A Herança de Espinhos escrita por Hime Illana


Capítulo 5
Capítulo 5




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A velha mansão vitoriana era enorme e estava em péssimas condições, cheia de poeira e teias de aranha, sem contar que a madeira do piso, das portas e da escadaria que leva ao segundo andar estavam podres e pareciam que iam ceder a qualquer momento. O único ponto positivo é que não tinha ninguém ali além de nós quatro, com um pouco de sorte eu posso voltar para casa sem encontrar nenhum fantasma hoje.

— Cuidado por onde pisam, parece que a casa vai cair a qualquer... – Edric nem teve tempo de terminar de falar quando ouvimos um barulho de algo pesado desabando, nós olhamos para cima e vimos o enorme lustre antigo se soltar do teto e cair bem no meio do hall onde estávamos, senti alguém se jogar em mim para me tirar do caminho antes que o pesado lustre me atingisse. Depois que a poeira baixou vi que quem tinha me salvo era Henry, que agora estava em cima de mim a poucos centímetros do meu rosto, vendo-o de perto reparei que sua expressão havia mudado, ele estava mais alerta e sério, bem diferente do garoto entediado que conheci.

— Obrigada Henry. – disse eu corando um pouco, mas assustada com o ocorrido.

— De nada. – disse ele normalmente, como se nada tivesse acontecido.

— Elena! Henry! Vocês estão bem? – disse uma voz masculina vindo do outro lado do lustre que eu reconheci ser a de Edric.

— Estamos bem! – respondi enquanto Henry me ajudava a levantar.

— Essa foi por pouco, se tivéssemos ficado no meio do salão mais um segundo... – disse outra voz masculina, mais grave, era Rick.

O lustre que tinha acabado de cair dividiu o hall no meio e nos separou em duas duplas, bloqueando nosso caminho.

— E agora? Continuamos explorando? – gritou Henry para Edric do outro lado do lustre.

— Não temos escolha, acho melhor vocês explorarem lá em cima e eu e o Rick explorarmos aqui em baixo.

— Certo. Cuidado você dois. – disse Henry indo em direção à escada.

— Vocês também. – disse Edric.

Olhei mais uma vez para o grande lustre, ele era velho e estava em péssimas condições, eu admito, mas achei estranho ele cair justamente na hora em que entramos e exatamente em cima de nós, parecia que alguém tinha derrubado ele de propósito.

Deve ser só uma coincidência.— pensei em voz alta. Deixei o lustre para lá e subi as escadas logo atrás de Henry.

Exploramos os muitos quartos do segundo andar, mas não tinha nada de anormal neles. Cansada de explorar me sentei na beirada de uma grande janela dentro de um dos quartos e fiquei admirando o jardim lá em baixo, quando de relance vi o que parecia ser uma garotinha muito pálida, de longos cabelos castanhos e vestido branco surrado, ela estava atrás e uma árvore olhando para mim, parecia que ela estava se escondendo de algo ou de alguém.

— He-Henry tem alguém lá fora! – disse eu quase gritando

— O que? – perguntou ele enquanto olhava alguns livros empoeirados numa estante.

— Tem uma garotinha lá fora, precisamos ir lá!

Henry se aproximou da janela onde eu estava e olhou para o jardim, mas a garotinha tinha sumido.

— Acho que você deve ter imaginado Elena, não tem nada lá fora a não ser essas árvores secas.

— Eu juro que tinha uma garotinha lá fora, ela estava olhando diretamente para mim... – de repente vi a garotinha outra vez, ela estava correndo na direção do bosque da mansão. – Lá está ela!

— Elena espera! Aonde você vai?

Saí correndo do quarto em direção ao hall, a única saída era pela porta da frente, infelizmente eu teria que passar pelo hall bloqueado novamente, era o único jeito de alcançá-la mais rápido. Antes que eu pudesse chegar à escada trombei com alguém e quase caí no chão.

— Opa, cuidado! – disse Edric me segurando pela cintura e me puxando para perto do seu corpo. Rick estava logo atrás dele.

— O que? Edric? Como você chegou aqui? – perguntei surpresa por vê-lo. Não pude evitar corar estando assim tão perto dele, ele era alto – na posição em que estava, meu nariz estava na altura da sua clavícula, quase encostando em seu pescoço -, seus ombros são largos, o tórax era firme e definido - mesmo com o uniforme da Ordem por cima - e os braços musculosos, ele cheirava muito bem, um cheiro masculino suave, mas marcante, nunca tinha cheirado algo tão gostoso, não pude evitar de respirar fundo algumas vezes, queria sentir aquele cheiro cada vez mais.

Ouvi alguém pigarrear, provavelmente Rick. Pisquei algumas vezes para me libertar daquele transe, por um segundo me esqueci de onde estava e o que estava fazendo.

— Nós achamos uma escada na cozinha, provavelmente era onde os empregados tinham acesso aos quartos, mas onde você está indo com tanta pressa? – perguntou Edric com um tom provocativo na voz, ele parecia estar se divertido com a situação.

— Eu vi uma garotinha lá fora, eu tenho que alcançá-la. – respondi meio sem jeito.

— Mas não tinha ninguém lá fora Elena! – disse Henry atrás de mim.

— Não, eu vi, ela correu na direção do bosque, talvez ela saiba de alguma coisa!

Sai dos braços de Edric e comecei a descer as escadas, quando cheguei, com certo esforço, na porta da frente, vi que não tinha ninguém do lado de fora, nenhum sinal de que alguém passou por ali além de nós quatro.

— Não pode ser! Eu vi, tenho certeza disso!

Edric, Henry e Rick se olharam.

— Vamos investigar. – disse Edric.

— Você... Acredita em mim? Eu vi mesmo uma garotinha no jardim Edric, eu juro que vi. – disse eu, nervosa.

— Se tinha mesmo alguém aqui fora, não deve estar longe, vamos dar uma olhada pelo menos.

Eu consenti com a cabeça. Olhamos em todo o jardim e próximo ao bosque, mas não encontramos nada.

— Não há nada aqui, nem mesmo uma pegada, um rastro, nada. – disse Henry.

— Eu não acredito nisso, ela estava bem aqui atrás dessa árvore! Eu vi claramente pela... – Observando melhor o ponto em que a garotinha misteriosa estava vi algo brilhando entre as folhas no chão, era uma pequena chave de ferro antiga, eu a peguei para vê-la melhor. Senti um calafrio na nuca e olhei para cima, na direção da janela em que estava antes e para minha surpresa a garotinha estava lá exatamente no ponto em que eu estava minutos antes, ela falava alguma coisa, mas eu não a ouvia, só vi sua boca se mexer. Lendo seus lábios descobri que ela falava “Ajude-me” e “Me encontre”. Senti um arrepio descer por toda a minha espinha, sem forças para ficar de pé, caí de joelhos no chão de terra.

— Elena? Você está bem? – perguntou Edric.

Eu não respondi. Um alarme vindo de algum lugar começou a soar baixinho.

— Estou captando um sinal fraco, mas não consigo identificar o que é, algo está interferindo. – disse Henry olhando o relógio em seu pulso.

— De onde vem? – perguntou Rick

— De dentro da mansão.

— Mas já olhamos em tudo lá, não tem nada! – disse Rick.

— Eu preciso ir. – disse eu.

— Elena? - disse Edric.

— Preciso ir...

Como se estivesse sendo guiada por uma força magnética, me levantei e comecei a andar na direção da mansão.

— Elena, onde você está indo? – perguntou Edric, mas eu não respondi.

Os meninos me seguiram enquanto eu entrava na mansão, eu não sabia para onde estava indo, só tinha essa estranha sensação de que precisava ir. Passei pelo hall e entrei no que parecia ser uma biblioteca.

Depois de um tempo investigando tudo, Rick achou o que parecia ser um velho diário que provavelmente pertencia ao antigo dono da mansão. Nele estavam informações sobre a casa e o terreno em volta, que aparentemente era uma vila de camponeses e agricultores, mas parece que houve um grande massacre aqui há muitos séculos atrás e a vila foi completamente queimada. No diário também havia relatos de vultos e vozes estranhas que vinham atormentando a família do antigo dono, o que o motivou a abandonar a mansão.

— Será que é isso que está afetando a casa? Os espíritos dos moradores da vila que morreram aqui? – perguntou Rick depois de ler o diário para nós.

— Pode ser. Se os moradores foram mortos de maneira violenta e depois foram queimados junto com a vila, não me admiraria se algumas dezenas de espíritos ressentidos assombrassem o lugar. - disse Edric.

− O que será que motivou o ataque? – perguntou Rick.

− Bandidos talvez? – respondeu Henry.

Eu não parava de pensar na garotinha, será que ela morou aqui e morreu juntos com os moradores da vila?

— Ela estava pedindo ajuda, queria que eu a encontrasse, ela tinha um olhar tão triste... – pensei em voz alta.

Os rapazes olharam pra mim.

— Elena... Essa garotinha que você viu, como ela era? – perguntou Edric

Pensativa comecei a andar na direção de Edric, mas antes que pudesse responder meu pé afundou numa tábua de madeira podre me fazendo cair, o que pareceu ser um segundo depois todo o chão ao meu redor afundou e com um grito eu caí dentro do fundo buraco escuro.

— AI! – gritei tanto pelo susto como pela dor que senti ao cair no chão frio de pedra.

— Elena! Você está bem? Se machucou?!– perguntou Edric lá de cima.

− Ai... Estou bem, só a minha bunda que está doendo, mas fora isso nada de grave. – respondi me levantando com dificuldade.

Eu olhei ao redor, mas no escuro não conseguia ver muita coisa, a pouca luz que tinha para me guiar era a do buraco acima de minha cabeça. Depois que meus olhos se ajustaram á escuridão percebi que estava numa espécie de túnel subterrâneo.

− Elena, você consegue subir? – perguntou Rick.

− Não há como eu voltar aí, não tem nada para me ajudar a subir, estou numa espécie de túnel de pedra, mas não consigo ver aonde que ele leva, está escuro demais. – respondi.

− Elena, se afasta um pouco. – disse Henry.

− O que? – perguntei, mas ele não respondeu.

Antes que eu pudesse fazer alguma coisa Henry se jogou lá de cima dentro do buraco caindo agachado perto de onde eu estava.

− Oi Henry ficou maluco? – disse Rick lá de cima.

− Maluco não, só curioso, não esperava que houvesse um túnel secreto enterrado debaixo da mansão, quero saber o que tem aqui em baixo. – respondeu Henry com a maior naturalidade do mundo.

Os rapazes olharam perplexos pelo buraco e alguns segundos depois Rick pulou também.

− Podia ter pelo menos avisado né cara? – disse Rick para Henry, que deu de ombros.

Edric era o único que ainda não tinha descido.

− Você vem ou não Edric? – gritou Rick para ele.

− Só um segundo, eu já volto! – gritou Edric de volta.

Alguns minutos depois uma corda aparece dentro do buraco e Edric desce por ela.

− Bem pensado cara, agora nó temos como voltar por onde viemos caso não tenha saída por aqui! – disse Rick dando um tapa nas costas de Edric, que se fosse em mim, certamente teria me desequilibrado e jogado no chão, mas nele não teve praticamente efeito nenhum.

− Até que enfim, vamos logo! – disse Henry irritado tirando do bolso do jaleco uma pequena lanterna, o que me lembrou de usar o flash do meu celular para iluminar o caminho também.

Andamos por um tempo dentro do túnel até que chegamos numa velha escada de pedra indo para baixo.

Descemos pela escada de pedra até que chegamos a uma grande porta de madeira maciça bloqueando nosso caminho, ela era velha e estava em péssimas condições, mas ainda resistia firme e forte às tentativas de arrombamento de Rick.

− Droga, está trancada, não temos como prosseguir. – disse ele.

− Vamos voltar. – disse Edric.

Eles já estavam dando meia volta quando me lembrei da chave de ferro que tinha encontrado mais cedo, eu coloquei a mão no bolso do paletó e a tirei.

− Será que... – pensei em voz alta. Ansiosa coloquei a chave na fechadura da porta de madeira e a girei, um segundo depois eu ouvi um clique.

− Funcionou! – disse eu chocada. Os rapazes olharam surpresos pelo meu feito.

− Bom trabalho, gatinha! – disse Rick com um largo e branco sorriso.

− Ótimo, agora vamos continuar sem perder mais tempo, quero muito saber o que tem de tão escondido aqui em baixo. – disse Henry, não pude ver direito por causa da pouca luz, mas pensei ter visto seus olhos azuis brilharam maliciosamente.

Atrás da porta havia uma espécie de caverna ou câmara funerária, havia ossos e crânios humanos espalhados por todo o lugar e também o que parecia ser um altar de pedra no centro.

— Mas que raios de lugar é esse? – perguntei tampando o nariz por causa do cheiro podre de mofo e morte.

— Não sei, mas acho que já sabemos o que aconteceu com os corpos dos moradores da vila. – respondei Henry com a manga do jaleco cobrindo o nariz e a boca.

— Henry... Você está pensando o mesmo que eu? – perguntou Rick.

— Creio que sim. – respondeu ele – Acho que estamos falando de sacrifício humano aqui.

— QUE? – perguntei boquiaberta me esquecendo completamente do mau cheiro que rodeava o lugar.

— Aparentemente a vila não foi destruída por bandidos como eu havia presumido, acho que ela foi destruída para esconder o fato de que pessoas estavam sendo usadas em sacrifício aqui. – disse Henry calmo e analiticamente.

— Como você tem tanta certeza? – perguntei.

— Se a vila tivesse mesmo sido saqueada e queimada, os corpos teriam sido destruídos há muitos anos, afinal a mansão foi construída encima da vila, certo? Então por que há vários corpos que parecem ser de pessoas diferentes misturados em uma única sala escondida dentro de um túnel subterrâneo secreto? – perguntou Edric.

— Essas pessoas foram atraídas até aqui e então mortas. – disse Rick.

— Entendi, então o que faremos agora? – perguntei aos três.

— O certo é queimar os ossos para purificar o lugar, assim os espíritos dos que morreram aqui podem finalmente descansar. – respondeu Edric.

— Mas não é trabalho nosso então, já acabamos por aqui. – disse Henry se despreguiçando e voltando em direção ao túnel.

— Como assim não é trabalho nosso? Nós vamos simplesmente ir embora sabendo do que aconteceu aqui? – perguntei perplexa.

— Calma gatinha, eu sei que é meio frustrante, mas na Ordem nós temos regras, infelizmente não é a função do Setor de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico meter a mão na massa, isso é trabalho da Rosa Laranja, eles é que ficam com o trabalho sujo, sabe? – disse Rick, colocando o braço musculoso sobre meus ombros.

— Relaxa Elena, vamos voltar para a Ordem e entregar um relatório muito detalhado para a Rosa Laranja, eles vão cuidar de tudo, ok? – disse Edric num tom relaxado.

Eu não estava satisfeita, mas já que não havia nada que eu pudesse fazer, acabei aceitando. Seguimos todo o caminho de volta e subimos pela corda que Edric havia pendurado.

— Pelo menos foi tudo tranquilo. – disse eu enquanto saíamos da biblioteca, mas tinha a sensação de que faltava alguma coisa, que estávamos nos esquecendo de algo. – Todas as missões são sempre fáceis assim?

Edric e Henry pararam abruptamente no meio da escada do hall e se olharam, depois olharam para mim com surpresa.

— O que foi, algo errado? – perguntei sem entender o que estava acontecendo.

— Isso não está certo, foi fácil demais. – disse Henry apreensivo.

— E qual o problema com isso?

— Nada é fácil nesse trabalho. – disse Edric.

Acharam mesmo que iriam embora depois de tudo o que viram aqui?— disse uma voz feminina aguda e rouca, ela me arrepiou o corpo todo.

De repente tudo começou a se mexer, o chão, os móveis, os quadros na parede, tudo parecia que tinha ganhado vida. Uma risada maléfica encheu o ar, foi aí que como um estalo eu percebi o que estava faltando: Descobrimos o que aconteceu com as pessoas da vila, mas não quem tinha feito aquilo e agora parece que seremos as próximas vítimas.


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