— Por que diabos você comprou as poltronas 20A e 20C? — perguntei me esgueirando pelo corredor do avião, já estava cansada de puxar minha mala de mão. Aqueles carrinhos que podemos empilhá-las eram tão maravilhosos, eu queria entender porque não podíamos os levar para os portões de embarque conosco. Ah, é, deve ser porque as pessoas não costumam levar malas de mão pesadas nem nada, eu sou a única doida que não quer minhas coisas mais importantes longe de mim? Suspirei — Por que não comprou poltronas juntas, hein, Jay?

— Cass, por mais que eu tenha comprado as passagens há uma semana, o voo já estava cheio. É época de férias, esqueceu? — ele estava na minha frente, mas eu sabia que ele tinha revirado os olhos — Sorte que a gente conseguiu poltronas na mesma fileira.

— Argh — reclamei, fazendo bico — em qual ombro eu vou dormir agora?

— Achei que queria minha companhia — ele fez uma voz magoada de propósito. — mas não, quer me usar de travesseiro — Jayden riu, mas logo se virou de lado e apontou para uma fileira — achei — e anunciou para mim, conferindo de novo seu bilhete.

Entreguei minha malinha de rodinhas para ele colocar no compartimento acima das poltronas. Minhas coisas junto com a mochila de Jayden já havia enchido metade daquele espaço.

Uma senhora de óculos redondos estava sentada no 20B, e eu me senti horrível só por ela ter que levantar para eu passar para meu assento. Tive vontade de pular por cima do acosto da frente, ou alguma coisa dessas, mas só murmurei um “obrigada” quando ela me deu passagem.

— Pode ficar — ela falou enquanto eu me ajeitava no lugar, me virei para saber do que ela estava falando — não, não, tudo bem — ela falava para Jayden. — eu já fui jovem e apaixonada na idade de vocês, podem ficar juntos.

— Ah — falei, meio sem graça — nós não...

— Está tudo bem, eu fico na poltrona do corredor — ela sorriu animada — não quero deixar os pombinhos separados.

— Mas... — tentei outra vez.

— Muito obrigada — Jay sorriu de volta para a senhora, me ignorando completamente — senhora...

— Petterson — ela respondeu, se sentando na poltrona que deveria ser do Jayden. — sabe, quando meu marido era vivo, nós costumávamos viajar bastante...

— Sério? Deve ter sido tão bom. Viajar com alguém que gostamos é sempre bom — meu amigo falou, e me toquei que eu ainda permanecia com uma expressão confusa. Ok, agora somos namorados ou o quê?

— É mesmo, rapaz. É a primeira viagem de vocês dois juntos? — Sra. Petterson perguntou, dessa vez sem me ignorar.

— Hm... — olhei para Jayden e depois para a velhinha de novo — Não, nós já viajamos pelos Estados Unidos juntos antes, mas... nunca para outro país — respondi, o que não era nenhuma mentira. A gente já tinha ido diversas vezes para a Flórida com alguns amigos, e eu já fui visitar a família dele na Carolina do Norte.

— Espero que aproveitem Paris, e desejo muitas outras viagens para vocês — ela disse, abrindo um largo e sincero sorriso.

— Obrigado — Jay sorriu de volta. Eu só concordei com a cabeça, porque eu imaginava que a qualquer momento iria morrer de rir. De onde ela tirou que somos um casal? Será que dois amigos de sexos opostos não podem mais viajar juntos?

— Você não precisava mentir para ela — repreendi Jayden baixinho, ele só riu.

— Relaxa, ela foi com nossa cara, não foi? E além do mais — ele levantou um ombro — agora você tem seu Jayden-travesseiro.

— É — eu ri com ele. — um travesseiro loiro e muito chato.

*****

Levantei a cabeça devagar só para me deparar com uma claridade irritante. Pisquei os olhos algumas vezes, quer dizer, estava de noite! Mas, claro, a luz vinha da merda da poltrona da frente. Por que as pessoas querem fazer sudoku no meio da madrugada? Por que, Senhor? Respirei fundo e encostei a cabeça na janela fria, puxando o cobertor de cima para o pescoço e ajeitando o cobertor das pernas. Jay havia me dado o dele, porque ele não estava com frio. Mas com certeza ele já devia ter se arrependido, então cobri ele devagar para não acordá-lo.

O loiro roncava baixinho com a boca escancarada. Ok, iria ignorar o fato de eu ter achado essa cena hilária, só ri comigo mesma, evitei a vontade de tirar uma foto e voltei a fitar a janela.

— Seu namorado é engraçado — a mesma senhora de óculos redondos falou para mim, numa voz meio grogue.

A encarei por uns segundos, ela parecia que tinha acabado de acordar, mas seus olhos estavam grandes e cheio de vida. Sorri para ela.

— Não somos namorados de verdade — admiti, dando de ombros — somos só amigos, e estamos indo para o casamento de uma grande amiga nossa.

— Ele me falou — ela passou o olhar de mim para a “bela adormecida” e depois me olhou de novo — mas os olhares que ele te dava enquanto você dormia, diziam o contrário...

Engasguei como minha própria saliva.

— Hãn? — perguntei.

— Vocês formam um belo casal, Cassie — ela falou, ignorando sua última fala. Ótimo, Jay contou meu nome para ela, o que mais? Nossa vida inteira?

— Hm — o que se responde em uma hora dessas? — obrigada? — foi mais uma pergunta do que uma resposta, mas ela pareceu aceitar e voltou seu olhar para um livro de bolso que trazia consigo.

Dei de ombros e avisei-a que ia ao banheiro, mas era só uma desculpa para esticar as pernas. Andei pelo corredor até o fundo do avião, onde ficavam as aeromoças. Por sorte, o banheiro estava vazio.

Me tranquei ali e respirei fundo. Fiz tudo o que precisava, incluindo escovar os dentes, porque a gente tinha jantado e eu já estava com um gosto ruim na boca. Alonguei tudo — ou pelo menos tentei, já que o espaço era apertado para caramba — e ainda fiz diversas caretas no espelho, para espantar o inchaço. Só saí vários minutos depois, quando eu desisti de parecer pelo menos um pouco bonita.

Óbvio, eu dei de cara com um Jayden de cara amassada e de mau-humor no corredor.

— Achei que tinha morrido aí — ele me encarou, sem ânimo.

— E eu achei que você ia desidratar de tanto babar em cima de mim — devolvi a cara amarrada para ele.

Jay sorriu amarelo e se virou para uma aeromoça próxima.

— Pode ver dois copos de água, por favor?

Ela assentiu e meu amigo se encostou à parede do cubículo onde estávamos.

— Não vai ao banheiro? — perguntei, me encostando também, mas na parede de frente para ele.

— Não, só vim beber água. E ver se você tinha realmente morrido.

— Desculpa desapontar — ri para ele, que me olhou debochado.

Neste mesmo segundo, que eu mal pude absorver o olhar engraçado de Jayden, o avião sofreu uma pequena turbulência, na qual eu me desequilibrei e fui direto para cima do loiro. E só aí ele riu.

— Não precisa usar o avião como desculpa, Cassie, pode me abraçar quando quiser — dito isso, ele me envolveu com seus braços e me apertou contra ele.

— Engraçadinho, pode admitir que você adorou isso.

— Eu? Não jogue para mim, você é a carente aqui — meu amigo riu mais, nem parecia que estava de cara amarrada antes. Ele ficou feliz só por eu ter caído em cima dele? E o que foi aquilo que a Sra. Petterson havia dito? Sobre o jeito que ele me olha enquanto eu durmo? Não, ela devia estar meio caindo de sono. Não é? Ou... Ok, eu estou começando a pensar absurdos, acho que peguei essa doença da Anna.

— Com licença — a aeromoça se pronunciou, me fazendo acordar para o mundo e perceber que eu e Jay estávamos nos encarando. Me apressei para sair de seu abraço, e me virei para a mulher, que me entregava um copo de água. Não sabia que estava com tanta sede até ela me estender aquilo.

— Vamos? — Jay segurou meu ombro. Fiz que sim com a cabeça e nós seguimos para nossas poltronas em silêncio, enquanto eu me concentrava em beber minha água.

*****

— Ei, Cass — Jayden chamou do meu lado.

Apertei os olhos. Minha cabeça latejava, meu pescoço doía e meus ouvidos estavam prestes a estourar com a pressão.

— O que foi? — perguntei, sem levantar a cabeça de seu ombro.

— Já estamos pousando, tem que botar a poltrona na vertical.

Suspirei, irritada. Então apertei o botãozinho prateado no descanso de braço, minha cadeira voltou ao ângulo original. Ótimo, eu não tinha mais como relaxar, estava totalmente desconfortável.

Virei de frente para Jay.

— Dormiu bastante? — perguntei rouca, desanimada e provavelmente com a pior cara de sono do mundo.

— Não tanto quanto você, Cass — ele riu — mas acho que foi o suficiente.

Graças a Deus ele estava de bom humor. Antes de eu cair no sono novamente, tínhamos ficado num silêncio horrível que não tinha entre nós dois há muito tempo. Acho que não se tem tanto assunto ao ficar 16 horas num avião com alguém. Ou foi só o clima pesado que se formou quando fomos beber água, mas pelo visto, ele já estava de volta com as piadinhas.

— Sabe o que eu acho? — suspirei, estalando os pescoço, aquela dor estava me matando — Que depois dessa, eu não durmo mais por uma semana.

— Duvido, você é muito preguiçosa.

— Sou preguiçosa? — pus as mãos nos quadris para fazer drama. Nunca é cedo demais para drama — Não fui eu quem dormiu no trabalho, não é?

— Você podia parar de trazer esses assuntos de eras atrás de volta? Está muito desatualizada.

— Jay, isso foi ano passado.

— Exatamente — ele respondeu.

Revirei os olhos e respirei fundo, olhando para o céu através da janelinha.

— Falta quanto tempo, hein?

— Pouco, Cassie — respondeu, voltando os olhos para o livro que eu mal percebi que estava lendo. Provavelmente era alguma coisa do trabalho, ou uma história infantil cheia de ilustrações em alto-relevo. Jayden definitivamente não era do tipo que lê muito.

Encostei a cabeça na parede, me afastando o suficiente da janela gelada. Eu realmente odiava a sensação de estar em um avião, mas tinha que admitir que a vista é maravilhosa. Agora, que já estávamos perto, podia ver a cidade, os carros, as ruas, os parques... Podia até mesmo ver o aeroporto, onde iríamos parar. E eu realmente esperava que a Ann fosse me buscar pessoalmente, e não simplesmente mandar alguém só porque ela está “super ocupada”.

O sinal do cinto soou, então o avião começou a inclinar ainda mais. E quando eu já podia ver até as pedrinhas no asfalto da área de pouso, o avião balançou bruscamente, junto com um ruído alto. Eu ri, sempre adorei essa parte do pouso.

— O comandante pede que só retirem os cintos assim que o avião estiver totalmente parado. Obrigada — A aeromoça anunciou no microfone, junto com várias informações sobre a hora e o clima do destino.

— Pronta? — perguntou Jay, fechando o livro e enfiando na sua mochila.

— Para quê?

Ele riu.

— Para trabalhar feito uma louca como dama de honra, enquanto eu relaxo e conheço a cidade.

Mostrei a língua para meu amigo. Jayden sabia o quanto eu queria conhecer Paris com ele.

— Não achei graça — afirmei, cruzando os braços. Mas ele só riu mais.

Vi a luz que sinalizava para usar o cinto, ser apagada. Seguida de um ruído uníssono de vários cintos sendo desabotoados ao mesmo tempo. Fiz o mesmo.

Eu só queria sair logo dali, mas pelo visto iria demorar. Eu estava no fundo do avião, então teria que aguentar toda aquela confusão de gente no meio do corredorzinho pegando suas malas no compartimento de cima. Por isso, continuei sentada, olhando pela janela e contando os segundos para que eu não precisasse apreciar Paris somente através de um vidro.

****

— Ann! — Corri e abracei-a. Fazia semanas que a gente não se via.

— Ah, finalmente, Cass! Agora, sim, essa preparação vai para algum lugar — ela disse, me abraçando de volta — É modo de falar, claro, porque nessa altura do campeonato você já perdeu todas as melhores partes!

— Me desculpa, você sabe que não deu...

— Sem desculpas — então ela foi até Jay — e aí, como foi a viagem de vocês?

— Foi ótima, teve turbulência para caramba, mas a Cassie nem percebeu. Então eu não sofri com as crises de pânico dela.

— Ha, ha. Muito engraçado, loiro — eu resmunguei.

— Dormiu a viagem toda? — Ann perguntou — Já era de se esperar.

— Que horríveis, vocês me chamando de preguiçosa, eu hein.

— Foi até bom, fiquei com o lanche dela — Jayden falou, ambos riram.

— Sim, seu guloso. Depois ficam falando de mim.

Ann revirou os olhos.

— Podemos ir? O motorista está esperando lá fora.

— Motorista? Você ficou milionária aqui em Paris e eu não soube? — perguntei, cruzando os braços.

— Não — a loira sorriu — Meu novíssimo motorista é também meu futuro marido, mais conhecido como Carter.

— Caralho, e você já tá obrigando ele a dirigir por aí? — Jay riu, balançando a cabeça como se não acreditasse nela.

— Obrigando? Ele me ama, querido. Não preciso obrigar a nada.

— Ui — botei as mãos para cima em sinal de rendição — tá certo então, bem-amada.

— Bem-amada e futuramente bem-casada, dá licença.

Nós três rimos, saindo do aeroporto.

Já estava sentindo falta desses momentos. Depois que começamos a trabalhar, sempre estamos todos muito ocupados e é raro quando podemos marcar de sair, ou alguma coisa assim. Na época do colegial, eu e Ann éramos inseparáveis. Jay nem tanto, ele tinha seus outros amigos, mas ainda assim, a gente saía junto mais do que hoje em dia. Além de que, agora que a Ann está casando, tenho quase certeza que ela vai querer passar mais tempo com o marido dela, e em breve, com seus filhos. Me arrependo de não ter gastado todas as minhas horas livres com esses dois.

— Cara, quanto tempo! — Carter saiu do carro e apertou a mão de Jayden.

— É, sinto muito ter faltado a festa de noivado.

— Tudo bem, tudo bem, o que importa é que pôde estar aqui, não é mesmo?

— Tudo bem, nada — Ann interrompeu, com o maior bico no rosto — ninguém mandou marcar reunião no dia da minha festa.

Carter só riu da noiva e ignorou o comentário.

— E você, Cass? Como tá?

— Tô ótima, Carter, e vo...

— Ótima? — minha amiga atrapalhou de novo — Tome vergonha, Cassie, você acabou de terminar com...

— Já pedi para não tocar no assunto! — exclamei.

— Ann! — Carter repreendeu. Ainda bem que ela encontrou um cara decente, que a repreende nas suas crises de vaquice.

— Você está roubando meus amigos — ela cruzou os braços e fez bico de novo. Eu e Jay não seguramos a risada, essa era a Ann. Chata e engraçada em partes iguais.

— Vamos casar, meu amor, seus amigos agora são meus amigos também — o noivo respondeu, antes de encher a Ann de beijos. Já comentei que super apoio eles? Porque, caramba, eles são o casal mais lindo que eu já vi.

— E então? Vamos? Temos que levar vocês para o hotel, já reservamos seus quartos — a Ann disse, animada, logo depois da “sessão de amassos”. Na qual, devo acrescentar, eu tive que olhar para as formigas do chão de tão sem-jeito.

— Estou louca para deitar — afirmei, suspirando.

Jayden e Ann se entreolharam e riram.

— Vamos, preguiçosa — ele disse, passando um braço em volta do meu pescoço. Só pude revirar os olhos.