Isabella escrita por The Escapist


Capítulo 1
O começo de uma história


Notas iniciais do capítulo

eu tentei imaginar o encontro de Isabella e Sempere filho.



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Digo isso agora incorrendo no risco de soar piegas — muito mais no do que normalmente costumo ser, quer dizer —, mas quando vi Isabella entrar na livraria naquela tarde, algo naquele instante breve, me fez ter a certeza de que ela era alguém especial. Meu primeiro sentimento quando a vi foi de imaginá-la como um anjo, mas Isabella era dotada de um ar de sofisticação e um toque de malicia que nada tinham de angélico.

Eu estava na parte dos fundos da livraria, arrumando alguns volumes antigos nas prateleiras. Meu pai estava debruçado sobre os livros de contabilidade, provavelmente pensamento em alguma mágica para fazer com que os créditos superassem os débitos — da maneira como as coisas andavam ultimamente, acreditava que apenas mágica pudesse nos ajudar a manter os negócios funcionando.

Ouvi o sino da porta, e aliviado por aparecer uma vivalma que talvez comprasse ao menos um livro, levantei a cabeça. Isabella entrara e estava parada no meio da livraria. Quisera eu ter a lábia de um poeta ou romancista para descrever em palavras o quão bela aquela garota me pareceu. Usava um vestido florido, justo, que deixava evidente sua silhueta esguia. Um tanto provocante, mas não havia nenhuma sombra de vulgaridade. Era como Isabella costumava ser, como eu descobriria mais tarde.

Eu fiz menção de mover-me do lugar para ir até ela, mas meu pai ergueu os olhos e sorriu para a garota. Eu desisti e continuei no meu lugar, olhando de longe, ouvindo a conversa. Isabella sorriu, faceira, quando meu pai a cumprimentou e quando ele perguntou a que devíamos a honra da visita, ela abanou a mão, displicente e disse que estava apenas passando para saber como estavam as coisas.

— E como está o trabalho como assistente do sr. Martín? — papai perguntou.

— Enriquecedor — respondeu Isabella sem titubear. — O sr. Martín é uma grande influência. Literariamente falando, claro. — Ouvi Isabella se derreter em elogios à criatividade e ao talento de David Martín, algo com que eu até concordava, mas naquele momento pareceu-me mais irritante. — Mas não tem sido uma convivência fácil, entretanto — arrematou a moça, fazendo uma cara um pouco dramática. Vi o meu pai arquear a sobrancelha.

— Hum, e por que isso, minha jovem? — perguntou. Isabella suspirou.

— O sr. Martín tem uma personalidade controladora e exigente. Contratou-me como assistente, mas espera que eu seja também cozinheira e faxineira. E tudo isso sem ao menos me pagar um salário decente.

— Mas isso não é possível! — exclamou o papai, que acreditava acima de tudo, na grandeza de espírito do sr. Martín. Isabella sorriu. — Você já conversou com o Martín sobre isso? — perguntou. Isabella deu alguns passos e aproximou-se do balcão, onde pousou suas mãos delicadas.

— Sim, mas ele diz que se eu estiver insatisfeita que volte para casa dos meus pais, e isso eu não posso fazer, sr. Sempere. Primeiro porque eu preciso aprender a ser uma escritora e, mesmo sendo um tirano como é, Martín é o único escritor que eu conheço. E segundo, meu pai me obrigaria a ir para um convento. O senhor acha isso justo?

— De maneira nenhuma — disse o meu pai, e me espantava a maneira como ele acreditava nas maluquices de Isabella. O jeito encantador da garota era infalível. Quando Isabella olhou novamente para o meu pai, havia em seus olhos o brilho da conspiração e a visita aparentemente despropositada revelou-se num estratagema milimetricamente planejado pela garota.

— O senhor não está precisando de uma ajudante na livraria, sr. Sempere? — perguntou Isabella, caprichando seu melhor sorriso. Meu pai coçou a cabeça. Isabella não esperou por uma resposta e continuou seu argumento, parecia decidida a não deixar margens para recusa. — Eu poderia trabalhar por algumas horas apenas, em troca de uma pequena comissão sobre as vendas que conseguir. — Percebi quando meu pai hesitou, provavelmente confuso entre ajudar a moça apesar dos nossos problemas de fluxo de caixa. Fui largando minha tarefa e me aproximei dos dois. Isabella me olhou e sorriu. Eu devolvi o sorriso, um pouco encabulado e sem conseguir evitar me achar um pouco bobo. Isabella deveria saber exatamente o efeito que aquele sorriso teria sobre mim.

— Eu não poderia pagar muito... — papai começou, em tom de justificativa que logo Isabella dispensou.

— Apenas uma pequena porcentagem sobre o que eu conseguir vender — ela repetiu.

— Bem... — ele coçou novamente a cabeça, em dúvida. — E o seu trabalho com o Martín?

— Isso pode funcionar, pai — falei pela primeira vez antes que Isabella respondesse. Ela me olhou e eu me vi refletido no brilho intenso dos seus olhos. — Nós realmente precisamos de alguma ajuda, e ganhando por comissão, a Srta. Gispert pagará o próprio salário. Algumas horas, durante a tarde, não irão atrapalhar o trabalho de assistente do sr. Martín. — Isabella voltou a sorrir e assentiu, concordando com minhas palavras. Meus argumentos, embora bem intencionados, eram igualmente frágeis, mas foram eficazes. Na verdade, meu pai não exigia muito esforço para ser convencido. Se havia algo que o sr. Sempere gostava de fazer era ajudar as pessoas.

— Bem, nesse caso, seja bem vinda à Sempere e Filhos.

A alegria que brilhava nos olhos de Isabella era genuína. Aquilo era mais do que gratidão por conseguir um trabalho que lhe pagaria míseras pesetas, havia mais, algo inexplicável. Eu não sabia o que era, nem procurei entender, bastava-me vê-la sorrir. Era uma visão bonita.

Meu pai olhou para Isabella, depois para mim e eu poderia jurar que havia um tom divertido em seus olhos. Isso também passou rápido. Eu voltei à minha tarefa de arrumar livros nas prateleiras, enquanto ouvia Isabella despedir-se do meu pai. Fiquei olhando com o rabo do olho quando ela foi embora. Ainda a vi atrás do vidro da vitrine, quando ela parou na calçada e lançou um olhar sonhador de volta à livraria. Sorriu e suspirou, depois seguiu caminho.

Isabella. Sempere. O começo de uma história.


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