Moran escrita por Laís


Capítulo 4
Molly


Notas iniciais do capítulo

Só espero que nenhum erro tenha escapado da vista da Scotland Yard.
Boa leitura :3



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Molly Hooper analisava as amostras com a precisão descuidada de alguém já habituado com a tarefa. Por estar tão imersa em seu trabalho, mantinha a cabeça livre de pensamentos ou preocupações. Essa era uma das características que ela mais gostava em sua profissão: poder silenciar a mente por alguns instantes.

Com a testa vincada e a boca entreaberta, transferia cada ampola para seu determinado lugar.

Não houve tempo de reação, mesmo após ouvir os vidros da janela se partindo em fragmentos minúsculos. Sua última recordação não foi a dor, somente o barulho abrupto e algo que a empurrou para trás com força tremenda e a fez tombar.

Em seguida, a inconsciência.

–x-

–Sherlock? - chamou Watson sem obter resposta. - Sherlock! - tentou mais uma vez, tornando o chamado em um sussurro ríspido e urgente, como um pai que repreende o filho em um local público tentando não chamar a atenção dos demais. Nesse caso, o motorista de táxi.

–Você tem alguma pergunta específica ou só gosta do som do meu nome? Deveria ligar para minha mãe e parabenizá-la. Vocês se dariam super bem, aliás, os dois adoram apontar o óbvio - neste ponto, suavizou a voz rouca o máximo que pôde para imitar um tom feminino - "Sherlock, você está tão magro. Sherlock, você não nos visita há muito tempo. Sherlock, você tem membros humanos na geladeira."

Watson ignorou a hostilidade costumeira.

–Por que nós pegamos esse caminho? Poderíamos estar na casa do Professor há 20 minutos.

–Que tipo de pessoa entraria em uma casa sem ser convidada? - não desgrudava os olhos da janela enquanto falava. Finalmente, algo pareceu lhe dar um sinal de alerta - Sinceramente, John, isso é simplesmente rude. Pode parar aqui - essa última ordem foi dirigida ao motorista. Sherlock Holmes saiu do táxi instantaneamente, deixando a tarifa por conta de seu amigo.

Tinha as mãos no bolso do sobretudo e andava como se estivesse somente passeando, lenta e distraidamente. John precisou apertar o passo para alcançá-lo e depois sincronizou o ritmo, decidindo que estava cansado demais, devido aos eventos ocorridos mais cedo naquele mesmo dia, para fazer perguntas.

Watson não concedeu ao menos um segundo olhar para o homem que vinha em direção oposta, andando com uma postura altiva e elegante. Já passara bastante dos 40, porém, apesar dos anos, algo juvenil o acompanhava. O rosto era livre de marcas, o corpo ainda esguio e, quando parou próximo a Sherlock Holmes, os dois pareciam ter estaturas bem semelhantes. Watson nem mesmo estranhou quando o indivíduo parou unicamente para cumprimentar seu amigo, como se aquilo se tratasse de um encontro premeditado.

–Sr. Holmes - dissera em tom formal acompanhado de um leve aceno com a cabeça.

–Sr. Moriarty - Sherlock respondera com o mesmo tom e sutil reverência.

–Me chame de Professor, por favor. Esse sobrenome parece ter ficado marcado demais com um rosto que não é o meu. - o estranho abriu um sorriso largo e simpático que transformara as feições de seu rosto comprido em algo amigável - Imagino que esteja aqui devido ao vídeo de mau gosto que toda Londres foi obrigada a assistir. É lamentável como as pessoas parecem se ocupar mais com os mortos do que com os vivos.

A última frase fora dita com um leve arquear de sobrancelhas e um olhar rápido em direção a John Watson.

–Se me permitem, cavalheiros, preciso organizar um chá às 21h e creio não ter avisado minha secretária - fez a menção que imitava uma cortês reverência novamente e seguiu seu caminho. Sherlock, caído em um silêncio taciturno, fez o mesmo.

Tinham acabado de entrar em um táxi e ditar o endereço para o motorista quando o detetive recebera uma ligação.

–Mudança de planos - disse ao desligar - vamos ao St. Bartholomew's Hospital.

E John foi capaz de perceber a expressão completamente perturbada do amigo. Ligações como aquela não eram raras ou surpreendentes. Sherlock visitava constantemente o hospital por diversos motivos: observar o estado de corpos submetidos a experiências peculiares, analisar os aspectos surgidos e, principalmente, pedir favores à legista e sua amiga, Molly Hooper.

–Algum cadáver fresco lhe esperando?

–Não, era Lestrade. Molly está em cirurgia. - respondeu sem nenhum tom de que aquilo era uma brincadeira.

Todo o semblante de Sherlock Holmes se contorcia em um misto de choque, raiva e apreensão, mas quando falou, sua voz estava impecável e livre de qualquer urgência. Watson somente entendeu a seriedade do assunto quando viu o punho do amigo fechado, as juntas dos dedos brancas devido a força aplicada no gesto.

–Cirurgia? O que aconteceu?

–Ela foi baleada.

–x-

Sherlock Holmes e John Watson irromperam para fora do táxi e atravessaram a rua correndo, ou melhor, Watson correu. Sherlock perdurava em sua postura impecável, mas suas passadas largas possuíam a mesma velocidade que a corrida do amigo. Seu rosto parecia imperturbável quando visto de longe por um desconhecido, mas John notou o maxilar trincado e toda a apreensão que o cercava.

Molly Hooper ser baleada no mesmo dia em que alguém decidira trazer Jim Moriarty de volta dos mortos não era um mero acaso, pensou o médico. Alguém estava tentando desesperadamente chamar a atenção de Sherlock Holmes. Quanto tempo até que atacassem Mary ou ele mesmo? John sabia que sua amizade com Sherlock o colocava em grande risco, pois os inimigos do detetive adoravam pensar que ele era seu ponto cego.

Contudo, aquele oponente em particular, atacara uma parte da vida de Sherlock que o próprio nunca pensara estar em perigo.

Todas aquelas especulações, John sabia, já haviam passado pela cabeça do detetive no mesmo instante em que ele recebera a ligação de Lestrade, porém tudo ainda era um turbilhão desorganizado na mente de Watson.

Estavam na porta do hospital quando alguém agarrou o braço de John.

–Watson? John Watson? Não acredito que é você! - a voz pertecente ao passado de John o alarmou, entretanto Sherlock não foi contido pelo desconhecido. Simplesmente continuou andando, sem parecer perceber que não era seguido pelo amigo.

–Sebastian! Quanto tempo, não é mesmo? É muito bom ver você, mas agora eu estou um pouco apressado... Uma amiga está em cirurgia, então... Por que você não passa na minha casa mais tarde? - tentou ser educado, apesar da pressa.

John Watson conhecera brevemente Sebastian Moran durante o período que serviram juntos no Afeganistão. Moran era um atirador de elite e, na opinião geral, o mais brilhante de todos. Os dois não chegaram a desenvolver uma amizade propriamente dita, mas, de vez em quando, passavam o tempo com jogos de azar. Algo que parecia ser a distração favorita de Moran e que, como ele mesmo contara ao médico, rendera muitas dívidas e dores de cabeça no passado.

–Claro, seria adorável.

E John deu seu endereço para homem que viria a se tornar o segundo maior inimigo do detetive Sherlock Holmes.

–x-

–E então? - Sherlock perguntou assim que Lestrade apareceu em seu campo de visão.

–Eles não estão lá há muito tempo e até agora ninguém apareceu com notícias, mas uma enfermeira disse que o fato de ter sido socorrida imediatamente é um grande ponto a nosso favor e que a bala estava mais próxima ao ombro do que do coração, mas mesmo assim a proximidade era preocupante - explicou com um tom exausto e alarmado - Em pensar que eu estava passando por lá sem nenhum propósito, somente para perguntar se ela tinha visto a transmissão... Aliás, de todas as pessoas, a única que estaria ocupada demais para estar com a TV ligada, com certeza seria ela e...

–Sim, sim. Enfim, você fez algo certo e que bom que já estavam em um hospital, mas preciso dos detalhes do ocorrido - interrompeu Sherlock, descartando as explicações de Greg.

Então Lestrade explicou que o tiro só poderia ter vindo do prédio em frente ao hospital, porém que isso também seria impossível já que o edifício era completamente ocupado e ninguém entraria facilmente com uma arma e ainda passaria despercebido.

Sherlock, encontrando Watson no meio do caminho, subiu até o laboratório onde a legista estava trabalhando quando fora baleada e ficou postado em frente a janela completamente destruída. Pisava nos cacos de vidro e tentou não olhar para a mancha de sangue atrás de si.

Lestrade estava certo, o prédio em frente não oferecia oportunidade para o atirador, contudo...

Não, mas isso seria impossível... Exigiria muita habilidade. Alguém com anos de treinamento e um talento nato... Mas... Quem?

–Como ela está? - perguntou Watson alterando o foco dos pensamentos de Sherlock.

–Ainda não sabemos - respondeu secamente e ignorou o resto das perguntas do amigo, que acabou resolvendo descer e colher mais informações com Lestrade. Por ser médico, poderia aproveitar bastante tais notícias e ponderar o perigo que Molly corria.

Tudo o que passava pela cabeça de Sherlock Holmes fora o que dissera uma vez a Molly Hooper.

Oerro de Moriarty fora presumir que quem mais importava não tinha relevância nenhuma. Mas esse sujeito, quem quer que fosse, não estava cometendo o mesmo deslize.

E, às 21h daquela noite, Sherlock Holmes tinha um compromisso marcado com o Professor Moriarty.

–x-

O detetive encontrou a porta aberta e adentrou em uma residência elegante, com luxo discreto espalhado entre os artefatos colecionáveis e os móveis que, assim como o piso, eram de mogno. Tudo ali dentro possuía um ar senhorial muito particular.

A porta de um dos cômodos avistado ao longo do corredor achava-se entreaberta, deixando que a luz escapasse por uma fresta e quando Sherlock, silenciosamente, a abriu completamente deparou-se com estantes repletas de livros. Uma mesa extremamente organizada situava-se no canto oposto à entrada, um tapete redondo ficava no caminho e duas poltronas foram dispostas em frente à lareira.

Em um dessas poltronas, a silhueta do Professor era visível. Estava de costas, sentado de pernas cruzadas e segurando uma taça em uma das mãos.

–Fico feliz que tenha entendido a mensagem e não tenha trazido seu companheiro - falou, sem sair de sua posição inicial, enquanto Sherlock, que não soubera qual ruído havia lhe traído, ainda permanecia na porta. - Sente-se, por favor.

Sherlock acomodou-se na poltrona vazia, ambos encarando as chamas que crepitavam. Em uma mesinha retangular, o visitante encontrou uma taça de vinho destinada a ele. Não bebeu, somente aproximou a borda de suas narinas, sentindo o cheiro pungente e aguardou.

–Vou superestimar sua inteligência e presumir que você saiba quem eu sou.

–Neste caso, não estará superestimando nada - objetou Sherlock.

O Professor concedeu-lhe um riso baixo, mas que não parecia conter escárnio. Pelo canto dos olhos, Holmes analisava o perfil de Moriarty que, diante da iluminação concedida pelo fogo, ganhara um ar espectral.

–Desde que...

–Sim - Sherlock descartou a pergunta bruscamente.

Sabia do envolvimento parcial do Professor Moriarty desde o momento em que conhecera seu irmão. Jim podia ser absurdamente inteligente, contudo não possuía a paciência fria que se escondia atrás de algo muito maior que ele próprio. O que levou o detetive ao mais velho dos irmãos Moriarty, que, por sua vez, era dotado de toda calma gélida necessária para tecer tantas teias e, mesmo em suas melhores teorias, Sherlock ainda não tinha certeza de qual era o limite daquele emaranhado, portanto ainda não houvera cutucado o vespeiro. Não podia cometer erros, quando derrubasse o Professor, tudo deveria ruir junto com ele, por isso era necessário conhecer seu inimigo, antes de qualquer movimento. Outros casos entraram em seu caminho, mas Moriarty sempre espreitava sua mente.

–Então aceite meu conselho, Sr. Holmes. Aceite essa cortesia de um homem já velho e calejado pela vida. Você tem muito a perder. Envolto em toda sua camada de excentricidade, chamou demasiada atenção para si... Tal qual meu querido irmão. Mas, verdade seja dita, ele não tinha ponto fraco além de sua vaidade, o que não é seu caso. Há muitos amigos queridos a considerar. Isto não é uma ameaça, pelo contrário, um alerta. O homem que agora o procura é um sujeito passional sem nenhuma garantia. Indivíduos assim são perigosos, fazem estragos e não temos como atingi-los. Portanto, lhe concederei um favor. Contanto, que você recorde o que farei. Um velho rosto do passado que, pelo que sei, está em dívida com o senhor - neste momento, o Professor interrompeu a fala para bebericar o conteúdo de sua taça e, pela primeira vez, olhou na direção de Sherlock - Como o senhor a chama mesmo?

Após uns instantes de quietude, a voz rouca e divertida do Professor rasgou o silêncio.

A mulher?


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Notas finais do capítulo

Não tenho muita noção de geografia e até pesquisaria mais a fundo p/ saber quais edifícios poderiam ser usados como ponto p/ Sebastian, porém sou adepta da teoria do Bob Esponja de usar a ~~imaginação~~.
Até o próximo!