Xeque Mate escrita por Utopia49


Capítulo 9
Aproveite a paz natalina.




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Na manhã fria daquele primeiro de novembro, as vozes que atormentavam Hyden pareciam ter se esvaído. Ele se sentia sem razões para levantar. O mestre estrategista pediu a seu rival uma trégua de dois meses para se curar de seu luto. A trégua foi aceita. Não haveria mais derramamento de sangue nem naquele mês, nem em dezembro.

Os corpos de Jack e Jacke foram retirados dos escombros, e enterrados no mesmo dia. Hyden permaneceu silencioso durante toda a cerimônia, que como as das outras peças, foi rápida, sem discursos ou sermões. Para eles, duas pequenas estátuas de cruzes com asas – o mesmo símbolo das lápides dos pais deles, logo ao lado.

Hyden não se dirigiu para o trabalho naquele dia, apenas no segundo dia. Porém seus dias eram agora sem sentido. Milena foi visitá-lo, e o abraçou. Tentou beijá-lo, contudo ele se desviou. Ela compreendeu a tristeza dele e o permitiu que se sentasse, e então sentou-se de forma provocante na poltrona, e tentou começar a conversar.

– Hyden... você vai estar muito ocupado no natal?

– Provavelmente não, por quê?

– Porque eu queria convidar você, a Halley, o Clark, o Douglas, pra ir lá em casa e passar o natal junto. O que acha da ideia?

– É uma boa ideia... obrigado por me avisar com antecedência...

– Quer fazer algo essa semana?

– Acho que não, Millie...

– Tem algo que eu possa fazer? - Disse ela, levantando-se, indo até atrás dele e massageando-lhe os ombros. - Não tem nada?

– Desculpa Milena... acho que por enquanto não. Eu... eu... não vou mais trair a Hallerie por mais que eu goste de nossos velhos tempos... e estou triste suficiente para não ter ânimo pra fazer qualquer coisa.

– Boa sorte com isso então. - Retrucou ela abaixando o rosto pelo lado direito rapidamente e o beijando. - Se tiver afim de fazer alguma coisa, você tem o meu número.

– E o endereço. E a lista dos seus locais favoritos. E das horas que você passa neles. Eu sei.

– Até mais, Hydy... - Disse ela com um sorriso arrebatador enquanto abria a porta e saía.

Hyden pôde notar que ela também parou em frente à Hallerie e estava falando algo para ela.

Hyden foi tomado pela curiosidade, no entanto, não estava com vontade de perguntar ainda. O cansaço e uma falta de motivos o abateram. Seus dois sobrinhos, seus únicos herdeiros, agora jaziam sem vida em um frio cemitério. Lembrava-se com estranheza que cemitério significa 'dormitório', e perguntava-se o porquê de tal nome para um lugar onde há apenas putefração, silêncio e morte. Resolveu passar por lá.

Retirou-se silenciosamente de seu escritório, avisou Hallerie de seu destino, e dirigiu-se para lá. Kimberly o seguiu, discretamente, até vê-lo se ajoelhar diante das duas lápides, que eram lado a lado. Hyden então quebrou o silêncio:

– Pode sair de trás dessa lápide, Kim.

– Como sabia que eu estava o seguindo?

– Eu já havia a visto se esgueirando para fora de sua sala desde a empresa, e a vi me seguir até aqui. Quando se conhece Milena, tem-se que saber descobrir quando alguém o está seguindo. Afinal, se ela tiver algum interesse em você, você pode nunca estar sozinho.

– Acha então que ela pode estar por aqui?

– Sim. Porém não estou preocupado com isso.

– Por que veio até aqui?

– Eu sei que é completamente irracional... entretanto desejei conversar com eles. Ainda que não me possam ouvir.

– Então qual a finalidade? - Kim não conseguia assimilar seu mestre, sempre tão racional, tomado de emoções sem sentido.

– Não sei. Simplesemente senti vontade de vir até aqui.

– Ok então...

O silêncio permaneceu por algum tempo, até que Hyden começou a falar com eles. Kimberly sentou-se ao seu lado e permaneceu muda, quieta, apenas observando.

– Olá Jack. Olá Jacke. Já estou com saudade de vocês, meninos. Sabe... nós sempre tivemos ótimos momentos juntos, não é? Como aquela balada recentemente... Ou aquela vez que fomos à Paris e tiramos fotos como se a Torre Eiffel estivesse mantida pelas mãos de vocês... Se fosse verdade, ela estaria no chão agora. - Uma pequena risada, um sorriso de canto de boca, e uma lágrima manifestaram-se todos juntos. Ele continuou seu triste monólogo.

– Eu lembro de quando vocês vieram a mim após o acidente. Eram crianças. Sabem como eu não gosto muito de crianças. Não obstante, vocês conquistaram meu coração. E tempos depois nós todos conhecemos a tia Halley. E lembra como vocês me incentivaram a mim para que se casasse com ela? E como ela estava linda no casamento naquele vestido de noiva ciano... E vocês foram meus padrinhos. Você, Jacke, ficou super vermelha e até chorou de emoção. E você, Jack, lembro que deu em cima de todas as convidadas, mesmo sendo apenas um adolescente. - Uma pausa se seguiu, e mais algumas lágrimas rolaram. Ele tirou um lenço do bolso e as enxugou.

– Eu lembro da vez em que passamos juntos pela primeira vez que a Jacke se apaixonou. E das inúmeras vezes em que o Jack se apaixonou. E que a cada menina diferente, você se sentia cada vez mais vazio. Que a cada garota com a qual você terminava, você ficava pior ainda. E que nós todos, como uma família tentávamos te animar, e dizíamos que surpresas você não poderia achar na próxima esquina! Lembro também de quando vocês dois decidiram morar juntos em seu próprio apartamento, de como me senti vazio, com um pedaço faltando, morrendo de saudades, ligando para vocês de tempo em tempo.... - Uma pausa maior foi efetuada, e ele começou a chorar a ponto de soluçar. Kim se aproximou e o abraçou. Ele enxugou as lágrimas, levantou o rosto e terminou seu monólogo com essas palavras:

– E agora, vocês realmente se foram. Não para outro apartamento. Estão fora do alcance de meus aparatos de comunicação. Estão sob o domínio da morte. Lembra da música que cantávamos quando eram crianças? Dos anjos sombrios e carontes, e como eles transportavam as almas de um mundo para o outro? Sabemos que era tudo irracional... Mas desejo a vocês tudo de bom se realmente existir. Adeus, meus sobrinhos, meus herdeiros, meus filhos.

Hyden enxugou as últimas lágrimas e se levantou. Saiu rapidamente, sendo seguido por Kimberly. Rapidamente disfarcei-me de mendigo e pus me na entrada do cemitério, por onde ele estava indo para sair, e o abordei.

– Meu senhor... tem algo para um pobre ser?

– Siga-me. Te pago um almoço.

– Obrigado, senhor.

Eu já conhecia a generosidade enorme de Hyden para com os desabrigados e mendigos, e essa é a razão de meu disfarce e de ter sido aceito tão rapidamente. Fomos para um almoço, onde nos deliciamos com uma carne bovina simplesmente maravilhosa.

– Ah.... quanto tempo me fazia que eu comia carne de boi! E tão boa!

– Qual seu nome? - Perguntou-me Hyden.

– Dario. - Eu inventei rapidamente.

– Dario. Nome real. Irônico.

– De fato, um nome de reis em um mendigo...

– Onde você mora?

– Sou um andarilho, fico por aí, meu senhor.

– E como sobrevive? - Kimberly me questionou.

– A gente dá um jeito, né? A gente sempre dá um jeito...

– Eu espero que sim.

– O senhor passou por uma perda muito grande, posso inferir de seus olhos...

– De fato. Antes de eu discorrer sobre, como um mendigo usa um linguajar tão peculiar?

Afastei o prato vazio de minha frente e tomei o último gole daquele refrigerante à minha frente. Então me levantei e disse:

– Meu senhor, há segredos demais envolvidos na sua pergunta. Não se preocupe com seus sobrinhos, pela sua hospitalidade, hoje mesmo eles serão trazidos pelos anjos sombrios. Juntos. Quanto ao mais... Até logo.

Então, fiz me invisivel à vista deles, e ambos ficaram assustados. Aparentemente, eu havia deixado o local, no entanto, ali eu estava, ainda ao lado dos dois. Um sorriso de esperança e uma lágrima surgiram no rosto de Hyden. Ah, finalmente, ele havia sorrido sinceramente novamente, com um pouco de esperança. E saí do ambiente, de barriga cheia, e com um sorriso sob minha máscara.

Hyden retornou ao escritório mais feliz, e no fim do dia, ao estar no caminho para sua mansão, perguntou a Hallerie o que Milena havia a perguntado.

– Ah, ela me chamou pra ir na festa de natal dela também...

– E o que você respondeu?

– Que ia pensar, e que ia ver se você também estava afim de ir.

– Hum, entendi.

– E aí ela cochichou no meu ouvido: Você não sabe a sorte que tem em ser casada com ele. Aproveite.

– Ela não disse isso, disse? - Hyden perguntou rindo.

– Pior é que ela realmente me falou isso! - Halley respondeu entre risadas também.

E assim ambos chegaram em casa bem, e havia uma estranha alegria para os de fora em Hyden. Nós, eu e você, leitor, sabemos o que aconteceu. E não se acostume, não vou ficar conversando com você.

Os meses de novembro e dezembro passaram rapidamente, e sem nada de muito interessante acontecendo. A única coisa realmente diferente foi o fato de que, sem que ninguém compreendesse, o luto de Hyden parecia ter sido bruscamente abreviado. É claro que, ao ver algum pertence deles em casa, ele se entristecia por um momento, entretanto, sua tristeza não durava horas, apenas minutos.

E outro acontecimento que talvez seja digno de ser contado, ocorrido nesse período, é que Khardin e Kimberly esperavam ansiosamente um bebê a partir do dia vinte e nove de novembro. Sabendo do ocorrido, Milena os convidou também para a festa de Natal que ocorreria em sua mansão, e a presença de ambos foi confirmada.

Finalmente, o dia chegou. Vinte e quatro de dezembro, véspera da comemoração natalina, a mansão de Milena abria as portas a todos os convidados. Apesar de que “todos” mencionados não eram muitos. A linda moça loira chamara apenas seus amigos mais próximos. Logo, às dez horas da noite, todos os convidados já haviam chegado. E é agora que a parte mais chamativa ocorre.

As peças que estavam no lugar eram Karl, Kim, Zetos, que havia ido por ser guarda-costas de Clark, e contando-os como reis e rainhas, Hyden e Hallerie, Clark e Clarisse. E qual não foi a surpresa deles, quando entre os convidados, também estava Douglas. Zetos não se conteve e avançou com ímpeto contra ele, o jogando contra uma parede e gritando:

– É você, seu infeliz, que vem ajudando aquele psicopata a nos matar!

– Ei! Ei! Sem jogos aqui dentro! É Natal, e aqui é a minha mansão. Não haverá briga ou derramamento de sangue hoje! Solte-o, Zetos. - Milena gritou.

Relutantemente, Zetos soltou o hacker, e este arrumou sua jacketa preta de couro. Então, ele disse:

– Obrigado. E realmente senhores, por essa noite, não sei de nada, não fiz nada, e O Carta não vai dar as caras por aqui. - Douglas disse em alto e bom som.

– Assim espero. - Respondeu Kimberly.

Então, entrou na sala um ser atordoante, hipnótico por sua beleza, uma obra-prima da criação. Ali, em frente deles, com um longo vestido vermelho, estava Sarah, tão perfeitamente construída que enganou a todos, sendo vista como uma humana.

– Olá, senhores. Boa noite. Que inapropriado da parte de vocês estarem brigando em uma comemoração como esta. - Sarah recriminou com um sorriso no rosto.

– E... quem é você? - Perguntou Zetos, fazendo a pergunta de todos.

– Eu sou Sarah. É um prazer conhecê-los. Agora, rapazes, podem fechar a boca, tá? Eu sei que sou linda, mas se continuarem de queixo caído vão acabar babando. - Ela brincou com seu sorriso inconfundível. E risos encheram a sala.

– É um prazer conhecê-la também. - Khardin respondeu por todos, e recebeu uma beliscada de Kimberly.

Sarah apenas sorriu e seguiu a comitiva até o cômodo onde a janta seria realizada. Todos tomaram seus lugares à mesa, e começaram o banquete. Champagne foi servido a todos, e a mesa era farta de iguarias deliciosas. A “humanidade” de Sarah parecia incontestável quando os convidados a viram jantando ao lado deles. Quem imaginaria que ela seria nada mais nada menos que uma inteligência artificial? Ainda mais por ter se entrosado tão bem com todos. O que não foi difícil, dado que ela podia se conectar à internet mentalmente e descobrir os gostos de cada um por meio das redes sociais.

Ao final do banquete, Milena levantou-se, e então, chamando a atenção de todos com sua taça e uma colher, brindou.

– A todos que aqui estão, muito obrigado por comparecerem. Eu realmente aprecio a presença de todos vocês, e desejo-lhes que deixemos para trás esse ano que se despede. Que ele literalmente caia no esquecimento. Que não nos lembremos de nossas perdas, e mesmo de nossas vitórias. Ao invés disso, que nesse novo ano, nessa nova página em branco, que possamos escrever nossa própria história, com nosso toque peculiar e característico, e criemos nossas novas vitórias, novas e melhores. É o que desejo a mim, e a todos vocês.

Após ela terminar seu discurso, foi aplaudida, e assentou-se. O relógio de parede de Milena fez o toque da meia noite.

– Ei, pessoal, é meia noite! Venham para as varandas e sacadas ver a queima de fogos de artifício! - Disse Sarah animada.

O espetáculo pirotécnico foi de fato encantador. Kim e Khardin estavam de mãos dadas durante todo o tempo, e ele pode assistir alguns momentos pelo reflexo nos lindos olhos dela. Hyden saiu por um momento para ir ao banheiro, e quando estava retornando Milena o encontrou no corredor e obstruiu seu caminho.

– Milena, posso passar? - Perguntou Hyden sorrindo.

– E se eu disser que não? - Ela devolveu a pergunta com outra pergunta, sorrindo e se aproximando ainda mais.

– Então eu terei que tirá-la do meu caminho. - Disse ele a segurando pelos braços e a colocando contra a parede.

– Eu acho que estou gostando de ser retirada do caminho. - Respondeu ela sorrindo, colocando suas mãos no pescoço e no rosto de Hyden e sorrindo, aproximando seu rosto do rosto dele.

– Perdoe-me, Millie. Não dessa vez. - Disse Hyden a soltando e se afastando antes de acontecer um beijo.

– Por que não? - Ela questionou sorrindo e segurando as mãos dele, com um olhar fofinho e carente.

– Lembra o que você falou, de deixar o passado para trás?

– Eu falei sobre deixar o ano passado para trás... nós somos muito mais que isso. Já somos de muito mais tempo... saudades do tempo que você era meu. - Ela respondeu, passando as mãos pelo torso dele subindo em direção ao pescoço.

– Millie – Ele falou o nome dela carinhosamente, tirando as duas mãos dela e as segurando – eu decidi ser fiel à Hallerie. Totalmente. Eu sei que nós tivemos uma ótima história juntos, eu não vou mentir para você, ainda a amo. Você ainda é muito especial para mim. Entretanto, nossos bons momentos, nossos beijos rápidos na minha sala, ou em corredores, no parque... tudo isso, por melhor que seja, eu renuncio enquanto a Halley estiver comigo. Entendeu? - Ele disse com uma voz terna e suave.

– Entendi... então... Feliz Natal Hyden. - Ela respondeu tristemente, com os olhos enchendo de lágrimas e o abraçando. O abraço foi recíproco, e ela deu um beijo no pescoço dele e saiu. Hyden retornou à sacada onde Hallerie ainda estava fascinada ao lado de Sarah assistindo os fogos de artíficio e as coloridas e belas explosões.

Ele aproximou-se de sua esposa e a abraçou por trás carinhosamente. Ela se virou e o beijou.

– Feliz Natal, minha única.

– Feliz Natal, meu único amor.


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