Todos Iguais escrita por Mi Freire


Capítulo 42
Felipe e Gabriela


Notas iniciais do capítulo

Bom, basicamente eu sou tenho mais duas semanas de aula. Que só vou mesmo para fazer duas provas nas matérias que ainda não consegui atingir a média e também para não me ferrar em faltas, mesmo não faltando nunca. E com mais tempo vou conseguir escrever mais, enquanto isso não acontece acho que consigo me virar bem por aqui.



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As provas começariam amanhã. Já ia fazer uma semana que eu estava dando uma força para a Bianca nos estudos. Na verdade, não só nos estudos. Como também em qualquer coisa que ela precisasse. Eu não me via na obrigação de ajudar. Eu queria ajudar. Eu queria estar perto. Eu queria apoia-la. Eu queria ser seu porto seguro. Porque agora que eu finalmente a tinha em meus braços, eu não queria perde-la por nada.

Ao chegarmos do colégio, passei na minha casa muito rapidamente para tomar um banho e comer alguma coisa, antes de pegar meus livros e anotações e subir até o andar dela. A Lídia, a empregada, já estava familiarizada comigo. Ela parecia gostar de mim e eu não tinha motivos para não gostar dela já que ela era tão cuidadosamente e prestativa com a Bianca. Vez em outra a Duda estava por lá, espalhada pelo sofá ou andando pela casa. E eu simplesmente a ignorava, como se ela fosse parte da mobília. Não por maldade, mas não era como se fôssemos amigos ou algo do tipo.

Bianca e eu estudaríamos por toda noite. Antes mesmo de eu entrar em seu quarto, ela pediu a Lídia que não nos interrompesse por nada no mundo. Pois se precisássemos de algo, nós a chamaríamos. Os pais da Bianca também nunca estavam presentes quando ela me convidava para ficar com ela por algumas horas, então isso não era um problema para mim. Por enquanto.

Nesse momento estamos parcialmente deitados em sua grande cama no centro do cômodo cor-de-rosa. Sua cabeça está deitada em meu peito, ela está quieta, apenas me escutando ler alguns textos sobre o Reino Animalia do nosso livro de Biologia do colégio. Sua perna está enroscada a minha. E nada parece melhor do que tê-la assim tão pertinho, com seus cabelos soltos sobre a minha camiseta, sua respiração fraca e sua mão pousada sobre o meu peito, seus dedos desenham círculos imaginários sobre o tecido fino.

Meu braço está um pouco dormente e já faz umas duas horas que leio sem parar sobre diversos assuntos. Mas está tudo tão quentinho aqui e próximo. Nem mesmo a dor do meu braço ou das minhas costas tem importância. Eu me sinto leve e em casa. O perfume da pele dela e dos cabelos recém-lavados pairam pelo ar suavemente. Estou feliz por termos chegado aqui, por estarmos juntos, por estarmos feliz.

— Você não acha que já chega por hoje? – ela perguntou brincalhona, ao levantar um pouco da cabeça para poder me olhar nos olhos. — Nós já estudamos tanto! Não tenho mais duvidas de que vou arrebentar amanhã na prova de biologia.

— Tem certeza? – perguntei sorrindo. Fechei o livro e o deixei de lado. Beijei a testa dela antes de me ajeitar sobre o colchão. — Nós ainda temos algumas horinhas até eu ter que ir embora. Se você quiser nós podemos...

— Não! – ela me interrompeu. Eu ri. — É sério. Olha, eu até sei que a principal característica desse reino é que os organismos não produzem o próprio alimento. Além de serem seres sensíveis e que apresentam um sistema nervoso e muscular. Viu só?

— Nossa! Você já sabe tudo. Que orgulho! – nós rimos juntos. Ela me deu um leve soco no ombro, se fazendo de ofendida.

— Não zombe de mim! Se você duvidar, eu posso até tirar uma nota maior que a sua. Então, toma cuidado comigo.

Eu adorava quando ficávamos assim, descontraído e divertidos, onde tudo era brincadeira e motivo de risadas.

Em questão de segundos, Bianca parou de rir e passou a me olhar de uma forma muito intrigante. Eu também parei de sorrir e olhei para ela de volta, tentando ler em seus olhos o porquê da repentina mudança de humor. Era como se ela estivesse tentando me analisar por dentro com seus olhos verdes curiosos.

Antes que eu pudesse perguntar o que tinha de errado comigo, ela avançou seus lábios em direção aos meus e me deu um beijo muito carinhoso. Eu retribuí, claro. Eu também adorava quando ela me surpreendia desse jeito.

Nós já tínhamos nos beijado dessa forma antes e até muito mais do que isso, com beijos calorosos e provocantes. Eu também já a toquei por muitas partes, mas sempre por cima da roupa. E ela o mesmo em relação a mim. Nunca fomos muito além disso. Não que não quiséssemos, só não tínhamos encontrado o momento certo... Até agora.

Bianca mencionou subir em cima de mim com a respiração ofegante, mas antes que eu pudesse puxa-la para facilitar as coisas para nós dois alguém bateu a porta. E não era um alguém qualquer querendo encher o saco não, eram os pais da Bianca, preocupados com ela.

Ela já tinha se queixado comigo antes que eles andavam bem estranhos com ela desde que descobriram sobre sua doença. Quase como se quisessem ser amigos dela. Eu entendia muito bem o lado deles. Imagine só a surpresa descobrir que a filha tinha distúrbios alimentares. Mas entedia também o lado dela, que sempre foi muito sozinha e deixada de lado e só agora, justamente agora, sentia que os pais se preocupavam com ela.

— Ai meu Deus! – ela sussurrou, olhando-me apavorada com seus olhos verdes inconfundíveis. — Você precisa se esconder.

Foi tudo muito rápido. Não pude pensar muito bem, pois os pais dela insistiam do outro lado para que ela abrisse logo a porta, para que eles pudessem ter uma conversa em família. Joguei-me rapidamente de baixo da cama, puxando meus tênis comigo. E ali fiquei.

— Pai, mãe, me desculpem pela demora. – disse ela tentando soar normalmente ao abrir a porta. Poucas vezes eu vi seus pais, mas fiquei admirado como ela se parecia com ambos. Pelo menos fisicamente. — Eu estou estudando. Não posso conversar agora. Podemos deixar isso para amanhã?

Pelo que pude escutar, eles não sabiam muito bem como agir diante um do outro. Como eu e meus pais. Não tinha aquela intimidade, nem aquela familiaridade. Nem nada disso. Era como três estranhos tentando se conhecer.

— Tudo bem. – ouvi a mãe dela suspirar. — Amanhã então.

E então eles se foram. Bianca voltou a trancar a porta.

Ela me ajudou a sair de baixo da cama. Eu ainda estava apavorando, o coração batendo forte, com medo de que poderia ter sido pego ali, escondido. Não era bem assim que eu queria conhecer os pais dela, pois mais despreparado que me sentisse. Já de pé, de frente para ela, Bianca resolveu ter um ataque de risos. Achando graça da situação. Não pude deixar de me sentir um pouco mais aliviado também.

— Acho melhor eu ir.

— Ah não. Não vai agora.

Em momentos assim ela sempre dava um jeito de fazer birra, o que era bem fofo da parte dela. Dava vontade de aperta-la e coloca-la no colo.

— Agora que eles estão em casa, você vai ter que esperar eles irem dormir.

— Tudo bem. – voltei a me sentar na cama e peguei o livro que deixei jogado por ali. — Podemos estudar mais um pouco.

— Não, não, não. Chega, Fê! – ela se jogou sobre mim, com um sorriso de arrancar suspiros. Eu caí pra trás, com ela em cima de mim. — Nós ainda nem terminamos o que começamos minutos atrás.

Não pude protestar. Mais uma vez ela me calou com seus lábios famintos.

***

Acho que finalmente posso dizer: Eu estou bem. De verdade. Acho que finalmente consegui entender algumas coisas. E após longas semanas eu cheguei à conclusão de que não devo ficar me lamentando por ter tido a oportunidade de ser uma pessoa melhor. Devo também agradecer por existirem pessoas que ainda acreditam e lutar por mim.

Devo tudo isso as visitas das pessoas que amo, mas principalmente a dedicação do meu irmão em estar ao meu lado e fazer com que isso pareça o melhor para mim. O Pedro tem um papel fundamente nessa minha reabilitação. E eu tenho certeza que se não fosse por ele, eu ainda estaria aqui, amuada nesse quarto, fazendo birra e me recusando ao tratamento, como se fizesse questão de ser uma garota má.

Digamos assim, que eu, esteja me dando melhor com tudo e com todos e parei – pelo menos por uns tempos – em dificultar esse processo. Além de estar tomando minha medicação corretamente, estou também fazendo parte da terapia em grupo e indo diariamente conversar com o psicólogo. Fiz até alguns colegas por aqui, que têm histórias incríveis mais ou menos parecidas com a minha. Com eles o tempo parece passar menos lentamente. Nós até decidimos, nessas ultimas duas semanas, entrarmos juntos em uma das atividades extras, onde aprendemos diversas coisas como: pintar telas, aprender a tocar algum instrumento musical ou dançar algum tipo de dança.

Nunca estive tão comprometida a alguma coisa. E tudo isso, só porque quero que quando meus amigos e familiares vierem me visitar, eu possa mostrar e provar a eles que eu sim capaz de superar isso da melhor forma possível. Não quero que sintam pena de mim, quero que eles sintam orgulho e esperem pela minha retomada, tanto quanto eu anseio sair daqui.

Por enquanto eu ainda não tenho previsão de alta, mas sinto que essa conquista tem estado cada vez mais próxima, já que até mesmo os médicos que me acompanhavam têm elogiado esse meu novo comportamento.

Anteontem quando meu irmão veio me visitar e até me trouxe uma caixa de bombons, eu pedi a ele que pedisse especialmente ao Felipe que viesse me visitar assim que possível. Eu tinha sonhado com ele a alguns dias atrás e saber que ele agora estava namorando com a Bianca reforçou a minha vontade de vê-lo. Só nós dois para resolvermos umas questões do passado.

Estar aqui, trancafiada, me fez valorizar uma série de coisas. Como a natureza, os meus objetos pessoais, o céu, os aromas, as minhas roupas. Muita coisa que antes eu deixava por aí de qualquer jeito, chegando até perder. Ou que eu não parava para apreciar, por achar que não tinha tempo, quando na verdade tinha de sobra, como agora. Mas aprendi especialmente a valorizar algumas amizades. Algumas que eu tinha noção de ter falhado em algum momento e que agora eu precisava concertar essa situação.

Levantei-me em pulo quando vi o Felipe entrar no meu quarto, do mesmo jeitinho fofo e meigo que ele costumava ser antes de eu vir parar aqui. Fico feliz que a Patricinha não tenha mudado nada dele – pelo menos não ainda – e que acima de tudo o ame pelo o que ele é.

Felipe vestia um jeans velho, uma camiseta preta com o escudo do Capitão América, seu All Star gasto e furado. O cabelo loiro-escuro estava úmido, por conta da chuva fraca que caia lá fora. Ele tinha um lindo sorriso nos lábios e seus olhos caramelos pareciam alegres.

Eu praticamente corri até ele, como se fossemos os melhores amigos do mundo. Mas não era bem isso, eu só estava morrendo de saudade. Muito sentimental e sensível. Em parte eu não era mais a mesma Gabriela ranzinza de sempre. Então eu o abracei e esperei ele envolver meu corpo com seus braços magrelos. Ficamos assim por pelo menos dez segundos.

— Que bom que você veio. – eu sorri para ele ao me afastar para poder voltar a olhar dentro de seus olhos. — Eu queria mesmo falar com você.

— Nossa, você me parece muito bem. – timidamente ele levou a mão até meu rosto e fez um carinho de leve na minha bochecha. — Como vão as coisas por aqui?

— Ah, normal. Você sabe. O de sempre. – soltei um risinho. — Agora me conta você! Como estão às coisas entre você e a Bianca?

Pela expressão dele, de surpresa, acho que ele não sabia que eu já estava sabendo sobre o namoro deles.

O Pedro me mantém muito informada por aqui.

— Cara, eu pensei que vocês nunca fossem se dar conta de que eram perfeitos um para o outro de um jeito bem diferente. Se é que você me entende. Eu bem que tentei ajudar, mas vocês não colaboraram.

— Ajudar? Você? – ele voltou a me olhar, ainda mais surpreso que antes. Mas agora com um novo sorriso.

— É, você não se lembra, de quando ficaram presos no colégio depois que todos se foram?

— Meu Deus, Gabriela! – ele arregalou os olhos. — Foi você? – eu assenti, sorrindo com orgulho e com saudades das minhas ideias mirabolantes. — Quando a Bianca souber ela vai te matar!

— Vai nada. – eu brinquei. — Ela vai me agradecer, isso sim. Muito antes de todos, eu já sabia que ela era amarradona em você.

De repente, tocar nesse assunto, me fez lembrar o porquê eu fiz tanta questão que ele viesse me visitar a noite, no meio da semana.

— Por falar nisso, na verdade, eu te chamei aqui porque queria me desculpar por ter agido feito uma vaca com você, mesmo sabendo que você era louco por mim, mesmo sabendo que a Bianca era louca por você. Tudo isso só para poder provocar o cretino do Rafael.

— Ah, sobre isso... Não se preocupe. Nós não temos nenhum tipo de mágoa de você. – ele sorriu amigavelmente. Um sorriso que durou muito pouco. — Você gosta dele, não gosta? Você sempre gostou!

— Não é verdade. Nem sempre... Eu me dei conta disso há pouco tempo atrás. Mas não quero falar sobre isso, ta? Eu ainda não me sinto preparada para falar daquele garoto.

Felipe assentiu, compreensível.

— Tudo bem, me desculpe. Mas então é por isso que você não quer vê-lo? Olha, eu não queria ter que tocar nesse assunto, mas ele está muito mal com isso, sabia? Você pelo menos deveria dizer a ele porque não quer vê-lo.

— Ele está mal com isso? – perguntei, sarcástica. Depois soltei um riso, sem humor. — Eu duvido, Felipe. Tenho certeza que nesse minuto ele está por ai, enchendo a cara em um bar qualquer, cercado de garotas. Para ele eu nem existo mais. E bom, eu não quero sofrer só porque um imbecil não se dá conta do quanto eu estou sofrendo nesse minuto. Eu acho que eu mereço muito mais que isso.

Felipe ficou calado por alguns segundos, provavelmente pensado sobre tudo que acabei de falar.

— É, você tem razão. Você merece o melhor.

***

Terminei a prova de matemática em meia hora.

Eu tinha vinte minutos de tempo livre.

A Bianca – pra minha sorte – saiu cinco minutos depois de mim. Mas mesmo que ela demorasse todo o tempo do mundo, eu estaria aqui fora esperando por ela. Demos um duro danado nas ultimas semanas, revisando as matérias e tudo mais, para jogar tudo pro ar só porque eu não posso ficar dois minutinhos sem tê-la por perto.

Ela me encontrou sentando no piso do corredor. Ao se aproximar ela sorriu, abaixou-se, sentou-se ao meu lado e beijou a minha bochecha.

Quando chegamos hoje mais cedo aqui no colégio o céu estava nublado, por mais que tenha chovido o dia praticamente inteiro ontem, não imaginávamos que o tempo iria esfriar. Mas eu estava sempre preparado caso isso acontecesse. Bianca nem precisou pediu e eu já fui logo tirando meu casaco quando notei que ela estava só de jeans, All Star cor-de-rosa e uma blusinha branca com a estampa de um pug, aqueles cachorrinhos pequenos, com os olhinhos grandes e escuros.

Coloquei meu moletom cuidadosamente em seus ombros para aquecê-la, de uma maneira muito mais íntima da vez em ficamos aqui no colégio trancados até mais tarde, feito dois idiotas desconfortáveis na presença um do outro. Tudo isso por causa da espertinha da Gabriela. Nem acredito que demorei tanto tempo para perceber que a Bianca era muito mais que uma patricinha famosa por todo colégio.

Eu não sabia naquela época, mas ela era a minha primeira paixão de verdade. Acredito que estávamos predestinados a tudo isso. Eu precisar enxergar de uma vez por todas que talvez tudo que a gente precise e deseje está bem ao nosso lado, basta olhar direito e sentir com o coração.

— E então, como foi seu encontro ontem com a Gabi? – ela perguntou casualmente, entrelaçando nossos dedos.

Claro que ela já sabia de cada passo meu de agora em diante.

Não que fosse uma exigência. Estava mais para algo... Natural. Afinal, conversávamos sobre tudo. A essa altura já sabíamos muito um do outro e nem precisávamos dizer tudo em palavras.

Contei a ela detalhadamente da minha noite de ontem com a Gabriela, lá na clinica. Contei do plano da Gabi em tentar nos unir, falei dos pedidos de desculpas e que eu finalmente sentia que já tinha acertado esse ponto da minha vida, que por sinal, já era passado.

Também me lembrei de que hoje, exatamente hoje, estávamos completando um mês juntos. Não que eu tivesse lembrado isso só agora, afinal, a meia-noite havia enviado uma mensagem de texto com uma frase bonitinha, que ela disse ter adorado e salvado por muito carinho em seus arquivos. E tinha também entregado uma rosa para ela hoje mais cedo, a caminho do colégio. Mas só agora me lembrei de que eu tinha um presente, dentro da minha mochila.

De lá de dentro, do fundo da minha mochila, peguei um pequeno embrulho vermelho. Era um plástico simples, desses bem enfeitados que a gente embrulha os presentes de aniversario para amigos e familiares. Porém, o meu era pequeno. Eu mesmo fiz questão de abri-lo, enquanto ela olhava para mim com os olhos verdes cheios de expectativa.

Era um colar. Um colar simples, que não foi muito caro e muito menos comprado nessas lojas de joias. O colar era feito de latão, – ou ferro, sei lá, algo assim, disso eu sei - um material bem fajuto. O que chamamos de Bijuteria. E nesse colar continha o meu nome.

Cuidadosamente eu o abri, logo depois de estendê-lo em minha mão e mostrar para ela, em seguida ela se virou de costas para mim, levantou os cabelos loiros e finos, para que eu pudesse colocar o presente em seu pescoço. E foi exatamente o que fiz, beijando de leve sua nuca após a finalização desse processo.

— É a coisa mais bonita que eu já ganhei em toda vida! – disse ela ao voltar-se pra mim novamente com um sorriso mais largo.

Eu fiquei um pouco acanhado. Afinal, era a primeira vez que eu fazia esse esforço: de presentear uma garota. E sabe qual era a parte mais complicada de tudo isso: era a garota que eu amava. Então, eu queria que fosse tudo perfeito, do jeitinho que ela queria e merecesse.

Querendo ou não, o amor transforma a gente. E quando esse sentimento é saudável, puro e verdadeiro só faz transformações boas. Eu com certeza já não era mais o Felipe de antes, não depois que eu pude enfim enxergar a Bianca. Mas também nem queria ser o mesmo. Pelo contrário, eu queria ser cada vez melhor. Não só para ela, mas por mim também.

— Eu amei, Fê. De verdade. É lindo! Eu nunca vou tirar do meu pescoço. – ela me abraçou. Um abraço tão apertado, tão prazeroso. Eu poderia muito bem permanecer ali pelo resto do dia. Ou pelo resto da vida. Não importava! — Mas agora eu tenho consulta com a doutora Alice.

Ela se levantou e ajudou-me a me levantar também.

— Você me leva até lá?

— Claro!

Coloquei meu braço sobre seus ombros e lá fomos nós.

***

Eu estava sentada lá fora, na área externa, observando a chuva cair naquela tarde nublada. Enquanto imaginava o que meus amigos estariam fazendo nesse exato momento, lá no colégio, eu me sentia tão reconfortada, tão serena e tão agradecida por estar ali e não em qualquer outro lugar, perdida como muitos outros com a situação parecida com a minha.

Ali ao meu lado, alguns dos meus novos colegas estavam entretidos, jogando xadrez, baralho ou damas. Eu já tinha passado a manhã inteira jogando com eles e ganhando todas. De repente aprendi muita coisa sobre mim mesma que até então eu desconhecia estando aqui na reabilitação, como esse meu talento nesses joguinhos. Até achei melhor dar um tempo e deixa-los ganhar um pouquinho.

Perdida em pensamentos eu nem me dei conta que alguém tinha sentado comigo, no sofázinho. Quando olhei para o lado vi a minha mãe, segurando uma tigela que continha pasteizinhos de carne. Os mesmos pasteizinhos que ela costumava fazer para mim e para o meu irmão quando éramos crianças e que eu tanto adorava e sentia falta.

Primeiramente ela beijou a minha bochecha e depois tirou o papel alumínio da tigela e me ofereceu um pastel, que eu peguei na mesma hora. Mamãe perguntou se eu não ia oferecer para os meus colegas. Bom, se sobrasse algum, eu até poderia oferecer a eles mais tarde. Mas agora estavam todos ocupados e desatentos a tudo que acontecia ali.

Desde que fui internada aqui a mamãe veio me visitar quase sempre, só não mais que o Pedro, que batia o recorde. E muitas das vezes em que ela veio passar um tempo comigo, ela bem que tentou conversar comigo, sobre todos os desentendimentos que tivemos um tempo atrás. Mas eu nunca lhe dava ouvidos, não estava com cabeça para falar sobre esse tipo de coisa justamente agora, enquanto ainda estou aqui.

Mas agora, pensando melhor a respeito, eu acho que ela merece uma chance. Afinal, ela é uma dessas pessoas importantes que ainda lutam por mim apesar de tudo. E também, eu tenha me desculpado com tanta gente, tenho resolvido tantos problemas do passado, porque continuar adiando isso? Não parecia justo com ela, muito menos comigo.

— E como está a sua vida? – resolvi perguntar, não só para puxar conversa, mas também porque eu tinha me tornado uma pessoa muito curiosa em relação a tudo que acontecia lá fora e que eu não podia presenciar com meus próprios olhos.

Muito timidamente a minha mãe contou que estava indo tudo bem, como sempre. Ela ainda estava trabalhando com auxiliar de enfermagem e tinha conseguido alugar um apartamento pequeno no centro. Não chegou a falar se tinha encontrado um novo homem para sua vida, ou se estava saindo constantemente com as amigas – se é que ela tinha – ou coisas do tipo.

De repente me dei conta de que eu sabia muito pouco sobre a minha mãe. Por nunca te dado muita importância a isso. Mas agora, eu realmente queria saber se ela gostava de alguém, se estava saindo com alguém, se queria se casar novamente, construir uma nova família...

E então eu a enchi de perguntas, na maior cara de pau mesmo. Pela expressão dela, ela até ficou um pouco assustada e intrigadamente com o meu repentino interesse por ela, mesmo ainda não estando 100% acertadas. Mas eu realmente estava me esforçando, eu queria que ela entendesse, que ela percebesse, que eu estava finalmente disposta a mudar essa situação.

Eu queria que resolvêssemos nossos problemas, como uma boa família. Eu queria que nos tornássemos amigas, de um jeito que nunca fomos antes. Eu queria nos dar uma segunda chance. Eu queria mudar alguns aspectos do meu passado. Eu só queria ser uma pessoa melhor agora.

Acho que finalmente tudo isso está resultando um efeito positivo em mim.

Quem poderia dizer, há algum tempo atrás, que eu, Gabriela Noronha, a rebelde, me tornaria uma pessoa sensível, uma pessoa mais equilibrada, mais amigável, mais social, mais tagarela, menos desprezível, menos irônica, menos revoltada e muito mais de bem com a vida?

Mas sempre tem aquela voz do mal na sua cabeça que aparece nos momentos mais importunos como se quisesse te provar que você está errada. Dessa vez ela só veio para me dizer que se eu estava de fato querendo ser melhor que antes e se estava disposta dar uma segunda chance pra minha mãe e para mim mesma, porque é que eu não dava uma segunda chance para o Rafael?

O que essa voz maldita não sabe, ou fingi não saber, é que o Rafael é como uma maldição na minha vida. Ele só me faz sofrer, todo o tempo, por melhores que sejam suas intenções. E eu não quero sofrer mais nessa vida. Acho que já deu. Acho que já foi o bastante. Eu já aprendi. E não quero, de jeito nenhum, quebrar a cara de novo e ferrar a minha vida por tão pouco.

Sei que fugir dele para sempre não será possível, já que ele faz parte do meu ciclo de amigos, e pior, é o melhor amigo do meu irmão. Mas eu ainda estou esperando aprender uma forma de lidar com isso do melhor jeito. E enquanto isso não acontece... Enquanto não me sinto forte o bastante para encara-lo de frente eu quero somente distancia.

E isso é tudo que peço.

Agora voltando ao foco...

Tive uma tarde maravilhosa com a minha mãe. Nós conversamos a beça e, sinto muito, mas não sobrou nenhum pastelzinho. Eu comi tudo e só me dei conta disso quando não encontrei mais nenhum. Mamãe riu de mim, disse que se tinha uma coisa que não tinha mudado em mim era a minha gula. Eu também ri. Porque tinha que concordar com ela.

A noitinha ela me acompanhou até o meu quarto. Eu ainda tinha que tomar banho e me preparar para o jantar. A mamãe foi embora. E enquanto eu a via partir pela janela com seu guarda-chuva, eu enfim pude aceitar que ela merecia ser feliz, tanto quanto meu pai. Mesmo que ela tivesse o traído, mesmo que eles não tivessem dado certo como um casal. Eu ainda tinha os dois. Eu ainda tinha uma família. Não morávamos mais na mesma casa, não dividíamos o mesmo teto, mas de alguma forma, continuávamos unidos, como uma família deve ser.

***

Eu tinha acabado de deixar a Bianca lá em cima, em seu apartamento, após mais um dia cheio de provas, e entrei em casa. Para minha surpresa meus pais já estavam em casa. Meu pai assistindo Cidade Alerta, com aquele apresentador que tem uma voz insuportável. Nada pessoal, mas eu particularmente não aprecio o programa dele. Eles só retratam tragédias, quando na real não é isso. Ainda existem coisas boas nesse mundo, pessoas boas, que agem de boa fé. Basta à gente olhar direto.

O que falta mesmo é amor. É amar.

Já a minha mãe estava na cozinha, terminando de preparar o jantar para mais tarde. Eu ia passar direto, normalmente, como eu sempre faço. E ia direto pro meu quarto e me trancar lá pelas próximas horas. Pelo menos eu já não era mais o garoto infeliz de antes. Em meu quarto além de ainda poder sentir a presença do meu irmão por todos os lados, eu ainda podia ficar conversando com a Bianca por celular ou pelo computador. Podia ser eu mesmo e fazer as coisas que eu gosto.

Mas fui impedido. E como sempre, resolveram me atacar.

— Felipe, então é verdade? – mamãe perguntou com a mão na cintura, parecendo bem brava. Nem sei por que, não fiz nada. Ela me deixou muito confuso naquele instante. — Você está mesmo se metendo com aquela patricinha que mora lá na cobertura?

Mentalmente eu me perguntei três coisas:

1º) Como foi que ela ficou sabendo disso?

2º ) E porque isso seria um motivo para ela parecer tão contrariada?

3º) E se eu estiver – porque estou – qual é o problema?

— Inacreditável! – ela riu, um tanto sarcástica. Eu nem precisei responder, ela já foi logo tirando suas próprias conclusões. — Não sei o que aquela garota pode ter visto de bom em você.

E isso foi tudo.

Ela me atacou, não esperou eu relatar o meu lado – afinal, não importa mesmo – e voltou para a cozinha.

Eu continuei ali, parado no meio do corredor, imóvel.

Confuso. Chateado. E muito bravo.

Ninguém pergunta como foi meu dia, o que eu fiz de bom na escola, se eu me saí bem nas provas. Porque eles só esperam o pior de mim. E aí eu chego de boa, tranquilo e feliz da vida por ter encontrado uma garota que possa me fazer feliz de todas as formas, e tudo que eu ouço é que eu não tenho nada de bom a oferecer para as pessoas? Como se eu fosse uma espécie de piada para eles!

Minha mãe diz essas coisas como se realmente me conhecesse.

Fala sério! Não vejo a hora de sumir daqui.

Limitei-me a olhar para o meu pai, esperando algum tipo de consolo da parte dele. Meu pai sempre fica calado quando a minha mãe resolve me atacar, como se ele concordasse com tudo que ela diz, só não tivesse coragem de dizer assim, tão na lata. Mas eu já me acostumei. Então tudo que faço é seguir até o meu quarto, que era onde eu deveria estar há tempos.

Larguei minha mochila em seu devido lugar, tirei minhas roupas, peguei uma toalha e fui direto para o chuveiro. Onde tentei relaxar com água caindo por meu corpo quase pegando fogo. Mas é sempre muito difícil esquecer as coisas que a minha mãe me diz. Depois eu me visto, dou uma ultima revisada para a prova de manhã. E deito-me.

Ainda chove lá fora. Ficou o dia todo assim.

Estou faminto, mas não vou dar um braço a torcer e sair lá fora, para me deparar para eles novamente, me olhando com aquela cara de desprezo. Prefiro esperar eles irem dormir e aí sim foi lá preparar algo pra mim. Enquanto isso vou terminar de ler minha HQ do Homem-Aranha.

Meu computador está ligado - vai que a Bianca resolve entrar no chat do Facebook para me dizer algo – e ele me distraiu por um momento indicando que chegou um novo email na minha Caixa de Entrada. Corro até a minha escrivaninha e vejo do que se trata. Parece que enfim ganhei uma resposta do email que eu mandei há mais de um ano atrás.

Não quero ver isso agora. Não estou com cabeça.

Fecho a página.

Naquele mesmo momento meu celular começa a tocar, como sempre é a Bianca, no mesmo horário. Nós criamos o hábito de ligar um para o outro antes de dormimos. Volto a me deitar, com o celular já na orelha.

Ela me conta que por pouco não mandou os pais para aquele lugar, pois enquanto ela tentava estudar para manhã – do jeito que eu tinha sugerido – seus pais insistiam em ter uma conversa séria com ela sobre o que ela já imaginava do que se tratava. Por muito pouco também ela não voou em cima da prima - de novo - ao cruzar com ela no corredor em direção à cozinha.

Bianca andava muito tensa ultimamente. Por motivos óbvios.

Quando enfim ela perguntou como eu estava ou o que eu tinha feito de bom até agora desde que cheguei do colégio, muito relutante, eu resolvi me abrir com ela sobre os ataques da minha mãe ao descobrir sobre o nosso namoro, sabe-se lá como. Bianca disse que na certa foi o zelador, o fofoqueiro, que viu algo e resolveu comentar com ela. Bom, isso fazia todo sentido, já que estávamos sempre grudados, pra cima e pra baixo.

Não era como se ainda tivéssemos algo a esconder.

Nós nos amávamos. E isso era tudo.

Por muito pouco eu não chorei, ao dizer que estava chateado, mas também muito bravo com tudo isso. E não consegui me segurar quando, também muito triste por mim, ela resolveu dizer:

— Se ela se desse conta do quanto você é maravilhoso não só comigo, mas também com todos, ela não diria coisas assim. Se ela soubesse o quanto eu te amo ou o tamanho do meu amor por você, ela perceberia o que de melhor estar perdendo.

Eu adorei ouvir aquilo, claro. Aquelas palavras me revitalizaram.

Mas porque era tão difícil assim a minha mãe sentir/enxergar o mesmo?


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Notas finais do capítulo

Não sei como, mas eu sempre me apaixono pelos meus personagens haha Estão gostando dessa nova fase da Gabi ou preferiam ela aprontando? Sentiram o mistério do Felipe quanto ao email que ele recebeu? Preparem-se. Vem coisa nova por aí, mas só vou falar disso mais pra frente, no momento certo. Ate lá, comentem sempre! Beijos, até a próxima.