Crônicas de São Paulo escrita por Pepper


Capítulo 8
Irmãs do Ibirapuera Part.2




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No parque, nós nos dividimos, fui me encontrar com meus amigos e ela, com os dela. E eu amo essa parte.

Não é por mal, nem nada, apenas prefiro meus amigos, deve ser porque os vejo menos vezes, e quase nunca brigo com eles. Fui falar com Gabe, de dezesseis anos, mais alto do que eu e de pele morena, com uma bermuda e uma blusa preta da Legião Urbana. Ele estava conversando com outros amigos nossos.

– Ei, Lucy! Estava demorando, hein? O que aconteceu? – Perguntou Gabe.

– Minha irmã...

– Entendi.

– É sempre a irmã, nunca Lucy. – Comenta Carol.

– A culpa é dela mesmo, oxe. Eu fico na sala esperando e ela lá se embelezando.

– Você implica muito com a sua irmã. – Falou, dessa vez, Lipe, um amigo recente que estava atrás de mim e com as mãos em meus ombros.

– Nada haver. É que, gente, vocês não entendem, ser caçula é muito ruim. Cai tudo em mim.

– Geeente, mas que Drama Quen! – Comentou Carol e nós rimos.

– Vocês falam isso porque não estão lá. – Falo por fim.

– Ainda bem... – Dessa vez foi Gabe.

Revirei os olhos. Adorava eles. Porém, não sabiam muito da realidade dentro de minha casa. E, às vezes, acho que nem eu.

– Lucy, posso falar com você? – Perguntou Lipe, ainda com as mãos em meus ombros.

– Pode. – Nos retiramos de nossos amigos e caminhamos pelo bosque. Sentamos numa árvore, um ao lado do outro e ele começou.

– Sabe, eu sei como família pode ser difícil, mas... Sei lá, não leva isso pra onde você for. Desencana e aproveita, tá?

– Tá, relaxa Lipe. Mas... Porque tá falando isso?

– É que eu também tenho problemas de família.

– Sério?

– Sim, meu pai abandonou minha mãe quando eu tinha dez anos, ela ficou mal, e eu tive que assumir muita responsabilidade e acabei me desequilibrando depois de um tempo. Aos doze eu bebia escondido com uma turma mais velha. Não entendia o que acontecia, eu era o homem da casa e tudo... Mas então eu assimilei que meu pai fugiu com uma namorada qualquer, e cabia a mim cuidar de tudo. Quando caiu minha ficha, comecei a deixar de lado minhas brigas com minha mãe e minha irmãzinha, pois elas precisavam de mim. Só brigava mesmo com meu pai.

– Puxa Lipe... Deve ter sido difícil... Mas agora, tá tudo bem?

– Tá sim. Eu tento aproveitar tudo que é possível, cada momento... Cada segundo... – E ele foi se aproximando de mim.

Eu não relutei, não hesitei, fui me aproximando dele também, hipnotizada por seus olhos claros e sua pele morena. Ele é lindo, forte e muito “cabeça”, me deixei levar. E, de olhos fechados, nos beijamos.

As melhores coisas da vida, não são para serem vistas, apenas sentidas.

Ele segurou meu rosto e eu repousei meus braços em seus ombros. Ele sorrio, e eu também. Demos uma risada, ambos não acreditávamos nisso. E uma gargalhada ecoou atrás de nós.

– Meu Deus, Lucy! Se agarra em qualquer um? – Era minha irmã, zombando de mim.

Eu fecho os olhos e respiro. Me levanto e fico frente á frente. Lipe fica atrás de mim.

– Aprendi com você. – Retruco.

– O que você disse? – Ela fecha a cara.

– Além de tudo, é surda?

– Não fala assim comigo! Se quer se mostrar a pegadora pros seus amiguinhos, problema seu!

– Olha quem fala!? Você não tem moral pra falar de mim.

– Meninas, chega. – Disse Dú, chegando perto.

– Chega nada, Dú. Ela se acha melhor que todo mundo.

– EU!? Cala a boca menina.

– Vem calar.

Ela não respondeu, simplesmente foi pra cima de mim, me empurrando. Eu a arranhei de reflexo pra não cair, o que a irritou mais. Para me defender eu a empurrei e a chutei.

– Sua vadia! – Ela gritou. E voou para cima de mim.

Foi quando nossos amigos tentaram nos separar. Lipe me segurou pela cintura enquanto eu chutava o ar, tentando me livrar e ir atrás dela, e dois amigos seguravam Luísa.

– Você vai ver! Em casa não tem ninguém pra te proteger! – Ela gritou me apontando o dedo, e sumiu, se livrando dos seus amigos.

Eu me soltei de Lipe e saí caminhando para uma parte do bosque que tinha mais árvores. Sentei em uma e observei algumas marcas. Nada grave. A verdade é que meu tamanho não compensa o dela, ou seja, eu sempre perco e apanho mais. Quando chegar em casa? Se eu chegar em casa.

Nessas horas de raiva, penso em fugir. Pra onde? Não sei, nunca passa de um sonho mesmo.

Lipe veio ao meu encontro. Sentou ao meu lado e me abraçou.

– Não fica assim.

– Está tentando me consolar, ou algo assim? Pois se estiver, não está funcionando. – Dou uma risada forçada e olho para o horizonte, um pouco longe se encontrava o lago do parque.

– Pare de estar sempre na defensiva! Me escute, tá? – Eu não respondo e ele continua. – Sei que tem esses climas com os irmãos que ás vezes estraga o clima do dia. Mas o sol ainda brilha, tá? Seus amigos ainda estão lá. E o parque é grande o bastante pra você e pra Luisa. Relaxe, esfrie a cabeça, e eu estarei te esperando lá, junto com seus amigos.

Ele não espera minha resposta, me dá um beijo rápido e se vai em meio às arvores. Eu respiro fundo, olho ao redor, para cada árvore que me aparece à vista e me levanto. Vou para meus amigos.

Caminho para uma roda deles. Onde estão Gabe, Rafael, Malu, Isa e Lipe. Me aproximo com um sorriso no rosto, abraço Lipe e Isa ficando no meio deles e lanço um “E aí?” para eles.

– O que foi isso agora? – Perguntou Rafael, o único amigo que estudava comigo.

– O que? – Pergunto, crente que eu se referiria ao acontecido comigo e com a minha irmã.

– Você e o Filipe! – Responde. Ele dirige seu olhar pra ele, esperando uma resposta.

– Acho que ficou bem claro o que aconteceu entre esses dois. – Corta Gabe. E todos riem. Menos Rafael, que continua cobrando uma resposta do Lipe com o olhar. O Lipe troca o peso de um pé para o outro, desconfortável.

Continuamos conversando lá por algum tempo. Então decidimos sentar numa roda debaixo de uma árvore. A nossa volta as pessoas riam e se divertiam. E na nossa roda também. Lipe se pôs a tocar violão e cantávamos Só os loucos sabem. Nossa música de tradição.

Passou por nós, alguns adolescentes que vendiam varinhas artesanais do Harry Potter.

– Desculpa interferir aqui na vibe de vocês. Mas gostariam de comprar uma varinha do Harry Potter? Temos aqui a varinha das varinhas!

– Quanto custa? – Perguntei com esperança. – Até cinquenta eu posso pagar.

– Poxa ruivinha. – Lamentou o garoto que segurava as varinhas. – Custa R$ 70,00.

– Faz um desconto, não? – Peço com vergonha. Queria muito a varinha.

–Nem rola.

Me encosto no ombro do Lipe, que sentara do meu lado, e reclamo.

– Meu Deus, como é ruim ser pobre!

Lipe ri e se levanta.

– Eu pago. – Ao pronunciar essas palavras, sem estar brincando, me surpreende, e surpreende a todos. Porém, eu não poderia deixar.

– Não! – Grito me levantando. Agarro seu braço e falo mais baixo. – Não precisa!

– Você não quer? – Ele pergunta abaixando os olhos para olhar nos meus.

– Quero, mas, não quero que pague.

– Por quê?

– Questão de orgulho feminino. – Digo com firmeza.

Ele bagunça o meu cabelo e diz “Besteira”, então leva a mão até o bolso e tira a carteira sacando duas notas de cinquenta e entregando à garota que pede a varinha para o seu amigo e entrega pro Lipe. Ele estica o braço com a varinha em minha direção, e eu nem me mexo. O garoto diz:

– Ei, cara, entrega direito! Se ajoelhe aê! – Ele brinca.

Lipe revira os olhos, nervoso e envergonhado, em fim se ajoelha, rindo. E eu nem me mexo.

– Pega logo!

E, olhando naqueles olhos esverdeados, eu me rendo, e pego a varinha das varinhas, e o abraço. Sussurro um “Obrigada”. E o garoto da varinha volta a se manifestar gritando “Beija!” e, repetidas vezes, meus amigos gritaram a mesma coisa.

Até que, por fim, nos beijamos.


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