Depois de alguns carinhos, uma guerra de lama – nem me pergunte – e um bom banho – sem o Soluço, claro, pervertidos -, tudo parecia ótimo. Até eu ter aquela sensação de novo. De ser observada.

Olhei em volta, procurando alguma coisa fora do normal e meus olhos pararam na porta. Não especificamente na porta, mas sim na pessoa que estava recostada nela.

–Venho te observando a um tempo, Hofferson. – ela andou pelos cantos de meu quarto, passando a mão pelas paredes, pensativa.

–Então era você...

–Que te espionava quase todos os dias? – ela completou por mim. – Sim. Mas isso não importa – ela abanou a mão, mencionando que não se interessava. – O que importa é o motivo de eu estar te espionando. – arqueei as sobrancelhas para ela continuar. – Quero ir embora daqui.

–Sério, Ecker? Só por isso? E isso é motivo?

–Sou Goetze, aqui. Mas por favor, que sobrenome é esse? Tinha que ser o Ian, com tanta bosta na cabeça. Chame-me pelo primeiro nome logo.

–Tanto faz, Valquíria. Continua sem motivos.

–Ah, claro! – ela finalmente me encarou, depois de ter rodado o quarto todo. – Você acha mesmo que eu queria vir a essa missão? Com Ian? Simplesmente para trair Berk e ainda mais ficar olhando para sua cara...

–Poxa, obrigada. – murmurei e revirei os olhos, mas ela continuou como se não tivesse sido interrompida.

–Preciso da sua ajuda para isso. – ela faz uma careta. – Me desmascare, diga para todos quem sou e eu apenas afirmo, levo até minha irmã junto.

–Isso é tentador, mas não se sente uma imbecil por querer sair daqui apenas por isso?

–Claro que sim. E esse lugar me trás péssimas lembranças.

–Poderia me dizer?

–Você seria a primeira, depois de Brenda, a saber. Mas o que não fazer por um voto de confiança? Meu pai foi morto por Alvin, o Traiçoeiro. Secretamente aliado de Drago, morto pelo mesmo, e já foi um Berkiano. Não confio no povo de Berk, minha sede de vingança está a mil quando ando por essas ruas. – ela se direcionou a janela, observando o que quer que estivesse lá embaixo. – Eu até me vingaria de Drago, mas o exército dele me mataria sem piscar. Os Berkianos não são tão agressivos assim.

–Fique e me ajude, Valquíria. Se vingar pode ser bom, mas é só uma distração. Isso vai voltar a te atormentar um dia. – ela me encarou, com uma cara de quem afirmava, mas não queria fazê-lo. – Sei que nós não nos damos bem, na verdade, nada bem, mas você podia me ajudar, Valquíria! Traia Berk comigo, depois vá, não volte à Ilha de Drago.

–Sem ofensas, mas você trair Berk? Pela semana que fiquei aqui já percebi que está meio impossível. Você e Soluço parecem discretos, para mim ou Ian, não.

–Por isso mesmo! Me ferrei, me apaixonei, fiz algo que nunca deveria ter feito em minha vida! – falei brava e me levantei, andando de um lado para o outro. Ela riu, fria.

–Sempre quis te ver em um estado desses. Posso te ajudar a esquecer Soluço ou pelo menos distraí-lo, para o ataque de Drago. Mas, de mau gosto e ao mesmo tempo agradecida, vou aceitar a proposta. Não seremos amigas, nossa relação de se odiar não vai mudar nada. Só parceiras de traição.

–Obrigada. – eu disse soltando o ar, que nem percebi que havia prendido.

–Provavelmente Drago já tem muitas informações, não? Não vai demorar tanto quanto achamos. Ah, mais uma coisa! – ela girou nos calcanhares, seus cabelos seguindo o movimento giratório. – Brenda teve uma missão de atrapalhar quem estivesse no caminho para o sucesso da missão. – e saiu.

Demorei algum tempo para raciocinar, mas depois ficou claro: Soluço.

Matá-lo ela não iria. Esse trabalho vai ser meu e provavelmente ela já sabe, então só resta outra coisa que ela pode fazer: conquistá-lo.

Qual é isso é bom para sua missão, Astrid!

Eu me sentia dividida – e meus sentimentos até que bipolares.

Eu precisava completar minha missão para ver o sorriso naquela que era minha única família, pois havia exterminado os que eu chamava de “pai” e “mãe”.

Ao mesmo tempo eu sabia que não podia trair Berk. Eles me acolheram e eu me apaixonei, felizmente recíproco. Como eu iria trair um povo tão gentil e honesto que estavam acolhendo alguém tão imundo como eu?

Eu precisava de ajuda. Só tinha que decidir que lado estava.

Uma forte dor de cabeça me atingiu, eu precisava esquecer isso por um momento. Sai não tão discretamente do quarto, batendo a porta forte, e fui até a parte de fora da casa.

–Ei, lindinha, aonde vai? – Ian perguntou, pegando meu pulso.

–Não te interessa. – puxei meu braço de suas mãos e montei em Tempestade, e quando me dei conta, já estava nas nuvens.

Era a mesma sensação prazerosa de sempre, de não ter nada com o que se preocupar, principalmente vendo aquele lindo pôr do sol que Berk oferecia.

Voar é bom para esquecer, mas também para pensar. Obriguei-me a recolher mentalmente todos os fatos desde que cheguei. Eram muitos e viriam mais coisas pela frente. O que me incomodou, como uma forte cutucada na cintura, foi o fato de Perna de Peixe, a mãe dos gêmeos e o pai de Ágda e Ruan terem morrido apenas no pequeno ataque. Se o ataque levou três grandes vikings, imagine a Guerra? O exército de Drago é maior que de Berk e mais forte. Mas Berk também tem suas vantagens: inteligência. Às vezes a força tem de se curvar a sabedoria, não?

A única coisa que eu queria no momento era chegar a uma conclusão: trair Berk e perder Soluço ou ajudar Berk e perder o que resta de minha família? Se não morrer, com certeza serei deserdada.

Tempestade grunhiu, parecendo incomodada com meu silêncio.

–Esta tudo bem, menina. – acariciei seu queixo.

Ouvi alguns gritos, que achei conhecidos. Olhei para baixo, para ver o quão longe estávamos de Berk, mas felizmente sobrevoávamos por perto. Mesmo do alto, vi algo se mexendo na água. Não pensei duas vezes e puxei as rédeas de Tempestade, em direção ao movimento.

Tempestade agarrou o que quer que estivesse no mar e deixou na areia. Era uma mulher de meia idade, mas muito conservada. Ela tossiu e logo um dragão raro, da espécie Corta Tempestade, pousou ao lado da mulher. Ele encostou o focinho em suas mãos.

–Está tudo bem, Pula-Nuvem, estou bem. – ela se sentou e me olhou. – Obrigada. Qual seu nome, jovem?

–Astrid Hofferson. A senhora esta bem?

–Estou, querida, obrigada. - ela fraquejou e quase caiu na areia, mas a segurei.

–Venha, vou te levar para algum lugar mais seguro que aqui. – estendi minha mão ao me levantar.

–Obrigada. – apoiei-a em meus ombros. – Aliás, onde estou?

–Em Berk. – disse normalmente, mas ela pareceu emocionada. – Se não for incomodo, como chegou aqui? - ela pareceu insegura, como se não quisesse contar a história inteira.

–Eu estava em minha Ilha, com os dragões, não há nenhum outro humano lá. Foi então que percebi a presença dele. Drago Sangue-Bravo. Ele estava fazendo aquilo por diversão, porém foi o suficiente para nos ferir. Os dragões saíram da Ilha, mas depois voltarão para lá, tenho certeza. O ataque não durou nem um dia.

Gelei. Como Drago poderia ser tão frio? Em vez de se preparar para o ataque em Berk tem que fazer sua diversão mensal: atacar indefesos. A mulher continuou:

–Eu e Pula-Nuvem conseguimos escapar. Por um deslize acabei caindo, felizmente já perto da ilha. – ela me encarou. – Seu sobrenome não me é estranho... – comecei a respirar pesadamente, ela abanou a mão. – Deve ser alguma confusão.

–Bom... – já adentrávamos o vilarejo e estávamos à alguns metros da casa de Stoico. – Esqueci-me de perguntar, qual seu nome? – ela sorriu.

–Meu nome é...

Fui interrompida pela voz de Stoico.

–Valka!