, olá ♥ Pois bem, primeiro capítulo, a capa ainda é provisória, tá? Porque acho que tá um pouco dark... enfim, a história é narrada em primeira pessoa, todavia, os narradores variarão de acordo com o capítulo. Por favor, apreciem a leitura ♥



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Eu a conhecia há anos, de fato, desde meus primeiros outonos, quando meus pais se mudaram para o Brasil. Eu era uma criança que apenas conhecia o espanhol, estar em novas terras parecia-me uma aventura, e Aline, cujo nome era outro àquela época - e não é de meu interesse aqui mencioná-lo - ajudou-me a desbravar os territórios recém-descobertos. Semeamos, ali, árvore que daria frutos de amizade duradoura. Naqueles tempos, e neste tempo presente que estou a contar-lhe esta história, Aline só tinha a mim como amiga.

Era linda e sofrida. Lindo sofrimento. Era amargurada e amável. Amargura amorosa. Tinha de reservada em si o que tinha de terna. Ternura nunca expressa. Eu era privilegiada por conhecê-la. Digo conhecê-la de verdade, explorando aquele coração aturdido, aprofundando-me naquela alma de abissal complexidade. Ah, Aline!

Eu, por outro lado, tinha me conduzido por caminhos desprovidos de encruzilhadas, simples, óbvios e objetivos, sempre segura do que seria o melhor para mim. E o melhor para mim estava sempre ao meu alcance. Ou assim eu pensava. Meu primeiro erro se deu ao permitir que Aline fizesse aquilo. Certo, eu não podia, de fato, proibi-la, mas podia não ter tido, ao menos, tamanho envolvimento. Daí em diante fora uma sucessão de erros. Erros a mergulharem em erros, alagando-se e transbordando erros.

Éramos vizinhas, visitávamo-nos com alguma frequência, ainda que os estudos estivessem tomando para si uma significativa parte de meu tempo. Não havia decoros ou formalidades, quaisquer que fossem, entre nós, ainda que fôssemos duas pessoas de considerável educação. Tínhamos, porém, um ritualístico e terno modo de cumprimentar-nos, envolvendo abraços e carinhos.

– E a faculdade? – perguntou-me virada em direção ao computador.

– Está tudo bem entre mim e os acidentes anatômicos da escápula – respondi deitada à vontade sobre sua cama -, mesmo o acrômio e o processo coracóide, que insistiam em teimar comigo, agora, estão se comportando bem. E você, Li, quando vai tomar vergonha e fazer algo de sua vida?

– Não sei ainda – respondeu-me e virou-se para mim em um giro de sua cadeira, tinha em seu rosto expressão de acanhado sorriso. – Talvez eu tente algo para o semestre que vem. Estou pensando em voltar para letras, mas não estou certa ainda. Às vezes quero tentar algo diferente, como enfermagem.

– Você seria uma péssima enfermeira, Li.

– O que?! – desenhou um semblante ofendido, escancarando a boca caricatamente e levando a mão ao peito. – Por que você diz isso?

– Porque não é a sua, Li – sorria com sua reação. – Vai por mim, ninguém te conhece melhor do que eu.

– Só queria sair um pouco do óbvio – torcia a boca em terna expressão. – Mas são apenas ideias – calou-se e cobriu-se de seriedade, contemplou a vista de sua janela. Era o processo que se dava quando desejava mudar de assunto, e, no caso, este assunto, tratava-se de algo importante. Os próximos passos também já eram previsíveis, voltaria o olhar ao chão, meditaria e, enfim, tomaria coragem para encarar-me, mas não para falar-me, apenas esperar que eu começasse.

– O que foi, Li? – iniciei.

– Eu, um dia desses – enrolou, hesitou e gaguejou por alguns segundos -, conheci uma garota pela internet – concluiu finalmente.

– Ora, uma garota? – abri um sorriso com o intuito de provocá-la. – Como aconteceu?

– Eu a adicionei em uma página, ela aceitou, nós começamos a conversar e, a verdade, é que – vacilou por uns instantes e voltou – temos nos dado muito bem, até o momento.

– Mas você a adicionou com o seu perfil? Sabe, o de...

– Não – interrompeu-me e respirou fundo. – eu criei um novo perfil.

– Um perfil para a Aline?

– Não – um evidente peso abateu-se sobre seus traços. Era um assunto delicado e, mesmo conhecendo-a tão bem e tão intimamente, sabia que o menor equívoco era capaz de feri-la em profusão. – Eu tentei, mas ainda não é possível – disse com voz mareada. - As fotos não ficam – mordeu o lábio, desviou o olhar e voltou a respirar fundo, recompondo-se – Enfim, eu precisei usar fotos de outra pessoa.

– Você fez um fake? – indaguei sem ocultar o pasmo.

– É... – sussurrou como se eu a estivesse oprimindo.

– Mas, Li – protestei -, você sabe que isso está fadado a dar problemas! Pior! Está fadado a terminar, antes mesmo do começo. Se você está gostando mesmo dessa menina, abre logo o jogo com ela – aconselhei.

– Eu sei, mas não quero desapontá-la, não agora, que eu já me declarei para ela, e ela para mim – disse acanhada. – Não quero que ela perceba que se apaixonou por... – pausou – Alguém como eu.

– Você é uma pessoa incrível, Li – estiquei os braços e repousei as mãos sobre as delas, tentando acalentá-la. Ela fitou nossas mãos, um par sobre o outro, aquilo claramente a trazia incômodo, a disparidade entre os tamanhos. Recuei, sem graça e tentei recobrar-me. – Bem, já lhe dei o meu conselho, agora, mostre-me quem é a garota que escolheu para representá-la.

Levantei-me e inclinei-me em direção ao computador. Aline tentou me deter, o que me surpreendeu, nós não escondíamos nada uma da outra. Não até aquele dia. Tentei vencê-la, eu era assombrosamente menor, porém, mais esguia e com maior flexibilidade. Esgueirei-me até a tela e liguei-a, Aline me deu um puxão, mas logo voltei, joguei-me em direção ao mouse, ela exclamava negativas insistentemente, mas o preto da tela diluiu-se em cores, foi quando eu vi, em uma janela aberta de um programa mensageiro. O empurrão tardio que recebera fez-me cair sobre o piso emadeirado.

– Sou – titubeei – eu...

Aline tentou se justificar. Os gestos e movimentos tremidos pela agonia, balbuciava, nada com o mínimo nexo ou coerência saia de sua boca, apenas tremores.

– Você fez um fake meu?! – levantei em um salto e pus-me cara a cara com ela.

– Eu fiz... – a voz débil, desfazia-se no ar.

– Você está doida, Aline?! Diga-me que não usou meu nome, ao menos.

– Não – apontou para a tela, acuada como se estivesse em interrogatório -, escolhi o nome Mabel.

– Mabel?! Eu não tenho cara de Mabel!

– Também não tem cara de Alejandra – provocou-me com desdém.

– Claro que não, meu nome não é Alejandra! É Alejandra Antonia!

– Você tem ainda menos cara de Alejandra Antonia – manteve a atitude. O que, claramente, se mostrava efetivo.

– Não importa! – sacudi a cabeça, voltando à razão. – É uma tradição hispânica dar nomes compostos. Ou, acaso, está fazendo-me passar por brasileira?

– Você mora aqui desde os quatro anos, por favor! – criticou-me em sua peculiar descrição. – E, não, eu mantive sua história original, ou, ao menos, parte dela. De qualquer forma, não é você, sou eu, entende?

– Não sou eu! Sou eu e você! Ou é você e... – sacudi a cabeça mais uma vez, voltar a mim, no entanto, tornava-se cada vez tarefa mais árdua. – Droga, nem sei o que isso é!

– Não é isso – corrigiu-me, inconveniente, como toda correção costuma ser. – É essa. Trata-se de uma pessoa.

– Uma pessoa falsa!

Aline tomou minhas mãos e, com os olhos em súplicas umedecidas, encarou-me: - Por favor, Alejandra – aquela insuportável mania de não apelidar-me -, ajude-me com esse fake! Por favor! Não quero perder a Ana! Eu juro que vou contar a verdade para ela um dia, mas preciso fazê-la querer-me por quem eu sou por dentro, antes!

– E por que você acha que já não é assim? – perguntei.

Os olhos de Aline desceram e percorreram o meu corpo, chegando aos meus peitos, inclinou o rosto ao lado, levantou uma das sobrancelhas em sorriso debochado. Sem qualquer palavra, deixava bem claro o que desejava dizer. Corei e saltei para trás assim que me dei conta, enfezando o cenho.

– Idiota! – gaguejei.

– Você fica ainda mais linda com essa carinha de atriz de novela mexicana bravinha – provocou. – Ah, se a Ana te visse assim!

– Eu não sou mexicana! – olhei para a tela, tentando visualizar o alvo do coração de minha amiga. Era apenas uma foto, uma pequenina foto jogada ao canto de uma pequenina janela virtual, mas era linda. A pele era em um tom intermediário entre a alvura de Aline e o suave acastanhado da minha, tinha olhos redondos, grandes, exalantes de vivacidade e ternura, cabelo curto à altura da nuca e um sorriso encantador.

– Você está corada? – perguntou-me Aline, espantando o transe no qual eu ficara imersa, sem, que, eu sequer tomasse conhecimento disso. – Está tudo bem?

– Ah, claro, tudo bem – recobrei consciência e empenhei-me em ocultar os traços do encantamento que se apossaram de mim por um instante. – Veja, já está na hora – olhei para o meu pulso, sem sequer ter atado sobre ele um relógio. – Não quero atrasar-me para o vôlei, nos vemos mais tarde! – corri em direção à porta.

– Espera! – interveio Aline. – Você vai me ajudar, afinal?

– Eu farei o possível – olhei-a por cima do ombro. – Contanto que me prometa fazer o possível para contá-la também! Quanto antes, melhor!

– Eu prometo – disse-me Aline em um raro momento entusiástico.

– Certo – saí do quarto, bati a porta e recostei-a sobre ela. Respirei fundo. Algo havia tomado o meu peito em ardor avassalante. Eu não entendia, ou entendia, mas negava-me a aceitar tal entendimento. Refugiei-me em minha ingenuidade, a ingenuidade de alguém que nunca conhecera o amor e, que, portanto, não poderia ter certezas a seu respeito.


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Notas finais do capítulo

E, por favor, comentem, vamos interagir, só temos a ganhar com essa relação, digam o que acharam, o que gostaram e não gostaram, quais impressões tiveram, critiquem, elogiem, enfim, sintam-se à vontade. Responderei todos os comentários com amor. ♥