Diamantina escrita por Bugg Girl


Capítulo 10
Não seja o Cara do Quarto ao lado — Capítulo 10


Notas iniciais do capítulo

Desculpem-me por ter sumido. Por ora, estou de volta. Boa leitura.



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Grande parte dos quartos que constituíam minha ala, eram totalmente preenchidos por uma tintura clara e rebocada. No entanto, algumas ainda eram privilegiadas com o espaço da janela três vezes maior do que o normal e a tintura mais espessa e escura, o que resultava n'uma mudança de ambiente costumeiro. Por algum tempo, desconfiei que talvez estivessem abrindo um buraco no cômodo ao lado, porque o barulho durante a madrugada era insuportável. Possível? Estar no local que deveria ser o mais tranquilo de toda a cidade, e ainda ter de aturar um barulho ensurdecedor quando deveria estar adormecendo. Como aquele quesito incomodava-me de modo penoso, decidi por fim que visitaria o jardim e conversaria (ou ao menos tentaria) com meu suposto vizinho, o autor do som alto e irritante.

Como de costume, o bosque mostrava-se muito bem regado e cuidado pelos responsáveis. Os pacientes ora papeavam entre si (murmuravam palavras que nunca ouvira e tampouco entendera), ora cantavam e bailavam música alguma. De vez em quando, escutava murmurinhos indefinidos entre as enfermeiras que por ali prostravam-se. Agucei-me ao máximo para escutá-las, mas fora em vão. Pareciam estar conversando sobre unhas, esmaltes escuros, cores desvalorizadas, e logo mudavam para algo totalmente diferente, como o valor do dólar e do real. Claro que, nada totalmente definitivo, porque afinal, eram apenas burburinhos extremamente baixos e estridentes.

Despercebida, engatinhei até o rapaz que sentava-se próximo ao local em que estava, apenas empurrando meu corpo com o quadril. Provavelmente, aquele realmente seria o que tirara-me o sono nos últimos dias (no seu peito esquerdo, vi um papel indicando a ala e quarto ao qual pertencia), e eu enfim poderia dar-lhe uma dura e ter minhas preciosas horas silenciosas de volta. Aproximei-me dele e esperei que reparasse minha chegada, porém o mesmo continuou parado. Seu rosto parecia imóvel, tal como seu corpo, inclinado para frente e apoiado apenas no alto suporte do banco de madeira.

— Me entende, não é mesmo? — Indaguei, calculando que assim poderia ver-me e responder. Entretanto, nada acontecera. Tudo o que fez foi virar-se rumo ao meu estado e encarar-me assustadoramente.

— O que quer? — Respondeu depois d'um tempo, ainda com o olhar espantador.

— Eu pergunto isto, ora. Pensa que ninguém mesmo escuta? Que todos reagem ao remédio que entregam? Logo descobrirão o que anda planejando, seja lá o que for. Escute o que digo.

— Devo? E por que tem tanta certeza que estou planejando algo? — O homem de aproximadamente vinte e nove anos disse, com os olhos semicerrados.

— Desculpe, corrija-me se estiver errada... O senhor por acaso está me chamando de louca? — Arqueei as sobrancelhas. De repente, trocou o olhar ameaçador por um sorriso cínico, o que irritou-me profundamente.

— Não está errada, não senhora. E sinceramente, não sei se percebeu, mas está internada numa clínica para malucos. Logo, podemos concluir... — Sorriu descaradamente, ignorando os olhares das enfermeiras em sua direção, desconfiadas de qualquer movimento ou prosa fora do comum (neste caso, podemos substituir o "fora do comum" por "normal").

Eu ouvi mesmo o que pensei que ouvi? Não. Era muito para mim, muito para engolir. Saí dali apressadamente, tentando não desviar o olhar para trás, não ter de encarar aquele sujeito novamente.

Os dias claros e quentes traziam consigo uma enorme paz interior, tal como a indefinida tranquilidade dos finais de semana. O suspense que atormentava-me continuara, por conta da imensa arrogância do homem que morava ao lado. Para minha sorte, ele não seria problema por muito tempo. Logo, novos pacientes seriam transferidos, então o mesmo poderia também sair dali e deixar-me finalmente. Despreocupada, ao menos por ora, estiquei minhas pernas sobre a cama e soltei um longo suspiro, o qual vinha segurando por horas.

O suave ressonado d'uma canção de Jake Bugg pairava em minha mente, fazendo com que eu a gesticulasse com os lábios, entretanto ainda sem realmente cantá-la. Mesmo que triste, a letra da melodia fazia com que soltasse um largo sorriso, na maioria das vezes não intencional. Era o som. O modo como mexia comigo, que deixava-me leve e solta, balançava meus ombros para lá e para cá, tal como o resto de meu corpo. Temendo ter outro daqueles assustadores e indescritíveis sonhos, optei por não entregar-me ao sono. Abri meus olhos e tentei mantê-los assim até o final da noite, pensando em antigos singles de bandas que cantavam um doce blues-rock, de fato meu predileto estilo musical. Deixando de lado o pop atual, levantei-me e ziguezagueei ao som de The Ramones, imaginando que suas músicas de sucesso estivessem tocando ali, no volume máximo, fazendo com que não somente eu, mas todo o prédio dançasse numa perfeita sintonia.

Presa naquele maravilhoso pensamento, bailei como se estivesse n'uma festa do século XX. Pude imaginar milhares de pessoas juntas, entre todas, Thomas, Nancy, a psicóloga dos olhos claros, o sujeito que tirava-me os sonhos. Estavam todos alegres e despreocupados, jogavam o cabelo para baixo e para cima, pulavam e gritavam palavras desconhecidas, um tipo de código que queria dizer o quanto sentiam-se livres e maravilhosamente bem. A luz parecia perfeita, não tão forte ou fraca, o tempo estável, a multidão movia-se com rapidez, e juro que, naquele exato momento, senti-me tão irreversivelmente feliz que é impossível descrevê-lo.

Exausta, sentei-me depois de um tempo. Meus pés pareciam terríveis, como se acabasse de correr uma maratona. As pontas dos dedos estavam quase estouradas, vermelhas como nunca estiveram. Concluí, por fim, que não dancei por trinta minutos. Na realidade, eu repetira o ato por quatro horas seguidas. Quando consegui recuperar meu fôlego, percebi que o dia amanhecera, através d'uma brecha de luz que minha janela coberta por um adesivo escuro, emitia. Deitei-me rapidamente, assim que ouvi o caminhar d'uma enfermeira no fim do corredor. Podia diferenciá-las pelo pisar, já que o sapato que utilizavam era de um material borrachudo, o qual emitia um diferenciável barulho de chiclete sendo mascado.

Era Nancy. Pensei que não desconfiaria de meu turno, já que a maioria das serventes jamais perceberam. No entanto, ela recuou, soltou uma risada debochada e disse apenas:

— Esqueceu do tapete. Nunca está tão desarrumado.


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Notas finais do capítulo

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