Beleza Morta escrita por gwenspenser


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

último capítulo



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5

Fernanda vestida de branco estava deitada sobre uma mesa de sacrifício, ela mesma vestida de negro empunhava um punhal e evocava demônios. Diogo, Samantha e outros denominados de Congregação entoavam cânticos. Fernanda pedia ajuda a Miguel e era ele quem agora segurava o punhal e quando está prestes a matá-la, ele acorda.

Esse pesadelo vinha se tornando rotina, Miguel ia levantar-se da cama, quando o telefone tocou. Era Beatriz, reclamando de seu afastamento e dizendo que lhe faria uma visita. Sem ter como dissuadi-la de seus planos, foi tomar um banho e se arrumar para receber a inevitável visita.

Quando viu Miguel, Beatriz assustou-se, ele não lembrava em nada o homem que conhecera outrora. Tinha um semblante cansado, a barba estava crescida, seus cabelos desgrenhados e seu olhar opaco, sem brilho ou outro resquício de vida. Lembrou-se de Fernanda em seus últimos dias de vida, era o mesmo modo de encará-la.

Miguel percebeu seu impacto em Beatriz e inventou uma virose para justificar sua aparência. Ela disse que o motivo de sua visita era uma carta de Fernanda que ela havia encontrado:

Uma carta um tanto estranha, pois o nome dela própria estava no destinatário e ela assinava com um nome estranho que não consigo lembrar, só sei que é dela por causa da letra. Assim que a li, lembrei de você. Pensei que você pudesse me ajudar a entendê-la, Fernanda escreveu coisas esquisitas sobre mal e bem, disputas, e até coisas que parecem latim.

Miguel tinha certeza que a carta não era de Fernanda e sim de Gwendolyn para ela. Já entendia que eram duas mulheres num mesmo corpo, duas almas distintas, ou o que a ciência chama de dupla personalidade Só não sabia ainda qual havia se suicidado e tampouco qual era a sua preferida. O bem e o mal naquela mulher o atraíam, de modos e por motivos distintos.

Nas últimas semanas tinha convivido com o lado negro, com a bela Gwendolyn. A sacerdotisa de um grupo satanista, que surgiu na vida de Fernanda quando essa perdeu tragicamente os pais. Manifestava-se a princípio a cada quinzena, mas nos últimos tempos estava mais forte e atuante. Para conhecê-la Miguel fez parte desse grupo e era inegável sua satisfação naquele ambiente.

O contato com Fernanda dava-se em seus sonhos, ou pesadelos, quando ela lhe pedia ajuda e, na verdade, tentava ajudá-lo a sair daquele meio. Sua beleza angelical e sua doçura traziam à tona os bons sentimentos de Miguel e, de certa forma, mantinham-no em equilíbrio.

Os amigos de uma nunca conheceram os amigos da outra. Dentre os de Gwendolyn, só Diogo conhecia a verdade, ele que era um misto de mestre e amante, mas mostrava-se incapaz de sofrer e amar, sentimentos vistos por ele e pelos seus seguidores como fraqueza. Os amigos de Fernanda nunca entendiam os seus sumiços repentinos, tampouco coisas que fazia com sua aparência. Mas nunca alcançaram a verdade.

 

E agora aquela cara de uma para outra, nunca soube que elas se comunicavam. Gwendolyn sabia de Fernanda, mas essa pensava estar louca, e tendo surtos de amnésia. Tinha certeza que agora finalmente conheceria o desfecho de tudo, e saberia quem se atirara na frente daquele carro e o porquê disso.

Tomou a carta das mãos de Beatriz e disse que a leria sozinho, com calma. Prometeu dar-lhe um retorno assim que conseguisse compreender o que Beatriz chegou a chamar de enigma. Ela, sem ter como permanecer ali, foi embora, duvidando se teria feito a coisa certa ao deixar o último escrito de Fernanda nas mãos de um homem quase desconhecido, e que agora parecia tão diferente da imagem que ela formara dele.

Miguel mal conseguia segurar sua excitação, tentou acalmar-se, sentou-se à mesa e começou a ler:

Fernanda

Tudo bem minha querida? Ou devo dizer, minha nada querida rival. Você deve estar reconhecendo esta letra, claro, afinal é sua. Algumas coisas não pude, outras não vi a necessidade de mudar, a letra foi uma dessas.

Poderia apenas deixar que você sumisse e não voltasse mais, mas como sou educada; ou melhor, como queria ter o prazer de espezinhá-la, resolvi me apresentar.

Meu nome é Gwendolyn, na verdade eu sou poucos anos mais velha que você e mais inteligente também. Fisicamente estamos bem parecidas, já que foi uma das coisas insuportáveis em você que mudei.

Odeio o dia, os bons sentimentos, a beleza, enfim, tudo que você ama. Voltei a este mundo há três anos, quando seus pais morreram e sua instabilidade me permitiu tomá-la. Desde então eu assumo cada vez por mais tempo e, se estou me apresentando, é porque quando voltar será para sempre.

Nesse momento as minhas memórias devem estar tomando o seu consciente e você está sofrendo com a visão de tudo que fiz e que fizeram com o seu corpo. Confesso que era essa a minha verdadeira intenção ao escrever esta carta.

Se ainda consegue ler esta linha, você é mais forte do que pensei, então aproveite as últimas horas que lhe restam para despedir-se de seus amigos, rezar para o nazareno, enfim, faça o que puder. Pois na vigésima terceira hora, você morrerá e eu Gwendolyn viverei. Até que esse seu corpo agüente, com beleza e força necessárias para os meus planos neste mundo.

 

Agora Miguel entendia tudo, e o único erro de Gwendolyn foi sua prepotência. Se tivesse permanecido oculta, ela venceria e estaria aqui, mas julgava-se muito poderosa e considerava Fernanda muito fraca e incapaz de um ato tão moralmente condenável. Sabia que Fernanda era católica, e, que ainda que não praticante, seguia os preceitos de sua religião. Fernanda cometera um ato abominável, certamente sabia disso, mas não poderia permitir que a outra vencesse e colocasse em prática seus planos obscuros.

Quando Fernanda leu a carta, certamente assustou-se e mais do que isso, sentiu repulsa por tudo que viu em sua mente, devia ser possível sentir tudo aquilo, como se estivesse vivenciando aquelas cenas, aquelas dores, aqueles prazeres de uma outra existência, que não era sua. Por isso Fernanda se despedira da vida com uma expressão tranqüila, ela reunira as poucas forças que ainda tinha e num ato pensado, jogou-se diante daquele carro.

Agora a busca de Miguel também acabara, assim como a luta daquelas duas mulheres, do bem e do mal. Duas forças antagônicas que habitavam o interior de todos os seres humanos, e diariamente confrontavam-se em uma batalha interior. Nas pequenas escolhas, nos pequenos atos de cada um, nas coisas mais banais como dar ou não uma esmola na rua, ou rir ou não de alguém que caiu diante de todos.

Era uma manhã comum, com trânsito congestionado, o barulho das buzinas e os gritos dos ambulantes. Os motivos dos engarrafamentos eram geralmente os mais banais, uma pequena obra da prefeitura, uma batida, uma blitz policial. Mas não naquele dia, o motivo era um atropelamento, e as pessoas, com sua curiosidade mórbida, dirigiam devagar para ver a morte de perto.

Ninguém parou para olhar o corpo estendido e ensangüentado, um jovem homem, com um semblante tranqüilo e com uma carta em uma das mãos.

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado da história, reviews por favor
bjs :*