Shiver escrita por Aurora


Capítulo 4
We Only Know What We See


Notas iniciais do capítulo

Obrigada pelos reviews do último capítulo! Boa leitura!



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Chegou em casa para o almoço, ainda um pouco alvoraçada.

Sua mãe estava na cozinha, Luka se despojava no sofá com um Nintendo DS, e ela foi direto para o banho. Suas cicatrizes recentes queimaram quando a água desceu por seu corpo, e Miku teve que se segurar para não gritar.

Desdeu as escadas um pouco manca, e sua mãe a viu enquanto colocava os pratos na mesa.

– Miku, onde esta a tala de seu ombro? – perguntou, cruzando os braços e assumindo uma postura completamente séria.

– Meu ombro está ótimo. – ela terminou de descer os últimos degraus, se sentando a mesa.

– O médico disse duas semanas, não quatro dias! – sua mãe se segurou para não adir sua voz, mas pareceu difícil.

– E disse que minha recuperação era acelerada. Além de que eu não tenho motivo algum para tirar a tala e me forçar a sentir uma dor desnecessária. Estou bem, relaxe.

Sua mãe bufou, mas respirou fundo e se focou a terminar de por a mesa.

– Luka, largue isso e venha comer. – a mais velha chamou, ao se sentar-se à mesa. Todos almoçaram em silêncio, e Miku percebeu que durante toda a refeição sua mãe parecia tentar reunir coragem para falar algo.

Quando terminou sua refeição, colocou a louça na lavadora de pratos e se trancou em seu quarto. Estava sentindo algo estranho.

O ar começava a faltar-lhe e várias câimbras se espalharam em todo seu corpo. Miku arrastou seu corpo e se forçou para sentar no chão. A visão se tornou turva por vários minutos, quando seu corpo se enrijeceu como pedra.

Pensou em gritar por ajuda, mas faltava coragem. Não queria voltar para aquele hospital, e sofreria em silêncio se fosse necessário.

Ficou deitada no chão gelado por talvez vinte minutos, quando aqueles sintomas torvos finalmente sumiram. Respirou fundo, e deitou-se em sua cama. O corpo afundou no colchão, e ela gemeu quando tudo voltou em uma só onda. Afundou o rosto no travesseiro para afogar o grito. Sentiu seus ossos se descolando uns dos outros, uma tontura tomar conta de sua cabeça e uma náusea insuportável possuir seu corpo.

Arranhava seus cobertores, contorcia-se na cama, gemia baixo, tentando ser discreta. Não sabia o que estava acontecendo, mas naquela tarde, ela fez várias visitas ao inferno terrestre.

Quando era noite, aqueles sintomas atrozes a deixaram de vez, e ela abandonou a toca que seu quarto havia se tornado. No espelho do corredor, ela se viu. A boca seca, olheiras rasas e palidez entorpecida.

– Tudo bem? – Luka também saía do quarto, e ficou um pouco chocada ao ver a irmã naquele estado. Miku forçou um sorriso frágil, e assentiu.

– Claro. Acho que peguei um resfriado, só isso. – antes que Luka lhe perguntasse algo mais, se pôs a descer as escadas, encontrando sua mãe na sala, assistindo TV.

– Filha! Boa hora. Preciso falar com você e com a Luka.

Como mencionada, Luka apareceu no topo da escada, começando a descê-la.

– Diga. – ela tomou a dianteira, indo para perto da mãe, com as mãos no bolso. Um sentimento de precaução reteve seu corpo, mas ela se aproximou também. A mulher se levantou do sofá, esfregando as mãos umas nas outras, as guiando para a mesa de jantar.

– Sentem-se. – propôs. As garotas se sentaram uma ao lado da outra, e a mãe de frente para as duas. – Como sabem, já faz um tempo desde que seu pai e eu nos separamos, antes de toda a papelada do divórcio, e eu, bem, andava muito sozinha...

Miku suspirou, entediada.

– Vá logo ao ponto. – gesticulou para que acelerasse o discurso.

– Garotas, eu vou me casar. – ela respirou fundo ao falar, e se encolheu um pouco ao dar o anúncio. Luka ficou calada e abaixou o olhar. Miku arregalou os olhos e permaneceu sem expressão. Bateu as mãos com força na mesa, se levantando.

– Como é? – mesmo que sua voz não denunciasse muito, estava fervendo de raiva por dentro. Algo diferente começava a crescer dentro dela, querendo assumir o controle. – Você está divorciada há um mês e já está pronta pra casar de novo! É isso?

Sua mãe não disse nada. Sabia como soava estranho, principalmente para Miku, que era sempre explosiva.

Seu corpo ardeu e um grande arrepio atravessou-a até a alma. Miku estremeceu, curvando o corpo para frente, se apoiando nos joelhos na busca por ar.

Sentia algo excêntrico saindo de seus ossos até a camada mais externa de pele. Algo forte, poderoso, que agora era parte dela. Correu para fora de casa, orientada por uma força superior. Conseguia ouvir Luka e sua mãe a seguindo, mas não foram atrás dela quando adentrou a floresta, do outro lado da rua.

– Onde está indo?! – a voz de Luka ainda podia ser ouvida, mas Miku não parou para responder. Estava se rendendo para o que quer que estivesse tentando controlá-la.

O instinto incipiente que seu corpo agora abrigava a mandava ir cada vez mais fundo na mata. Não sabia onde estava e onde estava indo, mas sabia que era importante.

Suas pernas pararam de correr e uma dor cruciante a atingiu nas costas como um tiro. Sentia a raiva dentro de si crescendo e todo o seu corpo mudando. Ela gritou quando espasmos dolorosos a atingiram em cheio, e ela caiu no chão. Gritava alto e se contorcia sobre as folhas mortas quando sentiu que seu corpo agora pertencia à outra coisa.

Não era mais humana. Sentiu isso. Tinha um instinto selvagem dentro de si, enquanto seu corpo se transformava em outra coisa. Ergueu-se quando sentiu que havia acabado, e sua visão era diferente. Melhor, como a visão de uma câmera profissional, com direito a zoom e tudo mais.

Não andava sobre duas pernas, mas sobre quatro, e era mais alta. E como, pensou. Tinha um olfato tão bom quanto sua visão, conseguindo captar todas as olências e eflúvios que existiam naquela floresta. Suas orelhas flexíveis e móveis eram úteis, conseguindo ouvir até os mais distantes ruídos. Como os passos atrás de si.

Virou seu novo corpo, forte e poderoso, na direção das pesadas passadas. Sobre uma grande pedra, um animal distinto de pelos negro-acinzentados estava em pé, parecendo imponente e impenetrável. Ela o reconheceu na hora. Era o lobo que havia a atacado, dias atrás.

Com a lembrança, seu corpo adotou sozinho uma postura agressiva, curvando-se, abaixando as orelhas e rosnando.

O lobo escuro não se importou, mantendo a calma. Desceu da pedra com cuidado, se pondo a sua frente.

O instinto fez com que abrisse a boca para mostrar seus dentes, porque agora não estava com medo. Agora ela poderia se defender.

Ilustre, o animal permaneceu com a postura elegante. Abaixou a cabeça olhando para baixo, se curvando um pouco. Era muito maior que ela, e um sentimento de superioridade não pôde ser evitado. Ele estava mostrando confiança, e sua postura agressiva foi por água abaixo com aquilo.

Um baque de tontura a atingiu, e ela cambaleou para o lado. Chacoalhou o corpo, confusa. Esqueceu aquele lobo ali e começou a correr entre as árvores. Sentia outros. Muitos outros atrás dela.

Não sabia o que estava fazendo, mas aquela nova metade que agora dividia seu corpo a mandava correr.

Parecia já ter corrido por milhas quando seu corpo começou a se cansar. Não fazia ideia de onde estava, quando um enorme lobo de pelos castanho-escuros apareceu em sua frente. A postura de ambos se tornou agressiva, e não demorou até que começassem a se atacar. Mordidas, arranhões e rosnados saíam de ambos, e logo vários desses lobos enormes começaram a aparecer. Pessoas também.

A confusão voltou, mas aquela briga com aquele animal parecia mais importante. Mesmo que grande parte fosse apenas seus instintos, estava surpresa com o que estava fazendo.

O maior lobo ali, de pelagem cinza-acastanhada saiu da multidão da plateia e se pôs no meio. A briga foi interrompida quando ele rosnou para ambos e pôs-se a uivar.

Todos os animais naquela plateia começaram a uivar também, e os humanos gritaram em comemoração.

A tontura voltou, e tudo escureceu quando Miku sentiu seu grande corpo caindo no chão.


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Notas finais do capítulo

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