P.O.V Kenai

 —Koda , falta muito para chegarmos?

—Você sempre pergunta isso , Kenai. Até parece um filhote de ganso!Por que pergunta isso o tempo todo?!

—Porque eu sempre quero saber aonde estamos, maninho.- Pausa.- Sério , está muito longe para chegarmos?

Meus pés estavam um caco. Estava exausto de tanto escalar.Para um urso acostumado a viajar com um filhote era difícil diferenciar os milhões de trechos de floresta em que percorre porque tudo parecia igual, mas Koda sempre procurava os detalhes como os troncos das árvores, os cheiros deixados para trás, principalmente os rastros de outros ursos que passaram pelo local,os sons dos animais que moram no trecho....

 E ele, ao contrário de mim estava pipocando em escalar cada pedra a baixo da montanha. Estávamos próximos de chegar a vila abandonada.

Exatamente como o corvo Dandy havia nos informado na última vez que o vimos. Ultimamente Koda tem demonstrado muita animação e falação com a Yona, mais do que eu gostaria. 

Ainda bem que encontramos moitas cheias de mirtilos para saciar a nossa fome porque se não ouviríamos três tambores batucando no lugar de  nossos estômagos.

Yona também estava cansada. Tanto quanto eu. Eu e ela estávamos mais próximos do que nunca.

Ainda me lembrava muito bem do dia em que chegamos ao trecho da floresta de pinheiros que interligava com um lindo riacho com a rara visão de Rutt e Tuke, um dia que Dandy ainda não havia voltado com instruções.

—Lugar bonito esse...Não tem nada de melhor do que um pasto bom perto de um riacho - disse a voz familiar de Rutt.

Eu e meu irmãozinho empurramos Yona numa enorme árvore que escondeu-a muito bem. Não queríamos que aqueles dois bobocas saíssem correndo ao ver uma humana conosco. Principalmente uma que entendia a linguagem deles.

—Fique aqui.- sussurrei .

—Pode ficar sossegado que não irei sair daqui, papai-urso.- sussurrou de volta a senhorita engraçadinha.

“Papai-Urso... EU? Na próxima chamarei ela de mamãe-urso!”, pensei enquanto eu e Koda caminhávamos depressa  até estarmos perto da margem do riacho. Os dois não haviam se mexido.

—Olha nem chegue perto desse lado , porque uma coisa feia passou por ali. Eca.

Esse eca todo foi provocado por um caramujo verruguento passando perto de Rutt.

Mas Tuke, o mais velho sentiu a nossa presença ou deve ter ouvido a gente chegando.

— Ei é o Grande – Urso e o seu caçula. – lembrou Tuke da gente para o seu irmão Rutt.

Olhei para aquela água com tom leve de azul refletir o meu reflexo e para disfarçar o meu ar cheio de perguntas comecei a beber generosos goles de água, como um urso comum, e não sabia que estava com tanta sede assim.

—Oi Ursão e Ursinho, vocês dois parecem perdidos ...aonde estão indo?

—Kenai e eu estamos indo para a vila abandonada pelos caçadores porque queremos ver algumas pinturas que eles deixaram para me inspirar em alguma historia. Assim neste ano vou ter a melhor historia para contar aos amigos na corrida do salmão.

Uau. “De onde saiu essa mentira tão bem contada?”, pensei enquanto enxugava meu beiço com a minha pata.

—É mesmo, isso tem alguma coisa a ver com a árvore meio mágica que está desenhada por aqueles lados?!

—O que sabem da árvore da sabedoria ? – perguntei sem querer a pergunta que se formou em meu cérebro , e que foi parar em meus lábios  .

—Shhiuu. Bico fechado sobre a árvore . Você sabe que não se deve falar dela para ninguém.

—Tá bom. Então não devemos contar para eles que a árvore proporciona alguma ajuda para aqueles que são seus descendentes e que buscam a sua sabedoria .

—Só se a pessoa que descende da árvore estiver perdida querendo descobrir o seu caminho e precisa de respostas para achá-lo com o seu auxilio.

Ai , olha o que me fez fazer ... Agora eles vão sair procurando o treco.

—Tá bom , então ,  desembuchem . Onde encontramos esse desenho?

—Anh? Que desenho? Eu não sei nada sobre a árvore da sabedoria.– E Tuke disse entre os dentes para o irmão : - Isso vai despistá-los.

—Vamos , gente. A árvore mágica . Cadê ela?

—Tá bom , tá bom ,  urso parrudo . Não precisa pressionar. Vá por ali .

—Eenh ...ele quer dizer por aqui tá.- retrucou Rutt apontando com o focinho a verdadeira direção e sendo um verdadeiro amigo mesmo tendo que ir contra o irmão mais velho.

—Valeu mesmo, amigos - alces.- disse com meu melhor sorriso e saímos dali.

Quando chegamos até Yona, Koda e eu vimos que ela estava ajoelhada na grama, como se estivesse agradecendo ao Grande Espirito por ternos mostrado a direção certa na forma de dois alces. Dois alces burro, gostaria de ressaltar.  Mas devo admitir que fiquei pensando por muito tempo sobre as palavras de Tuke, que sempre  voltavam a se repetir em minha cabeça :  - “Só se a pessoas estiver perdida querendo descobrir o seu caminho e precisa de respostas para achá-lo com o seu auxilio .”

— Koda, cuidado ! – alertou Yona trazendo-me de volta dos meus devaneios.

Koda rindo confiante e não prestando atenção, pulou de uma rocha para outra, só que invés de aterrissar na rocha, acabou escorregando e caindo para a beirada de um precipício.

—KODA! – gritou Yona correndo .

Pensei que iria morrer. Mas graças ao Grande Espirito , Yona agarrou o meu irmãozinho por pouco.

— Koda, não se mexa. – ordenou .

—MAMÃE ! – gritou ele apavorado.

Corro o mais rápido que posso , mesmo sentindo o cansaço das minhas quatro patas . Na verdade , pareceu que com o medo aquele cansaço se foi. Enquanto corro,faço uma pequena oração ao Grande Espírito para que escutasse a minha voz e não me abandonasse naquele momento tão difícil. Que não me deixasse sentir a dor da perda. Impulsionado por uma força desconhecida dou dois mergulhos no ar para chegar a tempo. E antes de chegar até eles ...eu pude ver meu irmão Sitka e a mãe do Koda segurando os dois. Por muito pouco, consigo agarrar Yona pelo seu capuz do casaco e Koda seguro em seus braços.

Consegui carregar as pessoas que mais amo sobre as minhas costas até achar um lugar seguro.

Finalmente, um pouco de descanso.

— Graças ao Grande Espirito que você está bem, Koda. – disse Yona chorosa puxando Koda para os seus braços.

Koda olhou para mim e Yona , triste.

— Desculpe ter preocupado você , mãe.

“Mamãe?

Será que Koda via Yona como uma mãe substituta para preencher o seu vazio?”

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O meu “ eu” antigo gritaria uma observação cruel e que provavelmente feriria os sentimentos do meu irmãozinho. O que ele diria era que Yona não era a mãe dele. Que ela estava morta.

Mas não sou mais esse MONSTRO, agora, eu sou um ser movido pelo amor. Como a Tanana disse , uma vez para mim, deixar que o amor guiar as minhas ações .

E Koda beijou o meu rosto.

Envolvi-me no meio do abraço deles procurando não apertar muito e olhei para os céus em agradecimento :

—Obrigado por ter nos protegido, Grande Espírito .