The 69th: For What I Believe In escrita por Luísa Carvalho


Capítulo 13
Era Uma Vez


Notas iniciais do capítulo

POV não explicitado no começo do capítulo propositalmente. Boa leitura!



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14 anos atrás.

Não acho que já tenha corrido tanto assim em minha vida. Nem mesmo na Arena.

O vento bate com intensidade absurda contra meu rosto, mas isso não é o que mais me incomoda. Sangue escorre de meu ombro e tenho a impressão de que a manga de minha blusa fica cada vez mais ensopada de vermelho, como se já não bastasse a imensa dor que sinto no lugar do ferimento.

É difícil me concentrar em uma só coisa nesse momento. Sinto como se meu braço pudesse latejar até cair de meu corpo, mas não posso deixar a dor me impedir de desviar das pessoas ao meu redor ou de saltar por cima de seja lá o que esteja no meu caminho. Sem contar que preciso virar para trás a cada meio segundo para me assegurar de que estou finalmente fora do alcance dos Pacificadores.

De verdade: o que é essa tal de paz que eles estabelecem?!

– Vou te dar mais um aviso, mocinha, pare já onde está!

A voz abafada vinda de um capacete branco qualquer acaba passando despercebida por mim. Por que obedecê-lo se o soldado vem gritando isso desde que me flagrou e eu ainda não lhe dei ouvidos?

Mas, correndo à minha maior velocidade, acabo trombando em uma mulher que não havia me visto - e não tenho tempo de sequer pedir desculpas. Levanto-me de uma vez, mas acabo presa entre um par de braços brancos.

– Não! - grito, fazendo força contrária à pressão que está sendo aplicada contra mim. - Me solte! Me solte! Me solte!

Uma risada sutil parece ter vindo do homem que me segura.

– Fim da linha, Vitoriosa.

Sinto que vou desmaiar de cansaço, e acabo desistindo. Afrouxo minhas próprias mãos que tentavam libertar-me do abraço desagradável ao qual estou presa. O soldado, felizmente, faz o mesmo. Porém, ainda segura com toda a força meu pulso esquerdo a ponto de quase levantar-me do chão, e mesmo assim vejo a oportunidade perfeita de me ver livre daquele aperto.

– Você... - finjo uma voz forçada e fraca. - Você está parando minha circulação!

– Ha-ha - ele finge uma risada. - Não sou idiota, mocinha.

Então, sem mais nem menos, jogo-me no chão. O próprio Pacificador se vê surpreso e, ao perceber sua virilha tão próxima de minha mão direita quando ele se abaixa, dou-lhe um soco entre as pernas, bem como fiz com o garoto do 3 na Arena.

Afasto-me assim que posso, arrastando meu corpo no chão antes mesmo de me colocar de pé mais uma vez. No mesmo ritmo, pensando em nada mais do que em manter um pé à frente do outro, volto a acelerar o passo.

Mas os Pacificadores não são mesmo idiotas, há mais de um me perseguindo.

E eles estão perto demais.

A velha porta de madeira, porém, está ainda mais próxima.

Não penso duas vezes antes de correr até a casa caindo aos pedaços que havia sido meu lar durante tantos anos. Depois que ganhei os Jogos, nunca pensei que fosse precisar retornar àquele barraco; contudo, olhando bem para mim mesma agora, dou graças aos céus por ter aquela pilha de tábuas bem ali, à minha disposição.

Dou algumas voltas no quarteirão para despistar os Pacificadores, e não demora muito até que eu atinja meu objetivo. Entro, enfim, no velho beco e corro em direção a uma cabana à esquerda. Assim que fecho a porta atrás de mim, não penso duas vezes antes de me jogar no chão. Respiro o mais fundo que posso, tentando recuperar todo o oxigênio perdido durante minha fuga.

– Ora, ora.

– Ah! - grito instantaneamente ao ouvir uma voz vinda do fundo da cabana. Teria segurado ainda mais a vogal, porém, se tivesse reconhecido o tom tão familiar.

Ou se eu houvesse simplesmente detectado o cheiro de sangue.

– Sabia que poderia encontrá-la aqui - ele diz após limpar a garganta, soltando um som áspero. - Mas por que uma Vitoriosa estaria correndo desse jeito, feito uma fugitiva? - O aspecto irônico de Snow é tão repugnante como seu rosto ou suas ações.

– O que você está fazendo aqui? - pergunto de forma fraca, automaticamente encolhendo-me ainda mais contra a porta.

Ele solta uma risada.

– Diga-me, Elise, por que tentou invadir o Edifício da Justiça?

– Eu não lhe devo explicações - murmuro tão baixo que nem mesmo eu consigo me entender.

– O que disse, senhorita Werbern?

A provocação faz nascer uma raiva que sobe até o topo de minha cabeça. Não me contenho; não agora.

– Eu não lhe devo explicações! - exclamo, e não sei o porquê das lágrimas que começam a escorrer quando o faço.

Snow se aproxima de mim e, como mecanismo de defesa, me encolho contra a parede atrás de mim. Ele ri ironicamente como havia feito o Pacificador minutos antes; acho que todos da Capital realmente são iguais.

– Elise - diz, fingindo estar ofendido -, a senhorita sabe que eu nunca a machucaria.

Mas eu o interrompo sem mais nem menos.

– Você sorteou minha irmã! - A essa altura, o desespero e a raiva já tomaram conta de minha voz; não consigo mais controlar os soluços ou a vazão da água que sai de meus olhos. - Já faz dois anos que sou Vitoriosa, por que agora? Por que não sorteá-la assim que completou doze anos? Ou então por que não esperar que ela complete dezoito e acabar com todas as esperanças de nossa família quando estiverem em seu auge? Por quê… Por que isso, Snow?!

O presidente, então, senta-se ao meu lado e põe aparentemente de modo gentil sua mão sobre meu ombro. É obvio que afasto-me o quanto antes dele. De novo.

– Você tem uma mente mais perversa do que eu poderia imaginar, Elise - é o que ele me responde, e tenho vontade de estampar-lhe um tapa na cara. - Mas coincidências acontecem. Eu não controlo a Colheita.

Dessa vez sou eu quem dá uma risada sem antes medir a ironia.

– Quer dizer que eu falo uma besteira quando vêm me entrevistar em minha casa e, uma semana depois, coincidentemente, minha irmã é sorteada como tributo? Isso é uma ameaça, Snow? Tem medo do que posso fazer?

– Então a senhorita reconhece que disse coisas que não deveria ter dito?

– E o senhor reconhece que teme minhas ações?

Ficamos durante um tempo em silêncio.

– Sabe, Werbern - Snow diz, finalmente -, eu sinceramente me cansei de ser cordial com você. Esse seu tom de deboche não é o mais adequado para falar com o homem que comanda seu país e que, vale lembrar, teve inúmeras chances de tirar sua vida. Trate de manter seus brilhantes olhinhos bem abertos. Seja para a Colheita, para os Jogos ou, dessa vez, para sua irmã também.

Sinto calafrios no começo, confesso. Mas então penso em algo capaz de me dar esperanças no meio disso tudo: terei a chance de fazer meu máximo para manter minha irmã viva. Serei sua mentora, e dedicarei cada segundo à sua vitória nessa edição.

Vejo Snow levantar-se lentamente e dirigir-se à porta. Porém, ele não havia acabado seu discurso - nem de fato parado com seus modos cordiais.

– Esqueci de lhe dizer que, esse ano, Bernatt retornará ao posto de mentor dos tributos, apesar de sua idade um tanto avançada. A senhorita, entretanto, não deixará de participar dessa edição. Ah, de jeito nenhum. - Ele faz uma pausa proposital e vejo que aprecia a expressão confusa que meu rosto adquire mais intensamente a cada segundo. - Porque concedo a você o cargo de enviada da Capital, não só durante esse ano, mas também os próximos que virão. Direi à nossa fiel representante que realizou a Colheita que está... Dispensada daqui para frente.

– O quê?! - grito, indignada. - Como raios eu serei sua “enviada da Capital” se não sou nem ao menos de lá?

A porta já está entreaberta, mas Snow continua com os pés dentro da pequena casa.

– Nunca é tarde para mudanças, Elise, inclusive quando envolvem um novo lar.

– Você não pode fazer isso!

Percebo que Snow resolve ignorar minha reação, tendo coisas ainda mais importantes a tratar comigo.

– Fique sabendo que é preciso mais do que uma garota bonita revoltada para derrubar um regime firme e forte como o meu - afirma. - Bem vinda à Capital mais uma vez, senhorita Werbern. Dessa vez, porém, é para sempre.

(POV June)

– Elise - chamo de forma calma, mas ela não parece mexer um dedo em volta da xícara de café quente. - Elise! - repito, dessa vez mais alto. Ela, enfim, acorda de seu pequeno transe.

– Me desculpe, June - diz, esfregando a palma da mão na testa como para livrar-se de uma dor na cabeça. Então, respira fundo e faz um sutil biquinho com os lábios para manter a pose. - Onde estávamos mesmo?

Coloco minha xícara sobre a mesa. É estranho ter Elise em minha casa na Capital, sentada no mesmo sofá onde fui posta durante tantos anos para assistir aos Jogos Vorazes pela televisão contra minha vontade. Ver a enviada da Capital que me acompanhou durante a edição da qual de fato participei mesclada à minha antiga vida aqui parece unir os dois mundos, -aparentemente tão distantes e desconexos, mas que de certa forma são um só.

Porque são ambos o meu mundo.

– Você estava me falando sobre quando se mudou para a Capital - retomo.

– Ah, certo, certo... Eu já morava aqui, mas voltava sempre para o 6 na época dos Jogos. Eu já havia dito algumas coisas, ahn, erradas, digamos. Então, Burton venceu e, no dia em que voltamos à Capital, Snow veio até minha casa e me disse que eu estava, ahn, liberada, e que seria melhor que eu vivesse na Capital definitivamente para evitar, ahn, problemas.

O jeito com que Elise me explica tudo soa estranhamente superficial. Primeiro, ela não me disse nada sobre como veio parar aqui da primeira vez. Além disso, Snow não faz caridades para evitar problemas e Elise nunca me contou nada sobre ter sido mentora de Burton. Por fim, apesar de nunca ter prestado a mínima atenção na atuação do Distrito 6 nos Jogos, não me recordo de ver Elise como mentora durante tanto tempo. Para falar a verdade, nunca, em nenhuma edição, reparei nela junto aos Patrocinadores, na sala onde costumam fazer negócios que às vezes é filmada durante reportagens. Percebo sua expressão desconfortável e, por fim, acabo concluindo que o motivo pelo qual não me lembro de nenhuma de suas possíveis aparições como mentora é o fato de não ter havido nenhuma em anos.

Contudo, em vez de pressioná-la a dizer a verdade, decido caminhar junto a ela até alcançarmos a verdadeira história.

– Snow... Ele simplesmente te ofereceu uma vida na Capital para que você não fizesse mais nada de errado? - é o que pergunto inicialmente. - Isso com certeza não foi o pior que ele poderia ter feito, então você não deve odiá-lo tanto assim, certo?

Permanecemos durante muito tempo sem nenhum ruído perturbar a imensa tranquilidade da ausência de som. Isso, porém, até ouvir Elise soluçando de leve, praticamente despercebida.

Nunca havia visto Elise chorar. Na verdade, eu nunca havia vivenciado muitas demonstrações emotivas de sua parte, com excessão da vez em que me contou a história do dia em que foi sorteada na Colheita. Vê-la derramar lágrimas no chão da sala depois de alguns segundos é, portanto, novidade para mim. Parece que invertemos nossas idades, sendo que Elise está mais próxima de uma adolescente do que de uma mulher de... De uma irrelevante quantidade de anos.

É minha vez de colocar a xícara sobre a mesa, deixando minhas mãos livres para que eu possa abraçá-la. É o que faço, e ela retribui deitando a cabeça em meu ombro. Espero alguns segundos de conforto até ser mais direta:

– Ei, isso não foi o que realmente aconteceu com você, foi?

Ela nega com a cabeça e sinto como se houvesse atingido o momento em que Elise abriria-se comigo de uma vez por todas. Ela está devastada, frágil e... Tudo menos a pessoa da Capital que aparentou ser nos últimos meses e, ao que me parece, nos últimos anos.

– Eu era mentora... - balbucia em meio a soluços. - E fui uma durante dois anos, substituindo o único vencedor vivo do Distrito 6, que já devia ter alcançado os sessenta anos, surpreendentemente. Eu realmente disse certas besteiras, talvez muito grandes... Agi como você sempre faz, June, falei sem pensar. - Em qualquer outra circunstância, eu poderia ter considerado isso um insulto; porém, Elise sabe melhor do que ninguém dessa minha falta de auto controle. E ela nunca usaria isso contra mim. - Então, em meu terceiro ano, ele a sorteou.

– Sorteou quem, Elise? - insisto, perdida no contexto.

– Snow fez com que minha irmã fosse sorteada, June. - Ela faz uma pausa. - Mandou-a para os Jogos, mas eu não podia mais ser sua mentora porque ele me obrigou a morar na Capital e virar a enviada deles durante os Jogos. Não me deixou ajudá-la!

Fico em choque. Elise não só teve uma pessoa próxima enviada à Arena, como essa foi sua irmã. Eu nunca havia imaginado o quanto poderíamos ter em comum, e sua história é tão similar à minha que, de certa forma - essa sendo bem egoísta -, acabo me sentindo reconfortada.

– Ela... - tento continuar, mas sem saber muito bem como. - Ela conseguiu vencer?

Elise nega com a cabeça novamente.

– Banho de Sangue - é o que diz em resposta.

Aperto o abraço ao redor de seus ombros. Talvez seja a hora certa de contá-la sobre meus planos.

– Elise - digo, então engulo em seco -, eu vou ao Distrito 6 com meus irmãos.

– June, não! - ela grita e joga o corpo em minha direção, mas eu contenho sua linguagem corporal involuntária com os braços.

– Eu sei o que isso parece para você principalmente depois do que passou. Mas eu serei cuidadosa e não vou fazer nada, digamos, rebelde. Vou ficar longe de coisas que possam me trazer mais problemas. - Não quero falar com Elise como se ela fosse minha mãe e eu precisasse garantir que seria uma boa menina. Então, apenas respiro fundo e deixo meu coração falar. - Eu não posso continuar vivendo aqui, Elise. Não vou conseguir.

Ela levanta-se e começa a dar voltas pela sala em passos apertados e curtos, mantendo seu porte típico apesar do desespero.

– Você não entende, June! Não é questão de ser cuidadosa, ele... Snow nunca vai te deixar em paz.

Junto-me a ela e seguro suas mãos. Então, olhando diretamente em seus olhos - e ignorando a diferença de alturas -, afirmo da forma mais verdadeira possível:

– Eu preciso ir. Não tenho nada a perder, mas aquelas pessoas têm, e continuarão tendo caso ninguém as ajude.

Um sorriso cresce em seu rosto, pouco a pouco. É como se ela ainda estivesse se acostumando com a ideia.

– Estou pensando na sua história, June - ela conta, e fico um pouco confusa com o que aquilo quer dizer. -Era uma vez uma garota que falou o que não deveria. Eu nunca havia parado para pensar que isso se aplica a nós duas agora.

Solto uma risada baixa.

– Tem razão. Bom, pelo menos não estamos mais sozinhas.

Cerramos nossas últimas palavras durante algum tempo com um abraço longo, apertado e, especialmente, sincero - do jeito que só nós duas sabemos fazer.


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Notas finais do capítulo

Gostei bastante desse capítulo, particularmente. Espero que tenham gostado também, obviamente, kkkk (:
Lembrando que foi explicado o motivo por que a Elise virou enviada e foi morar na Capital a primeira vez, mas não por que ela voltava pro Distrito 6 até o Burton ser mentor. Isso vocês só vão descobrir alguns capítulos pra frente.



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