The 69th: For What I Believe In escrita por Luísa Carvalho


Capítulo 28
Memórias, Lembranças, Antigas Verdades


Notas iniciais do capítulo

Leia e releia "The 68th" quantas vezes quiser, mas você nunca encontrará a resposta para uma simples perguntinha: por que raios Cameron foi tão fdp com a June durante todos aqueles anos? Bom, seres curiosos, para a alegria e realização de vocês, eu finalmente (mais ou menos, né, porque já tenho o capítulo quase inteiro pronto desde que comecei a postar a nova fic) senti que era hora de fazer June Haylon abrir a boca a respeito disso. Aleluia!
"Mas pode demorar tanto tempo assim para esclarecer uma coisa tão importante?" Ah, uma coisa a aprender quando se é um leitor é como lidar com a curiosidade. E, se depender de mim, dúvidas serão respondidas por inteiro, mas ficarão presas a vocês por muito, muito tempo, rs.
Enjoy (:
*Recadinho para os esquecidos e para os que não leram The 68th: o trecho em itálico no início do capítulo é uma parte da fala da June durante a entrevista com o Caesar depois dos Jogos dela, aquela em que ela ficou toda bolada e resolveu falar tudo de uma vez. Achei uma boa introdução pro capítulo!



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(POV June)

Vocês colocaram Cameron naquela arena. É culpa de vocês que, hoje, ele não está ao meu lado. Portanto, não tentem agir como se fossem inocentes, porque vocês não são. A Capital, o regime, os Jogos... Está tudo muito errado. E se minha atitude não moveu sequer um dos cílios postiços de vocês para abrir seus olhos para o absurdo que é essa situação, eu francamente não sei mais o que fazer. Perdi meu próprio irmão tentando fazer com que notassem esse horror de sociedade. Então, por favor, não mencionem o nome dele como se estivessem arrependidos, porque vocês não estão.

Ingênua, eu. Idiota, inocente por pensar que o que disse pudesse ter sido suficiente para que me deixassem em paz de uma vez. É claro que isso não aconteceria; é óbvio que não deixariam de mencionar a única coisa capaz de me enfraquecer automaticamente, que não perderiam uma oportunidade de me atingir.

Durante meus dias na Arena, não fui ferida por uma flecha, nenhuma espada atravessou meu corpo. A princípio, nada de tão sério me aconteceu. Porém, os Jogos me ensinaram exatamente como é a dor de uma facada: desde o momento em que perdi Cameron pelas mãos de Amelia Montez, cada menção a seu nome é como se cravassem uma adaga em meu coração.

Felizmente, não tive que passar tanto por isso depois da última entrevista. Precisei falar sobre ele durante a Turnê da Vitória no Distrito 6, e essa foi a pior de todas as vezes devido ao quanto me expus naquele palco. Depois disso, algumas conversas com meus pais e os gêmeos envolveram meu irmão, mas não foi tão difícil aguentar o assunto em meio a pessoas tão próximas. O mesmo até vale para Burton.

Porém, eu havia me esquecido de como era ouvir o nome de Cameron saindo da boca de alguém da Capital como aconteceu com Caesar Flickerman na entrevista. Não me lembrava da raiva que percorreu meu corpo em resposta à menção desonrosa ou do insulto que foi cada sílaba pronunciada por alguém tão pouco merecedor de seu nome. Agora, encarando aquela equipe de filmagem e enxergando o microfone posicionado em frente ao meu rosto, eu sinto como se pudesse dizer tudo aquilo que expus na entrevista posterior aos Jogos.

Burton arregala os olhos ao meu lado, Fennie abre os braços e grita para que cortem a filmagem. Eles sabem que não tenho condições de responder a uma pergunta assim. Não se ela veio de um mero apresentador da Capital. Não se ela exige que eu fale sobre como é ter perdido Cameron.

– Com licença! - Ouço Burton gritar enquanto se coloca em minha frente, batendo no microfone tão forte que o mesmo cai da mão do apresentador. - Qual a relevância de uma pergunta dessas? June não vai responder! Ela não precisa responder.

Percebo que não escutei a pergunta inteira, mas sim escolhi deixar de ouvir assim que soube que se trataria de Cameron. Porém, ainda não quero saber; não vejo como o resto da fala do apresentador pode fazer com que a situação seja menos absurda.

Burton ainda está parado em minha frente, e Fennie agora está ao lado dele. Os dois discutem fervorosamente com mais três integrantes da equipe de filmagem. Capto apenas parte do que dizem - ou melhor, gritam.

– Nós recebemos o roteiro pronto! - exclama uma mulher que dirigia a entrevista, claramente na defensiva.

– …não faz o menor sentido nessa entrevista! - Foi a vez de Fennie questionar, ainda que eu não tenha raciocinado sua fala por inteiro.

Os argumentos não fogem dessa linha: Burton e ela falam sobre como dessa vez não há a menor necessidade de que eu me exponha dessa maneira. A equipe insiste que não há nada a fazer porque as perguntas foram elaboradas previamente e o roteiro precisa ser seguido. Opto por não me envolver e, mais do que isso, por não estar presente enquanto todos ali brigam sobre eu responder ou não a uma pergunta idiota. Sendo assim, corro. Corro mesmo que esteja usando os sapatos de salto insuportáveis de Fennie. Quando me dou por mim, estou em meu quarto, cuja porta foi fechada com força assim como a principal.

Fico perdida em meus pensamentos durante tempo indeterminado. Não faço ideia do quanto demora até que Burton apareça em minha frente sem nem sequer anunciar sua entrada ou bater na porta.

– Quer conversar? - pergunta enquanto se senta em minha cama. Mas ele sabe que eu não quero conversar tanto quanto eu sei que ele não precisa que eu tenha vontade de falar sobre o assunto para que o façamos. Então, não respondo; em vez disso, sou eu quem resolve fazer uma pergunta:

– O que aconteceu depois que eu fugi feito uma criança assustada?

– Eles não quiseram encerrar a entrevista sem aquela última resposta estúpida, então eu acabei respondendo por você. E você não parecia nada com uma criança assustada. Não fez nada de tão absurdo.

Ignoro o último comentário; não preciso de mais opiniões sobre minha atitude claramente ridícula, mas parte do que disse realmente me incomoda. Levanto-me de minha posição deitada para que possa olhar diretamente para ele.

– Como assim você falou sobre a morte de Cameron? - indago, confusa. Não sei como ele pode ter feito aquela equipe satisfeita tendo provavelmente respondido de forma extremamente vaga.

– Não era exatamente sobre isso. - Lembro-me de que na verdade não cheguei a saber o que me perguntaram, então deixo Burton continuar. Sei que não deve ser nenhuma surpresa para ele eu ter parado de ouvir o apresentador assim que mencionou Cameron. - Eles queriam saber como eu te ajudo a superar isso, já que você se mostrou bastante frágil a respeito da morte dele…

– …frágil o bastante para mandar todos irem se ferrar na entrevista - digo, e acabo rindo um pouco de meu próprio comentário com Burton.

Ele coloca o braço em volta de meus ombros para criar nossa famosa pose confortável que nunca temos vontade de desmanchar.

– Eu respondi que tento te consolar quando você precisa, mas que percebo que você está superando isso muito bem sozinha. - Solto o ar com força fazendo meus lábios balançarem, evidenciando o quanto não acredito no que ele disse. Burton ri, mas ainda não terminou. - Falei sobre como você é uma garota forte e usei mais alguns adjetivos bonitos que eles podem transcrever nas manchetes dos jornais amanhã.

– Só divulgando as imagens da minha fuga desesperada para piorar essa mentira - comento em meio a um suspiro, ficando até mesmo um pouco desapontada com quão verdadeira é minha própria fala. Burton nota minha expressão e coloca uma mão embaixo de meu queixo, levantando-o e centrando meu olhar no dele.

– Ei, pode ter certeza de que você é tudo o que eu disse que é. É até mesmo mais que isso.

Sei o quanto Burton é capaz de me fazer sentir melhor, mas mesmo assim consigo me deslumbrar a cada palavra dele. É quase como no trem para a Capital, quando ele disse o quanto acreditava em mim e eu não resisti à vontade de beijá-lo. A única diferença é que agora não preciso hesitar antes de fazê-lo.

Depois do beijo, permanecemos quietos durante algum tempo. Burton, porém, resolve quebrar o silêncio.

– June, eu sei que é difícil para você falar sobre essas coisas, ainda mais depois de hoje, mas eu queria realmente tirar um tempo para conversar sobre o assunto…

Eu o interrompo.

– Você quer falar sobre Cameron - afirmo sem um pingo de dúvida de que se trata disso, mas ele assente do mesmo jeito. Meu silêncio depois de minha fala pelo jeito indica que concordei em ter a tal conversa.

– É que você nunca me contou nada a respeito do seu passado com ele - Burton diz. - Ando me perguntando o porquê de todas as suas memórias dele remeterem aos Jogos, nunca a antes disso.

– É complicado - afirmo, ainda sem muita vontade de começar uma conversa sobre o assunto apesar de tudo o que tentei acordar comigo mesma. Acredito que, assim que nos perdoamos, eu e Cameron silenciosamente juramos a nós mesmos esquecer os últimos anos. Quase nunca tocamos no assunto entre nós e, quanto a mim, isso se aplica também a qualquer outra pessoa.

Mas aquele é Burton.

Não consigo evitar um sentimento de culpa em esconder-lhe algo assim, considerando tudo o que sei sobre sua vida pessoal e também tudo o que já contei a ele a respeito de meu próprio passado. Longas foram as noites que passamos trocando memórias das mais intensas e profundas.

Ou talvez eu não suporte mais esconder porque a quantidade de segredos que somos capazes de guardar de uma pessoa diminui na medida em que nos entregamos a ela.

– Acho que podemos concordar que nada em nossas vidas é simples, June - Burton insiste, retomando meu último comentário. - Complicações não são lá tão inéditas assim.

E assim chega o momento em que não enxergo mais motivos possíveis para contrariá-lo, e falo. Falo durante uns 10 minutos, em cada um dos quais Burton presta imensa atenção. Vou de meus nove anos de idade até o presente em uma espécie de flashback-relâmpago. Sinto minha voz presa em alguns momentos, como quando conto sobre o dia em que tivemos nossa primeira briga feia quando ainda éramos crianças, depois da qual nunca fomos os mesmos. Preciso tirar alguns segundos para respirar fundo e centrar-me no que estou fazendo quando relembro a Colheita no 6. Apesar de minha minuciosa atenção às passagens que me parecem mais importantes, a próxima fala dele me indica que acabo deixando algo de fora.

– Eu não entendo - diz, sinceramente, o que me deixa levemente desapontada. Uma história de vida não forneceu informações suficientes?! - Cameron nunca disse mais do que “Porque não quero te perder” a respeito do motivo de ter se oferecido? Nem mesmo confessou o porquê do jeito mesquinho com que te tratou, da atitude mimada com que te desencorajou dos próprios valores?

Respiro fundo. De fato, Cameron nunca me deu o motivo exato, mas eu também nunca perguntei a ele qual esse seria.

– Não - confesso de uma só vez. - Mas eu sei por que, e ele sabia que seria assim; sabia que eu o entenderia.

Ainda assim, Burton comenta:

– Isso não ajuda em muita coisa, June.

Reviro os olhos ao perceber que terei de esclarecer com palavras objetivas o que durante todo esse tempo não atravessou as barreiras de meu coração. Partilhar a verdade com alguém talvez a estrague; talvez eu a queira só para mim.

Talvez, porém, dizê-la em voz alta me liberte, e os últimos meses me ensinaram a gostar desse tipo de liberdade. Tantas foram as coisas que eu deveria guardar dentro de mim e não o fiz... Eu deixei muita coisa escapar, seja em rede nacional, seja para minha família; seja para toda Panem ou só para alguém extremamente especial.

Respiro fundo.

– Medo, Burton. - A verdade e as palavras fluem como água no curso de um rio, e desaguá-la no oceano é libertador, devo admitir. - Na Capital, Cameron me desencorajava porque tinha medo de que eu fosse embora. Ele temia que eu, movida pelo que acredito, o deixasse lá, sozinho.

Segundos de silêncio instalam-se enquanto Burton provavelmente pensa no que dizer a seguir.

– Eu sei que posso parecer um tanto idiota agora - começa -, mas não entendo: por que você evita tanto admitir que Cameron tinha medo de te perder se ele dizia a exata mesma coisa em rede nacional?

Não consigo conter uma risada irônica que deixa Burton extremamente confuso.

– Acha que evito a verdade para preservar a imagem de Cameron... - Hesito. A desilusão que eu causaria nele seria ainda pior do que imaginei. Apesar da incerteza, porém, engulo em seco e decido admitir por inteiro o que já havia começado. - A questão é que eu o deixaria, sem mais nem menos. Caso ele fosse a única coisa em jogo, eu não pensaria duas vezes antes de abandoná-lo.

A voz de Burton adquire um tom de consolo que me deixa um tanto irritada.

– June, tenho certeza...

Interrompo-o imediatamente. Não acabei de falar; não ainda.

– Na Capital, eu era tão cruel, tão ingrata quanto ele, Burton. Eu só sou orgulhosa demais para admitir algo assim.


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Notas finais do capítulo

Pois é, essa é a grande verdade. Aposto que ninguém tinha parado pra pensar em como a June na Capital não era um santo que queria o bem de todos. Espero que tenham gostado do capítulo (:



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