Vermelho-sangue escrita por Ninguém Especial


Capítulo 7
Chapter VII


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo tem como eu-lírico Mary Elizabeth Curtis, ex-senhora Hopper. Espero que gostem! Boa Leitura :3



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– Então ele receberá alta na segunda que vem? – Perguntou-me. Sabe, eu conhecia aquela voz, tenho certeza. Mas eu não conseguia ligá-la a tanta familiaridade.

– Se tudo continuar a ocorrer como planejado, sim. Ele vem apresentando uma melhora rápida. Quase que milagrosa pro tanto de tóxico inalado. Aqui diz que está apenas de observação.

– E como a senhora sabe disso tudo? – Me indagou, mas logo em seguida respondeu a si mesmo – É verdade! A senhora é enfermeira, logo sabe um pouco de tudo...

– Também não é para tanto. Eu sou sim enfermeira, mas tudo o que fiz foi parafrasear o que está escrito aqui no laudo. – Sorri. Apesar do momento, o rapaz me parecia ser alguém bem simpático, então resolvi agir como tal.

– Ainda não conseguir entender aonde ele encontrou esse gás tão letal.

– Eu também não. Mas soube que alguns bombeiros da cidade e jornalistas também adoeceram. Achei muito estranho. Todos frutos da mesma intoxicação.

– Sério? Mas que horrível terrível estranha coincidência.

Uma longa pausa. Eu me sentia sem graça de dividir a sala com aquele rapaz desconhecido, mas sua voz ainda sim me era familiar. Mas à quem ela pertencia?

– Desculpe me intrometer, mas a senhora é a mãe de Julie Curtis, certo? Então... Por que mandou a sua filha no seu lugar para dar o depoimento?

– Ah, logo reconheci pela voz. O senhor é o rapaz que me atendeu quando liguei para a delegacia, certo? Tony se não me engano...

– Isso mesmo. Mas e então, se não for pessoal é claro, por que fez aquilo?

– Não pense que eu estou fugindo do caso, por favor. Eu não estou envolvida na morte da menina. Não é nada disso. Mas existem outras questões mal resolvidas...

– Ah sim, eu entendo.

Por mais que tenha dito isso, pela sua expressão facial não havia era entendido nada. Eu não queria falar sobre isso, mas era um assunto inadiável e mesmo assim já havia procrastinado seu cume. Eu sabia que era hora de encarar os fatos e dar minha cara à tapa, então era isso o que eu precisava fazer.

– Sabe, hoje não tem nada de importante acontecendo na delegacia. Se quiser aparecer por lá mais tarde e dar logo o seu depoimento... Tenho certeza de que todos ficaremos extremamente gratos. – Finalmente me sorriu de volta.

– Tudo bem, obrigada. Passarei por lá hoje sim. Assim que sair daqui.

– Posso te dar uma carona então, se quiser. Vamos?

Eu aceitei a carona. Não demorou muito até chegarmos à delegacia. Além de conhecer bons pontos para cortar caminho, Tony também era um ótimo motorista apesar de aparentar pouca idade. Depois dalí, tudo se sucedeu tão rápido que eu perdi o controle. Não tinha dinheiro pra um advogado nem uma desculpa essencialmente boa pra me defender, então eu estava sozinha. No mundo de um caso onde a filha de uma de minhas melhoras amigas havia sido assassinada, para logo depois sua mãe chegar ao mesmo fim. Estava de preto da cabeça aos pés. Luto eterno.

– Aguarde aqui, por favor. Vou falar com o Sr. Armstrong.

– Está tudo bem. Obrigada.

Quando dei por mim já estava lá. Eu na delegacia. Suando frio em lugares que eu nem sabia que suava. Não parava de balançar minhas pernas de agonia. Padecia em impaciência e aflição. Sei que pode soar um tanto dramático, como uma hipérbole, pra alguém que diz não estar envolvida com o caso, mas não era essa a questão que me preocupava.

– Você pode entrar.

Fecho os olhos. Inspiro. Espiro. Ponho o pé direito no chão. Apoio todos os peso de meu corpo sobre ele. Apoio todo o peso de minhas ações sobre ele. Meu emprego depende disso. Levanto-me da cadeira de espera. Prendo a respiração. Dou um passo devagar. Um atrás do outro. Atravesso o portal. Permito-me respirar outra vez. Atravesso a sala. Sento-me na cadeira. Abro os olhos. Vejo o Sr. Armstrong dizendo palavras, mas o silêncio dentro de mim soa tão alto que não consigo escutá-lo. Olho para o lado, onde Simon deveria estar, mas vejo Tony sentando em seu lugar. Por quê? Por que isso? Por que ele? Retorno o olhar para Armstrong, mas ainda não o escuto. Tento ler seus lábios. Ele diz: ‘Você cometeu um crime’. Quebro o transe de aflição.

– Tá, eu assumo! Era eu quem a deixava sair! Mas por favor, não me denuncie! Essa é a minha única forma de renda, e não terei como sustentar minha filha caso a perca. Eu amo demais esse emprego!

– Senhora, você está bem? Você está pálida. Vamos Tony, traga um chá, um copo de água, um suco de maracujá, qualquer coisa para ela.

– Sim, Sr. Armstrong. Não demoro.

– Aconteceu alguma coisa, Sra. Curtis?

– Como assim? O senhor não acaba de me acusar de cometer um crime?

– Não, eu apenas estava explicando como funciona o depoimento. Que você precisa dizer somente a verdade e que mentiras e omissões podem ser consideradas como confissões de que ‘você cometeu um crime’. Não disse que a senhora realmente cometeu, entende?
Logo depois de falar ele começou a me encarar de outra maneira. Era um olhar desconfiado. Ele sabia o que eu tinha acabado de dizer e tinha o bônus de eu estar com os nervos à flor da pele. Logo, eu era uma suspeita perfeita. Por que mais ficaria tão nervosa?

Uma longa pausa. E o silencio novamente me matava. Mas dessa vez, ele era real.

– O senhor não vai dizer nada? Eu acabei de lhe dar um bom material para me denunciar.

– Jamais faria isso sem saber os precedentes. Fora que o Tony não está em sala, e eu preciso de alguém que registre cada uma de suas falas.

– Entendo.

Fui cortada pelo rapaz que finalmente entrou na sala, com chá gelado e um copo de água. Tomei os dois. E quando pude me considerar relaxada finalmente, o interrogatório recomeçou. Era o começo do meu fim.

– Se podemos dar prosseguimento, estou curioso quanto ao fato que você deixou vazar para nós. O que quer dizer com ‘a deixava sair’?

– Bem...

– Lembre-se. Não estou lhe acusando de nada, mas omissões e mentiras...

– Sim, eu sei. Foi não prestar atenção que me deixou nessa sinuca de bico.

Apenas, não sei como dizer. Queria encontrar uma forma pra ‘desitensificar’, ou tirar proveito disso tudo.

– Eu sei que não tenho um advogado presente. Para falar a verdade, estou numa crise financeira e como não sabia se seria chamada, não contratei um advogado. Mas, mesmo sem ter um, será que poderíamos fazer um acordo?

– Que espécie de acordo?

– Eu não pretendo esconder nada da polícia. Mas eu gostaria de tentar não prejudicar meu trabalho com o que eu tenho a dizer. Eu realmente preciso dele.

– E o que a senhora propõem que eu faça?

– Eu sei que os depoimentos não podem vir a publico por completo, mesmo depois do que eu tenho para lhe dizer. Então eu peço para que não me denuncie para meu chefe, ou para a justiça. Eu não cometi crime nenhum senhor, mas posso perder o direito de exercer a função de enfermeira.

– Não entendo aonde quer chegar, mas tudo bem. Eu aceito esse ‘acordo’. O que for dito aqui, morrerá aqui com o fim do caso. Mas que fique claro que dependendo do que for me contar não posso fazer isso e não vou.

– Tudo bem – respirei fundo - – O fato de que... Era eu quem a deixava fugir.

– Quem fugir?

– A dona Lucy. Era eu quem a deixava dar as escapadas para se encontrar com sua neta. Eu que fazia tudo isso acontecer.

– Hm...

– E então, vai me denunciar?

– Isso depende muito do que veio contar hoje. Aposto que a história não para por aí.

– Não, ela não para. Infelizmente.

– Prossiga.

– Vou começar pelo início então...

– Fica a seu critério.

– Tudo bem, vejamos. Eu tinha um acordo coma Dona Lucy. Ela era uma senhora bem amável, sabe? Bem animada. Mas sempre foi bem sozinha. Pelo menos o tempo em que esteve na clínica. Ela não tinha amizade com ninguém. Até que um dia aconteceu dela desaparecer, e bem, a peguei no flagra tentando fugir. Ela me disse que ia para casa, conversar com a neta, que era a única pessoa que realmente lhe dava atenção atualmente. E eu sabia que aquilo era verdade, então me tocou de uma maneira imprescindível. Mas eu não podia deixá-la sair assim de qualquer maneira, então descobri o numero do celular de Clara, sua neta, e marquei a fuga da senhora. Nossa, como eu fiquei preocupada aquele dia. Nervosa. Aflita. O que eu fiz foi errado, eu sei. Mas me pareceu correto quando o fiz. Mas todas essas más vibrações sumiram quando a neta a trouxe de volta. E ambas estavam tão felizes, que ali nasceu essa coisa de deixá-la fugir. Até que chegou num nível em que eu nem ligava para a menina, apenas a deixava ir. Eu não tinha mais receio.

– Entendo seus motivos. Mas nem tudo o que explica, justifica, se é que me entende. Mas continue.

– Sim, eu entendo. E voltando, isso aconteceu durante anos, sabe? Uns dois, eu não sei. Ninguém nunca entendeu como a senhora fugia tanto da clínica até que colocaram câmeras lá, o que tornou tudo mais difícil. Dobravam o numero de seguranças, colocaram alarmes diretos com a polícia para o case de alguma fuga. Então eu conversei sério com a Dona Lucy, e disse que estava na hora disso acabar. E ela me pediu para ir pelo menos uma ultima vez, para explicar para a neta, já que não poderia fazer isso em uma das visitas.

– E essa última vez chegou a ocorrer?

– Sim. E eu depois do desfecho daquele dia, eu tive a certeza de que não deveria ter acontecido.

– Foi o dia em que a Clara foi expulsa de casa, certo?

– Sim. Mas como o senhor sabe?

– Pelo modo que você falou, Senhora Curtir, é um tanto fácil de presumir.

– Ah sim. Pois bem, foi nesse dia mesmo. Eu a ajudei escapar, pela ultima vez, e nossa, como foi difícil. Meu nível de nervosismo deve ter beirado o do primeiro dia de nosso ‘acordo’. Mas graças a Deus foi o mais rápido, o que de certa forma me deixou desconfiada, e mais tarde preocupada.

– Por quê?

– Conversando com a Dona Lucy quando ela chegou, ela me disse que a neta teve problemas com o pai, e um possível namorado, que era um homem mais velho e coisas assim. Eu sabia que ela estava falando do meu ex-marido quando me contou. Julie, minha filha, já havia me contado da suspeita de que eles estivessem juntos. E bem, tinha tudo para estarem, já que ele trabalhava como orientador e professor da menina.

– Mas isso não é razão para ele estarem juntos.

– Eu sei. O que quero dizer é que eles tinham tempo, local e envolvimento necessário para ter um caso. Mas o fato é que já tinha superado nosso casamento. Nós somos amigos, para falar a verdade. Logo, eu não tenho nem nunca tive nenhum ressentimento para com a menina. Como tanto a deixei ficar em minha casa.

– Agora sim chegou ao ponto em que nos interessava. Conte-me como foi isso para você. – Indagou-me, com um sorriso macabro no rosto, como se estivesse contando que a resposta de suas perguntas sobre quem era o assassino saísse de minha boca. E por que não?

– Bem, eu sabia que a menina estava com problemas, então, por mais que Beatrice, sua mãe, não tivesse me contado muito por hora, eu tinha uma ideia do que estava acontecendo naquele momento. E por que não faria esse favor a minha grande amiga? Mesmo que fossem por meses. Minha casa estaria sempre aberta. Mas voltando, ela chegou com uma mochila com algumas coisas e eu pedi para que minha filha tentasse animá-la ou fazê-la se sentir em casa, sabe? Eu precisava dar uma saída e ela não podia ficar em casa naquele estado. Mas pedi a Julie que me ligasse, caso qualquer coisa acontecesse.

– E eu posso saber aonde a senhora foi?

– Bem... fui na casa de meu namorado.

– Ah, então vejo que a senhora realmente passou por cima do antigo casamento. Poderia nos dar o nome dele?

– Olha, eu prefiro não. Caso se torne realmente preciso, eu até digo, mas não vejo como o envolvimento dele afetaria em qualquer coisa nessa história.

– Tudo bem. Até o final dessa conversa digo se preciso do nome dele ou não.

– Tá, mas bem, eu fui até a casa dele e fiquei um tempo. Quando eu estava saindo de lá minha filha me ligou. Fiquei preocupada na mesma hora e mais ainda depois que ela me explicou o que estava acontecendo. Aparentemente ela teve a ideia de marcar um encontro de Clara com o melhor amigo dela, esqueci o nome dele agora, e eles preferiram que esse acontecesse naquela noite mesmo. E saíram sem dizer aonde iam.

– E a sua filha?

– Bem, ela estava preocupada e por isso me ligou. Eles já tinham saído há um tempo, e ela prometeu que não iria demorar, mas estava demorando. Mas de novo, graças a Deus, quando eu estava chegando em casa pude ver o menino trazendo ela até a porta. Eu me escondi, não queria atrapalhar, seja o que for que estivesse acontecendo, e os vi se beijando antes dela entrar. Isso mesmo. Eu não entendi nada já que ela estava com meu ex-marido, e que eu saiba, ela sempre foi uma menina direita. Nunca teve fama nem nada, então me espantei.

– Hm...

– Para resumir, não contei isso nem a minha filha. Quando mais a mãe dela: eu guardei para mim. Dei uma toalha pra que pudesse tomar um banho e servi a janta. Ela era bem educada, por falar nisso. Mas antes que ela fizesse isso tudo, logo após entrar, ela já foi ligando para Hopper, meu ex. Nossa, ela estava tão eufórica. Pelo o que ouvi, disse que estava tudo acabado e que não iriam mais fugir no dia seguinte. E bem, eu já sabia o motivo.

– O amigo dela?

– Sim. Claro que era o amigo dela.

– Hmm...

– Então ela tomou banho, comeu, e foi deitar. E no dia seguinte, logo pela manhã disse que ia sair com o amigo de novo, segundo minha filha. Como eu estava no trabalho, não pude dar atenção, e não tinha aula naquela quinta-feira na escola, então elas ficariam em casa. Pedi a Julie que me mandasse uma mensagem quando ela fosse e quando voltasse, para que pudesse ficar menos preocupada e manter a mãe dela a par também, do que estava acontecendo, e então algo muito estranho aconteceu.

– Com Clara?

– Não exatamente.

– Como assim?

– Foi com Dona Lucy. Um tempo após Julie me mandar uma mensagem dizendo que Clara havia saído. Dona Lucy estava eufórica, histérica, não conseguia se aquietar. Dizia que algo estava acontecendo com sua neta, e pelo modo como reagia achei que ela estava tendo alucinações, ou alguma outra coisa do gênero. Dei alguns remédios, mas não funcionaram. Tudo o que ela queria era fugir outra vez, para se encontrar com Clara, e ter certeza de que estava bem.

– E ela fugiu?

– Sim. Esse é o problema. E dessa vez não fui eu quem deixou à senhora fugir. Acho que ninguém ao certo sabe como ela desapareceu, o que me deixou muito nervosa. Tentei falar com minha filha se sabia de Clara, mas ela não tinha novidades. Até que recebi um telefonema. O telefonema. O que culminou a história.

– O que quer dizer com ‘o telefonema’?

– Bem... – respirei fundo.

– Senhora, preciso que coopere...

– Eu sei, e vou falar. É que não é todos os dias que isso acontece.

– E então, de quem era a ligação? De Clara?

– Quem dera fosse.

– E então!?

– Era o autor. O autor do crime. O assassino de Clara estava me pedindo ajuda.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que estão achando? Comentem, gritem, rabisquem na minha parede: apenas seja sincero, que críticas são sempre bem vindas:)



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