Pokémon Nuzlocke: Heaven & Hell escrita por Umisachi Misaki


Capítulo 11
Capítulo 10 - Reunion


Notas iniciais do capítulo

Yay, aqui estou eu de novo! Desculpem pela demora para postar o capítulo, ele estava sendo revisado ainda e o tempo é curto. Enfim, não darei muitos spoilers agora; leiam e descubram!
Espero que gostem o/



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/536745/chapter/11

As cores vívidas do campo verde, por onde estendiam-se fileiras das mais belas flores e de aromas diferenciados, somada a luz dourada do sol, que estava especialmente intensa durante aquele início de crepúsculo, contribuíam para a venustidade do local. A garota de cabelos negros sorria incondicionalmente, trajando um vestido branco, dançando junto ao vento, na companhia de seus pokémons. As criaturinhas corriam, alegres, brincando umas com as outras, como nunca antes, deixando que toda a sua felicidade e jovialidade transbordar-se.

Porém, de súbito, nuvens negras cobriram o céu azul, impossibilitando a passagem dos raios luminosos do astro dourado, ocultando toda a sua grandiosidade. O cavalo de crinas azuis flamejantes, a lontrinha de pelos laranjas e o felino de cor creme cessaram sua reinação, fitando os arredores com certa confusão e temor. A menina de pele alva compartilhava do mesmo desentendimento, e uma estranha preocupação a preenchia. Quando finalmente virou-se para a direção mirada por seus pokémons, estremeceu.

Diante de si estavam cerca de quatro figuras sem rosto, cobertas por vestes negras e carregando espingardas de canos longos. Elas não ousavam movimentar-se, apenas permaneciam imóveis fitando o grupo, trazendo consigo o desconforto e o terror, que transpareciam através de seu semblante obscuro. Parecia que sua chegada havia transformado o cenário por completo, tingindo tudo a sua volta de um cinza mórbido.

Como se ciente do que estava por vir, a jovem apressou-se, pedindo para que seus companheiros se retirassem junto a ela, à procura de segurança. Contudo, suas inúmeras tentativas de alertar seus pokémons sobre o perigo que se estendia a sua frente pareciam inúteis, uma vez que os monstrinhos de bolso permaneciam estáticos, com os olhares brancos fixos nas figuras misteriosas, como se hipnotizados por elas. Mais alguns minutos de desespero se sucederam antes que o primeiro vulto negro levantasse sua arma, apontando-a para o Ponyta.

Um grito fúnebre fora inconscientemente liberado pela menina ao ouvir o som da bala cruzando os ares, fazendo seu caminho até atingir a cabeça do cavalo, entre seus olhos. Seu corpo frio tombou contra o chão de imediato, sendo envolto por trevas e logo desaparecendo. Não mais do que alguns segundos se passaram antes de outros dois atiradores se posicionarem, mirando os restantes pokémons, apertando o gatilho com a mesma frieza com a qual o primeiro vulto o fizera. E, como antes acontecera com o cavalo de fogo, agora o gatinho e a lontra jaziam no chão, a fumaça negra consumindo seus corpos sem cor a partir do local onde haviam sido atingidos.

E, por fim, a garota se viu sozinha, tendo seu rosto umedecido pelas lágrimas ardidas que o queimavam. Caiu de joelhos sobre o capim negro, fitando as palmas de suas mãos ensangüentadas e o vestido tingido da mesma cor. Trêmula, virou-se para a frente, deparando-se com a quarta silhueta negra, que jazia a cerca de cinco metros apenas. Seus outros comparsas estavam mais afastados, como se assistissem ao espetáculo. Sem hesitar, a figura ergueu sua espingarda, apontando-a contra a testa da jovem, que apenas fechou os olhos, aguardando que a dor a consumisse, entregando-a ao mesmo fim que levaram seus queridos companheiros. E, então pôde ouvir aquele terrível som forte de disparo, o mesmo com o qual havia se familiarizado, e que tanto a atordoava.

— Ah! — Caroline gritou, levantando-se bruscamente.

O peito da garota subia e descia em um movimento rápido em sua luta para encontrar ar. Seu coração batia aceleradamente, subindo a sua garganta. Olhou para as mãos trêmulas, levando-as ao rosto e percebendo que este estava suado. Precisou de alguns segundos para estabilizar-se e tomar conhecimento da realidade.

— Tudo bem, Care? — a voz masculina tão familiar soou.

Mas alguns segundos se passaram para que a jovem pudesse reconhecer o ambiente em que estava; o aposento era um cubículo, um pouco maior do que um armário de zelador, apresentando algumas garrafas com líquidos diferenciados sobre uma única prateleira de madeira e algumas vassouras e rodos em um dos cantos, junto à dois baldes. O forte cheiro de produtos de limpeza, que impregnava o local, atingia suas narinas, fazendo-as arder, mas aquilo não a incomodava no momento. A única fonte de iluminação do local, exceto por um único bulbo pendurado ao teto baixo por um fio, era o fogo azul intenso emanando do corpo do eqüino, que se deitava sobre suas quatro patas, dobradas abaixo de si, ao lado da cama improvisada de sua treinadora; um conjunto de lençóis emaranhados, dispostos sobre o frio chão de pedra.

— Sim. — Respondeu a menina, finalmente voltando sua atenção para seu companheiro. — Sim. — Repetiu, como que assimilando suas próprias palavras. — Foi só um pesadelo. — Afirmou, suspirando, agora mais calma.

Prontamente, Caroline apanhou a bolsa que estava ao seu lado, procurando por um objeto em especial, o qual encontrou sem muitas dificuldades; um Dreamcatcher pequeno, de cerca de sete centímetros, de armação de madeira envolta por diversos fios de linha, por entre os quais se dependuravam miçangas, enfeitado por algumas penas de cor vermelha. Segurou o objeto perto de si, fechando os olhos.

Desde o incidente uma semana antes durante o Contest, a garota tinha o mesmo pesadelo todas as noites. Como imaginava, o som dos tiros ainda perturbava sua mente, e o ocorrido a desprovia de sono, criando imagens que não podiam ser afastadas por muito tempo. A garota sacudiu a cabeça bruscamente, passando as mãos por seu rosto para limpá-lo do suor, guardando seu apanhador de sonhos em sua mochila de viagem novamente, colocando-se de pé logo em seguida, virando-se para Firestarter.

— Onde estão Leroy e Augustus? — Indagou, percebendo que os monstrinhos não mais estavam no quarto improvisado junto à ela, onde haviam ido dormir na noite anterior.

— Leroy disse que queria mostrar alguma coisa para Augustus. — Informou o cavalo shiny, acompanhando o movimento da treinadora e reerguendo-se também. — Devem estar assistindo os treinadores no campo de batalha, como todas as manhãs. — Balançou a cabeça para os lados, batendo suas quatro patas contra o chão, uma por vez, para que pudesse ajeitar a posição de seus protetores de metal.

Caroline apenas assentiu, abrindo a única porta que havia no apertado cômodo, o qual chamara de quarto desde que chegara. A forte claridade, oriunda da ótima iluminação do estabelecimento subterrâneo, irritou os olhos da jovem, que precisou piscar algumas vezes para acostumar-se com o ambiente bem iluminado. Deparou-se com algumas pessoas caminhando pelo local, bem como alguns pokémons que aproveitavam o espaço para correrem, após um possível longo tempo sem sair de suas pokébolas, e alguns vendedores começando a organizar suas barracas. Ainda não havia muito movimento, provavelmente por estar ainda cedo demais; a garota fitou seu X-Transceiver, notando que não passava das sete e quinze. Normalmente, dormiria mais, não fosse pelo fato de sua mente perturbá-la mesmo durante seu sono.

Não demorou muito para que ouvisse alguns barulhos, desviando sua atenção rapidamente para o campo de batalhas improvisado do Mercado Negro de Striaton, tendo sua área delimitada por faixas de tinta branca pintadas no solo terroso. Facilmente identificou aqueles que se posicionavam nas extremidades do grande retângulo, bem como os pokémons que se confrontavam em um combate amistoso; de um dos lados, estava a garota de incomuns cabelos azuis, trajando seu tradicional casaco roxo, próxima à lontrinha branca e azul, que segurava firmemente sua concha em suas mãos. Em oposição, encontrava-se Amy, tendo sua perna esquerda ainda envolta por bandagens e colocando-se de pé com o auxílio de uma espécie de bengala e, a sua frente, a Riolu preparava-se para executar um golpe que lhe fora preparado. Ao fim da linha que cortava o campo, dividindo-o em duas metades idênticas, Caroline encontrou a doninha laranja e, ao seu lado, o gatinho de pelos claros; ambos possuíam expressões animadas, entretidos com a luta que era travada diante de seus olhos.

Inexpressiva, a menina de cabelos negros aproximou-se de suas amigas, acompanhada do cavalo de crinas flamejantes, que caminhava ligeiramente mais lento do que o normal, e observou a batalha por alguns segundos até que sua presença fosse notada.

— Ah, bom dia, Caroline! — cumprimentou a garota de cabelos castanhos ondulados, sorrindo e acenando para a recém chegada

Desde sua chegada ao Mercado Negro no dia em que ocorreu o massacre, Amy houvera sido tratada com extrema hospitalidade e cuidado, bem como as outras duas jovens e seus pokémons, e estava incomparavelmente melhor; alguns dos vendedores especializados em fabricar as mais diversas poções, pareciam entender também de cuidados hospitalares e criaram suas próprias medicinas para a mais rápida possível recuperação da garota baleada. Em apenas sete dias, o ferimento criado pela bala que atingira sua perna esquerda estava já quase fechado, o que levaria cerca de três semanas para ocorrer em um hospital urbano, e sua recuperação fora também facilitada pelo fato de que, por sorte, nenhum osso havia sido profundamente perfurado. Embora ainda encontrasse certa dificuldade em manter-se de pé, já conseguia caminhar sozinha, mesmo que em uma velocidade reduzida, e os analgésicos ajudavam-na a ignorar a dor.

— Bom dia. — bocejou Alyss, simplesmente, abrindo um sorriso de canto de rosto para Caroline. O cansaço era evidente em seus olhos.

Maiko e Kairi também cessaram seus movimentos para fitar a recém chegada, arfando. Deveriam estar treinando já por algum tempo, algo que causou certa estranheza à Caroline; desde o incidente, sua vontade de batalhar e treinar era nula. Na verdade, ela tentava se manter o mais afastada o possível de qualquer coisa que causasse dor ou cansaço desnecessário a seus pokémons; como em suas primeiras semana após sair de casa, todo o receio e aversão que sentia com relação ao combate dos monstrinhos de bolso parecia haver retornado.

— Bom dia. — respondeu a jovem, por fim, forçando um sorriso. Logo sua atenção fora desviada para Leroy, que seguia em sua direção e, logo atrás dele, aproximava-se o gatinho.

— Bom dia, Care! — o Buizel cumprimentou-a com um de seus sorrisos alegres tradicionais; não importava o que ocorresse, Leroy jamais aparentava estar triste. — Agora que você acordou, podemos seguir? — indagou, com um brilho inexplicável em seus olhos negros, enquanto segurava a mão da treinadora.

— ... Seguir? — a menina fez uma careta, inicialmente confusa.

— Bem, — a garota de cabelos azuis começou, chamando sua Oshawott para perto para certificar-se de que esta não havia se machucado durante o treino, entregando-lhe algumas berries para que recuperasse sua energia. — Estávamos analisando alguns mapas noite passada, traçando um caminho seguro até Nacrene, a cidade mais próxima. Conversamos também com alguns dos outros treinadores que passavam por aqui e pedimos informações; concluímos que, seguindo pela antiga Rota 3, devemos chegar até a cidade dentro dois dias. — explicou, um pouco hesitante quanto a reação da outra. — Não podemos ficar aqui para sempre. — acrescentou, dando de ombros.

Naquele momento, Caroline desviou o olhar, fitando o chão, hesitante. Após quase ter perdido Firestarter, muita coisa havia mudado; pelo menos para a menina. Ela estava, sim, planejando um caminho; aquele de volta para casa, onde estaria em segurança, junto com seus companheiros. O incidente no dia do Contest a tornara receosa e insegura, fazendo-a abrir os olhos e perceber o quão arriscada era aquela jornada que ela fazia e, novamente, voltava a castigar-se mentalmente por ter aceitado a proposta de Juniper; o mundo estava perdido, não havia formas de mudá-lo e, portanto, não era necessário tentar fazê-lo. Continuar com aquela idéia louca seria como entregar a si e a seus pokémons a uma missão suicida, da qual ela sabia que não retornaria com vida. Estaria apenas adiando sua tão esperada e inevitável morte, que algum dia chegaria. Não estavam mais seguros em lugar algum. Enquanto o governo existisse, sua fútil jornada pokémon seria uma ameaça a si e a todos a seu redor.

O Governo.

A garota desconhecia quem disparara os tiros durante aquela terrível tarde, mas sabia que haviam sido agentes do governo; somente eles o fariam. E isso a irritava, fazendo com que certa raiva fluísse pelo corpo da jovem, que agora sentia-se determinada a acabar com aquela injustiça. Lembrava-se claramente das vítimas, tanto pokémons quanto humanos, inocentes que eram assassinados cruelmente pela cega supremacia do homem. Ela gostaria de pôr um fim ao caos que reinava naquele mundo desequilibrado, mas não se isso significasse a vida daqueles que amava.

Por outro lado, sempre que tentava contar aos membros de seu time, ou mesmo à suas amigas, sobre sua vontade de desistir, todos tentavam convencê-la de que aquela decisão seria errada, e que se arrependeria. Porém, no momento, seu único arrependimento era ter assumido que o mundo não era tão perigoso como a haviam alertado. Todavia, embora possuísse inúmeros argumentos, nenhum de seus pokémons parecia muito animado com a idéia de retornar à fazenda; nem mesmo Augustus, o mais novo e, aparentemente, mais assustado, mostrava-se disposto a abandonar aquela nova vida que levava. O gatinho afirmava divertir-se em seus treinos e, ouvindo histórias de Leroy e Firestarter, mal conseguia conter sua ansiedade para batalhar pela primeira vez ao lado de sua nova treinadora.

Diversas vezes, durante os dias que passara no Mercado Negro, acompanhando a rápida recuperação de Firestarter, observando-o sair bravamente do estado crítico em que se encontrava no dia de chegada, Caroline debatera com o cavalo, contando-lhe sobre seus receios e desejos. Contudo, o Ponyta parecia não concordar com ela, o que era extremamente raro, e assegurá-la de que ela não tivera culpa sobre o que ocorrera, e menos ainda deveria desencorajar-se ao deparar-se com aquele obstáculo. Sempre tentava mostrar-lhe o lado positivo da situação, relatando detalhadamente sobre como percebera que sua força e capacidade de defesa haviam aumentado com os vários treinos que realizavam e narrando a felicidade incomparável que sentira durante suas poucas batalhas e sua primeira corrida, esperando participar de muitas outras. Embora Caroline não compreendesse, Firestarter afirmava nunca ter se divertido tanto quanto nas últimas semanas e que, independente do que ocorresse, não gostaria de abandonar aquela vida.

— Então? — após o longo silêncio da mais nova, Alyss indagou, trazendo-a de seus devaneios e chamando sua atenção.

— Bem... — a jovem de cabelos negros gaguejava, incerta. Tornou sua atenção então para Augustus, que apoiava suas patas dianteiras na perna da garota, fitando-a com um olhar triste, e não tardou a perceber que Leroy fazia o mesmo. — Ah, bem... — virou-se então para o cavalo de crinas flamejantes ao seu lado, que assentiu. — Tudo bem, pode ser, eu acho. — respondeu, por fim.

— Isso! — comemorou o Buizel, alegre, correndo ao encontro de Firestarter, que sorria.

— Vamos arrumar as nossas coisas, então. — informou Amy, retirando-se junto à Alyss e seguindo com suas pokémons em direção aos apertados cômodos onde haviam passado as últimas noites.

Caroline apenas assentiu, logo voltando sua atenção para a lontrinha laranja e o cavalo de crinas azuis, que corriam um atrás do outro em uma espécie de brincadeira, vez ou outra empurrando-se de leve. Por um breve momento, a jovem permitiu que um fraco sorriso se abrisse em seu rosto; testemunhar a genuína felicidade de seus companheiros era algo que a alegrava. Contudo, por mais que tentasse esquecê-lo, o receio jamais a deixaria; o som das balas cortando o ar, o cheiro de morte, as imagens terríveis, sempre estariam lá para perturbá-la. Sentindo algo puxar a barra de sua calça, a garota afastou seus pensamentos por um momento, fitando Augustus.

— Err, Caroline. — chamou o gatinho, observando a jovem com seus grandes olhos esmeralda. — Posso fazer uma pergunta? — indagou, acanhado. Por ser o membro mais novo do time, o Meowth ainda não havia se entrosado muito com a treinadora, embora gostasse de sua companhia.

— Claro. — respondeu a menina prontamente, estendendo seus braços em direção ao gato para poder aconchegá-lo em seus braços, acariciando seus pelos macios.

— Eu poderei batalhar logo? Como Leroy e Firestarter? — perguntou, erguendo sua cabeça para que pudesse fitar a garota.

— Ah, Augustus. — a jovem suspirou, desmanchando o sorriso. Já estaria seguindo à contra-gosto, ainda não tendo desistido completamente de sua idéia de retornar à sua fazenda, e a última coisa sobre a qual gostaria de pensar no momento era arriscar seus pokémons e permitir que estes se ferissem em combates por motivos fúteis. — Por que está tão ansioso?

— Desculpe. — o Meowth abaixou a cabeça novamente, sentindo que sua pergunta fora um incomodo, mas prosseguiu, respondendo a menina: — Fire e Leroy me contaram das vezes em que batalharam. Eu nunca tive um treinador, mas pelo o que me falaram, parece ser tão divertido. — contou.

— Eles disseram isso? — a garota arqueou uma sobrancelha, tornando a acariciar o dorso do pokémon em seu colo.

Augustus apenas assentiu e, segundos após, Caroline deparou-se com um Leroy animado, carregando em suas costas a pesada mochila de viagem da treinadora, acenando para esta. Ao seu lado estavam o Ponyta, a Riolu e a Oshawott, junto de Amy, que carregava Donner em seu colo, e Alyss, que tinha Damen em seu ombro direito. Pareciam já ter organizado tudo o que precisavam para finalmente poder deixar o estabelecimento ilegal e sair do subsolo pela primeira vez em uma semana.

— Vamos? — perguntou o Buizel animado, entregando a mochila para a garota.

Com apenas um suspiro, sem nada dizer, a jovem de cabelos negros colocou novamente o Meowth no chão, agarrando a alça de sua mochila de viagem e pendurando-a em seu ombro direito, como costumava fazer. Após dias sem ter de carregá-la, o peso lhe fora inicialmente estranho, ou talvez fosse apenas sua consciência dizendo-lhe que aquela era, certamente, a decisão errada a se tomar. Porém, que escolha tinha, quando seus pokémons mostravam-se tão animados para seguir por aquela perigosa estrada, ignorando todos os males que se espreitavam pelo caminho? Não poderia mantê-los prisioneiros, até por que seria uma grande hipocrisia; estava lutando pela liberdade dos pokémons, e deveria lhes conceder a chance de decidir ou ao menos opinar quanto ao que fazer.

Caroline fitou as duas amigas logo em seguida, como se para confirmar que tudo estava pronto para que seguissem. Ao observá-las assentir, procurou em sua mochila as três esferas bicolores que lá estavam guardadas; não havia retornado Augustus, Leroy ou Firestarter desde sua chegada ao Mercado Negro, e acreditava que seria estranho não tê-los por perto, mesmo que por pouco tempo. Retornou, primeiramente, o cavalo de crinas flamejantes, que pareceu não ter qualquer problema ao voltar para o conforto do dispositivo, e logo apontou as duas pokébolas restantes para o Buizel e o Meowth. O gatinho parecia ainda receoso quanto a ficar preso, mas retornou sem protestar, e assim fez também a lontrinha laranja. Ao perceber que Amy e Alyss também haviam recolhido os membros de seu time, deixou que essas começassem a caminhar, passando pela porta do estabelecimento ilegal e logo subindo a escadaria. A garota de cabelos negros as seguiu, suspirando uma última vez ao deixar o local e as pessoas que lhe abrigaram durante a semana anterior.

****

— Então, devemos continuar em frente e virar à direita no rio, certo? — confirmava a menina de cabelos azuis, observando cautelosamente o mapa nas mãos de Amy e traçando o caminho que deveriam seguir com o dedo indicador.

— Foi isso que nos orientaram a fazer. — confirmou a de cabelos castanhos ondulados, desviando seu olhar do pedaço de papel antigo por um momento para apreciar a paisagem com seus olhos verde esmeralda.

A grande rota abandonada era como uma floresta, aparentando ser ainda mais deserta do que as outras pelas quais já haviam passado. Árvores de porte alto estendiam-se grandiosas, muito próximas umas as outras, e suas folhas largas impediam quase completamente a passagem dos raios dourados do sol da manhã, servindo também como uma camuflagem para as jovens viajantes. Era a primeira vez em que não seguiam uma devida trilha, o que as deixava, de certa forma, desorientadas; passavam por um caminho onde a vegetação era apenas um pouco mais baixa, provavelmente devido ao pisoteio dos raros e poucos treinadores que ainda passavam por lá com a intenção de chegar à outra cidade de forma segura. Não se podia ouvir qualquer som além do farfalhar das folhas secas caídas em montes sobre o chão e galhos que ocasionalmente se quebravam com o peso das meninas que os atingiam. A brisa gélida que atingia seus rostos, combinada à sombra que lhes era providenciada pela densa mata, as mantinham refrescadas e dispostas a continuar seguindo em frente. Não era o cenário mais belo de todos, porém, a natureza certamente tinha efeitos tranqüilizantes e reconfortantes.

Caroline estava a cerca de dez metros atrás das outras duas garotas, que discutiam sobre o caminho a ser seguido. Estava imersa em seus pensamentos e inseguranças, virando-se para trás e para os lados constantemente apenas para certificar-se de que ninguém as estava seguindo. Desde o dia no qual quase perdeu Firestarter, havia tornado-se sutilmente paranóica, sendo incapaz de sentir-se confortável na Rota abandonada. Ás vezes, seus olhos lhe pregavam peças, quando pensava avistar canos de armas ou pessoas vestidas de preto, apenas para posteriormente notar que se tratavam apenas de galhos ou arbustos de folhagem mais escura.

— Hm, talvez Damen possa nos ajudar a localizar o rio. — sugeriu a garota de cabelos azuis, abrindo um sorriso leve.

Ao perceber que estavam já em um local afastado da cidade, de modo que fazia cerca de meia hora desde a última vez em que foram capazes de avistar um prédio ou construção urbana, Alyss pôs-se a revistar sua mochila de viagem branca, em busca da pokébola do Espurr, que ficava em um compartimento secreto ao fundo. Ao encontrá-la, não hesitou em disparar o objeto esférico ao ar, e este irradiou um feixe de energia branca que logo ganhou forma, revelando o inexpressivo felino de pelos roxos.

— Podem sair vocês também. — exclamou Amy com uma expressão alegre, libertando ambos os pokémons que possuía.

Kairi nada disse, apenas observando o local desconhecido de rabo de olho, sem dar muita atenção ou importância. O Helioptile, por sua vez, demonstrava-se um pouco mais curioso, fitando os arredores e movimentando-se de um lado para o outro, antes de demorar o olhar em sua treinadora e abrir um sorriso gentil, caminhando até esta e deixando-se ser levado até seu colo.

A menina de cabelos negros parou de súbito ao virar-se para a frente novamente, deparando-se com os pokémons libertos das amigas. Instintivamente, tornou a olhar para os lados, certificando-se já pela vigésima quinta vez de que não havia qualquer outro sinal de vida por perto. Sua expressão tornou-se triste ao lembrar-se de seus três companheiros e como gostaria de conceder-lhes a mesma liberdade; contudo, ainda receava que algo pudesse lhes acontecer caso o fizesse. Duvidava que conseguiria algum dia sentir-se segura em um espaço amplo como aquele novamente, como anteriormente se sentira. Ao decidir-se que seria melhor deixar seus pokémons na segurança de suas pokébolas, suspirou, cruzando os braços e fitando o chão, aproximando-se das outras garotas.

— Damen, você consegue nos dizer onde está o rio? — indagou a jovem de cabelos azuis, agachando-se para acariciar o topo da cabeça do Espurr.

O pequenino assentiu prontamente, fechando os olhos cegos e levantando ligeiramente as orelhas triangulares caídas, direcionando também seu curto focinho para o alto. Por ter perdido a visão, o Espurr havia sido recompensado com uma significativa melhora em seus outros sentidos, especialmente sua audição, o que o tornava o mais classificado para realizar com destreza a tarefa pedida por sua treinadora. Em apenas alguns segundos de concentração, foi capaz de ouvir com clareza a água corrente e, reabrindo seus olhos incolores, apontou com a cabeça a direção exata a ser seguida.

— Muito obrigada. — sorriu a garota, estendendo o braço ao pequeno felino para que este pudesse subir em seu ombro.

O grupo teve de caminhar por cerca de mais vinte minutos, esgueirando-se por entre as árvores e ocasionalmente tropeçando em raízes altas ou pedras em sua rota, que eram cobertas pela camada de folhas caídas ao chão, antes de finalmente ouvirem o som da água fluindo. Estas corriam majestosamente pelo rio de cerca de cinco metros de largura; suas águas eram cristalinas, com ausência de qualquer impureza, indicando que, provavelmente, seriam próprias para consumo.

— Wow. — murmurou Amy, admirada por tamanha venustidade, seus olhos verde esmeralda adquirindo um novo brilho. — Por quanto tempo deveríamos seguir o rio mesmo? — indagou, sem desviar o olhar da água corrente.

— Disseram que deveria levar cerca de um dia. — Alyss respondeu, franzindo o cenho.

— Melhor não perdermos tempo, então. — pronunciou-se Caroline pela primeira vez desde que haviam deixado o estabelecimento ilegal, surpreendendo as outras duas jovens, que apenas assentiram.

O percurso acidentado tornou a caminhada extremamente árdua; tendo de desviar de obstáculos a sua frente, como pedras e árvores, durante a sutil descida que parecia não ter fim, as jovens logo estavam completamente desgastadas. Suas testas brilhavam com o suor que escorria por seus rostos e cabelos, e as palmas de suas mãos estavam sujas e raladas, como resultado das vezes que acabaram por desequilibrar-se e cair. Os únicos que pareciam divertir-se com o trajeto exaustivo eram os pokémons, especialmente Kairi e Donner. O lagartinho de corpo amarelo com listras negras escondia-se entre as folhas amarronzadas dispostas ao chão, por vezes levantando-se apenas para tentar surpreender a Riolu, que se indignava e perseguia o monstrinho. A loba de pelos azuis também parecia exibir sua jovialidade, escalando até galhos baixos de árvores próximas com saltos formidáveis e tremenda agilidade, ocasionalmente correndo a frente do trio apenas para repreendê-las com um olhar sombrio que significava “vocês são muito lentas”.

E, quanto mais tempo passava, mais Caroline parecia sentir-se receosa quanto a estar naquela Rota abandonada, ainda mais com pokémons expostos. Tentava pensar em coisas aleatórias para distrair-se, ou reviver antigas memórias felizes, porém, eventualmente, o som dos tiros sendo disparados ecoava por sua cabeça, deixando-a em pânico. Por isso, preferia ainda caminhar a alguns metros das outras, com medo de que percebessem sua paranóia. O sentimento de estar sendo observada também se tornava cada vez mais forte, fazendo com que a garota olhasse para a copa das árvores compulsivamente, apenas esperando algum sinal de uma cobra prestes a dar o bote.

Com um movimento brusco de Damen, que saltara do ombro da jovem de cabelos azulados, as três pararam de súbito, assustadas. Aquele simples movimento foi o suficiente para que Caroline se desesperasse, movendo sua cabeça rapidamente em todas as direções, a procura do ser que colocara o Espurr em alerta. O felino movia suas orelhas, apoiando-se no chão com três de suas patas, e a dianteira direita erguida. Por fim, virou-se para sua treinadora; mesmo sem ser capaz de enxergá-la, era capaz de sentir perfeitamente sua presença, bem como a de todos os outros a sua volta.

— Tem... mais alguém aqui. — anunciou o pequenino, com sua voz baixa e rouca, que raramente podia ser ouvida. — Um garoto. — completou.

A única reação que Alyss teve foi a de arregalar os olhos, surpreendida pela informação que lhe fora dada e, sem ter muito tempo para pensar, pôde ouvir o som de algo caindo ao chão com um baque surdo, logo atrás dela. Virou-se para trás instintivamente, deparando-se com uma figura desconhecida e sentindo o ar escapar-lhe de seus pulmões. Deu alguns passos para trás, apreensiva, sem ao menos ter ciência de que estava realizando tal ato.

A frente do trio de garotas, estava um rapaz de pele morena e consideravelmente alto, beirando um metro e setenta e cinco de altura. Seus cabelos, de um tom ruivo intenso, chegavam quase até seus ombros largos, e estavam desgrenhados e sujos de terra, bem como suas vestes surradas; uma camiseta vermelha com alguns sutis rasgos e diversas manchas, complementada por uma bermuda bege, igualmente encardida e desasseada. Uma de suas maiores peculiaridades estava em seus olhos cinzentos, como o céu ao anúncio de uma tempestade, como se houvessem perdido o brilho e a cor original, desbotando para escalas de preto e branco. Possuía músculos bem definidos para a idade, aparentando ter cerca de dezoito anos, e uma mochila tão amarrotada como o resto de suas roupas jazia em suas costas. Alguns arranhões cortavam seus braços e pernas expostos, bem como seus pés descobertos, já que calçava apenas chinelos pretos.

A surpresa real, porém, estava logo atrás do rapaz mal-cuidado; uma espécie de lobo humanóide, atingindo facilmente os dois metros de altura, de pelos majoritariamente negros, exceto por uma faixa de pelos vermelho-sangue que tinham início em sua cabeça, sendo direcionados para trás, formando uma espécie de cabelo que caía até a metade de suas costas. Possuía também um colar de pelagem negra, semelhante a uma juba, contornando seu pescoço. Seus braços e pernas eram longos, cada membro dotado de quatro garras escarlate, e a região inferior aos joelhos e cotovelos eram cobertos por faixas branco-amareladas, apresentando alguns rasgos e deixando transparecer cicatrizes, semelhantes a cortes. Uma espécie de colete de couro cruzava seu peito, formando um “X”, e sustentava um majestoso arco e flechas em suas costas. Os olhos eram como pedras preciosas azuis, de tão intensos e vívidos, e ele fitava as jovens com um sorriso intimidador.

As três garotas pareciam estáticas, impressionadas e aflitas, uma vez que desconheciam as intenções do garoto e o pokémon que o acompanhava, e temiam que a situação pudesse ser perigosa. Pedir para que seus pokémons as defendessem seria como sacrificá-los, já que seria quase impossível que vencessem um oponente aparentemente tão poderoso quanto o canídeo negro. Raciocinando rápido, a primeira reação de Alyss foi virar-se para trás, em busca de uma saída, mas teve uma nova surpresa ao deparar-se com suas amigas fitando, pálidas de medo, uma segunda figura desconhecida.

O segundo pokémon era ligeiramente mais alto do que o lobo negro, apresentando um corpo de musculatura muito bem definida, aparentando ser incrivelmente forte. Assemelhava-se muito a uma espécie de dinossauro, sendo revestido por escamas de um tom verde acinzentado, exceto por um grande losango que ocupava a maior parte de sua barriga. Suas pernas e braços eram curtos, porém, as garras negras encontradas nas pontas de seus membros eram afiadas e compridas. Suas costas apresentavam espinhos pontiagudos de tamanhos variados, sendo mais altos à altura da cabeça e tornando-se menores conforme aproximavam-se da longa cauda. Uma cicatriz cortava seu olho esquerdo, que era de um tom vermelho ainda mais vívido do que o direito, como se fosse constituído por sangue. Em seu rosto estava estampado um sorriso feroz, deixando à mostra todas as suas fileiras de presas afiadas.

— Me dêem seu dinheiro e ninguém se machuca. — exclamou o rapaz, com uma voz grave e firme, esboçando um sorriso.

Ao perceber que não possuíam qualquer modo de escapar do assaltante e seus comparsas amedrontadores, as jovens estremeceram, recuando alguns passos e aproximando-se umas das outras. Donner manteve-se a frente do trio, tendo seu pequeno e esguio corpo percorrido por faíscas enquanto colocava-se em posição de defesa; a Riolu de Amy, porém, que geralmente não hesitaria em defendê-la, encontrava-se fitando o enorme pokémon dinossauro, de olhos arregalados, e nada mais fez.

— T-tudo bem. — gaguejou Alyss, colocando as mãos trêmulas em sua bolsa sem desviar o olhar do grande canídeo de pelos negros que acompanhava o rapaz desconhecido, temerosa. — Nós daremos tudo o que temos. — afirmou, apanhando a maior parte de suas notas verdes e estendendo-as ao assaltante.

Porém, antes que este pudesse recolher a quantia, Amy colocou-se à frente da amiga, com uma quantia ainda maior em mãos. A garota de cabelos ondulados reconhecia que seria impossível sobreviver caso perdessem o dinheiro que possuíam, e isso a deixava aflita. Contudo, preocupava-se ainda mais com suas amigas do que consigo mesmo, e pretendia tentar negociar com o jovem para que as outras pudessem manter o pouco que guardavam.

— Por favor, — pediu a menina de olhos esverdeados, estendendo o braço em direção ao rapaz, ignorando o olhar confuso de Alyss. — pegue isso e deixe que fiquemos com o resto. Precisamos do resto para comprar mantimentos para nós e nossos pokémons. — explicou, esperançosa.

E, embora esperasse ouvir uma ameaça do assaltante ou algo do tipo, este apenas a fitou, incrédulo, como se houvesse visto uma aparição; o dinheiro nem ao menos parecia interessar-lhe mais. O ruivo estendeu a mão direita em direção à Amy, que parecia receosa, e cautelosamente apalpou o pingente de rubi preso à seu colar. Os dois pokémons que acompanhavam o garoto, bem como as outras jovens, possuíam expressões confusas, denunciando que eram incapazes de entender o que ocorria.

— ... Amy? — indagou o rapaz moreno, por fim, em um tom quase inaudível.

A surpresa de Amy ao ouvir o jovem pronunciar tal palavra foi instantânea. Arregalou os olhos, abrindo a boca como se para dizer algo, mas fechando-a logo em seguida, pensando por mais alguns segundos. Abaixou o braço com o qual segurava as notas verdes e recuou alguns passos, forçando o jovem a soltar seu colar.

— Como sabe meu nome? — foi a primeira pergunta da garota de cabelos castanhos ondulados, que possuía uma expressão assustada.

Uma resposta do estranho, porém, não foi necessária. Intrigada pela estranha confusão, Kairi finalmente tomara coragem para desviar sua atenção dos gigantes amedrontadores a sua frente para que pudesse examinar o ruivo de vestes sujas. Inicialmente, a loba azulada abriu sua boca, deixando que seu ar escapasse de uma só vez, e então um misto de perplexidade e felicidade preencheu sua face. Seus olhos verdes pareceram reluzir ao encontrar-se com as orbes descoloridas do rapaz a sua frente, e ela não hesitou em correr em sua direção.

— Matt! — a Riolu abraçou-o, sem nem ao menos preocupar-se com o fato de que, talvez, o ruivo nem ao menos se lembrasse dela. Contudo, ao sentir os braços musculosos do rapaz envolverem-na, soube que fora reconhecida.

— Kairi. — exclamou o jovem, deixando transparecer a alegria em sua voz ao esboçar um sorriso cintilante.

A garota de cabelos azuis e a de fios negros entreolharam-se, desorientadas, desconfortáveis por não compreender a situação. Seus batimentos cardíacos começavam a retornar à freqüência normal, enquanto seus corpos reconheciam que qualquer perigo possível estava agora afastado, uma vez que o estranho não parecia ser mais tão desconhecido assim. Em seguida, seus olhos fitaram a terceira menina, buscando explicações, mas estas não vieram; apenas observaram a confusão de Amy esvair-se aos poucos, enquanto esta parecia recordar-se do rapaz à sua frente.

— Não pode ser... — ela murmurou, incrédula, levando as mãos ao rosto. — ... Mathew? É... É mesmo você? — indagou, por fim, voltando a aproximar-se do garoto para que pudesse observá-lo melhor.

— Eu mesmo. — afirmou o ruivo, desviando o olhar da Riolu e afastando-se de seu abraço para que pudesse contemplar a mais nova de cabelos castanhos. — Achei que nunca mais fosse te ver. — e, sem se importar com qualquer outra coisa, abraçou-a, e a garota não recusou o gesto.

— Eu que o diga. — retrucou Amy, deixando os braços do moreno após alguns segundos. — Como você ainda está vivo? — a descrença em sua voz era notável.

— Sou um sobrevivente, oras. — respondeu, simplesmente, dando de ombros. — É o que os sobreviventes fazem; sobrevivem. — relatou o óbvio.

A afirmação do antigo amigo pouco sentido tinha para a garota de cabelos castanhos, mas esta não se preocupou com aquilo no momento. Apenas deixou que um sorriso ilumina-se seu rosto, enquanto a emoção do reencontro que nunca esperava ter a preenchia. Por fim, lembrou-se da presença das outras duas jovens com quem viajava, bem como seus pokémons, e virou-se para estas, com a intenção de esclarecer a situação.

— Matt e eu vivíamos no mesmo orfanato. — começou, fitando as amigas enquanto as lembranças de um passado conturbado retornavam à sua mente, mas as imagens tristes não a atordoavam. — Ele era o único com quem conversava; de fato, meu único amigo. Um dia, porém, pudemos ouvir sirenes e observar carros de autoridades rodearem o estabelecimento que nos obrigava, e sua última ação foi me entregar a pokébola de Kairi, dizendo para que eu fugisse. Eu então fiz como havia sido mandada, e achei que ele tivesse morrido naquela noite. Mas, certamente, não foi o que aconteceu. — ao finalizar sua breve explicação, tornou sua atenção de volta para o ruivo, ainda duvidando de sua presença ali.

— Ah, sim. — suspirou Alyss, um tanto quanto aliviada por não ter de perder todo o dinheiro que havia conseguido, e também alegre por conhecer outro treinador pokémon. — Suponho que tenham muito o que conversar, então. — a jovem de cabelos azuis fitou o relógio em seu pulso, identificando as horas. — Já é quase meio dia. Talvez devêssemos encontrar um lugar para sentar e almoçar.

Quase instantaneamente, todos concordaram, aceitando a idéia da garota e tornando a caminhar, em busca de uma área mais ampla e menos acidentada, própria para realizar sua refeição. Á frente, estava Matt, ao lado da recém-reencontrada amiga, que lhe contava animadamente sobre o início de sua jornada e a captura do pequeno lagarto amarelado em seu colo, que parecia já ter confiança no ruivo. Kairi também estava, certamente, alegre por reencontrar seu antigo treinador e, diferente de seu comportamento arredio e anti-social usual, ela não parecia ter medo de lhe relatar inúmeras vezes sobre o quanto sentira sua falta.

Um pouco mais atrás, estava Alyss, que caminhava com o Espurr calado em seu ombro, e atribuía toda a sua atenção ao aparelho celular em suas mãos, digitando rapidamente. Desde o dia em que resolvera responder ao misterioso ser que lhe enviava as insistentes mensagens, começara a dialogar mais frequentemente com este, embora apenas por textos. Havia acostumado-se com a escrita confusa, dotada de gírias de internet e termos em inglês e, embora parecesse errado, as conversas descontraídas que tinha com o remetente pareciam distraí-la de todas as preocupações que possuía em sua perigosa jornada.

“Estamos nos falando há uma semana já. Será que posso saber quem você é?” a menina de cabelos azuis digitou, pressionando o espaço indicado para enviar a mensagem em sua tela.

Não muitos segundos se passaram até que uma resposta fosse recebida: “Eu sou a Tabitha ué. Alyssuh, Alyssuh... Told ya, I’m no bad. Rlx”. A jovem franziu o cenho ao ler as palavras, bufando. Saber que o desconhecido conhecia seu nome, mas que a recíproca não era verdadeira, a deixava receosa. Afinal, as intenções do remetente permaneciam desconhecidas, embora este afirmasse constantemente que apoiava a decisão da menina e também gostaria de lutar para salvar os pokémons. Essa incerteza era um dos motivos pelos quais Alyss decidira que o melhor seria que suas companheiras de viagem não soubessem das mensagens, pelos menos até que a pessoa que lhe mandava mensagens fosse revelada. O que pensariam elas, caso descobrissem que estava se comunicando com um completo estranho, em tempos de guerra, o que poderia arruinar completamente seu disfarce e entregar todos para o pior destino que poderiam ter? E, ao relembrar-se daquilo, a jovem de cabelos azuis olhou discretamente por trás de seu ombro, acalmando-se ao perceber que Caroline não prestava atenção alguma em suas ações.

Alguns metros atrás do grupo, estava a garota de cabelos negros, encarando o chão. Os acontecimentos recentes não a permitiam relaxar e, por mais que ela tentar-se afirmar para si mesma que estava segura quando ao lado das duas amigas, as cenas do terrível tiroteio insistiam em escurecer sua mente. Incomodada com os sons atordoantes que ecoavam por sua cabeça, a garota suspirou, desviando o olhar das folhas secas que jaziam sobre a grama verde, apenas para deparar-se com os dois guarda-costas do ruivo recém-chegado, cujo o nome não mais lembrava. O Zoroark e o Tyranitar possuíam características intimidadoras, que deixavam Caroline desconfortável. Ao mesmo tempo, porém, sentia uma inexplicável admiração pelas exuberantes criaturas, de tamanha formosura e grandiosidade. Pensar nos pokémons do amigo de Amy a fez lembrar-se de seus companheiros, em especial Firestarter, e ela desejou que tivesse a coragem de libertá-los, para que pudessem conversar e passar um tempo juntos. Porém, sabia que não seria capaz de fazê-lo; a possibilidade de ver seus amados pokémons feridos, como testemunhava toda noite em seus sonhos, a relembrava de que nunca estaria segura.

Felizmente, não foi necessária mais de meia hora de caminhada para que o grupo encontrasse o local adequado onde poderiam realizar sua refeição; uma espécie de planície à beira do rio, em um trecho onde suas águas cristalinas estavam calmas devido à ausência de declive. Havia também uma menor quantidade de árvores na área o que, por mais que lhes tirasse um pouco de camuflagem, fornecia espaço suficiente para que todos pudessem se acomodar para degustar sua comida e aproveitar uma conversa descontraída. O silêncio ensurdecedor dos arredores era o mesmo que preenchia toda a densa floresta, sendo impossível identificar qualquer outro som, senão o da água corrente; até mesmo o uivo suave da brisa havia cessado, uma vez que as a vegetação era composta apenas de capim, e as árvores mais próximas estavam à cerca de quinze metros a esquerda da margem do rio. O sol do meio dia exibia toda a sua beleza dourada, banhando a pequena planície e criando uma temperatura agradável.

— Aqui parece ser um bom lugar. — proferiu a jovem de cabelos azulados, finalmente guardando o celular em seu bolso traseiro e levantando o olhar para admirar a paisagem. — Podemos ficar por aqui mesmo.

— Está ótimo por mim. — concordou Amy, assentindo, cessando sua confabulação com o ruivo por um breve momento.

Caroline manteve-se calada, apenas acenando com a cabeça. Um por um, então, os viajantes começaram a se sentar, formando um pequeno círculo. Os únicos a permanecer de pé foram os gigantes de Matthew, cruzando os braços e analisando cada indivíduo com maior calma – e menos pressão – do que durante seu primeiro encontro. Antes mesmo de retirarem seu próprio lanche de suas mochilas, duas das jovens procuraram por pacotes contendo ração especial para pokémons, abrindo-os e servindo seus companheiros; Alyss libertara também Maiko, para que pudesse juntar-se aos outros. Naquele momento, a jovem de cabelos negros sentiu-se, de certa forma, entristecida, observando todos os monstrinhos de bolso reunirem-se para trocar palavras e comer.

— Caroline, entendo que esteja abalada. — a voz baixa da garota de cabelos azuis foi o suficiente para afastar a outra de seus devaneios. — Mas você precisa libertá-los, ao menos para que possam se alimentar. — sussurrava, para que apenas a amiga pudesse ouvir, embora todos os outros estivessem distraídos demais para preocupar-se com suas palavras. — Estamos seguros aqui. — afirmou, firmemente, embora, internamente, duvidasse do que dissera.

A jovem precisou de um momento, piscando seus olhos azul-marinho repetidamente, para assimilar as palavras que lhe haviam sido dirigidas. Abriu ligeiramente sua boca, preparada para argumentar e justificar suas ações, porém, não encontrou explicações convincentes para o porquê de não liberar seus companheiros, senão seu próprio medo. E, por fim, percebendo que a amiga estava certa, assentiu para si mesma, desviando o olhar e suspirando, apenas para finalmente estender o braço direito e retirar a mochila negra de suas costas. Sem pressa, buscou pelas três esferas bicolores que possuía, fitando-os por alguns segundos, receosa, antes de suspirar uma vez mais e, um a um, apertar os botões centrais de cada dispositivo, observando estes ajustarem-se ao tamanho da palma de sua mão para então irradiarem feixes de energia intenso, que rapidamente revelavam as criaturinhas que anteriormente armazenavam em seu interior.

— Até que enfim! — exclamou, aliviado, o Buizel. — Já estava ficando com torcicolo. — a lontrinha laranja fez uma careta, apalpando seu pescoço dolorido e desamassando sua gravata borboleta negra.

A garota esboçou um leve sorriso ao rever seus companheiros, rindo com o comentário de Leroy. Contudo, estava ainda apreensiva, observando por trás de seus ombros para assegurar-se uma vez mais de que não havia ninguém por perto. Firestarter não demorou muito para compreender a reação paranóica da treinadora, dirigindo-se até esta e acariciando seu rosto com o focinho, como costumava fazer para tentar acalmá-la. Com o gesto, a jovem tornou sua atenção para o cavalo, tocando-lhe o topo da cabeça, entre suas orelhas, permitindo que as chamas azuladas emitidas pelo Ponyta Shiny dançassem por entre seus dedos, sem queimá-los.

— Vocês devem estar com fome. — supôs Caroline, por fim, fitando a garota de cabelos azuis ao seu lado, que assentiu. Em seguida, pôs-se a procurar por alguns pokéblocos e outros alimentos especiais para pokémons, rapidamente encontrando-os.

Leroy foi o primeiro a agarrar um dos bolinhos caseiros, preparados por uma gentil senhora que vendia guloseimas no Mercado Negro de Striaton, colocando-o quase que inteiro em sua enorme boca, em uma reação desesperada por comida; certamente, ele era, de todos, o mais faminto e ansioso do time de Caroline. Firestarter bufou com o anseio do Buizel, para então desviar sua atenção para uma tigela transparente contendo maçãs pré-cortadas e blocos de cereal nutritivos. Por fim, a menina de cabelos negros abriu uma garrafa térmica que armazenava leite morno, e despejou um pouco do líquido em um recipiente; porém, estranhamente, não encontrou Augustus ansioso para degustar de sua bebida favorita. Em poucos segundos, percebeu que o gatinho fitava, com uma expressão assustada, o grande canídeo de pelos negros e o dinossauro gigantesco ao seu lado.

— Está tudo bem, Augustus. — a menina não pôde evitar sorrir ao deparar-se com o pequenino tímido, carinhosamente estendendo o braço em sua direção, para colocá-lo em seu colo e lhe oferecer o leite morno. — Eles são bons. Eu acho. — sua última frase foi mais como um sussurro, enquanto a jovem virava-se para fitar os guarda-costas de Matt.

— Ah, claro! — exclamou Amy, como se relembrando-se de algo que previamente havia esquecido. — Não vai alimentar seus pokémons, Matt? — indagou, fitando o amigo com um sorriso.

— Eles já comeram. — afirmou, dirigindo um olhar brevemente para o Zoroark e o Tyranitar, como que perguntando-lhes se gostariam de comer algo mais, recebendo respostas negativas. — Os outros também devem estar satisfeitos. — revistou então seu bolso, retirando de lá algumas pokébolas, mas rapidamente guardando-as novamente. — Não sei se será uma boa idéia libertá-los por enquanto. Nem todos são tão amigáveis. — riu, dando de ombros, logo mudando de assunto. — A propósito, alguém sabe como sair daqui? — perguntou, esperançoso.

— Você diz como chegar a Nacrene? — questionou Amy, adquirindo uma expressão aflita ao receber uma resposta positiva do ruivo. — Achei que você soubesse.

— Na verdade, é minha primeira vez nessa Rota. Estamos aqui faz alguns dias. — explicou.

— Bem, nos deram algumas informações sobre o caminho certo a ser tomado. — informou a jovem de cabelos azuis, puxando um mapa com alguns rabiscos traçados. — Porém, não sabemos direito quando devemos nos distanciar do rio para chegar à cidade. — a garota parecia pensativa. — Então parece que vamos ter que tentar a sorte...

— Ótimo. — murmurou Caroline em um tom inaudível. Como se todo o medo que sentia por estar de volta a um local muito semelhante àquele onde a vida de seu melhor amigo quase lhe fora eternamente tomada, agora estavam presos ali até que identificassem a direção correta a ser seguida.

— Bem, eu... — o Meowth, até então deitado no colo de sua treinadora, pronunciou-se, levantando-se. — Eu passei por essa Rota várias vezes, após me separar dos meus antigos amigos... Se eu puder me localizar, consigo encontrar o caminho para a cidade. — afirmou, seguro, observando os outros a sua volta sorrirem.

— Não vou deixar você sair sozinho por aí. — afirmou a garota de cabelos negros, deixando que sua preocupação transparecesse.

— Eu posso mandar Donner com ele, Caroline. — sugeriu a menina de cabelos castanhos ondulados, fitando a garota. — Assim, se aparecer algum inimigo no caminho, ele poderá eletrificá-lo. — explicou, criando facilmente uma solução para o problema.

A garota de cabelos negros estava pronta para murmurar mais um ‘não’; contudo, ao abrir sua boca, seus olhos escuros encontraram os verdes reluzentes do gatinho de pelos brancos, que evidenciavam sua ansiedade para reconhecer os caminhos traiçoeiros da rota abandonada por onde passara. Naquele instante, como uma flecha atingindo-a, um pensamento cruzou sua mente; Augustus havia sido livre durante toda a sua vida, e quem seria ela para negar-lhe sua tão merecida liberdade? Poderia fazê-lo apenas por julgar que o manter algemado a ela eternamente seria mais seguro? Novamente, relembrou-se de seus ideais, os motivos pelos quais estava arriscando sua vida e a daqueles que amava: liberdade. Liberdade aquela que fora tomada injustamente de criaturas tão inocentes quanto a própria alvura. E, então, fora incapaz de recusar-se a deixá-lo ir.

— Tudo bem. — concordou, por fim, suspirando. — Mas não vá longe. — e, ao observar o Meowth assentir, animado, acariciou-lhe as costas.

— Acompanhe-o, Donner. — pediu Amy, indicando que o lagarto seguisse o gatinho.

O Helioptile assentiu, determinado, como se lhe houvesse sido entregue uma missão. Em seguida, aproximou-se do Meowth e, juntos, desapareceram por entre as árvores altas e de folhagem densa da vasta floresta, deixando um sentimento de preocupação no peito da jovem de cabelos negros.

— Mas bem, — exclamou o ruivo, chamando a atenção dos presentes. — e quanto ao treinamento de Kairi? Ela já sabe usar a aura? — indagou, fitando agora a amiga e a Riolu sentada ao seu lado.

****

Cada centímetro quadrado da ampla região florestal permanecia inalterado, exatamente como o gatinho se lembrava. Exalava o mesmo odor característico, de folhas secas e chuva recém caída que nelas se acumulava, demorando a evaporar devido a pouca iluminação solar, bloqueada pela vegetação alta, atribuindo ao bosque o clima fresco e reconfortante que somente ele possuía. Augustus lembrava-se perfeitamente dos meses que passara por lá, após ter de se afastar de seu antigo grupo, quando os humanos que o protegiam foram encontrados e retidos pelos crimes que cometiam.

Não demorou muito para que o Meowth conseguisse localizar-se em meio às árvores e arbustos, utilizando-se de seus sentidos e sua memória para relembrar-se de cada canto da floresta, o que não fora exatamente uma tarefa árdua. A grande familiaridade que o local lhe trazia fazia com que imagens de seus primeiros dias desamparado cruzassem sua mente, em flashbacks desorientados.

“Fuja, Augustus!”; recordava-se claramente das paradas sussurradas pelo rapaz de vinte e dois anos de vestes pretas, carregando consigo um spray de tinta azul. Este era pressionado contra a parede por um homem com uniforme policial, que algemava o mais novo sem dar muita atenção à suas palavras quase inaudíveis. Lembrou-se do medo que sentira ao deparar-se com os quatro jovens, que por tanto tempo o haviam protegido, sendo apreendidos e direcionados a uma viatura, deixando para trás o felino, tão vulnerável.

Movimentado por seu instinto apenas, o jovem Meowth cruzou as amplas ruas de Castelia, tão veloz quanto um raio, camuflado apenas pela escuridão da meia noite. E, quanto mais se distanciava da cidade onde nascera e crescera, mais percebia que não possuía um rumo definido; para onde deveria ir, quando o único local que poderia chamar de casa já não era mais seu lar?

— Como conhece tão bem esses caminhos, garoto? — a voz rouca e firme do lagarto amarelo de listras negras soou, quebrando o silêncio absoluto e forçando o gatinho a deixar seus devaneios, permitindo que suas memórias se afastassem tão repentinamente quanto haviam surgido.

— Ah? — o pequenino precisou de alguns segundos para assimilar que quem o chamara fora o Helioptile. Donner era normalmente tão calado que não se recordava de ter ouvido sua voz uma vez sequer. — Ah, eu... Morei aqui por um tempo. — afirmou, virando-se para fitar o pokémon lagarto, que nada mais disse.

E, novamente, o incômodo silêncio tornou a preencher a área. Continuando sua exploração de reconhecimento, mais recordações flutuaram pela cabeça do gatinho, que as aceitava alegremente; gostava de relembrar-se dos tempos antigos. Fora impossível não recordar-se de uma suave canção, a qual aprendera com seus amigos humanos e muito cantara durante as noites que passara só na floresta. E, antes que pudesse perceber, encontrava-se recitando as palavras que lhe haviam ensinado.

When I find myself in times of trouble, — iniciou, timidamente. — Mother Mary comes to me, speaking words of wisdom… Let it be. — e, aos poucos, sua voz suave ganhava volume, enquanto Augustus continuava a cantar.

****

— ... Aura? — indagou Amy, após certo tempo, fitando o ruivo com certa curiosidade.

— É uma certa habilidade, comum para a maioria dos Riolus. — Kairi revirou os olhos, cruzando os braços; ás vezes, a falta de conhecimentos que sua treinadora tinha sobre sua própria espécie a incomodava. — Matt e eu começamos a treiná-la... Antes de nos separarmos. — afirmou. — É algo que requer muita concentração, e...

— E a Kairi nunca soube usar direito. — completou a Oshawott, interrompendo sua meio-irmã, que a encarou furiosamente.

— Eu sei sim! — desmentiu o que fora dito por Maiko, levantando-se em um pulo, controlando-se para não acertar um de seus golpes lutadores na lontrinha azul.

— Mostre. — disse, simplesmente, a pokémon aquática, dando de ombros.

Embora a reação da Riolu parecesse, de certa forma, engraçada, nenhum dos presentes riu, incomodados pelo clima tenso que se instaurara. Os treinadores e seus pokémons se calaram, acalmando-se para assistir à tentativa da loba negra de utilizar sua habilidade especial. Kairi possuía um olhar determinado, com um brilho inexplicável em suas orbes esmeralda. Após alguns segundos, a criaturinha dirigiu-se ao centro da roda formada pelo grupo, posicionando-se ali, onde permitiu que seu corpo relaxasse e sua mente se livrasse de qualquer outro pensamento.

Todos observavam atentamente, admirados, enquanto uma aura azulada começava a envolver o corpo da loba bípede, que mantinha seus olhos fechados. Dois peculiares órgãos negros, como sub-orelhas alongadas, que eram usualmente escondidas por seus longos cabelos pretos, ergueram-se nas laterais de sua cabeça, desempenhando a função de sentir as vibrações de auras de outros ao seu redor. Respirou fundo, conseguindo facilmente identificar as emoções de cada treinador e pokémon presente. No entanto, estranhamente sentia uma vibração peculiar, que não pertencia a nenhum dos conhecidos. Repentinamente, abriu os olhos, que brilhavam intensamente, tornando sua atenção para uma árvore de tronco grosso á esquerda, onde a planície tinha fim.

— Ela sentiu algo diferente do esperado. — explicou o garoto ruivo, visto que ninguém parecia entender a reação peculiar da Riolu. — Há algo mais, ou alguém, por aqui. — relatou, atento aos arredores.

— ... Um pokémon. — murmurou Kairi, quase sussurrando, ainda mirando a mesma direção de antes, fixamente.

Impulsivamente, as três garotas e o moreno, bem como os monstrinhos de bolso que acompanhavam o grupo, viraram-se para a exata direção que a loba azul observava e, com certo esforço, puderam notar que, de fato, havia algo ali. Não era possível enxergar com muitos detalhes, devido à distância e à camuflagem providenciada pela vegetação; contudo, era possível reconhecer que a criatura era um pokémon.

O monstrinho escondido aparentava ter pouco mais de um metro de altura. Possuía um focinho negro comprido, cujo a ponta era azulada, e seus olhos eram de um tom vermelho vívido, sendo um deles escondido por uma franja lisa. Seus pelos eram compridos, de um tom branco encardido – provavelmente devido à terra que o sujava –, e suas orelhas eram longas. Era impossível observar o resto do corpo do canídeo, já que este era oculto por arbustos. Ao perceber os olhares admirados que o analisavam, concluiu que seu disfarce havia sido desmanchado e, com medo evidente em seu semblante, correu em direção ao coração da mata.

O cachorro de pelos brancos esquivava-se das árvores e pedras em seu caminho o mais agilmente que conseguia, fugindo do grupo de humanos sem um rumo exato, apenas em busca de um esconderijo. Raríssimas vezes havia visto os seres de duas pernas, mas havia sido alertado sobre a ameaça que estes representavam à sua raça, e fora criado desde pequeno para temê-los.

Ao deparar-se com o grupo, inicialmente, o Furfrou ficara tenso. Porém, antes que começasse a se afastar, notara algo incrivelmente peculiar; entre os humanos, havia também pokémons de diferentes espécies, e estes não pareciam ser seus reféns ou inimigos. Pelo contrário, pareciam divertir-se e cuidar uns dos outros. A surpreendente situação levantara uma pitada de curiosidade no canídeo, que decidira esconder-se para assistir os jovens por algum tempo. Todavia, ao ter seu esconderijo descoberto e, consequentemente, sua presença notada, não vira escolha senão fugir, irracionalmente. Por desconhecer as intenções dos humanos que aparentavam relacionar-se harmonicamente com outros de sua raça, o cachorro correu.

O Furfrou apenas cessara sua correria desesperada após cerca de trinta segundos, ao notar que nenhum humano o perseguia ou tentava feri-lo. Olhou ao redor, percebendo que estava já em uma região mais densa da floresta em que vivia, e apenas então acalmou-se. Deixou que sua respiração se estabilizasse, bem como seu ritmo cardíaco, para então refletir sobre a peculiar cena que vira. Porém, não muito tempo teve para mergulhar em seus pensamentos antes de ouvir um doce som, como uma melodia, que invadia seus ouvidos.

Uma vez mais tomado por sua curiosidade, o cachorro de pelos brancos utilizou-se de sua aguçada audição para identificar o dono da cantoria, conseguindo fazê-lo sem muitas dificuldades. Não muito precisou caminhar para deparar-se com um gatinho de belos olhos verdes, que recitava a letra de uma música por ele desconhecida, mas que certamente o agradava.

— Yeah, let it be, let it be, let it be, yeah, let it be! — o Meowth cantava, discontraído, fazendo movimentos delicados com a cabeça. — There will be an answer, let it be!

Nunca em toda a sua vida o Furfrou ouvira tão bela voz. Escutou o desconhecido a uma certa distância, com enorme admiração, envolvido pela doce melodia que era recitada pelo gatinho de pelos claros. Esperou então até o fim do “espetáculo” para que pudesse cumprimentá-lo, aproximando-se do estranho sem medo aparente.

— Que doce cantoria! — exclamou o canídeo, maravilhado.

Porém, a resposta ao elogio não foi como o que havia imaginado. Assustado pelo cachorro de quase três vezes o seu tamanho, Augustus permitiu que suas garras retráteis surgissem, desferindo um arranhão no focinho do recém chegado sem pensar duas vezes. Atordoado, o Furfrou recuou, grunhindo, sentindo a dor ocasionada pela ardência causada pelas unhas afiadas do gato. E, para a sua surpresa, um lagarto de corpo amarelado colocou-se à frente do Meowth no mesmo instante, sendo envolto por faíscas, algo que fazia para tentar intimidar o oponente.

Donner havia se mantido calado durante a maior parte do percurso, sem se incomodar com a cantoria do gatinho que parecia ter esquecido-se de sua presença. Porém, quando o desconhecido surgiu, sendo identificado como uma possível ameaça, o Helioptile recordara-se da missão que lhe fora entregue e preparou-se para defender o felino assustado.

— O que quer aqui? — a voz do lagarto parecia um pouco mais grave e intimidadora, enquanto este fitava atento o cachorro de pelos brancos.

— E-eu s-só o ouvi cantando e... — o canídeo tentou se explicar, recuando alguns passos mais em uma postura submissa. — Desculpe, não queria assustar vocês. Chamo-me Louis, moro aqui. — apresentou-se, fazendo um rápido cumprimento de cabeça.

— Hm. — o Helioptile relaxou um pouco, embora ainda tivesse os olhos azuis fixos no cachorro.

— Ah, bem... Desculpe por isso. — acanhou-se o Meowth, referindo-se ao arranhão que agora se fazia presente no rosto do Furfrou. — Eu sou Augustus. — revelou, recebendo um olhar de desaprovação do Helioptile, provavelmente por não confiar ainda no tal “Louis”.

— É um prazer. — sorriu, educadamente. — E o que faz por aqui? Vivo nessa floresta desde que nasci, e nem uma sequer vez o encontrei. — indagou o cachorro, curioso.

— Estamos apenas de passagem. — informou, calmamente, o Meowth. — Nossas treinadoras se perderam, e estamos tentando ajudá-las a reencontrar o caminho até Nacrene. — anunciou, recebendo uma segunda expressão reprovadora de Donner, que não pretendia revelar sobre as garotas, o que poderia colocá-las em perigo.

— T-treinadoras? — gaguejou Louis, relembrando-se do incidente recente, quando encontrara o grupo de jovens aproveitando um delicioso almoço ao lado de pokémons de diversas espécies. — Então vocês também estão com aqueles humanos? — e, após aquela pergunta, as dúvidas do Furfrou apenas cresceram. — Vocês são reféns? Foram capturados? Eles estão torturando vocês?

A avalanche de perguntas confundiu um pouco ambos os pequeninos, que mal conseguiam compreender as palavras proferidas pelo cachorro agitado.

— Não, não! — o gatinho balançou a cabeça em negação. — Elas não nos maltratam. — afirmou, conseguindo acalmar o Furfrou por um breve momento. — Elas cuidam de nós, nos alimentam, nos protegem. — esclareceu, deixando o canídeo ainda mais confuso.

Augustus compreendia perfeitamente a reação do cachorro; afinal, ficara tão pasmo, senão ainda mais, quando descobrira que ainda havia humanos dispostos a salvar a raça dos monstrinhos de bolso, mesmo que para isso precisem arriscar suas vidas. Mais algumas explicações foram dadas ao Furfrou, que ouviu tudo com extrema atenção, diversas vezes esboçando surpresa. Por fim, após alguns minutos, Donner insistiu que suas treinadoras deveriam estar preocupadas e, sendo sua função zelar pela segurança do Meowth, ordenou que retornassem ao acampamento.

— Adeus, Louis. — murmurou o gatinho, virando-se para trás uma última vez antes de ser quase arrastado pelo lagarto amarelo.

— Uh, adeus. — despediu-se o cachorro, observando os outros dois pokémons se distanciarem, com certa melancolia.

O Furfrou permaneceu imóvel enquanto a dupla que acabara de conhecer partia, apenas refletindo sobre tudo o que lhe havia sido dito nos últimos minutos. Começava a assimilar a idéia de realmente haver humanos bons em Unova, diferente daquilo que lhe havia sido dito desde pequeno, sobre todos serem monstros assassinos. Ainda não confiava plenamente naquela história, mas certamente estava curioso; gostaria de saber como era conviver com humanos. E, movido por sua importuna curiosidade uma vez mais, o cachorro gritou, para que pudesse ser ouvido:

— Esperem! — correu ao encontro do Helioptile e do Meowth, que se viraram, surpresos. — Será que eu posso... ir com vocês? — indagou, meio sem jeito. — Apenas para conhecer esses... humanos. — disse, como se testasse as palavras.

— Acho que não tem problema. — concordou o gatinho, dando de ombros.

O Helioptile parecia incerto, desaprovando a hospitalidade de Augustus. Deixou que o canídeo os acompanhasse, porém, mantinha-se atento a qualquer comportamento suspeito do desconhecido. Não precisaram de muito tempo para finalmente chegar ao local onde seus treinadores terminavam suas refeições, visto que não haviam se distanciado muito, como lhes havia sido pedido. Uma vez de volta à planície, os olhares de todos se voltaram para os recém chegados.

— Ah, Augustus! — sorriu Caroline, levantando-se e indo ao encontro do pequeno Meowth, colocando-o em seu colo e acariciando-o. — Estava começando a ficar preocupada. — confessou; não deveria fazer mais de vinte minutos desde que o Meowth deixara o grupo, acompanhado apenas do Helioptile, mas desde o dia em que se viu presa entre balas de armas de fogo, não gostava de deixar seus pokémons por muito tempo.

Donner aproximou-se de Amy e deixou que a jovem de cabelos castanhos a acariciasse, porém, logo depois tornou sua atenção para a floresta, de onde o cachorro de pelos negros observava-os, receoso. Louis andou alguns passos mais, deixando que fosse completamente visto pelos presentes, mas ainda mantinha uma distância segura dos desconhecidos, apenas para que pudesse fugir caso algo desse errado.

— Ei... — a menina de cabelos azuis arqueou uma das sobrancelhas, rapidamente reconhecendo o pokémon a sua frente. — Você estava aqui pouco tempo atrás.

O canídeo nada disse, apenas abaixou sua cabeça e continuou a fitar os integrantes do grupo, humanos e monstros de bolso, com extrema curiosidade; nunca havia se aproximado tanto de pessoas, e apenas as vira duas ou três vezes em toda a sua vida. Fitava também os pokémons presentes, de espécies que nunca antes vira, o que apenas contribuiu para que ficasse ainda mais intrigado.

Louis assustou-se ao observar uma das garotas retirar um aparelho retangular vermelho de dentro de sua bolsa, uma vez que não estava familiarizado com tal tipo de tecnologia. Entretanto, o objeto não lhe parecia nocivo de qualquer maneira, então permaneceu apenas parado e atento.

— Furfrou, o Pokémon Poodle. Fufrous eram encarregados de proteger reis e suas famílias em Kalos, milhares de anos atrás. — a voz robótica soou do dispositivo, surpreendendo o canídeo, que recuou alguns passos, porém logo interessou-se pelas informações fornecidas pela máquina.

— Como isso funciona? — indagou o canídeo, por fim, aproximando-se um pouco mais do grupo de jovens.

— A Pokédex? — questionou Alyss, guardando o dispositivo novamente em sua mochila de viagem branca. — Ao apontá-la para qualquer pokémon, ela é capaz de identificá-lo e fornecer uma curta descrição e imagens, de acordo com o que possui em seu banco de dados. — explicou a jovem, relembrando-se do dia em que ganhara o aparelho; o mesmo dia em que tudo tivera início. — A propósito, me chamo Alyss. — apresentou-se, levantando-se para se aproximar do cachorro.

Louis ainda estava receoso; contudo, permitiu que sua cabeça fosse tocada pela menina, que se aproximara cautelosamente. Seus olhos vermelhos encontraram os arroxeados da garota, que possuíam certo brilho. Em seguida, o canídeo virou-se para o resto do grupo.

— Eu sou Louis. — revelou, em um tom baixo, ainda acanhado.

Não foi necessário muito tempo para que os jovens e seus pokémons recebessem o recém-chegado, apresentando-se e acolhendo-o; encontrar aquelas criaturas era algo extremamente raro, e sempre que conseguiam a companhia de um novo monstrinho de bolso, faziam uma festa. Leroy encarregou-se de utilizar de suas piadas para deixar o clima mais descontraído e relaxado, em uma tentativa de acabar com o desconforto do Furfrou. Este fora tratado como se fosse parte do grupo, recebendo comida, o que fora aceitado de bom grado; fazia alguns dias desde a última vez que o canídeo se alimentara, uma vez que não era tão fácil encontrar presas, e muitas vezes tinha de se sustentar apenas com frutinhas e ervas, alimentos não pertencentes a sua dieta usual. Também fora incluído nas conversas dos treinadores, tendo cada uma de suas perguntas pacientemente respondida por estes.

Ao fim do almoço, por volta de duas horas da tarde, os jovens arrumaram suas coisas e prepararam-se para seguir viagem, guiados agora por Augustus, o único que realmente conhecia o caminho para Nacrene. Louis pedira permissão para segui-los até chegarem a seu destino, apenas para aprender um pouco mais sobre o peculiar estilo de vida do grupo. Preferiu ficar á frente, na companhia do gatinho, o pokémon com o qual fizera amizade mais rapidamente, talvez por ter sido o primeiro a conhecer.

A caminhada fora longa, e rendeu-lhes um bom tempo para conversarem e se conhecerem. Apenas Caroline mantinha-se calada, ainda fitando os arredores, incrivelmente apreensiva; tentava apenas não deixar transparecer seu nervosismo por ter seus pokémons desprotegidos, para que Firestarter não se preocupasse, embora o cavalo fosse capaz de notar que havia algo errado com a treinadora. Por vezes durante o percurso tentara distraí-la, mas ela parecia sempre alerta a tudo a sua volta.

Após cerca de cinco horas descendo o suave declive do terreno acidentado, os jovens estavam exaustos. Decidiram fazer mais uma pausa, para que pudessem se recompor, e decidiram que se estabeleceriam ali mesmo para passar a noite. O local possuía menos vegetação do que o restante da floresta, e estavam já distantes do rio de águas cristalinas; porém, ainda eram camuflados pelas árvores de copa alta, o que lhes garantiria proteção para a noite.

Louis observou o grupo montar seu simples acampamento, estendendo sacos de dormir de cores escuras sobre o chão de grama curta, e assistiu ao Ponyta Shiny acendendo uma fogueira para manter todos devidamente aquecidos durante a noite fria na floresta silenciosa. E, após degustar algumas frutas e biscoitinhos que guardavam em suas mochilas, os jovens voltaram a conversar. Foi apenas por volta das nove horas que decidiram ir dormir, já que deveriam acordar cedo no dia seguinte para chegar à Nacrene. Um por um, treinadores e pokémons deitaram-se, aconchegando-se unidos para manter-se aquecidos do frio. O Furfrou encolheu-se perto do Meowth, que dormia serenamente ao lado da menina de cabelos negros e, em poucos segundos, todos haviam adormecido.

Todos, com exceção de Caroline.

Sua mente estava ainda mais perturbada do que estivera durante o dia; sempre que fechava os olhos, podia ouvir o som dos tiros novamente, como se armas fossem disparadas à metros de distância, e cenas da tragédia no Contest repetiam-se insistentemente pela cabeça da garota, privando-a de seu tão necessitado sono. Caroline finalmente admitira para si mesma que estava paranóica, respirando com dificuldade, tomada pelo medo de um perigo inexistente. Sempre que tentava descansar, sentia-se observada, como se houvesse alguém atrás de uma das árvores à espreita, apenas esperando seu momento de total vulnerabilidade para atacá-la desprevenida e tirar-lhe daqueles que mais amava.

Para a garota de cabelos negros, a noite fora incrivelmente longa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que acharam do Matthew? Planejo explicar mais sobre ele depois, ele é um personagem muito interessante e espero que gostem dele como eu gostei.
PS: Sim, o Augustus canta. E a voz dele é linda~
Bem, vejo vocês no próximo cap! Deixem seus reviews, comentários, críticas... Todos são muito apreciados!