Os artistas já foram dormir escrita por 0 Ilimitado


Capítulo 1
OS ARTISTAS JÁ FORAM DORMIR




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Na madrugada é quando surgem os melhores poemas, na madrugada é onde a minha alma busca refúgio do escuro. Essas paredes guardam muito mais do que cal, esses tijolos não foram dispostos por empresários e nem criminosos baratos trajando roupas sujas, por trás de paredes sólidas há sentimentos que nem em atos desesperados deveriam ser tocados.
Imagine a junção de todos os gemidos de todas as prostitutas da Terra, os suspiros logo antes da morte de todos os prematuros, o primeiro pingo que atinge a careca de um calvo... Essa é a vida, essa é a noite, a noite dos prematuros, depravados em busca de entorpecentes ou de caridade.
Maçãs do amor são vendidas pela noite afora, vendedores ambulantes que usam os sonhos como pano de chão, estão mais vivos do que nunca, só não vendem a alma porque não sabem como, sabe o que é pior em tudo isso? Não? Nem eu, essa é a magia, o mistério.
Os artistas de rua, oh, os artistas, pintam tudo que veem, não sinto raiva deles e nem devo sentir, eles tocam piano melhor que eu, ou pelo menos veem a vida como um circo. Eu não sei como eu vejo a vida, nunca me perguntaram isso, que intrigante, como é a vida para você? Não entre no clichê de dizer que é um mural de retardados procurando evolução, esqueça a generalidade... Eu tento toda a noite esquecê-la, como um pesadelo de mau agouro, isso não me abandona, é como a noite, nunca termina.
Como será que é ter a Lua como teto? Como deve ser se cobrir com papelão em noites frias de inverno? Será que é a mesma sensação de estar deitado em uma cama quente com lençol e um cobertor quentinho? Será que o leite deles é quente como o nosso café? Será que falam de amor como falam os poetas? Eles são mais poetas do que nós, lobos solitários.
E as crianças da noite? Por onde andam os escoteiros noturnos? Elas são tão belas, tão ingênuas, o sabor da ingenuidade é melhor que o do pecado, prove, saboreie, a consequência desse ato renegado, é a corrupção. Esses pedófilos, sedentos por peles frescas, imáculas... Quando encontram o que querem, destroem o que já foram de bom um dia, não sinto nojo deles, nem sinto o odor de longe, dói no meu coração pensar no grito ensanguentado de cada criança amordaçada, afogando-se na própria saliva e esperma.
Qual o preço da morte? Duas cabeças valem dois réis? Já passa da 1:34 da madrugada, não sinto minha respiração e nem os lábios de uma prostituta barata, a parede sólida já foi pichada por pessoas diferentes de mim, meu cobertor não é amaciado e as crianças estão jogadas pelo beco, o último vendedor de maçãs voltou sem a cabeça para casa, qual o meu problema? Qual o valor de toda a minha covardia? Os monstros já sorriram um dia, quando tintei aquele tijolo com sangue inocente pela primeira vez, um fantasma deu três tapas nas minhas costas, e se juntou a galáxia desordenada que era o asfalto.
É sempre a mesma lembrança, um beco escuro, uma cabana de papelão e apenas a luz da Lua como iluminação, o que você quer me dizer, meu Deus? O que há no fundo daquele beco? Um drogado, um monge, ou tudo que resume eu? Todos os ventos desordenados juntos em uma compilação de horrores? É a minha alma, não é? A junção de todos os oceanos, de todos os ares, de todos os céus, esse sou eu, eu sempre temi a noite, o que eu não sabia até ao pôr do Sol, é que eu sou a noite. A penumbra de seus sonhos. Péssimo final de todos os livros.

FIM
13/04/14


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