Quando abri meus olhos dei de cara com um garoto grande. Um homem grande, na verdade.

— Zhang, saia de cima dela, ela precisa respirar.

— Quando eu a encontrei jogada por aí, vocês não reclamaram que eu estava perto.

Sentei levando a mão até minha cabeça. Eu estava em um quarto junto com o tal de Zhang, Piper e Jason.

— Onde eu estou?

Piper se aproximou sorrindo.

— Você está no meu quarto, em uma pousada de Nova Roma.

— Sendo que poderíamos estar em meu quarto sem pagar nada que ganhei da minha época de Pretor. – Resmungou Jason.

— Ou poderíamos estar no meu quarto de pretor.

— Tem certeza que Hazel gostaria disso? – Murmurou Piper divertida enquanto colocava uma compressa em minha cabeça.

— Qual é, o lugar é quase do tamanho de uma casa.

— O que... Está acontecendo? – Finalmente perguntei.

— Nico ficou preocupado por você sumir por tanto tempo. Fomos atrás de você e Frank te encontrou no templo de Netuno.

— Poseidon. – Sussurrei lembrando da conversa de repente. – Frank, Jason... vocês podem me dar licença? Preciso falar com a Piper.

— Ela mal acordou e já está nos dando ordens.

— Sinto como se estivesse a bordo do Argo outra vez.

Eles riram e saíram pela porta, de volta a festa.

— Não esquenta Annie, eles reclamam, mas amavam o Argo. Fora a parte de você e Percy tentarem se matar o tempo todo, mas tudo bem. Como você tá?

Pisquei. Acho que mais alguém já havia me dito aquilo, eu inclusive me lembrava antes de situações assim, mas agora... Sumiu. Não lembro do Argo. Quer dizer, eu lembro. Mas não havia nada de desconfortável, ou algum tipo de situação onde eu brigava com Percy, então presumo que eu não esteja me lembrando.

— Eu me sinto confusa. Octavian me disse que isso foi brincadeira de um deus.

Piper revirou os olhos e sentou ao meu lado na cama.

— Outra vez? A eternidade não proporciona ter milhões de ideias originais para usar?

— Ele disse que, abre aspas, algo foi tirado de você, e se você não pegar de volta vai ser muito ruim. Uma deusa tem sua resposta, mas impossibilitada de falar ela está. Encontre-a e descubra a verdade. Hoje mesmo sentirá o início da ruína e tudo o que você ama começará a cair. Quando sua memória voltar, olhe duas vezes para a lembrança, fecha aspas.

— Sua memória continua impecável.

— Engraçadinha. Mas é aí que você entra.

— Eu?

— Sim, quando fui no templo de Poseidon ele me disse que...

— Espera. Poseidon falou com você?

Revirei os olhos.

— Qual a dificuldade nisso? Nós não vivemos nesse mundo? Os deuses não saem do pé. Isso é normal, não é?

— Na realidade, não muito. Os deuses, principalmente os olimpianos, não costumam aparecer assim.

— Certo. Mesmo assim... Ele me disse algo que me deixou apreensiva. Octavian disse que uma deusa tem a minha resposta, mas que ela está incomunicável. Poseidon me disse para vir lhe perguntar sobre Afrodite e pedir para você mandar lembranças.

Piper apertou os lábios e levou uma mão ao colar que carregava.

— Afrodite?

Assenti.

— O que foi Piper? O que houve?

Piper encarou o chão, o teto, as paredes e por fim suspirou.

— Afrodite sumiu. Ela simplesmente não responde mais. Não escuta mais. Ouvi comentários de espíritos da natureza. Nenhum dos outros filhos dela consegue se comunicar.

Entendo que a deusa que Octavian se referia era Afrodite, mas o que isso significa?

— Espera. Você disse que nenhum dos outros filhos consegue. E você?

— É complicado. Eu não sei bem. Quando tento fazer uma mensagem de Iris e uso todo o meu charme consigo ver um lugar. Uma caverna, creio eu. Acho que Afrodite está lá, mas nenhum dos outros consegue. Pensei que estivesse ficando doida.

— Talvez não Pips. Talvez ela esteja lá.

— De férias?

— Ou presa.

Ela sorriu negando.

— Porque prenderiam Afrodite? Nem Hefesto com todas as suas engenhocas consegue fazer isso.

— Eu não sei. Mas Octavian disse...

— Octavian é desequilibrado.

— Octavian disse que Percy lembrava quando perdeu a memória. De que ele lembrava?

Piper franziu as sobrancelhas.

— Percy não lembrava de nada. Ele recebeu missões quando chegou no acampamento Júpiter e se juntou a nós depois.

Minha cabeça começou a doer. Eu sabia que gostava muito de Piper, mas não conseguia acreditar inteiramente nela. Não que ela estivesse mentindo, mas e se... Não. É loucura.

Assenti para encerrar o assunto, mas tinha outros planos. Uma pessoa me surgiu a mente e era para lá que eu precisava ir.

— Estou me sentindo muito melhor, acho que vou voltar para a festa, sim? Obrigada.

Ela sorriu guardando as coisas enquanto eu saia. Algo está errado. Muito errado. E eu preciso descobrir o que é.

***

Estou oficialmente perdida.

Caminhei por Nova Roma e apesar de ouvir o barulho da festa eu só andava em círculos e não conseguia sair dali. Eu sabia que tinha que atravessar a Linha Pomeriana para ir para onde estava a festa, porque Terminus nunca os deixariam entrar na cidade.

Conforme meus pensamentos se desenrolavam eu ficava mais e mais surpresa. Como sei isso tudo?

Ouvi passos vindos na minha direção e entrei em pânico, sem saber bem o porquê. Teoricamente eu deveria pegar minha adaga e lutar, mas eu ainda não acostumei bem com essa coisa toda, então tentei procurar um lugar para me esconder e quando estava prestes a me jogar dentro de uma lata de lixo ele apareceu.

O invencível, o incrível, o que rejeitou a imortalidade, o que teve o poder de Aquiles, o que tinha o sangue do deus dos Mares e que eu consegui lembrar mais características soltas do que qualquer um. Percy Jackson não era o que eu esperava. Ele tinha um olhar perdido e um sorriso zombeteiro nos lábios.

— Perdida Chase?

— Talvez.

Ele riu se aproximando e dei um passo para trás.

— Não vai cumprimentar um velho amigo?

— Pensei que você não gostasse de mim.

Ele levantou uma sobrancelha.

— Por que não gostaria?

Pisquei. Por que Annabeth? Vasculhei minha memória. Durante o dia todo disseram que ele me odiava, mas não consigo lembrar os motivos. Aliás, o que eu havia lembrado sobre ele alguns segundos atrás mesmo?

— Não sei. Me disseram isso o dia todo.

Ele revirou os olhos.

— Você mal recupera sua memória e eles já te enchem de coisas.

— Eu não recuperei a memória. – Ficamos em silêncio por um tempo antes que eu voltasse a falar. – Ei. – Pisquei, tendo um lapso. – Você já passou por isso. O que teve que fazer para... lembrar?

Ele coçou a cabeça.

— É complicado. As memórias simplesmente iam voltando, não tinha muito o que fazer. Conforme eu chegava perto do que procurava... elas voltavam.

Assenti. Preciso encontrar o que procuro.

O que eu procuro?

— Então, mais uma coisa: você realmente me odeia?

Ele cruzou os braços e sorriu.

— Na época eu não entendia porque você arriscaria minha vida para tentar salvar alguém que provavelmente já estava morto, mas hoje eu acho que entendo. E não te culpo por isso.

Ah. Foi isso que eu fiz. Tento me lembrar de estragar seus planos e ir salvar Nico. Tento e não consigo. Parecia impossível que eu fizesse algo assim.

— Me desculpe mesmo assim. Acho que já vou indo, eu preciso ir em outro lugar.

Dei as costas para ele e comecei a andar.

— Até mais sabidinha.

Parei e virei para encara-lo.

— O que disse?

Seus olhos estavam arregalados.

— Eu não... eu... não sei. Só... saiu. Não sei. E, hm, a saída é pra lá.

Ele apontou para o lugar de onde ele veio e assenti indo naquela direção.

Quando cheguei até as pessoas reunidas, sorrindo e bebendo, custei um pouco a achar Nico, principalmente porque todos me paravam.

Eu já estava quase desistindo quando uma mão encostou no meu braço.

— Por onde esteve? Fiquei preocupado.

Sorri fingindo estar tudo bem.

— Fui dar uma volta. Preciso que me faça um favor.

— Claro, qualquer coisa.

— Quero ir até o Acampamento Meio-Sangue. Tenho que ver Quíron.