Fichário escrita por GabiLavigne


Capítulo 1
Capítulo único - Mágoas


Notas iniciais do capítulo

Aqui está mais uma one shot. Tentei me superar na hora de escrever sob o ponto de vista da Katherine. Espero que gostem e entendam o capítulo :3 Sem enrolação, aqui está...

Boa Leitura!



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Mágoa. Oh, que sentimento desconcertante! Uma forma brutal de se incendiar o coração de alguém, de machuca-lo, de deixar uma ferida. E o pior é a facilidade em como se faz isto. Como se fosse um papel que pode ser rasgado, arremessado ao chão e pisoteado. A pessoa que magoa, pode sentir como os sentimentos se esmagam entre seus dedos, sentimentos que já me pertenceram. Mas não os desprezo, recolho os seus resquícios pelo chão e os carrego, carrego dentro de um fichário.

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Passo delicadamente os dedos pelas folhas do meu acolhedor de segredos. É estranho como uma única folha pode abrigar palavras, elas podem ser apagadas ou reescritas, porém sempre algo delas ficará para trás, elas nunca abandonam alguém que esqueceu delas. Mesmo que não notadas elas estão lá. Talvez não sejam apenas as palavras, a pessoa que as escreve existe, e mesmo esquecida ela continua existindo, ali, por perto, te observando. Tome cuidado.

Eu sou estranha. Sei disso. Todos sabem e fazem questão de me humilhar com isso. Sempre fui excluída de tudo e por todos, nenhum amigo, nenhum namorado, nenhuma vida. Passei os anos em um abrigo até que completei 16 anos e decidi morar sozinha, estudar e crescer, porém foi tudo por água abaixo. Eles acabaram comigo, logo acabarei com eles. Um sorriso se reflete em meus lábios e abro o fichário sobre meu colo, estou no meu esconderijo, no meu refúgio que me separa do resto do mundo. Encaro triunfante as minhas anotações. Nome por nome. Letra por letra. Esta é a minha lista negra. Esta é a lista dos que vão me pagar. Dos que fizeram questão de embrulhar minha sanidade e meus sentimentos, esgana-las em suas mãos sujas e joga-las ao fogo. Um grito recheado de ódio estrapula pela minha garganta e lanço o fichário contra a parede cinzenta. Cravo os dedos em meu cabelo e reprimo outro grito de frustração. Minha respiração ofegante entoa pelo único cômodo que representa a minha casa.

- Calma, Katherine - murmuro com a voz sobrecarregada de desespero - Calma.

Memórias de tudo que me fizeram, de todo modo que me chutaram, me enganaram, me machucaram, voam pela minha mente e me ergo da cama. Outro grito seguido por um soluço e então chuto o criado-mudo ao lado da minha cama, derrubando o abajur, a única fonte de luz quando escurecia.

- Droga! Droga! - aperto os punhos na parede e encosto minha testa.

A luz que entra pela pequena janela, vagando corajosamente pelo ambiente mal iluminado, funciona como um holofote, focando em toda a minha dor. Todo meu sofrimento. Porém, por entre as lágrimas que transbordam em meus olhos enxergo o fichário que fora atirado contra a parede, descansando á frente dos meus pés. Encaro-o por uns instantes, seco as lágrimas e agacho para recolhe-lo. Seguro-o com sua capa desgastada entre as mãos e abro-o verificando os nomes que se escondem nas páginas.

- Não se preocupe, eles vão pagar pelo que fizeram - com a respiração instável pressiono-o contra meu peito - Ah, e como vão.

A manhã nublada e cinza que brota lá fora não é muito convidativa, mas mesmo assim preciso enfrenta-la para chegar ao colégio. Odeio aquele lugar cheio de pessoas que são um incômodo para a minha vida, porém trabalhei bastante nas minhas anotações, e o plano que bolei precisa ser executado cautelosamente. Escondo o fichário no interior da mochila e depois de me preparar um pouco deixo a pequena moradia que chamo de lar.

A grande construção está cercada por alunos. Caminho de cabeça baixa em direção á entrada esforçando-me para que ninguém me veja. Infelizmente falhei neste quesito já que uma das garotas caminha em minha direção com um sorriso provocante nos lábios.

- Ora, Ora quem temos aqui? - ela finge estar tentando lembrar - Ah! Oi fracassada, o hospício te liberou hoje?

As pessoas que começam a nos rodear desabrocham em risadas. Raiva. A raiva manifesta-se e deixo a escondida. Ela é um dos nomes da minha lista. Milicent Yest. Popular, bonita e viva. Não por muito tempo. Ela terá oque merece, mas não agora. Agora preciso agir da maneira mais natural possível.

Caminho continuamente, deixando-a para trás com sua platéia e suas palavras maldosas. Atravesso os corredores com o plano pregado em minha mente. E então o vejo. Blacke Dester. O garoto mais estúpido, mais idiota e mais ladrão da escola. Oque ele roubou? Examino-o discretamente. Nada mais que o meu coração. Seu cabelo negro, seus olhos perfurantes, sua risada. Eu o amo. Odeio amar ele, mas eu o amo. Profundamente. Perdidamente. É uma das poucas certezas que me restam.

Por um instante os seus olhos calmos pairam sobre mim e rapidamente encaro o chão. Será que ele percebeu? Não posso cometer um erro fatal desse, não posso correr o risco de expor meus sentimentos, nunca mais.

Paro no meio do corredor para retirar o fichário das profundezas da minha mochila. Seguro-o firme. Este objeto fora a minha salvação, a corda que pendia para o meu resgate, o caminho para fora da insanidade. É tudo que eu ainda tenho.

Pressiono o conjunto de folhas contra o meu corpo e continuo a jornada pelo corredor da escola, observando cada uma das minhas futuras vítimas. Cada sorriso que farei questão de arrancar de seus rostos perfeitos e encarar elas profundamente nos olhos quando implorarem para que eu esqueça o passado. Para que eu as deixe ilesas. Quando era eu a vítima, quando eu implorava, eles não escutavam. Por que escutarei qualquer coisa que sairá de suas bocas? Por que eu faria qualquer coisa que pudesse agrada-los depois de tudo que me fizeram?

Você deve se perguntar oque fizeram, porém, deixarei isso por sua conta, permitirei que você mesmo decida oque aconteceu.

Meu coração quase salta do meu peito quando uma mão pesada arranca o fichário das minhas mãos. Lanço um olhar irritado para quem quer que tenha ousado fazer isso. Os cabelos loiros e os olhos castanhos já me revelam a identidade do sujeito á minha frente. Leonard Wreshart. Um dos nomes do topo da minha lista. Ele me odeia. Sem motivo nenhum, odeia apenas por ter vontade.

- Me devolve isso! - tento agarrar o meu acolhedor de segredos, porém Leonard se afasta esboçando um sorriso sarcástico.

- Quer isso, sua insana? - ele balança o caderno no ar - Vá pegar! Antes que eu possa pensar em me mover, o fichário voa pela janela, despencando até sofrer o impacto com o chão. Meu coração acelera e sinto como a raiva corre pelas minhas veias como um combustível que me acende.

- Seu idiota! - berro com a voz instável - Olha oque você fez!

Com um forte impulso lanço meu punho, atingindo o rosto de Leonard. Um gemido lhe escapa e revido um sorriso de desdém.

- Sua louca! - exclama ele irritado - Vai pagar por isso!

Aproximo-me de seu rosto, sem medo de levar uma bofetada e com o olhar mais afiado que encontro, perfuro seus olhos.

- Não - sussurro, ameaçando-o - Você vai.

Confuso, com uma mistura de ódio e frustração espelhada nos olhos ele me encara e depois me afasto com passos lentos, agindo da maneira mais calma e segura possível, mesmo que por dentro eu esteja explodindo de desespero.

Meus segredos foram arremessados pela janela. Corro desesperada desviando das pessoas que se tornam meus obstáculos. O desespero já havia se instalado em meu peito e o pânico já se manifesta em minha garganta. Esbarro contra algumas garotas chatas que revidam com palavras nada agradáveis, mas não me importo.

Preciso do meu fichário. Preciso dos meus segredos. Preciso acha-lo antes que alguém ache. Passo desnorteada pela entrada, atravesso uma parte do pátio e paro abruptamente diante da janela pela qual meus planos foram arremessados. Examino nervosa o ambiente ao redor, com o coração ardendo pela adrenalina, em busca de algum sinal, algum vestígio que localize o meu precioso fichário.

Nada.

Grito de raiva e agarro a minha testa, a respiração trêmula entra e sai do meu corpo lentamente. Aquele idiota! Aquele estúpido idiota! Ele precisava ter jogado algo que não lhe pertence pela janela? Alguém achou! Estou perdida. Preciso ir embora, em algum lugar por aí há uma pessoa com as páginas dos meus planos, dos meus segredos profundos, dos meus sentimentos sinceros. Estou exposta á uma pessoa que pode estar em qualquer lugar agora e temo-a.

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Onde pode estar? Com quem pode estar? Perguntas voam contra a minha mente. Recheada de nervosismo movimento-me pela minha pequena casa. Se estas páginas forem parar em algum lugar de conhecimento público serei levada ao hospício. Não posso deixar isso acontecer. Não, de novo não.

Desabo sobre a cama e suspiro. Oque farei agora? Fecho os olhos por alguns instantes e tento me distrair. Imagino-me pondo meus planos em prática. Imagino aquele Leonard idiota sentindo na pele como é ser alguém como eu. Como é ser tratada como eu.

Cerro os dentes para tentar prender a raiva dentro de mim, preciso reprimi-lá, afinal necessitarei dela quando estiver descontando todos esses anos nas minhas vítimas. O mais importante agora é manter a calma. Ergo-me determinada e encaro o meu reflexo no espelho. O cabelo bagunçado e as olheiras sob meus olhos me deixam com um ar cansado, mas na verdade isso é apenas fruto das atitudes de uma garota perturbada. A garota perturbada que me tornei. Na verdade, isso tudo é culpa deles. Isso tudo é culpa deles! O ódio que me alcança de maneira súbita toma o controle e num piscar de olhos lanço o punho contra o espelho, quebrando-o em diversos pedaços, ao som de um berro de raiva. Eles são os culpados, não eu. São eles. Não pode ser minha culpa, não pode! Balanço de leve a cabeça negando a possibilidade de eu mesma ser culpada disso. Respiro fundo e pisco os olhos para conter as lágrimas involuntárias.

Meu olhar vaga dos meus dedos ensanguentados para o espelho estilhaçado. Eu não sou louca. Talvez eu seja, mas a culpa disso é deles. Eles irão pagar. Todos eles. Lavo a mão e vejo como o sangue desce pelo ralo. Preciso me controlar mais.

Saio de casa decidida á comprar um novo abajur já que o meu antigo foi destruído num outro surto de raiva. Não posso pensar no fichário agora. Não quero pensar na pessoa que estiver com ele. Só sei de uma coisa: Ela não sairá ilesa dessa história, assim que eu encontra-la, ela desejará nunca ter posto as mãos no que me pertence.

Aos poucos o sol se esconde lentamente e a luz do dia se esvai dando lugar á uma noite intrigante. Encaro as prateleiras. A diversidade de abajus que se encontra á minha frente é enorme, e escolho um de cor preta. Caminho rodeada por móveis até o caixa para poder pagar e deixar o estabelecimento o mais rápido possível.

Pago devidamente e deixo aquele local, caminhando pela rua, tomada pelo frio que se penetra em minha pele e se recusa a me abandonar. Ouço passos vindo ao meu encontro e estremeço. Quem pode ser? Penso em me virar, mas apenas estabilizo a respiração e continuo a caminhar, na esperança de que quem quer que estivesse me perseguindo parasse.

Quase desmaio de pânico quando uma mão firme agarra o meu ombro me obrigando a parar.Viro-me para desferir um tapa, mas tudo oque eu faço ao dar de cara com aqueles olhos penetrantes é estremecer. Blacke. Em seus olhos reconheço um resquício de pavor, a mão pousada em meu ombro treme. Com a outra mão ele me entrega algo. O meu fichário.

- Isso é seu certo? - percebo como ele se esforça para se manter firme.

Insegura aceno com a cabeça, concordando. O Pânico se crava em meu peito, como se eu tivesse sido esfaqueada e o medo toma conta de mim. Ele leu? Ai não. Ele não pode ter lido. Oque farei agora? Oque farei agora!?

- Oque você quer dizer com isso? - ele recua devagar e aponta assustado para o fichário- Com tudo isso? Oque você pensa em fazer?!

Ele leu. Esta confirmação despenca com um certo peso. Ele leu. Preciso mata-lo.

Não posso matar ele. Não consigo, tento juntar todo o autocontrole e lanço-lhe um olhar.

- Você é uma insana! - ele agora parece em pânico - Você não vai me matar também, vai?

- Cale a boca, é claro que não! - a raiva se tornou visível em minha voz.

Eu o mataria? Eu seria capaz de matar alguém que eu amo e que não fez nada além de descobrir os meus planos? Eu não sei. Inspiro e expiro na tentativa de me acalmar, concentro-me no ar puro que invade o meu corpo e depois é lançado para fora. Concentro-me nisso para não encarar seus olhos, seus olhos que me examinam desconfiados e aterrorizados da cabeça aos pés.

- Você realmente é insana!- Blacke arregala os olhos - Em pensar que eu defendia você diante dos outros.

- Blacke! Eu não pedi que você me defendesse! - revido friamente - Eu preciso fazer isso... Você não sabe pelo que passei...

- Você é louca - ao escutar isso baixo a cabeça e pressiono o fichário contra o meu peito - Você quer assassinar todos! Tudo que vai ganhar com isso é a prisão!

- Acho que isso não é problema seu. - comprimo os lábios.

- Não deixarei que faça isso - ele se aproxima e seus olhos penetram nos meus, quase fico vermelha.

- Mas eu vou, e se você chamar a policía eu...

- Você oque? - uma gargalhada de desdém atravessa sua garganta e ele cruza os braços me lançando um olhar gélido - Posso chamar a policia a qualquer momento.

Suspiro. Eu o amo, mas ele não pode ser poupado, não se quiser acabar comigo como todos os outros. Preciso agir.

- Se fizer isto você será o próximo da lista - ameaço-o e começo a me afastar de maneira apressada.

- Não vou não - paro e espero pelas próximas palavras que temi ao longo da nossa conturbada conversa - Você me ama.

O tremor toma conta das minhas mãos e fecho os olhos tentando manter o meu coração no lugar. Reprimo toda a dor, reprimo toda a vergonha, reprimo todo o amor e mesmo que temporariamente, tudo oque me resta é a raiva.

- Você não seria capaz de me machucar Kath - ele agora murmura de forma mansa. Aperto a parte firme do abajur em minhas mãos e revelo um pequeno sorriso. Inclino de leve a cabeça.

- Vamos ver - respondo e antes de qualquer pergunta que Blacke poderia ter lançado no ar, viro-me com toda a força e arremesso o abajur contra o seu rosto. Ele desaba. Largo o abajur recém-quebrado e corro até ele. Agacho ao seu lado.

- Oque eu fiz? - sinto como as lágrimas lutam pela liberdade e não as prendo - Oque foi que eu fiz?

Delicadamente toco a face ensanguentada do garoto que amo e para o meu alivío ele ainda respira. Agarro o meu peito e suspiro aliviada.

- Me desculpa - murmuro- mas foi preciso.

Me recomponho e enxugo as lágrimas. Observo a rua. Por sorte não há ninguém.

Arrasto Blacke por uma das pernas pela rua, arrasto-o sem medo. Ele continua vivo. Quando finalmente chego em casa deixo-o caído no chão. Desabo sobre a cama e começo a escrever em meu fichário. Escrevo sobre a perda dos meus segredos e sobre como ataquei o amor da minha vida. Escrevo tudo isso e sublinho o nome de Leonard. Assim que estiver tudo pronto ele será o primeiro.

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Outra manhã cinzenta me saúda pela janela, porém estou ocupada demais para npta-la, concentro-me na pessoa amarrada no centro da minha casa. Ele está amarrado a uma cadeira e com a cabeça caída para um lado oque faz com que o seu cabelo cubra seus olhos. Ele é tão lindo.

Aos poucos ele volta a si e ao perceber que está amarrado tenta inútilmente se soltar. Depois de instantes ele desiste e percebe que o estou observando.

- Bom dia, Blacke - sussurro, tentando lhe dar um sorriso reconfortador

- Sinto muito pelo que houve ontem...

- Me solta sua louca! - novamente ele tenta, apesar de saber que não há possibilidade da corda grossa se romper, a se soltar.

- Bom, gostaria de conversar com você mas tenho aula - um sorriso bobo se aloja em meu rosto - Com o Leonard.

- Oque você vai fazer? - ele arregala os olhos incrédulo.

- Você me fez perceber que preciso executar o plano logo. - procuro um pano para evitar que ele grite durante a minha ausência.

- Oque fizeram com você para que você sinta que precisa agir assim? - ele tenta soar firme.

Encaro o com um olhar gélido e determinado.

- Você acha que sempre fui assim? Insana? - caminho em sua direção - Eu já fui uma garota cheia de esperança, Blacke. Eles destruíram a minha vida!

Ele fica quieto e me aproximo para tampar a sua boca.

- Espere - pede ele e com sinceridade olha nos meus olhos - Eu... Eu posso te ajudar.

A confusão se espalha por todo o meu corpo. A pressão é tão grande que parece que vou implodir.

- Eles tiraram tudo de mim - sinto o ardor pendendo de meus olhos.

Blacke suspira e me encara de maneira séria.

- Então vamos pega-los. Apesar de isso parecer burrice não irei negar: desamarrei ele. Sim sei que foi um ato bem estúpido da minha parte mas afinal ele aina esta aqui comigo, não é? Ele ficou por livre e espontânea vontade. Decidiu ajudar uma garota perturbada que outrora lhe arremessou um abajur contra a cabeça.

É, talvez eu não seja a única insana.

Caminhamos lado a lado em direção á escola. O silêncio quebrante parece caminhar entre nós, o rosto de Blacke permanece com uma aparência inchada e com alguns arranhões. Reprimo a pontada de culpa que se manifesta.

Não foi culpa sua, Katherine. Não foi.

- Por que está me ajudando? - e neste exato momento o silêncio se estilhaça no ar.

- Ontem, quando você me rumou o abajur contra a testa percebi duas coisas - ele para para poder se concentrar na minha feição - Primeiro: Ninguém fica assim do nada. Eles devem ter feito voisas horríveis com você. Segundo: Eu corria o risco de entrar na lista negra de uma garota que estava tendo um surto.

Permito-me rir da segunda opção. Internamente sei que eu não faria qualquer coisa contra ele nem se tentasse.

- Então - seu olhar cai sobre o fichário - Qual o nome da vez?

Abro o caderno e vasculho as folhas precisamente em busca do nome.

- Leonard Wreshart.

Ele acena e continuamos caminhando e naquele momento percebo uma pequena quantidade de insanidade nele. Para falar a verdade acho que há um pouco de insanidade em todos nós, só negamos a existência dela.

Leonard se encontra no corredor conversando com a Milicent. Os dois sorriem e trocam algumas palavras antes de se beijarem.

- Então, vamos? - mal posso esperar para sequestrar Leonard.

- Calma - Blacke me repreende - Não podemos ataca-lo assim, na escola.

- Claro que podemos - revido sem lhe dar importância - Quero que me encontre na minha casa depois da aula, se ainda estiver disposto a me ajudar.

Depois de um breve aceno de cabeça ele se afasta e caminho em direção a Leonard e Milicent que logo se concentram em mim.

- Até logo, Leo - despede-se Milicent e antes que ela se afaste completamenre, me lança um olhar venenoso.

Aguarde, Milicent. Sua vez chegará.

- Parece que você encontrou seu caderno idiota - Leonard se aproxima e confirma se o corredor está vazio - Se você acha que pode me socar e se safar está enganada.

Uma risada sarcástica me escapa e me aproximo dele colocando a mão na minha mochila.

- Sabe oque achei também? - sorrio de leve ao perceber sua desconfiança - Isso!

Retiro um spray de pimenta da mochila e deixo o liquido jorrar em seu rosto. Um berro ecoa pelo corredor.

- Oque você fez sua louca! - desesperado ele se contorce e agarra o rosto.

- Cala essa boca! - murmuro e arrasto o até o armário do zelador mais próximo que conheço.

- Socorro! - agora reconheço o pânico em sua face contorcida. Lanço-lhe um tapa e ele desaba no chão. Chuto seu estômago e ouço seus gemidos.

- Não é bom? - pergunto - Lembra?

- Por que está fazendo isso - murmura ele enquanto tenta se erguer do chão.

- Por que é oque você merece! - novamente meu pé se choca contra ele e ouço um gemido.

- Esqueça o passado - sussurra Leonard - Me desculpa, por favor não faça isso!

As súplicas desse ser repugnante diante de mim soam inválidas. Agacho-me ao seu lado e tiro alguns fios de cabelo de seu rosto.

- Lembra como eu implorava para que parasse de me bater? - sussurro e sorrio, aproximo-me de seu ouvido - Lembra de como você me chamava? Fracassada.

Dou um chute.

- Idiota?

Outro chute.

- Não é legal como o mundo dá voltas? - observo-o caído.

A porta se abre e Blacke entra. Ao ver a versão contorcida de Leonard no chão ele me encara apavorado.

- Oque você está pensando? Não pode fazer isso aqui! Vamos embora, estão querendo verificar de onde os gritos estão vindo.

Agacho-me outra vez ao lado de Leonard que respira com dificuldade.

- Se falar alguma coisa sobre oque aconteceu - ameaço - Voltarei para terminar oque comecei, entendeu?

Entendi o gemido como um sim e me levanto saindo do quartinho junto com Blacke que parece furioso com oque acabei de fazer. Por sorte ele se vala e não fala nada. Apenas me segue para fora da escola, pelas ruas, até a minha pequena residência. Assim que a porta se fecha a tensão infesta o ar.

- Você correu o risco enorme de pegarem você. - reclama Blacke, balançando a cabeça.

- Mas valeu a pena. - respondo.

- Não pode sair por aí batendo neles em qualquer lugar, Katherine!

- Por quê? Você esta com pena deles agora, é isso? Está arrependido por ter dito que iria me ajudar mesmo quando te acertei com um abajur? - balbucio cada palavra de modo acusatório, atirando as nele.

Ele comprime os lábios e então crava seus olhos nos meus.

- Eu decidi te ajudar pois vi que você era uma garota bastante rancorosa e... Pensei que poderia fazer você desistir disso. - assim que ele termina liberto uma risada de desdém que esperava por uma oportunidade em minha garganta.

- Oque você acha que eu quero fazer com as pessoas da minha lista? - ergo as sobrancelhas - Dar flores, ou algo assim?

- Eu só achei que você merecia uma chance de pensar e mudar - devolve ele firme e em um tom decepcionado.

- Por que eu mudaria? - aponto para a cama - Aquela droga de fichário salvou a minha vida quando eu estava apodrecendo em um estúpido hospício sem motivo nenhum!

- Achei que mudaria porque me ama e... - ele toca as minhas mãos e entrelaça seus dedos nos meus - E eu também.

No instante em que nossas mãos se tocam eu sinto o meu coração acelerar. Estou delírando? Isso é errado. Mas por que parece tão certo? Ferozmente Blacke coloca a mão em minha nuca e me aproxima de seus lábios, estes que se chocam contra os meus. Não consigo pensar em mais nada, apenas coloco as mãos em volta de seu pescoço e deixo tudo de bom que ainda há em mim fluir. Naquele momento não há planos, mentiras ou raiva. Há apenas uma garota perturbada e o amor de sua vida. Mas como tudo na minha vida, aquele momento bom não durou muito. Não havia nada que pudesse estragar isso, nem o fichário. O Fichário. Abro os olhos e vejo que ele não esta em cima da cama. Nem no chão. Nem em canto nenhum. Paro de beijar Blacke e encosto a cabeça em seu peito. Eu esqueci o meu fichário no quarto do zelador. Esqueci-o quando Blacke me apressou para ir embora já que estavam vindo conferir de onde os gritos surgiam. Mas não eram gritos. Eram gemidos, em uma sala pequena, abafada e com paredes grossas. Como alguém escutaria algo dali? Sinto o meu coração pesar cada vez mais, porém preciso de algo concreto.

- Algum problema, Kath? - a voz dele soa ofegante.

- Ah não - respiro fundo temendo a resposta - É que... Estou achando que esqueci o meu fichário.

- Oque? - sinto como a voz dele se torna instável - Não. Tenho certeza que vi você joga-lo em cima da cama.

Em cima da cama. Ele está blefando. Ele armou para mim. Beijo-o delicadamente e depois afasto os lábios alguns centímetros.

- Resposta errada. - sussurro contra o seu hálito. Não espero um arregalar de olhos ou uma pergunta nervosa, empurro-o contra a parede e ele tenta beijar-me. Ainda bem que não varro a casa.

Escorrego no chão.

- Ai.

- Desculpa - pede ele me erguendo.

Beijo o novamente. De maneira intensa e precisa. E então está na hora de agir. Quando supostamente escorregei, na verdade peguei um dos cacos do espelho estilhaçado. Preparo o pequeno pedaço afiado em minha mão e então cravo-a nele.

Um gemido alto lhe escapa e ele se afasta com as mãos sob a barriga. Seus olhos me encaram confusos.

- Você quase me enganou, Blacke. - Arremesso a testa contra a dele e ele se afasta tonto e atordoado.

- Por que, Blacke, por quê? - indago enquanto me aproximo.

Empurro-o contra a parede. O impacto causa um estrondo e ele desaba. Transfiro-lhe alguns chutes enquanto sua vida se esvaía cada vez mais. Aproximo-me de seus lábios ensanguentados e dou um curto beijo.

- Eu te amei tanto. - sussurro.

Afasto-me e observo como ele luta até que fica completamente imóvel no chão. Um pânico cobre meu coração. Chuto-o.

- Acorde! - me agacho ao seu lado e o chacoalho - Acorde, Blacke.

Sinto o pesar da tristeza. Eu dei fim ao amor da minha vida. Fui eu. Lágrimas escorrem pela minha face e ergo-me. Saio de casa. Ouço diversas sirenes enquanto caminho pelas ruas tomadas pela escuridão que era trazida pela noite. Parece que Blacke tinha chamado a policia. Eu estaria sendo presa agora. Mas talvez ele estaria vivo se a policia chegasse instantes antes. Tento parar de pensar nele e continuo a caminhar.

Passo pelos prédios abandonados. Pelo pátio estreito. Pela entrada da escola e pelos corredores sombrios. Abro, cautelosamente a porta do quartinho do zelador e lá estava ele. Estranho. Achei que a policía o tivesse confiscado. Agarro o meu querido fichário e abraço-o.

E naquela noite, Blacke com certeza não foi a minha única vítima.

A culpa não foi minha. Foi de todos que me tornaram assim. Estou caçando-os um por um.

E sobre Blacke, eu apenas o acrescentei a minha lista.

----------------------------------------------------------- - -O que esta fazendo aqui insana?- indaga Milicent enquanto adentro o seu quarto.

- Sua mãe deixou eu entrar. - respondo dando passos calculados.

Os gritos de Milicent ecoaram pela noite.


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Notas finais do capítulo

Aqui finalizo a fic. Deixem reviews se tiverem afim ah e, sou só eu que achei a Katherine meio psicopata? kkkk
Na sua opinião oque você acha que aconteceu para ter deixado a Katherine com tanta sede de vingança?

Beijos!