The Mysterious Lady escrita por Adrienne Moreau


Capítulo 2
Capítulo II


Notas iniciais do capítulo

Obrigada pelos comentários no capítulo anterior! Eles me motivaram muito! Capítulo grande dessa vez.
Espero que gostem e boa leitura.



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Quando Luka subiu para trocar de roupa, Miku sentou-se à mesa de seu pai.

Encontrou a agenda de endereços, onde ele costumava anotar os nomes e endereços de seus amigos, bem como das pessoas com quem ele se associara antes de se casar.

Entre as anotações, Miku localizou o nome do marquês de Greystone, em cuja casa seu pai se hospedava sempre que ia para Londres. Eles haviam sido grandes amigos quando ainda eram jovens, Miku lembrou-se de ter ouvido o pai comentar de seu amigo à longo prazo.

Então, numa caligrafia elegante e firme, ela escreveu:

"Milorde,

Meu falecido esposo, sir Kotaro Hatsune, costumava sempre comentar a respeito da bondade e hospitalidade com que era acolhido em sua casa, antes e depois de se casar.

Agora, que meu período de luto terminou, sinto-me na obrigação de levar minha enteada para sua primeira temporada em Londres.

Ela completará dezoito anos daqui a um mês e é tão bonita quanto a mãe.

Peço à Vossa Alteza o grande favor de permitir que nos hospedemos em sua casa durante dois ou três dias até que encontremos uma casa para receber nossos parentes. Sei que encontrarei dificuldades de hospedagem, mas quero oferecer o melhor para Luka.

Ela precisará ser apresentada à rainha no palácio de Buckingham e participar de todos os bailes da temporada, conforme seus pais tanto desejaram fazer.

Por favor, ajude-me, permitindo que nos hospedemos em sua casa. Caso não seja possível, por favor, indique-nos um hotel respeitável.

Atenciosamente,

Miki Hatsune"

Ela detestava ter de trocar seu nome de batismo.

Porém, Miku era incomum demais para não ser lembrado. Luka costumava chamá-la de Miki quando criança, portanto era-lhe fácil lembrar que agora seu nome era Miki.

Seu pai costumava comentar a respeito de bons detetives que se disfarçavam assumindo caráter e personalidade totalmente opostos aos seus e que se saíam muito bem fingindo ser o que não eram.

— Não importa o que se diga quando se está disfarçado — sir Kotaro observara —, mas sim o que se pensa. Foi isso o que disse um grande amigo meu, que costumava assumir missões perigosas em território inimigo.

E Londres era um "território inimigo" no que dizia respeito a Miku.

Sabia que precisava ser bastante cautelosa, a fim de que não fosse acusada de impostora.

Ser descoberta representava um grande desastre, tanto para ela quanto para Luka.

Miku amava a irmã mais nova.

Com muita ternura, lembrou-se de que Luka era a única pessoa que lhe restava no mundo.

Antes, os pais e as duas filhas formavam uma família completa e feliz. Agora que os pais estavam mortos, ela, como a filha mais velha, devia assumir o comando e proteger Luka. Só restava rezar para que tudo desse certo.

Ao terminar de escrever a carta, endereçou-a ao marquês de Greystone.

Em seguida, examinou outra vez a agenda do pai, em busca de outras pessoas com quem pudesse entrar em contato.

Felizmente, Emiko Hatsune fora uma mulher organizada e prestimosa.

Tivera o cuidado de assinalar com tinta vermelha todos os nomes que sir Kotaro costumava contatar.

Os amigos de seu pai tinham nomes distintos e títulos importantes.

Miku sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha ao admitir a hipótese de uma recusa, por pensarem que ela era como Maika.

Então, com orgulho, lembrou-se de que era filha de seu pai. Segundo sua mãe, sir Kotaro fora sempre bem recebido em todas as casas que visitava.

— Quando me casei com seu pai —Emiko comentara certa vez —, ele recebia tantos convites, que eu costumava achar graça no fato.

— E você ia às festas, mamãe? — Miku questionava.

— Sim, quando estávamos noivos e mesmo depois de casados — respondera-lhe a mãe —, porém, depois de algum tempo, seu pai chegou à conclusão de que tais festas o enfastiavam.

— Enfastiavam, mamãe?

— Para ser honesta, querida, acredito que seu pai não apreciava, na verdade, os elogios que seus amigos me faziam.

— O que não me surpreende, mamãe. Você é linda.

— Os elogios que eu recebia eram todos muito respeitosos — Emiko replicou —, mas seu pai me queria só para si.

E sir Kotaro continuou venerando a esposa, até o dia de sua morte.

Miku sempre admirara o amor dos pais.

Significavam tanto um para o outro que nada mais importava no mundo. Porém, o ostracismo a que haviam se entregado enquanto vivos tornava a situação das filhas agora bastante difícil.

Miku não tinha certeza se os amigos de seus pais ainda estavam vivos! Se estivessem, ela não sabia se nutriam o mesmo afeto por sir Kotaro como há algum tempo.

Passou os olhos pela página à procura de alguns nomes. Depois de algum tempo, concluiu que a melhor coisa a fazer era esperar até que chegasse a Londres, quando aproveitaria para perguntar ao marquês a respeito dos nomes que figuravam na agenda.

Com uma certa angústia, perguntou-se o que faria se o marquês estivesse morto.

E se ele escrevesse dizendo que não achava conveniente hospedá-las em sua casa?

Tentou refutar aqueles pensamentos, pois não seria justo apagar as chamas da esperança que acabara de acender no coração de Luka.

Rezou fervorosamente, pedindo a Deus que tudo saísse como planejara.

"Por favor, ajude-me, papai, ajude-me!", ela dizia do fundo de seu ser. Uma onda de melancolia a invadiu, ao se dar conta de que jamais voltaria a ver o pai. Sempre foram amigos e companheiros.

Apesar de a mãe ter ocupado o coração de sir Kotaro, Miku sabia que ele lhe reservara um lugar muito importante. Mas tudo mudara depois que Maika apareceu. Sir Kotaro ficara tão embriagado com a beleza da francesa que resolveu esquecer completamente a vida que tivera com Emiko Hatsune.

Apesar de ser inocente, visto que jamais saíra de Worcestershire, Miku era inteligente o bastante para saber por que seu pai tornara a se casar.

Lera muitos livros e por isso sabia que quando os homens ficam desesperados ou desolados, bebiam muito para esquecerem suas mágoas. Seu pai, porém, jamais fora dado à bebida. E, para preencher o vazio deixado pela morte da esposa, casara-se com Maika.

A francesa o fizera esquecer a solidão e a dor.

A paixão que sentia por ela apagara todo o amor irresistível que nutria pela esposa. Já não precisava das filhas, apenas a presença e a afeição da bela mulher, preenchiam-lhe a vida.

Ao pensar em Maika, Miku estremeceu.

Parecia vê-la usando suas roupas extravagantes, as quais Emiko julgaria vulgares.

Miku visualizava o rosto excessivamente maquilado da mulher e a maneira como enfeitiçava seu pai com cada palavra que dizia, ou cada gesto que fazia.

Miku suspirou fundo.

Decidiu então que de nada adiantaria debruçar-se no passado. Precisava concentrar-se em Luka e em seu futuro.

Esperava que a irmã encontrasse um homem de importância que se apaixonasse por ela. Só assim a irmã não precisaria retornar para a solidão daquela casa, depois que a temporada terminasse.

"Não sei se teremos dinheiro o suficiente para permanecermos em Londres por tanto tempo", admitiu para si mesma. "Principalmente se tivermos de alugar uma casa", concluiu.

Após a morte da mãe, seu pai comentou antes de partir para o exterior:

— Você tem idade suficiente para que eu lhe dê uma procuração durante a minha ausência.

Miku pareceu surpresa, mas seu pai explicou:

— Quero dizer que você poderá assinar cheques no banco, bem como qualquer documentação legal relativa à propriedade, o que normalmente necessitaria de minha assinatura.

— É claro que posso fazê-lo, papai! — ela exclamara.

— Confio em sua capacidade — o pai replicara. — Não é tarefa muito difícil. Há dinheiro suficiente no banco, para que você e sua irmã tenham uma vida confortável durante minha ausência.

Sir Kotaro não fizera mais nenhum comentário a respeito. E ela realmente não encontrou dificuldades em sacar dinheiro do banco para pagar os salários dos empregados e a manutenção da casa.

No final do segundo mês de ausência de seu pai, ela precisou assinar um contrato de arrendamento para um novo locatário da fazenda.

Ocorre-lhe que o banco jamais tornaria conhecimento da morte de seu pai, a menos que ela notificasse. Portanto, poderia continuar retirando dinheiro quando fosse necessário, sem encontrar nenhuma dificuldade.

Pensou em escrever ao banco, pedindo que informassem a respeito do seu saldo restante na conta de seu pai. Lembrou-se então de que a resposta provavelmente só chegaria depois que ela e Luka já estivessem em Londres.

"Não me preocuparei com isso por enquanto", ela pensou, "pois não quero ser indagada a respeito de quando papai retornará de Paris ".

Mais tarde naquela noite, Miku dirigiu-se ao quarto que Maika ocupara no passado. Por insistência do pai, o quarto que pertencera à esposa permanecera intocado.

Miku ficara bastante satisfeita ao perceber que, apesar da paixão que sentia pela francesa, seu pai ainda reservava um lugar especial em seu coração para a esposa morta.

Portanto, Maika ocupara o quarto localizado do outro lado do corredor. O aposento não ficava próximo ao quarto de sir Kotaro, como acontecia com o de sua mãe.

O quarto de Maika era atraente e bem decorado, seguindo o mesmo padrão de todos os outros aposentos da casa. Depois de sua partida, o quarto fora limpo e arrumado.

Mesmo assim, ao transpor a soleira da porta, Miku sentiu o odor exótico do perfume francês que ela costumava usar. O aroma era tão envolvente que ela abriu a janela.

Em seguida, dirigiu-se até o armário para verificar o que a madrasta havia deixado para trás. Sabia que encontraria os dois vestidos que sir Kotaro lhe oferecera e que ela se recusara a usar.

Ao olhar para as roupas, ela pensou que era daquilo mesmo que necessitava no momento. Uma das peças era azul-marinho e bastante elegante com suas ancas postiças. O outro tinha a mesma cor das violetas de Parma. Acompanhavam-no anquinhas feitas de pequenos babados de um tom púrpura mais escuro.

"Vou parecer bem mais velha dentro deles", Miku disse a si mesma.

Foi então que avistou mais dois ou três vestidos pendurados. Eram bastante diferentes dos demais e Miku se retraiu como se as roupas não estivessem limpas.

Confeccionados em tecido brilhante, os vestidos apresentavam um decote bastante escandaloso. As anquinhas eram exageradamente grandes.

Miku retirou do armário os dois vestidos que seu pai havia comprado e os estendeu na cama. Em seguida, se encaminhou até o toucador. Ao abrir uma das gavetas, encontrou os cosméticos que Maika havia deixado.

Quando a criada fora limpar o quarto, indagara a Miku:

— Posso jogar isso fora, miss?

Ela parecera bastante chocada com o fato de uma mulher pintar o rosto.

— É claro que não! — Miku replicara. — Tenho certeza de que Lady Maika vai procurar os cosméticos assim que vier para Worcestershire.

A criada, que se encontrava na casa havia muitos anos, deu um olhar de reprovação. Porém, resolveu não expressar em palavras seus próprios pensamentos.

Agora, via-se diante de um estojo de pó-de-arroz, um pequeno pote de ruge e outra caixinha contento máscara para os cílios.

Sempre achara que os cílios de Maika tinham uma cor pouco natural. Pelo menos, aquilo ela não pretendia usar. Herdara do pai o cabelo turquesa e os cílios longos e negros. Ao olhar-se no espelho, notou que o azul de seus olhos realçava ainda mais seu tom claro de pele.

Por ser um pouco mais morena que Luka, ela sempre parecera mais velha que a irmã. O que ela não percebia, porém, era que seus lindos olhos pareciam refletir o paraíso.

E aquilo era algo que jamais encontrariam em Maika.

Miku foi para o seu quarto, levando os cosméticos e as roupas consigo. Lá, inspecionou seu próprio armário.

Descobriu que não havia nada ali que a fizesse parecer mais velha do que realmente era. Então, com um esforço que lhe pareceu sobre-humano, dirigiu-se ao quarto da mãe.

Ninguém havia dormido ali, a não ser Emiko Hatsune. Por ser algo doloroso, nem Miku nem Luka haviam ido ao quarto da mãe depois de sua morte. Tudo era limpo semanalmente.

A porta era mantida aberta enquanto as criadas trabalhavam lá dentro. Porém, as duas garotas passavam pelo corredor, imaginando que chorariam se pensassem que Emiko Hatsune já não mais se encontrava deitada na grande cama de quatro colunas.

Mesmo enquanto esteve doente, Emiko tinha uma aparência adorável. Ela sorria e estendia as mãos para as filhas, sempre que as via entrar.

Depois de entrar no quarto, Miku fechou a porta atrás de si. Então, em voz bem baixa, declarou:

— Você... vai ter de me ajudar, mamãe. Faço isso por Luka... e tenho certeza de que vai entender que não posso cometer enganos.

Enquanto falava, lágrimas desciam-lhe pelo rosto. No momento em que resolveu afastar o pranto, um raio de sol entrou pela janela, lançando seu brilho sobre o espelho, os quadros e a grande coleção de ornamentos, que sua mãe tanto amara.

Por um momento, Miku não pôde ver mais nada a não ser a estranha e dourada luz que se derramava sobre tudo. Ao se dar conta do que se passava, ela disse a si mesma que aquela era uma resposta ao seu pedido.

Estava no caminho certo e sua mãe com certeza a ajudaria. O medo e a apreensão desapareceram de seu íntimo. Afinal, não estava sozinha e, conforme sua mãe acreditara, nem a morte podia separar os que se amavam.

Foi até o armário, sentindo-se uma tola por jamais ter tido coragem de entrar naquele lugar depois da morte da mãe. Em vez de sentir infeliz, conforme pensou que se sentiria ali, Miku experimentava uma sensação doce e arrebatadora, como se sua adorável mãe estivesse presente.

Era como se pudesse ouvir-lhe a voz terna e gentil.

Depois, passou em revista os vestidos que pertenceram a sua mãe. Percebeu que alguns deles já estavam completamente fora de moda. A crinolina fora substituída pelas anquinhas, que haviam sido a princípio aclamadas em Paris e adotadas rapidamente em Londres.

Miku não precisara observar as exageradas anquinhas de Maika para saber o que estava na moda em Paris. Sua mãe costumava sempre ler o The Ladies' Journal. E como a filha não cancelara a assinatura, a revista continuava sendo entregue periodicamente. A revista trazia fotografias e desenhos de estilistas famosos que diziam exatamente o que era correto usar.

Emiko comprara vários vestidos nas melhores lojas de Worcester. Além disso, a modista do vilarejo era bastante habilidosa com a agulha.

Lady Hatsune pedira-lhe para confeccionar vestidos para Miku e Luka. Portanto, cresceu adquirindo vestidos na mesma loja onde sua mãe era freguesa.

— Não são vestidos adequados para uma debutante — a mãe dissera-lhe certa vez. — Além disso, é deprimente saber que, em vez de irmos para Londres, teremos de ficar aqui, de luto pela morte de sua avó. Mas sei que nosso dia chegará.

Esses eram os planos de Lady Emiko Hatsune, até adoecer.

Miku detestara os vestidos negros que fora forçada a usar durante os três primeiros meses após a morte de sua avó. Portanto, não se preocupara se as roupas possuíam ou não as famosas anquinhas.

No período de meio-luto, Miku usara vestidos brancos adornados por uma faixa preta na cintura. Lady Hatsune, por sua vez, comprara para si alguns vestidos negros de seda muito bonitos, adornados com debrum branco.

Ao tirá-los do guarda-roupa, Miku imaginou que seriam os trajes ideais para usar como viúva, apesar de não ter a intenção de usar preto. Os vestidos de sua mãe caíam-lhe muito bem.

— Vou gastar o que for preciso para que Luka fique bem bonita! — decidira.

No closet, ela encontrou uma capa de arminho para ser usada à noite. As outras capas e mantos que viu eram destinados a mulheres mais velhas.

Levou-os para seu quarto e os embrulhou. Não desejava que os criados a vissem levando roupas de sua mãe para Londres. Miku também teve o cuidado de tirar do cofre as jóias. A maior parte delas havia sido presente da mãe de Emiko Hatsune.

Quando terminou de embrulhar as jóias, Miku se lembrou do cofre existente no quarto de seu pai. Lá, encontrou a tiara e o colar de diamantes e pérolas, os quais sua mãe jamais usara. As jóias haviam pertencido à avó de sir Kotaro e a mãe de Miku sempre dizia que eram pesadas demais para ela.

Guardou-as com muito cuidado entre seus pertences na mala. Perguntou-se então se não seria perigoso levar consigo objetos tão valiosos, principalmente se tivessem de ficar hospedadas num hotel, caso o marquês não as aceitasse.

"É melhor esperar para ver o que ele diz", pensou. "Não adianta ficar impaciente agora, quando nem sei se o marquês se encontra em Londres."

Foi-lhe pois, difícil não correr até o hall sempre que ouvia a pancada do carteiro na porta. E Miku sentia-se deprimida ao constatar que não havia cartas para ela.

Luka ficara entusiasmada diante da ideia de ir para Londres, e não falava de outra coisa.

— Para quantos bailes imagina que serei convidada? — ela indagava a Miku.

Então, com menos otimismo na voz, acrescentava:

— E se eu for a um baile e ninguém me convidar para dançar? Oh, como será embaraçoso!

Miku olhara para a irmã achando-a adorável, os cabelos cor de rosa e os olhos muito azuis. Imaginava que qualquer homem que a visse pela primeira vez se sentiria fortemente atraído por sua beleza.

— Você fará muito sucesso, Luka — dissera em voz alta —, mas precisará me chamar de madrasta e não de Miku.

— Farei o possível para não esquecer.

— Bem, já que sou sua madrasta, tenho certeza de que não terá problema algum se você usar meu nome de batismo — comentara. — Porém, é muito importante que ninguém perceba que não sou viúva e muito menos sua madrasta, pois neste caso não serei considerada pessoa adequada para servir-lhe de dama de companhia.

— Isso mais parece um jogo de charadas! — Luka exclamou caindo na risada. — Tudo o que temos a fazer é não nos esquecermos das regras.

— Tem razão!

Três dias depois o carteiro trouxe a carta tão esperada por Miku. Ela pensou que aquele tempo de espera não fora tão longo quanto parecera. Passara várias noites em claro, fazendo planos sobre o que fazer com Luka, caso o marquês não as aceitasse como hóspedes.

E então a carta finalmente chegou e um criado levou-a até a sala de estar onde se encontrava. Ela estava ocupada, passando em revista, pela milésima vez, a agenda de endereços de seu pai.

— Tenho aqui uma carta endereçada a lady Hatsune, miss Miku — o criado dissera.

Miku deu um salto no sofá.

— Uma carta? — ela exclamara, fingindo surpresa.

Mesmo antes de ver o timbre no verso do envelope, já sabia que o remetente era o marquês. Ao dirigir-se à janela, suas mãos tremiam, o que julgou ser uma atitude ridícula.

Forçando-se a manter a calma, abriu a carta,

Ela não encontrou dificuldades em ler as palavras, mas julgou a caligrafia um tanto trêmula, como se a carta tivesse sido escrita por uma pessoa idosa.

Miku leu:

"Querida lady Hatsune,

Foi uma grande surpresa e ao mesmo tempo um choque saber que meu querido amigo Kotaro morreu recentemente. Não tomei conhecimento de nenhum anúncio nos jornais, se não teria mandado uma carta de condolências no mesmo instante.

Também não fazia ideia de que sua esposa tivesse morrido e que ele tivesse se casado novamente.

Em nome de nossa grande amizade, seria um grande prazer recebê-las em minha casa localizada em Park Lane, onde permaneço durante os meses no verão.

Digam-me quando chegarão para que eu possa enviar uma carruagem para pegá-las na estação.

Seu marido era um dos meus melhores amigos e custa-me acreditar que jamais tornarei a vê-lo, o que muito me entristece.

Atenciosamente,

Greystone"

Depois de ler a carta novamente, Miku deu um grito de pura alegria:

— Consegui!

Tudo o que tinha a fazer agora era responder à carta o mais depressa possível e levar Luka para Londres.

Ao voltar da cavalgada, Luka percebeu a euforia da irmã e, sem que ninguém lhe dissesse, já sabia o que havia acontecido. Um simples olhar para o rosto radiante de Miku já era o suficiente.

— Ele vai nos receber em sua casa! Sabia que o marquês não nos recusaria hospedagem! — ela exclamou.

— Tem razão — Miku replicou. — Ele escreveu uma carta bastante amigável, convidando-nos para nos hospedarmos em sua casa, em Park Lane.

Luka passou os braços em torno da cintura da irmã e rodopiou com ela pelo aposento.

— Vamos para Londres! — ela gritava, não cabendo em si de contentamento. — Vou aos bailes, aos teatros e conhecerei homens excitantes e charmosos!

— Tenho certeza de que sim — Miku replicou um tanto sem fôlego. — Mas lembre-se de que precisaremos comprar roupas novas, o que significa dizer que precisaremos ir a Bond Street.

— Com muito prazer! — Luka concordou. — Vou ser a belle da festa e conquistarei um maravilhoso duque. Meu casamento vai ser o mais comentado de todos os tempos!

Aquele era o conto de fadas que esperava que sua irmã vivesse e por isso Miku caiu na risada.

— Vamos torcer para que isso aconteça de fato!

— A sorte está do nosso lado — Luka retrucou — e tudo o que você planejou, querida irmã, está se tornando realidade.

Miku tinha ainda alguns receios e apreensões, mas resolveu não estragar o contentamento da irmã.

...

Cinco dias depois, partiram para Londres.

Quando isso aconteceu, Miku imaginou-se escalando uma montanha altíssima ou nadando em mar tempestuoso, quando na verdade apenas tomaram o trem para a estação Paddington.

Entraram numa cabine reservada que foi trancada pelo vigia logo em seguida. Tal medida era para evitar que elas fossem perturbadas por outros passageiros.

Miku ficou ouvindo a conversa excitada da irmã. Luka fazia-lhe muitas perguntas que ela não sabia responder.

— Como chegaremos ao palácio de Buckingham? Acha mesmo que se pedir a lorde Chamberlain ele lhe dará permissão para que me apresente à rainha? Qual será o primeiro baile a que serei convidada?

Atordoada com tantas perguntas, Miku sentiu medo de que Luka não fosse convidada para nenhuma festa.

Para ganhar tempo, escrevera cartas para vários amigos de seu pai, com o mesmo teor da carta que enviara ao marquês. Antes de colocá-las no correio, porém, ela precisaria verificar se tais pessoas não haviam morrido.

Quando o trem entrou na estação de Paddington, Miku perguntou-se se havia de fato inventado aquela história toda. Talvez não existisse nenhum marquês nem ninguém para recebê-las na estação.

Suas apreensões, porém, foram logo deixadas de lado. Um lacaio de libré apareceu diante delas, tirou o chapéu e perguntou-lhe se ela era lady Hatsune.

Quando Miku fez que sim, ele explicou:

— Sua Alteza pediu-me que viesse encontrá-la, milady. A carruagem a aguarda lá fora. Há uma outra carruagem também para levar sua bagagem.

Miku havia etiquetado sua bagagem com cuidado, portanto não lhe era difícil identificá-la. Ela notou que um homem bastante eficiente aguardava que as malas fossem trazidas pelo guarda da estação.

Ela e Luka seguiram o lacaio.

Na entrada da estação, achava-se estacionada uma carruagem muito atraente puxada por dois cavalos magníficos.

Quando a carruagem partiu, Luka passou a mão sobre a da irmã e exclamou:

— Que excitante! Oh, querida Miku, como conseguiu que tudo isso acontecesse?

— Não se precipite! — Miku advertiu-lhe. — E não esqueça de um detalhe importante: sou sua madrasta.

Luka fitou a irmã como se a visse pela primeira vez.

— Você está tão diferente — comentou. — Tenho certeza de que ninguém vai perceber que você tem apenas vinte anos.

Ela fez uma pausa antes de acrescentar:

— Como seria bom se não tivéssemos de fingir!

— Neste caso, precisaríamos de uma dama de companhia — Miku lembrou-lhe —, e ela, com certeza, seria bastante enfadonha, criticando tudo o que fizéssemos.

Luka deu um grito de horror.

— Prefiro você, querida Miku! Acha que estou bem para conhecer o marquês?

Como sempre, Luka estava adorável. Miku escolhera-lhe um vestido azul-claro, da mesma cor de seus olhos, e um chapéu pequeno, como um halo em torno de sua cabeça, adornado com miosótis.

O marquês precisaria ser cego, para não se deixar arrebatar pela beleza dela, Miku pensou.

Ela própria usava um dos vestidos negros da mãe, adornado com debrum branco. O chapéu, que combinava com a roupa, era enfeitado com penas brancas de pavão. Miku puxara os cabelos claros para trás, deixando à mostra o par de brincos de pérolas e diamantes que pertencera à mãe.

Parecia tão preocupada em mostrar-se mais velha, que não se dava conta do quanto estava adorável.

A agitação que as invadiu tão logo chegaram a Paddington não as deixou perceber que, ao descerem da carruagem, chamaram a atenção de todos os homens que passavam.

Levou apenas alguns minutos para que os cavalos chegassem a Park Lane. No meio do caminho viram uma casa atraente e espaçosa.

Na parte frontal havia uma entrada para veículos e, nos fundos, um jardim bonito e grande.

A carruagem parou diante da porta de entrada de pórtico alto.

Miku percebeu que seu coração batia mais depressa do que de costume. Estava diante de uma prova de fogo.

Caso o marquês percebesse que ela não era a segunda esposa de seu amigo, com certeza as mandaria embora no mesmo instante.

Miku disse a si mesma que não passava de uma tola.

Por que o marquês duvidaria que ela não era o que aparentava ser?

O mordomo, após fazer uma pequena mesura, conduziu-as ao hall, onde havia quatro lacaios a serviço. Em seguida, subiram as escadas e o mordomo abriu a porta da sala de recepção. O aposento era elegante, adornado com candelabros de cristal. As inúmeras janelas da sala davam para o jardim.

Dois cavalheiros, que se achavam sentados diante da lareira, puseram-se de pé, assim que o mordomo anunciou:

— Lady Hatsune e miss Luka Hatsune, milorde!

Tentando caminhar com a mesma graça e dignidade de sua mãe, Miku dirigiu-se para os dois homens.

Por sentir-se nervosa, não ousou encará-los de imediato. Foi então que percebeu que um homem de cabelos grisalhos lhe estendia a mão.

— É um grande prazer tê-la aqui, lady Hatsune — ele saudou —, na companhia da filha do meu grande amigo.

Ele apertou as mãos de ambas e então acrescentou:

— Este é meu filho, Kaito.

Miku se lembrava vagamente de que o marquês tinha um filho: o conde de Grey.

Ao fitá-lo, ela quase perdeu a respiração.

Ele era, sem sombra de dúvida, o homem mais belo e elegante que ela jamais vira. Mais alto que o pai, o conde de Grey tinha cabelos escuros e ombros largos. Contudo, apesar de sua ótima aparência, havia um ar de cinismo em seu rosto.

Era como se ele suspeitasse, apesar de ser impossível, que elas estavam ali para tirar proveito de seu pai.

— Foi muita gentileza sua nos receber aqui, milorde — Miku declarou. — Vivi por tanto tempo no campo... No início, na companhia de meu esposo e agora, depois de sua morte, praticamente sozinha e... de luto.

Ela fez uma pausa e sua voz se encheu de consternação ao dizer:

— Não conheço ninguém em Londres e não sabia o que esperar escrevendo-lhe aquela carta.

— Asseguro-lhe que muito me alegra tê-la aqui conosco — o marquês tranquilizou-a. — Meu filho, mais do que eu, deve saber quais são os bailes mais divertidos de Londres.

— Jamais fui convidada para um baile! — Luka aparteou. — Deve ser excitante!

Havia ansiedade nas palavras de Luka e seu rosto tinha um ar juvenil adorável.

Miku sabia que os dois homens olhavam para a menina como se ela não fosse real. Sentiu que as batidas de seu coração voltavam ao compasso normal.

Todos se sentaram assim que o lacaio trouxe o chá. Naquele momento, Miku sentiu que seu pai a guiara para o lugar certo.

Enquanto tomavam chá, do qual o marquês fez questão que ela se servisse primeiro, ele perguntou-lhe sobre as pessoas que conhecia em Londres.

Indagou-lhe então sobre os preparativos para apresentar Luka à corte.

— Não sabia mais o que fazer — Miku declarou com franqueza. — O único recurso que tinha era uma agenda de endereços com os nomes dos amigos de meu esposo. Vou escrever-lhes, é claro, mas não sei se continuam vivos depois de todos esses anos.

— Eu tenho condições de responder a essa pergunta — garantiu-lhe o marquês. — Que tal agora nos preocuparmos com a apresentação de sua enteada à corte?

Miku juntou as mãos num gesto nervoso.

— Oh, por favor, me ajude — ela implorou —, não sei a quem recorrer. Suponho que o camareiro-mor seja a única pessoa e ele pode me julgar de pouca importância para fazer as apresentações.

O marquês caiu na risada.

— Se é esposa de Kotaro, tenha certeza de que todos no palácio desejarão ajudá-la de alguma forma, lady Hatsune. Todos no mundo social sentiram falta dele assim que se retirou para o campo. Pergunto-me se ele foi de fato feliz naquele isolamento.

— Sim, ele foi muito, muito feliz — Miku declarou sem pensar duas vezes. — Ou melhor, isso é o que ele dizia. Eu também fui muito feliz a seu lado.

— Tenho certeza de que sim — o marquês concordou.

Então inesperadamente o conde perguntou do outro lado da lareira:

— De onde é sua família, lady Hatsune? E como é possível que você não tenha sido vista em Londres antes de se casar com sir Kotaro?

Enquanto ele falava, Miku encarou-o. Como que por instinto, ela se deu conta de que o conde era um homem perigoso.

A sensação que tinha era de que ele a olhava de maneira penetrante, como se desejasse descobrir-lhe os segredos. Sabia que isso era impossível, mas mesmo assim Miku teve medo de que o conde suspeitasse que ela não era quem aparentava ser.

"Estou imaginando coisas", ela disse a si mesma.

Uma pausa tensa se seguiu antes que ela dissesse:

— Tenho muito orgulho de minha família, da qual restam poucos membros hoje em dia. Sou do norte da Inglaterra, Northumberland, para ser mais precisa. Essa é a razão por que não puderam me ajudar assim que decidi trazer Luka para Londres.

— E você viveu em Northumberland até se casar com sir Kotaro?

"O conde faz perguntas demais e não gosto dele", Miku pensou amargamente.

Ela sorriu antes de responder com voz totalmente calma:

— Devo confessar que Luka e eu não passamos de caipiras do campo e que nossa maior preocupação era não cometer erros quando encontrássemos cavalheiros como os senhores.

— Tenho certeza de que isso jamais acontecerá — o marquês replicou antes que seu filho falasse —, e permita-me dizer-lhe, lady Hatsune, que nem você nem Luka parecem "caipiras do campo".

— Obrigada — Miku murmurou.

— Na verdade — ele prosseguiu —, acho que não preciso dizer que vocês são muito bonitas! Tenho certeza de que, se sir Kotaro fosse vivo, diria a mesma coisa!


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Por favor, comentem. Críticas e comentários serão bem-vindos.
A primeira aparição de Kaito. Yay!

Espero que tenham gostado e até a próxima.