Rosa do Deserto escrita por Y Laetitya


Capítulo 17
Old Mormon e os Seguidores




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Dessa vez, não houve sonhos, apenas um longo período escuro, eu escutava as pessoas falando da minha condição diariamente como se estivesse debaixo d’água, e por um momento achei ser mais um delírio, mas era real. Quando acordei, estava escuro dentro de uma barraca improvisada, deitada num colchão no chão, que lugar era esse? Tentei me levantar, mas tudo girou e então decidi permanecer deitada. Coloquei a mão no rosto e ele ainda doía um pouco dependendo do toque, o lugar do tiro que levei no ombro estava enfaixado e já não fedia mais. Eu vestia uma roupa maior do que meu manequim, mas também reparei que estava mais seca, mais quebradiça.

Então parei para pensar na primeira vez no que tinha acontecido, a memória voltou facilmente e novamente me senti um lixo. Eu merecia o nome que eu tinha entre os fiends, eu pensara que depois de anos eu conseguiria me livrar de estupros, da fome, da dor, da sensação de desejar a morte todos os dias secretamente, mas continuava fraca, não consegui fazê-los parar, como todas as vezes. E o bebê, aquele sonho que tive trouxe-o de volta para minha memória.

Alguém entrou na barraca, lá fora também estava escuro. A pessoa se aproximou e quando percebeu que eu estava acordada, correu até mim, se ajoelhou no chão e pegou minha mão. “Rose!” ele disse, mas não reconheci o rosto daquele homem. Tirei minha mão das deles, nesse momento, lembrei quem ele era: Dylan Rutherford, Elijah, tanto faz, o cagão que virou as costas para mim.

—Vá embora. –Eu disse.

—Eu sei que está chateada, mas eu... Eu...

—Chateada? Você me abandonou, deixou que fizessem aquilo comigo! Vá embora. –Eu disse, me virando de costas para ele.

—Bom, eu só vim ver se estava bem, estou feliz que acordou. Esse é o Forte Old Mormon, estamos com os Seguidores do Apocalipse, eles cuidaram de você enquanto dormiu.

—Vá. Embora.

Um longo silêncio se seguiu, e pude ouvir ele respirando.

—Tudo bem. Nos vemos amanhã, Rose. –Ele disse, colocando a mão no meu ombro e saindo da barraca logo em seguida.

Vi o dia amanhecer aos poucos, e nos primeiros raios de sol, a enfermeira idosa apareceu na barraca, mediu minha temperatura e fez algumas perguntas, como meu nome, se eu tinha algum familiar, e me explicou como vim parar lá quando perguntei:

—Aquele moço, o Elijah, ele a encontrou e a trouxe para cá, teve sorte de ter sido achada por um médico muito experiente, ele inclusive cuidou de você enquanto esteve desacordada aqui no forte. Você foi vítima dos fiends, senhorita Primrose?

Após pensar muito e também relembrar cenas malditas novamente, como num filme que nunca terminava, respondi que sim. Nessa hora, uma lagrima desceu pelo meu rosto, e toda a tentativa de me mostrar forte se foi, comecei a chorar muito, a enfermeira então me abraçou, tentando me consolar.

Quando o sol alcançava o meio do céu, Dylan apareceu em minha tenda com uma sopa de perna de louva deus. Sentou-se no chão ao meu lado e me acompanhou enquanto comia.

—Me disseram que você “me achou”. O que aconteceu enquanto eu estive lá? –Eu finalmente disse depois de pensar muito e comer metade da sopa.

—Eu ajudei alguns feridos da sua tribo, eles me mantiveram preso por uma semana inteira, até que consegui fugir. Vim para freeside, os Seguidores me acolheram. Mas eu precisava te ajudar. Sei que o que fiz não é muito, eu apenas te achei, praticamente morta. Não chega nem perto do que eu lhe devo. Desculpe... Eu estou traumatizado com o que vi, mas não consigo imaginar como foi pra você. Eu queria ser forte, corajoso para poder ter feito algo para aquilo parar. As palavras... Elas não têm poder nenhum com quem não quer dialogar. Gostaria de ter entendido antes disso ter acontecido...

—Eu também gostaria. Você tinha uma maldita pistola, poderia ter atirado.

Silêncio dentro da tenda, mas os gritos de ordens e as vezes lamentos que vinham lá de fora e de outras tendas permaneceram audíveis até demais. Rutherford estava de cabeça abaixada, evitando meu olhar.

—Vou esperar você se recuperar, mas partirei sozinho para Red Rock Canyon. Não quero lhe atrapalhar mais.

— Você me usou.

—Não! Eu só não quero lhe envolver mais em assuntos meus, para o seu bem. A não ser que você ainda queira ir pra lá comigo.

—Não quero me envolver em mais nada em relação à você. Sabia que os Khans vendem drogas para os fiends? Sabia que são facções bem amiguinhas? Eu não posso me arriscar... Mas... –Sussurei. –Mas não tenho para onde ir. –Olhei para baixo, as palavras saíram sem que eu pensasse, e assim minha ficha acabara de cair: eu não poderia ir para junto dos Khans, e isso me frustrou. Muito.

 

Depois do almoço, me sentia melhor e consegui andar um pouco. Minhas partes de baixo ainda doíam muito, mas eu não queria que soubessem que eu tinha sido vítima logo desse tipo de coisa, eu me sentia envergonhada, culpada, indefesa. Apertei meus punhos enquanto andava, pela dor e pelos sentimentos. O espaço era amplo, mas ainda havia areia por todo lado, e apesar da boa vontade de ajudar, ainda era um lugar bem sujo. As pessoas eram receptivas e havia vários médicos e enfermeiros. Mas faltava algo em mim.

—Com licença, a senhora é Primrose Hope? –Um menininho moreno de tanto sol perguntou, puxando minha roupa patética de paciente para obter atenção.

—Devo ser.

Ele deu uma risadinha. –Você é engraçada! Mas parece triste também. Vamos ser amigos?

—Vamos sim. –Disse, abaixando para olhar melhor para ele. –Como você chama, meu novo amigo?

—Ryan. Vamos brincar, aí você fica feliz! Você sabe jogar Caravana?

—Não sei, mas você me ensina?

—Claro!

Ryan tentou me ensinar de seu jeito, obviamente não entendi muito bem, pois ele se confundia bastante, mas também havia algo no olhar dessa criança que me cativava sempre que ele me fitava. Havia inocência e vontade de ser feliz. Novamente, a cena do bebê morto veio em minha cabeça, o parar repentino de seu choro com o barulho do tiro. Porém esqueci rapidamente depois que comecei a prestar atenção em sua explicação confusa, e finalmente consegui me distrair, até rir. O que Ryan faz aqui com os Seguidores?

Dylan apareceu e me chamou para conversar em outro lugar, fui relutante.

Entramos em uma das barracas próximas que estavam vazias, ele pediu para que eu sentasse na cadeira que havia ali para que ele trocasse meu curativo, tirei minha blusa patética de paciente, ele desenrolou a faixa com cuidado, tocando delicadamente para que não doesse. A carne estava exposta e com uma cor vermelho-escuro viva, demonstrando que meu ferimento se preocupava em sarar rápido.

—Se você tivesse visto como isso chegou, ficaria enojada, com todo o respeito. Haviam larvas. Mas seu braço ficará melhor de agora em diante se trocarmos os curativos todos os dias, você tem uma boa cicatrização, parabéns. –Ele disse, passando remédio na ferida. Doeu muito, mordi meus lábios e tentei não demonstrar fraqueza. Depois de certificar-se de que estava bem limpo e livre de infecção, ele começou a passar uma pasta que fazia a dor diminuir, envolvendo com uma faixa nova e limpa, parte do meu seio, ombro e braço. –Prontinho. Você é forte, Rose. Eu não te conheço muito bem, mas pelo que passamos, eu te admiro, de verdade. –Ele tocou minha mão, e eu tirei-a de perto. –Mas todos temos fraquezas, se você precisar conversar com alguém, eu estarei aqui. –Pegou minha mão novamente, tirou uma pistola de sua cintura e colocou-a sobre ela. –Assim você poderá cuidar melhor de si enquanto estiver por aqui. –Sorriu, e se retirou da sala.

 

Mais tarde, ao anoitecer, consegui caminhar até o refeitório, peguei um pão duro e um espetinho de esquilo, enquanto comia, reparei uma pequena movimentação no portão, eram soldados da NCR, o que parecia o líder segurava dois cartazes na mão. Estariam eles perguntando de mim e de Rutherford? Comecei a ficar desconfiada, então comecei a procurar com os olhos pelo médico, que estava numa barraca não muito longe daqui. As pessoas do portão pareciam relutar em deixar os soldados entrarem. Me levantei e fui em direção ao cagão, quando ele me viu, veio em minha direção também.

—Olhe aquilo no portão. –Eu disse. –Acha que estão aqui por nós?

—Vocês precisam sair daqui. –Um adolescente se aproximou e disse. –Estão fazendo perguntas sobre vocês no portão.

—Nós vimos. Obrigado. –O médico disse.

—Por aqui. –O garoto saiu, e nós fomos atrás.

Nos misturamos nas pessoas e caminhamos tranquilamente até uma passagem bem pequena junto ao chão que estava tampada por pedaços de madeira e tijolos. Os soldados começaram a entrar no forte, vasculhando as primeiras barracas. Começamos a tirar o entulho rapidamente, mas com cuidado para não chamar a atenção.

—Doutor, obrigada pela ajuda, nossas portas sempre estarão abertas para o senhor. Boa sorte, companheiros. –O jovem disse, estendendo a mão e recebendo um cumprimento rápido de nós.

Rutherford deixou que eu fosse primeiro, tive que me arrastar no chão e isso fez minha barriga doer, mas mordi os lábios e continuei, tentando ser mais rápida possível. Quando ele terminou, a passagem logo se fechou. Saímos correndo em direção da nossa ultima esperança.


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