O CD escrita por Zaramet


Capítulo 1
O cd


Notas iniciais do capítulo

Ficção baseada em alguns fatos reais.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/534836/chapter/1

– Sumimasen, O-shigoto wa?

Havia cansado de escutar aquele CD, então decidi dar uma pausa. Eu estava estudando japonês, por isso achei que seria uma boa ideia ouvir conversações na língua nativa para incrementar o meu vocabulário, e não estava enganado. Porém, já eram três horas da madrugada e em um sábado chuvoso como esse, sozinho em casa e com poucas chances de ir dormir cedo, eu sabia que existiam coisas mais interessantes para fazer - ressalvo as coisas sujas que sua mente deve ter imaginado-.

Decidi falar no chat com Jéssica, - minha ouvinte e confidente companheira virtual- ela sempre tinha escondido na manga algum vídeo engraçado ou qualquer site que abordasse assuntos envolventes, e nessa noite, não fora diferente.

Assim que eu lhe fiz o pedido encarecidamente, ela me enviou o link de um blog sobre diversidades. E nesse post o conteúdo abordado eram histórias, contos, tirinhas e alguns filmes trash de horror japonês. Ela ter compartilhado comigo algo sobre o Japão no exato momento em que eu estudava sobre o mesmo poderia ser considerado apenas uma coincidência? Talvez, mas isso não vem ao caso agora. Ironizei comentando assim:

Zara: “Ok Jessy, vou ler as histórias infantis que você me mandou e já volto. Obrigado sua linda ♥”.

Ela digitou uma risada e respondeu na mesma moeda. Eu sorri, era por isso que eu adorava tê-la como amiga, ela sabia exatamente como lidar comigo. A leitura foi rápida, mas apesar disso, um tanto cansativa. É evidente que a cultura oriental me agrada em sua singularidade, mas acredito que o quesito terror não seja o meu predileto. Não entenda errado, não sou medroso, pelo contrário, sou cético demais e isso tira a graça de tudo. Porque sejamos honestos, as lendas nipônicas envolvem sempre muito misticismo e superstição.

Assim não é de se surpreender caso você encontre algumas - ou varias - histórias que pareçam iguais, abordando maldições, demônios e principalmente... Fantasmas. Não tenho nada contra, e posso até reconhecer personagens icônicos dessas mesmas lendas, mas acredito que elas funcionem melhor com pessoas que possuem mentes mais influenciáveis, não comigo.

Dei uma última conferida no site e o fechei. Voltei para a janela da Jéssica e a conversa seguiu dessa maneira:

Zara: Toscoooo demais xD

Jessy: ah para, foi interessante U-U

Zara: Sim foi, mas slá... São apenas lendas bobas.

Jessy: Será? Ò_ó

Zara: Para hein kk to sozinho em casa, olha que eu vou me tremer de medo hahaha

Jessy: Pois deveria, são 3:33 agora...

Zara: Uhhhhh! Horas iguais O__O! Verdade, assustador pakas...

Jessy: Você entendeu seu idiota! Eu quis dizer que essa é a hora em que os demônios andam livremente por aí...

Zara: Ué, deixa eles... Nada melhor que uma caminhada matinal, não é?

Jessy: Bobo kkk, eu tenho que ir agora, porque quem tem que levantar cedo amanhã sou EU..

Zara: Num domingo? Uau isso sim é perturbador... Well, boa noite pra você, eu vou é ver alguns filmes de terror clássico pra tirar essa ressaca de “Horrorível” – era como eu costumava chamar qualquer conteúdo macabro que fosse fantasioso demais para me satisfazer.

Jessy: KKK Boa sorte, Bjs e bons pesadelos!

Jéssica ficou offiline

Eu fiquei alguns segundos olhando pra nossa conversa, até mandar pra ela uma última mensagem:

Zara: Bjs, bons pesadelos pra vc também.

Dirigi-me para minha estante e fiquei em dúvida se pegava algum filme estilo Gore com muito sangue e realismo, ou se me limitava a olhar algo mais psicológico e surreal, para "entrar no clima" daquela noite. Decidi então que minha primeira escolha seria uma longa metragem de Stephen King, era perfeito. Envolvia crenças, ilusões mentais não comprovadas, uma ótima trama e claro, mais de quatro horas de duração. O que fariam a manhã de sábado chegar em um piscar de olhos.

Envolvia meus dedos por entre os títulos, indo de encontro ao DVD quando de repente, senti algo macio, porém fino e muito largo. Ergui meus dedos e envolta deles encontravam-se enrolados vários fios escuros de cabelo, para não dizer uma mecha inteira. Como eles foram parar ali? Encontrava-me em choque, isso parecia uma cena típica de um daqueles contos... Que eu acabara de ler. Respirei fundo e com calma disse em voz alta para soar mais convincente:

“São apenas histórias bobas”

"O verdadeiro bobo aqui sou eu" – pensei – assustando-me com tão pouco. Peguei o filme e dei uma última limpada na estante, voltei para cama. Quando me joguei sobre ela, ouvi um barulho curto. Não parecia um rangido, e mesmo que fosse não seria possível, pois a cama era nova. Eu me mexi um pouco nela e então ouvi novamente. Aquilo não soava como um rangido estava mais para um gemido.

Tudo bem, agora eu estava começando a cogitar a possibilidade de ir dormir, minha mente devia estar cansada demais, e esses acontecimentos são apenas frutos de uma imaginação sem controle, óbvio. E para provar pra mim mesmo que não havia nada ali, olhei para debaixo da cama.

Eu estava sendo ridículo mais uma vez, primeiro por não ter saído do meu quarto o dia todo o que impossibilitaria que alguém se escondesse neste cômodo, segundo por ser fisicamente impossível alguém conseguir se esgueirar por ali. Eu tenho uma cama Box espaçosa que é subdividida em: um imenso colchão, e o suporte de baixo que é duro como um tijolo. Logo eu deito em uma espécie de sanduíche e ao menos que seja a Olivia palito escondida em minha cama, nada real caberia ali embaixo. Ao menos que... Alguém estivesse no meio dela.

Dei um pulo assustado com essa ideia estupidamente improvável, mas que eu precisava averiguar. Virei o colchão com força e em cima do suporte, não havia um, mas sim milhares de fios de cabelo negros. Isso não podia estar acontecendo... Não comigo, eu cambaleei um pouco e encostei a testa na parede, tudo ficou escuro muito rápido, era o efeito de eu ter me levantado de brusco. Quando a tontura passou eu olhei novamente para os cabelos, eles haviam sumido. Estaria eu, ficando louco? Insano? Não, não, não. Eu coloquei o colchão no lugar e fingi que tudo isso não passava de um sonho, daqueles muito lúcidos.

“São apenas histórias bobas” – repeti.

Sentei com as pernas cruzadas e coloquei o notebook no colo. Eu iria assistir ao filme e tudo iria ficar bem, o único terror seria cinematográfico e eu não precisaria mais ficar tão tenso. Olhei para tela do computador e percebi que ainda havia um player pausado. Mas é claro! Havia esquecido o CD que eu parara de ouvir quando fui falar com a Jéssica. Decidi ao menos dar uma última ouvida na lição (eu odiava deixar as coisas pela metade).

Sumimasen, o-shigoto wa?”

Claro, lembro-me bem de ouvi-la perguntando a profissão de seu novo amigo, vamos ver aonde isso vai dar...

“Soo, watashi no o-shigoto wa..TRMMMMMMMMMMMMMM”

Meus olhos arregalaram, e meu corpo estremeceu. O áudio estava muito baixo, e de uma hora pra outra, ficou tão alto que aquele chiado estridente quase estourou as minhas caixas de som. Era como se a voz dele houvesse sido travada propositalmente. Não era um som uniforme. Era um imenso barulho que ecoava em diferentes entonações, como se fosse uma "língua de ruídos", e foi então que ela começou a respondê-lo e notei que sua voz também estava travada fortemente entre onomatopeias que variavam entre: “trrmmmmm, biippppp, rmmmmmm” eu estava esperando que aquilo acabasse logo, mas eu sei que não iria. Então eu apertei relutantemente o botão que avançava para a próxima lição.

Konnichiwa...” – a voz doce e suave da mulher começava o arquivo de som de forma simpática.

Parecia que tudo tinha voltado ao normal, e que a causa desse acontecimento se resumia a alguma falha no player. “Sim, deve ter sido só isso, o CD arranhara”. E por um segundo, eu pude relaxar todos os meus músculos, e pensar novamente “são apenas histórias bobas”. E foi aí, que ela continuou.

“... O-kuni wa nandesuka?” – Durante essa frase sua voz passou de um tom agudo agradável para um grave rouco em questões de segundos. Parecia a própria voz do demônio. Minha espinha gelou, e meu corpo voltou a suar frio. Eu fechei os olhos. Isso não podia ser real...

“... Watashi no o-kuni wa...’’ – O homem respondeu, mas sua voz já era tão grossa que o programa começou a ficar inaudível.

E durante essas distorções no CD, eu repetia mentalmente “É só ilusão, tudo besteira, isso é um bug, e só isso, SÃO APENAS HISTÓRIAS”.

Tudo ficou em silêncio, e isso era assustador, como nunca fora antes. Notar o silêncio é como pensar sobre algo tão imensurável - do qual você não se da conta durante grande parte da sua vida - como a morte ou o fato de sermos nada além de poeira cósmica se comparados à grandeza do universo. E lá estava eu, admirando este momento de calmaria, destampando aos poucos meus ouvidos e olhando para tela. Ela indicava que a lição havia acabado e estava se preparando para rodar a próxima, eu devia ter tirado o CD antes que os sons recomeçassem, mas não o fiz, apenas fiquei encarando-a para ver o que iria acontecer. Eu nunca fiquei tão nervoso na vida.

Tec, tec, tec, tec” sons de alguém digitando se fizeram presente, eu não me lembrava dessa parte em nenhuma lição.

Continuei ouvindo. Esse barulho se prolongou por algum tempo e depois se seguiu uma grande pausa. Até que consegui escutar... Alguma coisa estava se locomovendo. Senti como se o som estivesse se afastando, indo para longe do microfone ou algo do tipo (como em áudio bidimensional). Após isso, se fez ouvir o som de um deslizar de dedos ao fundo, e uma voz muito familiar proferindo algo:

São apenas histórias” – eu disse, mas dessa vez não fora eu, era a gravação.

Como isso aconteceu? Eu fiquei desnorteado, era a minha voz em um CD de língua japonesa, como isso pode...

São apenas histórias” – continuava pronunciando enquanto minha voz ia vagarosamente mudando.

Ser provável?... É um pesadelo, e dos ruins! Eu não quero mais...

São apenas histórias” – a voz ia se repetindo e ficando cada vez mais rápida.

Ouvir, eu não quero mais ouvir nada, Eu...

São apenas histórias

Não Quero...

São apenas...”

MAIS.

Enfiei minha mão na lateral do notebook, pressionando o botão descontroladamente e o compartimento ejetou juntamente com o CD. Peguei-o e o arremessei rapidamente para a beirada da cama. Fiquei em posição fetal, senti vontade de chorar, mas acabei só suspirando profundamente. Belisquei meu braço, e não acordei. Aquilo foi real, e eu sabia bem disso.

Eu ergui minha cabeça e olhei em direção ao objeto circular jogado no canto. Minha mão tremula foi em sua direção, eu precisava me certificar de algo, para o bem de minha sanidade. Segurei firme o CD e o trouxe para perto, virando-o de costas. Ele possuía dois anéis ao redor do furo, como qualquer um, e para meu desespero, essas eram as únicas marcas gravadas nele. Não havia nenhum risco, digital, amassado ou mancha. Na verdade ele parecia novo, e estava tão limpo e reluzente, que se assemelhava a um espelho. E foi então que eu dei uma última olhada em seu reflexo, do qual era possível enxergar a minha expressão facial apavorada, e a criatura de longos cabelos negros que gemia atrás de mim.

São apenas historias bobas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

clichê como um horror japonês, não?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O CD" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.