– Espero que eu não esteja atrapalhando – disse o professor, juntando as mãos sobre o peito. Ele encarou as duas garotas sentadas no meio da sala que imediatamente ficaram caladas e balançou a cabeça grisalha. – Porque não compartilham com todos? Tenho certeza que deve ser mais importante que biologia.

Os cerca de 30 adolescentes da sala de aula se inclinaram em suas cadeiras, a fim de ouvir a conversa e soltar risadinhas alheias. Não havia acontecido nada de interessante desde o começo do dia, principalmente para uma sexta-feira, que em geral era sempre animado por causa das festas proibidas que iriam acontecer no final de semana. Blake Stormwell, de 17 anos, sentada com sua amiga, Cersie, algumas carteiras atrás das garotas se inclinou para frente e bateu as longas unhas vermelhas na mesa esperando por algum tipo de agitação.

– Estávamos apenas comentando sobre o grande mistério que é a tal garota que vai chegar hoje. – A garota loira abaixou lentamente a cabeça. Parecia estar realmente envergonhada, mas o modo como esfregava a palma da mão na calça jeans e revirava os olhos enquanto falava mostrava o fato de que ela estava envergonhada apenas por ter sido interrompida. – Foi um erro. Desculpe senhor.

O professor ergueu uma sobrancelha por alguns segundos e voltou sua atenção novamente para suas explicações e o quadro negro.

As duas garotas trocaram alguns olhares e começaram a conversar novamente como se nada tivesse acontecido. Elas pareciam querer saber demais para garotas normais, pensou Blake. Seus olhos se desviaram para Markos, o garoto loiro sentado ao seu lado que a encarava, que com um movimento rápido e imperceptível de dar de ombros voltou sua atenção para o professor que agora anotava algo no quadro.

Começou novamente o batucar insistente das unhas na mesa. Os olhos grandes da garota eram de um dourado escuro, excessivamente brilhantes, como o ouro quando acaba de ser moldado.

O vento gelado que entrava pela janela anunciava o começo do inverno e o inicio das celebrações da Woodstock. A Academia, que na verdade era mais um internato, proibia qualquer tipo de envolvimento com o mundo exterior, e isso incluía praticamente todos os feriados ao longo do ano.

Não era bem o Natal, ou até mesmo o Ano Novo, que eles comemoravam no inverno. Era o aniversario de Salem, e isso implicava também na fundação da Academia, e não se poderia passar em branco a data em que se comemorava 300 anos do fim a Caça As Bruxas, ou como era chamado, o dia do Juízo.

A coisa toda era meio ridícula para Blake, afinal, ela era uma das descendentes diretas de Salem, uma das cinco famílias fundadoras, mas o que ela não podia negar era o fato de amar toda a atenção e festas desviadas para uma causa em que ela estava envolvida ou era o centro das atenções.

– Como você acha que ela é?

Blake deu um pulo com o sussurro de Cersei e piscou os olhos tentando voltar a focar sua atenção na amiga.

– O que?

– Como você acha que a garota Redhawk se parece? – Repetiu ela impaciente.

– Provavelmente menos bonita que eu.

Cersei revirou os olhos, mas sorriu com a piada de Blake. Este era um assunto que ela estava tentando evitar ao máximo, e não só ela, mas o dia havia finalmente chegado e ela nem ninguém teriam como fugir.

Fora encontrada há alguns dias uma garota vagando pelos arredores da floresta da Academia. Os boatos diziam que sua semelhança com todos da família Redhawk era tamanha que era quase impossível de se acreditar. A principio, Blake não acreditou muito no que Cersei, que era filha de Agnes Lucem que coordenava a Academia, e consequentemente neta de uma das únicas anciãs vivas, tinha lhe contado e apenas balançou a cabeça rindo de tudo.

Foi há apenas duas noites atrás que a chamaram no salão principal junto com Cersei, Markos e Christian, e lhes contaram toda a verdade.

Rosie, como era chamada, era a última da linhagem Redhawk, assim como Blake era dos Stormwell. Depois de dois dias de nascimento seus pais decidiram esconder o mundo de Salem de sua primogênita, o que eles não sabiam é que no decimo sexto aniversario da garota eles iriam ser assassinados. Não se sabe como ela sobreviveu, mas o sangue fala mais alto do qualquer outra coisa e não se sabe a causa ou o motivo de Rosie ter aparecido somente agora, mas todos concordavam com as ironias do destino. Afinal, era a época do Juízo e a tentação ao Poder era mais forte.

Suas unhas batiam cada vez mais rápido na mesa, fazendo um tec tec insistente. Alguém colocou a mão sobre a dela e a sala ficou silenciosa. Blake olhou para os lados, e para sua surpresa só havia ela e Markos, que agora tinha as mãos no bolso da calça preta.

– Você anda sem prestar atenção em muitas coisas.

– Você acha? – Ela pegou sua bolsa do pé da cadeira e se levantou com um suspiro – Eu tenho certeza.

Markos apenas balançou a cabeça, mas não riu. Os dois caminharam pelos corredores da Academia até chegarem a um amplo espaço aberto, coberto com uma grama verdinha. Prosseguiram até chegarem a um casebre abandonado que ficava longe dos limites de Woodstock. Blake entrou na frente, e Markos com um último olhar para fora a fim de ver se alguém tinha os seguido, fechou a porta do velho casebre.

Blake se ajoelhou no chão empoeirado e encostou suas mãos no chão. Markos que até então estava ao seu lado deu um passo para trás quando a garota fechou os olhos e começou a entoar.

– Nunc invisibilis – O chão cedeu por sobre suas mãos dando lugar a uma entrada de calabouço e ela completou o feitiço - in conspectu eius.

Levantou-se batendo as mãos na calça tendo amenizar a poeira com uma careta de nojo. Markos se pôs a diante e com um movimento rápido do braço puxou a porta para cima, revelando uma escadaria branca e com velas acesas espalhadas por seus degraus.

Desceram cuidadosamente todos os degraus e finalmente chegaram a uma grande sala. Alguns sofás vermelhos estavam no centro, uma enorme escultura de um dragão se acomodava ao lado de uma lareira acesa, e em todas as quatro paredes existiam estantes e mais estantes cheias de livros. Uma armadura antiga ficava na entrada da sala e como habito, Markos levantou a mão e bateu na pequena penugem vermelha em cima do capacete.

Cersei Lucem estava sentada em um dos sofás lendo um enorme livro, enquanto Christian Lightway estava jogado no chão jogando uma bolinha preta para cima.

– Ora, ora – Ele disse se levantando e cumprimentado Markos com um abraço – se não é o grande Fairwood e a pequena Miss.

Blake lhe mostrou a língua e foi se sentar junto com Cersei, que só agora tinha reparado que os dois tinham chegado.

– Corta essa, Christian – Markos se sentou em uma poltrona marrom e Christian se sentou aos seus pés, ainda brincando com a bolinha. – Acho que ela esta mais para Bruxa Do Oeste. Reparou o tom esverdeado? É inveja.

A garota riu e apenas balançou a mão enquanto prendia o longo cabelo platinado em um rabo de cavalo. A temperatura ali em baixo era grande, e mesmo com o calor absurdo, eles insistiam em deixar a maldita lareira ligada.

– Vocês estão preocupados?

Cersei que tinha largado o livro de lado, e agora encarava todos com seus magníficos olhos verdes. Christian se revirou em seu lugar, e Markos apenas devolveu o olhar dela.

– Preocupados com o que? – Blake disse – Ela é apenas uma garota, e além do mais para uma Redhawk ela é bem ignorante.

– Provavelmente vão nos mandar ensina-la. – Completou Cersei.

– Será que ela é gata?

– Christian!

Todos disseram em uníssono, e apesar de rirem, o negócio era realmente serio. Markos e ela trocaram um olhar cumplice. Confraternização entre os membros das famílias fundadoras era proibida.

Existia um livro chamado Livro das Almas, onde se encontrava todo o tipo de historias envolvidas ou que se passaram em Salem. Nele estava escrito que para não existirem caos e destruição lançados em famílias tão importantes e poderosas, os sangues não deviam ser misturados para que todos conseguissem controlar seus poderes.

Regras e mais regras existiam no mundo de Salem, mas nem Blake, nem seus amigos a seguiam.