O que eu fui depois de você escrita por Raissa Muniz


Capítulo 9
Capítulo 8 - O convite




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Passaram-se dias desde o encontro de Lorenzo com Carmem.

A mãe de Helena chegara do Rio Grande do Sul com a novidade de que passaria meses com a filha. Mesmo irritada com a surpresa, Helena não pôde deixar de se contentar em tê-la por mais uns dias. Andava precisando conversar com alguém, principalmente quando parecia não ter amizades duradouras o suficiente para tal. Em uma dessas tardes com a mãe, já no início de dezembro, a campainha do apartamento tocou insistentemente. Helena foi abrir, olhando no olho mágico para se certificar de quem era. Uma mulher muito bem vestida com um vestido de estampa florada se encontrava do outro lado da porta. Seus cabelos eram castanhos e seus olhos eram amendoados. Sua pele era clara, embora não excessivamente branca. Helena abriu a porta, desconcertada.

— Pois não?

— Olá. Sou Carmem, esposa do editor Rubens Paiva. Venho aqui trazer um material que meu marido enviou para Lorenzo. Presumo que você seja sua esposa. — disse sorrindo e estendendo a mão.

Helena apertou sua mão com firmeza, convidando-a a entrar. Sua mãe, Olívia, espichou a cabeça da cozinha, onde preparava um bolo de cenoura cujo cheiro já começava a encher o apartamento.

Carmem trazia uma bolsa e alguns pacotes sustentados pelo braço esquerdo. Helena ofereceu-se para carregar alguns destes até o sofá, encaminhando-se para a poltrona que ficava defronte a televisão e se sentando enquanto observava a visitante.

Esta, por sua vez, riu novamente. Um sorriso doce e angelical de quem tenta tomar aproximação. Entregou os pacotes para Helena, mantendo o sorriso. Olívia veio da cozinha, apresentando-se afetuosamente como mãe de Helena. Ofereceu-lhe um pedaço de bolo e um copo de suco, que foram aceitos com cortesia. Após algumas mordidas, o silêncio foi quebrado pelo elogio educado de Carmem.

— O seu bolo é uma delícia, dona Olívia.

— Obrigada, minha filha. Receita de família.

Helena riu diante do posicionamento da mãe. Embora fosse reservada e de temperamento sério, divertia-se com a presença de Carmem ali. Falaram não só dos projetos de Lorenzo, mas também descobriram gostos em comum em suas leituras. A certo ponto, a conversa estava fora tão estendida que Olívia já falava de seus problemas pessoas em quitar dívidas deixadas pelo pai de Helena. Carmem, interessada em manter contato, ofereceu seus serviços enquanto advogada. Quando indagada dos preços, disse que poderia fazer um desconto especial para a família Gloesmann.

Era esperta e tinha interesses com aquele contato, mas não caiu na tentação de oferecer-se por completo. Colocou alguns empecilhos, tal qual uma profissional ocupada com muitos casos e cercada de muita papelada. Ao final da conversa, indagou Helena sobre a gravidez, que fora anunciada por Lorenzo em seu último encontro com ela. Helena riu. Parecia concluir que Lorenzo contara a novidade para todos que tivera contato desde a descoberta.

Carmem sentiu segurança naquela visita. Tendo Olívia e Helena dispostas a manter-lhe por perto, suas realizações pessoais seriam bem mais eficientes e com mais chances de darem certo. Despediu-se, por fim, deixando o pacote com alguns livros de apoio para Lorenzo.

Ao fechar a porta, Olívia voltou-se para a filha, dizendo:

— Que moça simpática!

— Também achei. — respondeu a outra. — Já havia conversado com ela uma vez, mas nada que pudesse sentir seu humor. Pareceu-me bem profissional e alegre. Acho que a senhora deve retornar o contato para resolver seus problemas com as dívidas que papai deixou por aqui.

Olívia assentiu, pensativa.

— Certamente. Assim farei.

Carmem prosseguiu os dias arrumando encontros inesperados com Lorenzo. Inesperados para ele, porque ela parecia estar sempre em seu encalço, munindo-se de desculpas como a de estar organizando junto com Rubens os seus originais. Lorenzo, por sua vez, começava a notar as investidas da mulher, sem no entanto conseguir encontrar alternativas para tirá-la de seu convívio sem parecer indelicado.

Em um desses encontros, Carmem levou Rubens para esclarecer suas considerações finais à Lorenzo..

— Meu jovem. — disse o velho quando o viu. — Li os seus originais e espero que tenha lido o meu material de apoio. Estou certo que posso apostar em você, mas ficaria grato se você aceitasse a alternativa de me escrever uma estória encomendada.

Lorenzo pareceu confuso, mas assentiu, incentivando que Rubens continuasse.

— Quero que escreva uma estória tratando do imaginário indígena e suas implicações para a cultura brasileira. Um tratado um pouco romanceado. Procurei um escritor que não fosse ligado às áreas de antropologia para não ter um escrito objetivado apenas no estudo. Quero emoção, comoção e sucesso. — anunciou.

— Fico feliz que tenha acredito em mim para isso e acho que posso corresponder às suas expectativas, mas como vou escrever sobre índios sem ao menos ter contato com eles?

— É aí que entra minha proposta. Quero que faça uma viagem. Pagarei tudo quanto for necessário. Você vai passar dois meses, no mínimo, para pesquisas de campo e tudo mais que precisar para reunir informações para seu livro. Não poderei ir, mas mandarei Carmem para lhe assessorar. Sei que estará em boas mãos com ela.

Carmem riu, satisfeita. Claro que a ideia havia partido dela.

— Você deve viajar para Manaus, onde conhecerá algumas reservas indígenas e me fará relatórios semanais sobre o que conseguiu produzir. Peço também que não se acanhe com os preços. Tudo que precisar para essa obra será custeado por mim. Quero apenas alguém suficientemente bom para escrever sobre esse assunto que me é tão caro. Iniciei a faculdade de Ciências Sociais, mas larguei por pressão familiar para cursar Direito. Hoje, algumas pesquisas de quando eu ainda era menino ficam apenas na memória, levantando meu idealismo para lançar novos e bons escritores no mercado. — continuou. — Então... Você aceita?

Lorenzo parecia estupefato. No instante em que abriu a boca para dizer aquelas palavras, não mais se recordava de Helena ou de seu filho que estava por nascer. O pragmatismo que carregava entranhado e disfarçado em seus gestos cativos se lançava agora, junto com a frase que proferira.

— Eu aceito.

Carmem riu, satisfeita. Como uma aranha que tece seus fios e se prepara para descartar o macho após a fecundação, ela se preparava para realizar mais um de seus desejos. Coisas que só o dinheiro, poder e status de Rubens Paiva puderam lhe proporcionar.


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