Como em um tapa, a dor e angústia voltaram, e todos os sentidos recobraram-se de uma só vez.

Seus olhos se abriram e ela respirou fundo. A visão se adaptou rápido, não demorando para entender que estava no mesmo quarto que acordara na última vez.

Miku tentou se sentar, não desistindo mesmo quando seu ombro latejante tentou contrariá-la. A porta fechada abafava uma conversa irritada e alta, mesmo que não a privasse de ouvir trechos.

– Você acordou. - a voz de Luka estava calma e um pouco distante. Virando para vê-la, Miku encontrou-se vendo a irmã limpando uma ferida de arranhão na barriga. Não era muito profunda ou extensa, mas digna de alguma preocupação.

– O que aconteceu com você?

– Aquele lobo era pequeno, mas tinha garras dignas. - ela não parecia muito preocupada com isso. - Devia estar mais preocupada consigo. Duas mordidas no mesmo lugar em tão pouco tempo não é pra qualquer um.

Foi então que ela se deu ao trabalho de olhar para a própria ferida. Gaze e esparadrapos rodeavam seus ombros e busto, ainda manchados com sangue recente.

– Há quanto tempo estamos aqui?

– Não muito. Talvez duas horas.

A porta do quarto se abriu com um estrondo tão grande que ela quase caiu da cama. Kaito apareceu no portal e começou a avançar em sua direção com passos pesados e sua expressão era tão rígida que ela encolheu os joelhos para perto do corpo e olhou para baixo quase instantaneamente.

Na metade do caminho em que ele avançava, Luka se pôs no meio, o parando.

– Kaito, calma! - ela proferiu, gesticulando com as mãos que ele parasse ali.

– Eu preciso falar com ela! - sua voz soou tão alto e de maneira tão irritada que Miku prendeu a respiração por alguns instantes.

– Você sabe que ela não tem como te dizer nada!

Rápido e impaciente, Kaito a driblou e parou ao lado de Miku. A puxou pelo braço são, forçou-a a olhá-lo nos olhos.

– Quem fez isso?

Miku engoliu em seco, tentando ao máximo não desviar os olhos. Nunca achou que sentiria medo de Kaito.

– Eu não...

– Quem fez isso?! sua voz elevou-se e seus olhos a congelaram por dentro.

Quase como saído do nada, Big Al apareceu por trás de Kaito, parecendo dezenas de vezes mais calmo, mas não exatamente contente.

– Deixe-a. É nova demais para conhecer qualquer outro lobo, ainda mais de outra alcateia. Vamos achar o responsável, mas você precisa se controlar.

Tão rápido quanto a tomara, Kaito soltou seu braço e virou-se para Al com tanta agressividade que Miku chegou a achar que ele ia socá-lo.

– Eu vou ter a cabeça do responsável por isso, e você não vai tentar fazer nada para me impedir. - não esperou a resposta para passar por ele e sair do quarto, batendo a porta com tanta força que pareceu que ia quebrá-la.

Um minuto de silêncio foi feito, quando Al soltou a respiração devagar e sentou-se ao pé da cama.

– Sinto muito por ter te feito ouvir isso. ele disse, olhando para Miku, que permanecia estática e encolhida na cabeceira.

– Do que ele está falando?

Al dirigiu um olhar sério para Luka que entendeu a mensagem, abaixando a cabeça e saindo do quarto.

– Sabe, Miku ele começou, apoiando o corpo para frente sobre os braços. Kaito é superprotetor. E ele já é lobo tempo o bastante para saber o que aconteceu algumas horas atrás.

– O que aconteceu?

Apenas um lobo mata outro lobo. É a regra. Um ser humano comum poderia esfaqueá-la até que não houvesse mais sangue em seu corpo, mas isso não a mataria. Poderia fazê-la até sentir uma leve coceira nos arranhões, mas seria tudo. Mas se um lobisomem fizesse isso, você ficaria em estado de recuperação por dias. Se um lobo a emboscou na floresta desse jeito, é porque não te queria viva.

– E porque foram atrás da Luka?

– Para que você não tivesse ajuda. É uma sorte que você esteja aqui, e agora que sabe do que eles são capazes, precisa ser mais cautelosa. Existem vários como esses por aí, e nem sempre você vai ter a sorte de escapar.

– Isso é porque eu ataquei o alfa de Atlanta, não é?

Ele suspirou antes de respondê-la, como se quisesse amaciar a resposta antes de dá-la.

– Vamos arrumar isso em breve. Por isso peço que evite sair de casa sozinha e que nunca cace por si só. Logo tudo vai estar resolvido.

☸

Limpava suas feridas com álcool, sentada sobre a cama. Não estavam tão feias, mas isso não significava que era algo bonito de se ver.

– Precisa de alguma coisa? - Luka apareceu pela porta, cruzando os braços e encostando-se e no portal.

Miku negou com a cabeça.

– Estou bem. Amanhã de manhã vou procurar o Kiyoteru, ver se ele tem algo para fazer isso sumir mais rápido.

– Certo. Vou deitar agora. Quer que eu feche a porta?

Ela acenou que sim, e a irmã saiu do quarto. Miku levantou-se e abriu a janela. Seu quarto estava abafado, e uma refrescada faria bem. Pegou pijamas e os levou para o banheiro, se trocando lá. Escovou os dentes e amarrou os cabelos com um elástico. Desligou as luzes e voltou para o quarto.

Seu corpo estremeceu e ela teve que pôr as mãos sobre a boca para não gritar.

Kaito estava parado na frente da sua janela, com uma expressão para baixo, mantendo sua distância.

– O que está fazendo aqui? - ela teve o cuidado de manter a voz baixa, mas não podia esconder o tom de você é louco na voz.

– Eu queria me desculpar. - não a olhou momento nenhum enquanto falava. Mantinha-se acanhado no canto do quarto, como um gato de rua. - Não foi minha intenção gritar com você. Eu estava irritado, preocupado, com medo. Já passei por isso antes e só a ideia de que eles poderiam ter...

– Não precisa. - ela o interrompeu, vendo o quão incomodado ele estava falando aquilo. - Não precisa ficar preocupado. Estou bem. Foi só um acidente, não vai acontecer de novo.

– Não. Não vai.

– Porque você gritou com ele? ela cruzou os braços, afastando-se um pouco também. Com o Al. Ele é o alfa. Não devemos desafiar o alfa.

– Ele não vai fazer nada comigo.

– Ela franziu as sobrancelhas, vendo que agora ele a olhava.

– Porque não?

– Lobos não podem ferir seus irmãos.