— Você é pesado e fede! Quer me soltar? — Respondeu o garoto sem perceber a cauda e as orelhas de Oliver.

— Desculpe — Respondeu Oliver soltando a criatura — Mas eu nunca vi ser da sua espécie por essas terras. Você é um humano, certo? Você não tem cauda, nem orelhas iguais as minhas e cheira diferente de qualquer outro animal também.

— Você é idiota? É claro que nós... — O garoto virou-se para Oliver finalmente reparando nas suas orelhas — Vo-você é um deles. — Disse ele retirando do bolso uma faca e apontando para Oliver. — Fique longe!

— Eu não vou te machucar. — Disse Oliver se afastando — Eu achava que sua espécie estava extinta. Você pulou em mim, você me atacou primeiro.

— Não estamos extintos, mas haveria bem mais de nós se a sua espécie parasse de nos caçar! — Disse o garoto já gritando — Quer que eu acredite que não vai me machucar quando muitos dos meus já morreram por causa de criaturas como você!

Oliver ficou sem reação. Ele nunca tinha ouvido falar sobre lobos que caçavam humanos ou sequer que eles ainda existiam. Se o que aquele garoto falava era verdade, por que eles estavam fazendo isso? Não podiam ser os lobos da sua tribo, certo?

— Se eu ficar em uma distância segura você pode escutar o que eu tenho a dizer? — Disse Oliver se afastando ainda mais.

— Como se eu fosse confiar em uma criatura como você! — Disse o garoto com a faca ainda erguida em direção a Oliver — Vá embora!

— Pense um pouco. Se eu quisesse cortar sua garganta, eu o tinha feito no momento em que o imobilizei. — Insistiu Oliver — Se você pensava que eu era um humano, por que me atacou?

— Hoje é a minha primeira vez saindo sozinho, pensei que era algum dos adultos me testando. — Respondeu o garoto — Mais importante que isso: que tipo de animal selvagem sádico você é? Prefere falar com a comida antes de matar?

— Você não é a minha caça. Eles são. — Disse Oliver apontando para a pilha de cadáveres de alces em cima de algumas pedras.

O garoto observou a pilha e abaixou a faca lentamente mantendo os olhos em Oliver.

— E então, o que tem a dizer? — Disse o garoto. — Eu irei te ouvir, mas não pense que eu confio em você.

— Quem é você? E esses lobos que mataram alguns dos seus, como eram? Quantos mais existem da sua espécie? Como sobreviveram por todos esses anos? Vocês-

— Calma aí. Uma pergunta de cada vez. Não acredito que me senti ameaçado por um lobo tão estúpido. — Respondeu o garoto — Meu nome é Anthony, eu tenho 10 anos e hoje é a primeira vez que saio sozinho do subterrâneo. E você é...?

— Eu sou Oliver, eu tenho 17 anos e sou um meio-lobo híbrido da tribo da floresta negra. Coincidentemente hoje também é o primeiro dia que saio para caçar sozinho.

— Entendo. — Disse Anthony sentando-se e encostando-se numa pedra. — Você queria saber como os lobos eram, certo? Bom, eu não cheguei a ver nenhum além de você, apenas ouvi relatos das outras pessoas sobre lobos que nos caçavam. Dizem que eles são enormes, tem uma pelagem escura como a noite e olhos azuis. Os adultos também dizem que apenas uma loba nos protege e nos ajuda a nos escondermos. Ela vive nesse vale. — Anthony parou e analisou Oliver — Você não se parece com eles. Você mais parece uma mistura de humano com lobo. Sua pelagem é diferente também.

Oliver estremeceu. Por que os lobos da sua tribo estavam caçando humanos? Por que Blake permitia isso e não lhe contava da existência deles? Sua mãe também sabia que eles ainda estavam vivos, então por que não lhe contou?

— É porque eu sou uma mistura. Eu sou um meio-lobo híbrido. — Respondeu Oliver devagar — A loba que ajuda vocês é a minha mãe. Eu tenho os olhos dela e a pelagem do meu pai, que é um lobo de outra tribo.

— Como você pode ser uma mistura de humano com lobo? Seus pais não eram lobos também?

— É uma longa história.

Oliver contou a Anthony sobre como tudo tinha acontecido. Sobre o incidente da primeira noite do mês, sobre a Grande Guerra e sobre como os lobos estavam divididos em tribos.

— Mas isso tudo eu descobri hoje. Os lobos da minha tribo não me contam muitas coisas, é como se não confiassem em mim por eu ser um híbrido.

— Entendo. Bom, eu moro no subterrâneo desde que nasci. Os mais velhos contam que quando a doença que exterminou quase toda a humanidade começou a se espalhar, os poucos humanos que sobraram se esconderam em túneis que vinham construindo para emergências. Todos esses anos nós sobrevivemos de raízes. Só temos frutas e pequenos animais quando os adultos e jovens se aventuram a sair do subterrâneo para procurar, como eu saí hoje. Precisamos de mais coletores, sabe, então eles começam a nos treinar cedo.

— Eu caço pra sobreviver também, mas faço isso junto com a alcateia desde que eu era um filhote.

Oliver olhou para o céu e notou que já estava escurecendo.

— Eu posso te ensinar a caçar e te ajudar a coletar essas tais frutas. Não se preocupe, não vou contar a nenhum lobo da minha tribo.

— Como posso ter certeza de que isso não é uma armadilha?

— Você só pode confiar em mim para ter a certeza de que não é. — Respondeu Oliver dando um sorriso — Eu volto amanhã.

Oliver subiu algumas pedras, pegou os alces e deu as costas. Anthony ficou surpreso. Aquele lobo não parecia ser ruim, mas também não sabia se podia confiar nele. Ele certamente era o lobo mais idiota que existia e isso poderia ser uma coisa boa.

Quando Oliver chegou à floresta, todos os lobos estavam à sua espera. Ele jogou os alces no centro da clareira e imediatamente toda a alcateia pulou em cima deles e começaram a despedaça-los.

— Muito bem, Oliver. — Falou Blake — Da próxima vez, não demore tanto. O que andou fazendo?

— Eu decidi ir ver a minha mãe. — Respondeu Oliver. Ele havia decidido que não iria contar a ele sobre Anthony, pois cada vez mais confiava menos naquele que já havia chamado de pai, ainda mais quando descobriu que ele está caçando humanos sem motivo algum.

Oliver se deitou sem comer nenhum pedaço de carne de alce, pois tudo que ele sentia naquela noite era o sentimento de traição. Ele queria respostas.