Everlong escrita por Larissa Irassochio


Capítulo 16
Capítulo 16


Notas iniciais do capítulo

>>>>>>>>>>>Esse ainda não é o último capítulo.



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Acordei em um quarto escuro. O silêncio invadia meus ouvidos. Minha mente estava estática, mostrava a mesma imagem repetidamente: uma garota agonizando no chão - era eu.
Então a guerra tinha acabado? Toda a dor e sofrimento estavam mortos com Calário? Ele estava morto? O que estava acontecendo?
Tantas perguntas e minha cabeça latejava por tentar encontrar a resposta, mas nada aparecia, nem uma simples suposição do que tinha acontecido e estava acontecendo.
Tentei levantar, mas era inútil. Minhas costelas doíam como se um trasgo tivesse pisoteado elas, era horrível a sensação de dor e calor que se estendia ao passar por todo o meu corpo enquanto eu tentava sentar na cama. Quando consegui, meus pés tocaram o chão frio de pedra e tomei impulso para levantar, mas sem sucesso. Cai de quatro no chão, tossindo eu sentei ali mesmo. Consegui ver uma frestinha de luz entrar pela janela fechada. Esperança. Engatinhei até a janela e me apoiei, já de pé eu abri as cortinas. Meus olhos arderam ao sentir a estrela maior brilhando no céu, mas foi uma dor boa. Era uma dor de vitória.
Olhei para o reino a minha frente. Pessoas machucadas, pessoas recolhendo destroços e reconstruindo o reino. É, a guerra tinha acabado.
Eu estava tão feliz que podia sentir a alegria percorrer minhas veias. Tão feliz que tudo ficou muito claro, depois escuro.
Quando acordei o lobisomem estava sentado em uma cadeira de palha no outro lado do quarto, seus olhos estavam semi-abertos e fitavam os próprios braços, e eu me perguntei o porquê de ele encarar tanto se usava blusa longa. Ele parecia fascinado com a qualidade do tecido da blusa.
Tossi e ele virou o rosto rápido. Seus olhos estavam cansados, estava pálido e tinha várias feridas pelo rosto e pescoço, mas mesmo assim ele abriu um sorriso fraco.
– A princesinha acordou? - perguntou irônico se sentando aos meus pés.
– A única princesinha aqui é você. - respondi fraca. Eu estava realmente fraca, mal tinha forças para falar.
Ele me lançou um olhar preocupado e sem que eu perguntasse, disse:
– Ontem quando vim ver como você estava te encontrei no chão gélido. - pausou molhando os lábios porque sabia que internamente, eu me perguntava o motivo de ele vir me ver - Você já estava desacordada há três dias, ficamos preocupados, sabe. - ele se calou por algum tempo, encarou as próprias mãos que também estavam feridas - Muito obrigada por estar viva. - ele disse mordendo os lábios.
Eu sorri sem entender o porque de ele estar me falando aquilo. Eu nem o conhecia, mas ele parecia estar preocupado de verdade comigo. No momento, eu me deixei colocar minha mão sobre a dele.
– Feliz aniversário. - ele sorriu e saiu do quarto.
Então, percebi que não era mais aquela menininha de catorze anos. Eu era uma mulher que tinha acabado de fazer dezesseis anos. A guerra tinha durado dois anos, tempo de mais.

Depois que eu me alimentei com pão e sopa, voltei a dormir e acordei só no dia seguinte. Me sentia forte e disposta, consegui levantar sem ajuda.
Desci as escadas com um sorriso no rosto. Aquele dia, a maioria das empregadas tinha ficado em casa para ajudar suas famílias. Quando cheguei na sala de jantar, todos estavam sentados a mesa, seus lanches intocáveis. Os rostos fechados, tristes, pálidos e doentes. Meu sorriso se desfez, nem sentei e já fui perguntando:
– O que aconteceu? Por que não estão comemorando? A guerra acabou!
Todos me olharam tristonhos. Então, percebi pequenas coisas: Hayley choramingava enquanto Samie a abraçava, Kyro mexia na comida do prato sem vontade, Madame Xavier tinha alguns ferimentos na mão e o garoto-lobo me encarava com tristeza.
Kyro foi o primeiro a tentar tomar iniciativa. Sua voz estava rouca e falhada e parecia que não tinha dormido direito desde a guerra. Ele me chamou e tomei a liberdade de segui-lo.
Eu sentei no sofá que ficava de frente para a janela, ele sentou no para-peito. Os braços cruzados e uma péssima expressão.
– Quando Madame Xavier matou Calário a guerra acabou, mas você e ela estavam desmaiadas. Samie e Hayley estavam conscientes e eu acordei logo depois... Chris, o lobisomem estava com você, ele te ajudou. Só depois que ajudamos Madame Xavier que fomos procurar Charlie. - ele pausou, levantou o rosto para o teto e deixou o ar sair do seu pulmão - O achamos na sala de música, a sala secreta estava aberta. Ele estava no chão, calmo e sem marcas de violência. Isso estava encima do piano. - Kyro me entregou um papel antigo, sujo - Ninguém leu ainda.
Minhas mãos tremiam, eu ainda não conseguia entender o que estava acontecendo.
"Madley, sinto muito pelo o que eu fiz. Nunca foi minha intenção o suicídio, mas eu queria que a guerra acabasse. Que você parasse de sofrer, que eu parasse de sofrer. Eu te amo muito. Charlie R."
Entreguei a carta para Kyro e segui a passos lentos até meu quarto, eu quase me arrastava quando cheguei lá. Finalmente me deixei desabar no chão e chorar. Ninguém foi me consolar, ninguém foi dizer nada. Isso era ótimo, eu não iria precisar xingar ninguém.
À tarde, fui convocada para cremar o corpo dele e depois espalhar as cinzas. Tomei a liberdade de chegar cedo e ficar ao lado do corpo gélido por um tempo. Coloquei minha mão por baixo do pano branco e toquei a mão dele. Reprimi o choro mesmo eu estando hiperventilando.
– Mad? Chegou cedo. - Kyro disse quando eu me afastei bruscamente do corpo.
– É. - respondi seca.
Ele tinha os olhos marejados, o rosto vermelho e as mãos tremiam levemente, mas duvidei que fosse pela morte de Charlie. Ele me lançava olhares preocupados a todo instante.
Com o tempo, o pessoal foi chegando: Hayley, Samie, Madame Xavier e Chris. Todos vestiam roupas pretas e tinham um rosto doente.
Proibi que o resto do reino tivesse acesso a cremação. Ninguém merecia ver a dor dos outros.
Charlie estava deitado no centro da mesa de pedra. Seu corpo sem vida estava enrolado em um pano branco, apenas e flores coloridas o rodeavam, mas entre o corpo dele e a mesa estava uma espécie de "prancha" de madeira. Depois de entoarmos um canto para Hela, a deusa da morte, Madame Xavier acendeu o fogo. Se não fosse tão triste, seria lindo: o fogo subia em uma espiral azul vibrante.
Agarrei a roupa de Kyro, minhas mãos seguravam com força a blusa meia-estação. Ele me olhou comovido, sem saber o que fazer ele pôs as mãos nas minhas costas e deixou que eu chorasse.
Depois de horas de fogo, Madame Xavier recolheu as cinzas dele e colocou em um pode te vidro. Sem sorrir, ela me entregou o pote e todos me seguiram.
Charlie adorava a floresta, joguei as cinzas na cachoeira de lá.

Acho que ninguém soube reagir a morte de Charlie.
Hayley passava horas sentadas no jardim, as mãos sobre o queixo observando as flores e rasbicando em folhas que teimavam em ficar espalhadas sobre o castelo. Samie sempre carregava livros consigo, eu sempre a via treinar de manhã, a tarde ela fazia companhia à Hayley e a noite lia pilhas e mais pilhas de livros. Eu quase nunca via Madame Xavier, ela passava horas na cozinha fazendo brownies de amora e outros tipos de doces, no tempo que sobrava ela ia a festas de bruxas. Chris era outra pessoa que eu quase nunca via, ou ele estava com o grupo de amigos-lobos ou não estava em lugar algum; algumas vezes por semana ele ia ao castelo me visitar ou tentar me tirar da cabana de Richard - isso era quase impossível. Kyro tinha sumido pelo mundo, desistiu do reino e do trono, desistiu de mim também.

"Minhas mãos estavam trêmulas e eu tinha a impressão que ainda estava com cara de quem tinha chorado, mas isso não importava já que ninguém ia a cabana de Richard e ninguém andava na floresta aquela hora da manhã.
As primaveras no reino de Odjin eram amenas durante o dia e frias a noite e no começo da manhã, por isso eu me abraçava ao casaco. Eu andava com cuidado para não escorregar no chão úmido e torcia para chegar o mais rápido possível para me aquecer. Eu pretendia ficar sentada o dia todo em frente ao fogão à lenha com uma xícara de chá nas mãos enquanto lia ou eu ficaria revirando o lugar na esperança de encontrar algo diferente que me deixasse animada.
Os pinheiros tinham as folhas na cor de um verde fosco e os troncos de um marrom vivo, o céu estava nublado da mesma cor dos olhos do rapaz a minha frente.
Eu sorri fraco ao ver Kyro, era mais um sorriso de preocupação.
– Oi. - ele disse.
– Oi, Kyro. - respondi sem vontade.
Esperei que ele me abraçasse ou segurasse a minha mão, mas não. Ele passou as mãos sobre o cabelo claro e tossiu. Eu cruzei os braços e esperei a noticia vir.
– Podemos entrar? - ele disse apontando para a cabana e eu concordei mesmo sem entender o porquê de ele estar lá desde cedo me esperando.
Fiz chá para nós dois e sentei no sofá, no lado oposto ao dele assim ficaríamos um de frente para o outro. Ele fungou e apoiou os cotovelos no joelho, a xícara em uma mão enquanto a outra coçava o nariz. Eu sorri ao perceber como ele ficava fofo daquele jeito, mas ele só me deixou um olhar sem importância.
– Mad, eu... - ele mordeu os lábios e encarou as paredes como se procurasse uma saída - Eu adorei todo esse tempo que passamos juntos e você foi muito importante para mim, eu gostei muito de lutar ao seu lado. Foi incrível tudo o que você fez eu sentir... mas não podemos ficar juntos, você sabe! - ele desviou o olhar.
– Você está terminando comigo? - perguntei sem entender a situação.
– Eu entendo que você está passando por um momento difícil e está recomeçando a vida, mas eu não posso ficar com você. Eu não posso mais te amar. E há vários homens que matariam por você. Mad, tu és linda, vai encontrar alguém que te ame.
E com essas palavras ele levantou, acariciou o meu rosto e beijou minha testa. Deixou a xícara sobre a mesinha de centro e disse:
– Adeus. Para sempre. "

Ele saiu pela porta e eu nunca mais o vi. No começo tentei ignorar já que apareciam duques e princípes de todos os lugares me pedindo em casamento. Eu era linda e jovem, porque tinha que me importar com um princípe que tinha me deixado? Porque eu era idiota o bastante para ama-lo.
Foi muito difícil superar o que aconteceu com Charlie e depois isso com o Kyro, por um momento eu achei que não conseguiria, mas eu decidi me juntar a Samie e Hayley no jardim e nós passavamos horas sentadas encarando as flores. - "Aquela flor é muito estranha" , " E fedorenta também" , "Tô com fome".
E quando eu estava no castelo, Chris aparecia, ele sentava ao meu lado na biblioteca e segurava a minha mão. Isso ajudava já que eu passava horas sentada na escada encarando o nada, ele ficava falando sobre como odiava que os seus amigos ficassem bebâdos e que era a mesma sensação de quando esta se transformando em lobo daí os seus amigos se transformam no meio do bar e as pessoas correm assustadas e com medo quando na verdade os lobisomens só estão vendo o mundo girar.
Acho que ele só fala essas coisas para me distrair, não sei. Por muito tempo tentei entender o que ele sentia por mim.


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