Rosa do Deserto escrita por Y Laetitya


Capítulo 7
Revolta Interna




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Acordei sentada no chão e encostada em minha cama, ao meu lado, duas embalagens de jet jaziam vazias, guardei-as instintivamente e olhei para os lados, a minha colega bêbada continuava dormindo, duvidei que ela tivesse visto alguma coisa, pensar que tivesse acordado durante a noite também parecia impossível, então relaxei e coloquei as embalagens dentro do meu baú. O interior da barraca ainda estava escuro, mas dava para perceber leves raios entre algumas fendas do tecido grosso, sinal de que o sol já estava nascendo. Sentei na cama, esfreguei as mãos no rosto e dei uma risada baixa, ontem estava tão desesperada por um jet que havia esquecido de jantar, dias atrás não teria sido nenhuma novidade, mas depois que entrei para os soldados do acampamento McCarran comer havia se transformado em uma atividade diária.

Meu estômago roncou e então caminhei para o refeitório. Lá já haviam muitos soldados fazendo sua primeira refeição do dia e então reparei que nunca vira aquele lugar tão cheio antes, talvez porque ainda não tinha uma rotina, meu ferimento iria se curar e muito em breve deveria administrar melhor os horários para tomar meus chems em paz. Caminhei para a mesa onde as refeições ficavam e cumprimentei com a cabeça alguns soldados no caminho, peguei pequenas porções de perna de louva-deus grelhada e feijão enlatado, a comida ainda estava quente, algo raro por alí, sentei-me em uma mesa onde haviam mais soldados conversando e tentei prestar atenção no assunto.

–...que ele mandou o novato para aquela área? Ele não está nem aí!

–Ouvi dizer que só um dos cinco voltou, e está bem ferido na enfermaria, parece que vão transferi-lo porque a perna vai precisar ser amputada.

Aproxime-me mais para ouvir melhor.

–Semana passada ouvi algo sobre ele mandar os recém-transferidos para aquela área!

–Eu preferia o Major Dhatri, ele podia ser preguiçoso mas...

–E também tem aquele boato do major Brown... –Eles continuaram falando.

–Então ele é novo por aqui? –Me intrometi.

Os três soldados que conversavam viraram seus rostos para mim e abriram o círculo de conversa.

–Nem tanto, ele já está faz alguns semestres. –Um soldado negro deu de ombros.

–Muitas pessoas não gostam dele? –Perguntei.

Eles se olharam e alguém disse “Não faz mal falar para ela... Vocês viram e sabem que ela não gosta dele também, pode servir como um aviso”, e então um deles –tinha a cabeça raspada e a pele um pouco morena por causa do sol– começou:

–Está brincando? Ninguém gosta desse cara, nós só toleramos porque é nosso superior, mas não faltam rumores sobre ele. –Os outros concordavam com a cabeça e continuavam mastigando. –Nós deveríamos treinar nossa pontaria, mas ele não aprova porque alega que não ajuda em nada e só gasta munição, estamos perdendo a prática, muitos são novatos e o treinamento é essencial.

–Ele está se livrando dos mais lentos sem antes treiná-los do jeito certo. –O negro acrescentou. –Não parece sentir pela vida dos seus soldados.

Concordei e mordi uma perna de louva-deus que estava no meu prato.

–Mas vocês nunca fizeram nada?

Eles trocaram olhares e o de óculos soltou uma risada sarcástica:

–Já teve quem o desafiou, uma mulher antes de você, tão valente quanto, ela acreditava que homens e mulheres deviam ter direitos iguais e decidiu ter uma conversa com o major. –Ele fez uma pausa dramática e olhou para os lados, talvez para se certificar de que o tirano não estivesse por perto. –Sumiu por um dia inteiro, apareceu toda fodida.

–Literalmente... –Comentou o de cabeça raspada. –Quando você começou a discutir com ele, nós ficamos por perto para garantir que nada lhe aconteceria, nada de pior, pelo menos.

Depois de mais conversas sobre Brown e o antigo major Dhatri, eles se apresentaram, o negro se chamava Jacob, o de cabeça raspada Thomas e o de óculos David, eles afirmaram posteriormente que muito mais que a metade de todo o acampamento concordaria em ter Dhatri novamente como major, mesmo ele não sendo bom como eles realmente gostariam que fosse. Perguntei mais sobre a mulher que eles achavam ter sido estuprada, disseram que antes do que aconteceu, ela mostrava opinião constantemente, às vezes conseguia ser tão rude quanto um homem, mas depois, vivia pelos cantos obedecendo a tudo o que lhe era dito e abaixando a cabeça para todos, e para a minha surpresa, ela chamava-se Margaret.

¨

Passei pela enfermaria e Dr. White dissera que eu poderia começar a sair para pequenas missões imediatamente, mas aquilo não me animou, eu precisava falar com Margaret e descobrir o que de fato aconteceu. Sabia como era ser estuprada, mas diferente de mim, ela não estava sobre efeito de drogas, aquilo me tocou de certa forma e acabei pegando suas dores também.

Caminhei pelo acampamento à sua procura, não foi difícil acha-la, ela estava sentada em uma cadeira do lado de fora de uma barraca.

–Olá, lembra-se de mim? –Sentei-me ao lado dela.

–Claro, a rosa valente.

–Não sei como abordá-la de outra maneira, não fui criada para lidar com essas coisas, mas sinto que deveria fazer algo para lhe ajudar. Vou ser bem direta ao ponto. –Ela concordou com a cabeça, parecendo adivinhar do que se tratava. –Hoje cedo alguns soldados me contaram sobre o que o major Brown fez com você há algum tempo atrás, a conversa começou apenas para falarmos mal dele, você sabe, mas acabou tomando outro rumo para suas ações sobre os soldados.

–Pare, por favor...

–Espere, eu...

–Shhhhh. –Ela olhou vacilante para frente, então percebi que Brown se aproximava.

Ficamos ambas a fita-lo, ele virou-se em nossa direção com um olhar de nojo, nos chamou de piranhas e nos mandou “de volta ao trabalho”, nos levantamos e comecei a andar ao seu lado, atenta para qualquer aproximação indesejada.

–Obrigada por... –Ela começou a dizer. –Querer ajudar.

–Sei que deve ser difícil confiar em uma pessoa como eu, acabei de chegar, claro, mas posso afirmar para você que já passei por uma situação semelhante diversas vezes. Quero ajudar, mas preciso de sua ajuda também.

–Ele... Ele não gostou quando contrariei sua ordem, então alguns minutos depois ele me arrastou para uma sala dentro daquela construção –Ela apontou para um tipo de prédio que separava os aviões da área onde eu geralmente ficava. De repente, ela tomara uma postura mais confiante do que antes e continuou a falar. –Fiquei amarrada lá por quase um dia inteiro. Você sabe o que aconteceu depois.

–Mais alguém sabe sobre isso?

–Apenas desconfiam.

–Vou me livrar dele para você, eu prometo.

Foi então que pela primeira vez eu havia feito uma promessa de verdade, que sentia por alguém e queria realmente ajudar sem receber nada em troca, um sentimento que eu nunca sentiria por alguém se continuasse entre os fiends. Mas eu iria precisar de ajuda.


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