“Fique parada mais um segundo, menina!” Disse mamãe, dando um tapa leve na minha mão para ela ficar parada no lugar e ela poder costurar direito a manga do vestido. “Está vendo? É bem simples até.” Falava um pouco baixo devido a concentração que tinha na costura.

“Extremamente interessante,” murmurei, encarando a costura sem pensar direito.

“Rowena, você precisa aprender isso.” A mulher afastou-se um pouco, me olhando nos olhos. Já começara a falar com um tom decepcionado de novo.

“Desculpe, mamãe. É que já passou do meio dia, logo vai anoitecer e eu ainda não sai com Warlock!” explicou-se abaixando a mão de novo e colocando as duas mãos para trás do corpo. “Me deixa ir...? Eu costuro tudo o que você quiser antes de dormir-“ Comecei, mas ela me interrompeu.

“Você já disse isso uma vez e não cumpriu-"

“Eu tinha me cansado demais com Warlock, mas hoje eu não vou, eu prometo. É que hoje que a águia vai estar no céu... Eu não consigo ver ela sempre, mamãe,” murmurei mais baixo, abrindo mais os olhos para ver se ela desistia graças aos meus grandes olhos brilhantes.

O silêncio se estendeu um pouco até a porta ranger, abrindo mais um pouco e o rosto de meu pai aparecer no vão.

“Deixe ela ir, querida. Eu me certifico que ela vai completar tudo quando voltar,” falou papai e eu não consegui me conter ao abrir um sorriso enorme e olhar para mamãe de novo e ver ela assentir.

Foi então que eu pulei alegremente e abracei ela antes de saltitar até meu armário e pegar outro vestido.

“Mas não é para demorar muito, nem se cansar. Não suje ou rasgue o vestido, eu vou parar de remendá-los e vou deixar você fazer isso para ver se você para,” disse ela, levantando-se e me seguindo pelo quarto para me ajudar a tirar o vestido que eu tinha e colocar o outro. “Nada de ir longe demais e isso é sério. Se ir, não vai dar para voltar a tempo e se você não voltar, nunca mais irá sair a tarde.” Falava séria e eu apenas assentia veemente.

Eu jamais iria contra a ordem dela, sei que ela não mente sobre essas coisas. Esperei em silêncio até estar vestida de novo para então sair do quarto educadamente, tentando não soar tão ansiosa ou coisa assim... Mas foi eu passar da porta que saí correndo escada a baixo, pulei para fora de casa e corri até Warlock que me esperava dentro do estábulo. Vi a sela sobre suas costas e sorri mais largo, menos um trabalho.Quando eu percebi, já estava sobre as costas dele com o vento no meu rosto e meus longos cabelos voavam atrás de mim. Cavalguei por um bom tempo até ver o sol começar a se pôr. Com isso, voltei para perto de casa e parei na arvore mais próxima dela. Dali eu conseguia ver a vila de Glen e era um tanto bonito as luzes. Mas nada era mais bonito que as estrelas... E lá estava a constelação da águia, a que eu mais amava. Então virei-me na cela deitando de costas ali para observar o céu com mais calma.

Acho que tem um coisa que qualquer criançar quer: liberdade para brincar sem ninguém a mandar fazer algo que não seja isso. Quando você chega na adolescência você quer algo muito parecido: que ninguém o mande fazer algo, você só quer crescer e virar o jogo. E quando você é adulto e você pensa que isso vai mudar... Não muda. Sempre tem alguém para mandar em você.

Papai diz que isso é um pensamento muito evoluído para uma criança de apenas 8 anos como eu. Mamãe diz que é perfeitamente compreensível considerando o número de livros que já li até agora. Desde que eu aprendi a ler, nunca deixei de ter um livro na cabeceira da cama. Quando eu havia acabado com os livros que tínhamos, passei dias sem nada para fazer, começando a ficar mais pálida e fraca até que novos livros surgiram. Agora não eram de histórias ou de guerra, eram de ciência, matemática e teorias mágicas, sociológicas e filosóficas (mamãe pediu para eu nunca perguntar onde ela arrumava os livros, assim não precisaria mentir).

Mas eu nunca fiquei só lendo o dia inteiro. Saio cavalgar e correr e brincar com a minha própria magia. Criando novos feitiços bonitos e conhecendo animais que não encontrei nos livros que leio. Descobri que existe uma raça de cavalo que é invisível aos meus olhos. Contei para papai e ele me disse o nome: testrálio. Encontrei ele em um livro e achei engraçada sua história, mas não acreditei. Ando atrás deles, tentando achá-los, mesmo que sejam invisíveis para meus olhos ‘virgens da morte’.

O problema é as aulas diárias de como ser um dama. Aprender a costurar, se portar, agradar... Muita delicadeza e ‘risadinhas’ para nada. Não consigo entender como as meninas da vila aguentam sem poder cavalgar e se divertir pela floresta... Sempre tão bem arrumadas, brincando educadamente na varanda de casa e nada de sujar as barras dos vestidos. Que inferno! Minha vida é subir em arvores, molhar os pés nos lagos e até tomar banho ali, cavalgar mais rápido que o vento e olhar as estrelas todas as noites, sem deixar de carregar um livro embaixo do braço.

Mas papai e mamãe pediram para eu não falar que eu leio tudo o que leio, para ninguém. Supostamente, não é confiável uma mulher conhecer muito, ainda mais em uma sociedade tão radical quanto a nossa. Na nossa vila, ninguém pode saber que somos bruxos e no Conselho de Bruxos, ninguém pode saber o que eu faço. É um tanto dramático tudo isso.

Até agora, tudo o que eu quero é ter liberdade para fazer o que eu quero. Que é bem simples, por sinal, mas nada aceitável: sair conhecer o mundo e pesquisar, escrever livros para as pessoas conhecerem tudo isso, todo esse mundo escondido. Claro, só tenho 8 anos... Mas não terei 8 anos para sempre. Um dia eu vou fugir. Não vou me tornar apenas a mulher de um homem com um nome interessante que lhe deu filhos para herdar seu legado. Sou e sempre serei Rowena Ravenclaw.