Diamantina escrita por Bugg Girl


Capítulo 9
Quem tem medo do Escuro? — Capítulo 9


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura! Nos vemos nas notas finais.



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Levantei-me com um inabitual sono. Meus pulsos apresentavam marcas de cortes e minhas pernas sangravam continuamente. Não soube distinguir de onde viera a enxurrada de sangue que banhava-me as coxas, entretanto impressionantemente não me importava. Balancei minhas mãos no ar, num gesto que não pude definir a origem. Era como se não fosse dona de meus próprios atos, como se estivesse sendo controlada por outra pessoa. Aquilo estava sufocando-me. O quarto no qual estava era coberto por uma tintura azulada, minha cor favorita. O teto era de uma madeira resistente (também pintada de azul bebê), e refletia parte da luz que vinha da janela (resultado d'um enorme lustre prostrado no centro da saleta). Caminhei indefinidamente para um lado e para outro, até que finalmente parei em frente ao antigo aparelho no canto direito do ambiente. Liguei-o, embora não soubesse realmente como fazê-lo. No mesmo instante, a geringonça começara a tocar um vinil de décadas atrás, um álbum dos Beatles que eu era perdidamente apaixonada. Os sucessos de mil novecentos e sessenta vieram à tona, fazendo com que meu corpo sacolejasse para lá e para cá, ao ritmo da leve batida.

Embora não soubesse onde havia me metido, aquele parecia ser um momento perfeito. A música, o local, a paz, a doce e inexplicável solidão com a qual me dava tão bem. Tão perfeito que não percebi o sangue que inicialmente descia de minhas pernas, espalhar-se por todo o cômodo, transformando o azul cintilante num vermelho vivo, abrangente e espantador. Ainda que quisesse berrar aos quatro ventos (típico d'uma situação como esta), não tinha controle algum de meus movimentos. Assim como anteriormente, continuei dançando ao som de The Beatles, imaginando uma maravilhosa nova vida e aproveitando cada segundo daquele estranho sonho. É claro, por que aquilo não poderia ser real, não é mesmo?

E tudo estava tão bom, incrivelmente doce, eu podia sentir a brisa invadindo o quarto e pairando sobre meu rosto, como se tudo que quisesse naquele instante fosse um copo de amargura e uma pratada de angústia para que pudesse satisfazer-me de modo inigualável. E a harmonia das músicas entrava e saía de meu coração num ziguezague apaixonante, fazendo com que eu quisesse mais e mais permanecer naquela sala para sempre. Então tudo parou. O vento se fora. O som. Minha preciosa paz interior. Uma linda mulher de madeixas ruivas parou em frente ao meu posicionamento, fitando-me de maneira sólida. Seus olhos eram duas enormes bolas verdes e vivas, que se encaixavam perfeitamente com a vermelhidão de seus lábios e cabelos. Sua pele era branca como o algodão, e igualmente pomposa.

Entretanto, havia maldade em seu olhar. Suas mãos mostravam-se encharcadas de sangue e seguravam duas grandes facas. E eu prometo que daria os últimos dias de minha vida para descobrir o final deste pesadelo, no entanto acabei por acordar (sério, desta vez). Nunca ficara tão irritada por receber café da manhã quanto neste dia. O que significava tudo aquilo? Soltei um demorado suspiro, pensando no que poderia fazer. O frio logo voltara, e desta vez pior do que inicialmente. O gélido sopro que tomava o recinto no qual estava fazia com que fosse ainda mais difícil pensar numa rápida solução para o estado ao que me apresentava, uma vez que este me tomava totalmente à atenção.

Decidi (por fim) que leria. Recolhi um dos livros da estante (que havia sido reconstituída após meu último delírio) e o pus entre minhas pernas. Era uma obra de Charles Berlitz, a primeira edição de O Triângulo das Bermudas (uma interessante narrativa que explicava cada fato e desaparecimento já relatado). Duzentas e poucas páginas de curiosidade, conhecimento e ciência. Tudo que eu poderia pedir naquele instante. Vidrei-me na história, lendo e relendo os relatos contados de navios e aviões que já sumiram naquela área (o que me assustou, acredite). Depois de tudo e de tanto tempo, ler tornou-se uma inigualável distração.

Quando a noite finalmente chegou, a brisa gelada mostrou-se péssima. Não consegui dormir tão cedo, o que fez com que meus olhos se inchassem ainda mais (o que eu juro que pensava não ser possível). Por não estar tomando as pílulas, minha insônia não dera trégua, assim como as visões que andei tendo nas últimas semanas. Não importa, pois sairei daqui sem ter que sobreviver cercada por comprimidos e drogas para adormecer. Terminei a obra de Charles Berlitz e dormi pouco depois das duas horas, a musculatura dura e cansada. Através do espaço que havia na porta, podia sentir o vento pairar sobre meu corpo, como se quisesse fazer com que a sentisse vigorosamente. Uma atenção da qual não precisava, devo ressaltar.

Finalmente desacordei, entre múltiplos bocejos e tentativas de meu organismo para fazer com que eu me deitasse logo. Obedeci-o, numa última chance de permanecer acordada. Entretanto, o sono fora maior do que qualquer força que tentasse mostrar naquele momento. Cedi, orando para que pudesse voltar ao sonho das primeiras horas do dia e descobrir afinal, o que diabos significavam aqueles presságios. Infelizmente, não tive nenhum pesadelo sequer. Fora apenas escuridão. E um enorme desejo e curiosidade de saber o que havia pensado enquanto dormia.


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Notas finais do capítulo

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