O que eu fui depois de você escrita por Raissa Muniz


Capítulo 5
Capítulo 4 - Carmem




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Lorenzo chegou exatamente às quatro da tarde para o encontro com o editor Rubens Paiva. Parou em frente ao café Ouro Preto, um suntuoso café escondido em uma das ruas da zona leste de Teresina. Abriu a porta de vidro e sentiu uma invasão de aromas invadir suas narinas.

O editor estava sentado em uma mesinha isolada. Velho e já exibindo seus cabelos brancos, trajava uma camiseta social azul claro e uma gravata vermelha de listras. Parecia perfeitamente adequado ao local, não fosse o sorriso de descontração que exibia em sua face. Ao seu lado, uma jovem mulher estava sentada defronte a um notebook ligado. Digitava apressadamente e não demonstrou notar a aproximação de Lorenzo. Rubens, por sua vez, percebeu. Levantou-se, erguendo a mão direita para um cumprimento com um aperto de mão.

— Prazer, Rubens Paiva.

— Prazer, Lorenzo.

— Ah, essa é Carmem, minha esposa. — anunciou gesticulando rumo à jovem mulher. Esta, por sua vez, apenas acenou rapidamente, voltando-se ao notebook com a mesma rapidez que fora retirada.

Carmem tinha cabelos encaracolados de um mel vivo, quase ruivos. Em sua boca, um batom da mesma cor contrastava com sua pele clara, mas não excessivamente branca. Tinha sobrancelhas arqueadas e um olhar inquisidor mesmo quando fitava apenas a tela do computador. Apesar de jovem, era ainda um pouco mais velha que Lorenzo. Teria seus trinta ou trinta e cinco anos. Era esguia e trajava um vestido colorido e de estampa colorida que realçava seus seios. Até mesmo seus movimentos pareciam ser previamente pensados e ensaiados, tal qual suas roupas impecáveis.

Lorenzo a fitou por alguns segundos, ligeiramente maravilhado por sua beleza, mas logo se voltou para Rubens antes que o mesmo notasse a reação.

— Eu trouxe os originais.

— Pois bem. Dê-me aqui. — pediu, estendendo a mão rumo ao grande envelope. — Li algumas matérias produzidas pelo senhor, mas o que me fez procurá-lo foi a visibilidade que veio ganhando com seu blog na internet.

Lorenzo riu, satisfeito. Escrevia sempre que podia algum rascunho, um ou outro início de livro, alguns contos e várias poesias, mas nunca imaginou que poderiam ganhar essa magnitude a ponto de lhe arranjarem encontros com editores.

— Sou produtor cultural, como bem sabe. — continuou Rubens com sua voz roufenha. — Procuro algo comercialmente lucrável, mas também valorizo as várias expressões de arte que tomam algumas obras. Marquei esse encontro hoje para ter posse de alguns originais seus para uma lida mais ferrenha. O que vi na internet não foi capaz de satisfazer minha curiosidade por que tipo de escritor estou tratando.

— Estão todos aí. — respondeu Lorenzo rapidamente. — Poesias, contos e crônicas.

— Certo, certo. É um prazer tê-lo aqui. Aceita um café?

— Aceito sim. — apressou-se a responder, visualizando o garçom. Pediu um cappuccino e permaneceu em silêncio enquanto fitava as sobrancelhas desgrenhadas e brancas de Rubens.

Um silêncio desconfortável se fez naquele instante. Lorenzo tomou a situação por desconhecida enquanto tentava desvendar a expressão do velho Paiva. Parecia perdido em seus próprios pensamentos, levando a mão à boca e encarando um ponto fixo muito atrás do campo de visão de Lorenzo.

Carmem permanecia fitando o notebook, parecendo entediada. Encarou o mostrador de seu relógio dourado e suspirou, falando pela primeira vez.

— Você tem uma reunião às seis da tarde. — anunciou, dirigindo-se a Rubens.

O velho, aparentando ter sido tomado em um dos seus devaneios, arregalou os olhos, reconhecendo aos poucos a situação. Por fim, pigarreou, assentindo. Voltou-se para Lorenzo, que fitava Carmem com um olhar abobalhado. Pigarreou novamente, rindo desconfortavelmente.

O café expresso de Rubens chegara à mesa, tal qual o de Carmem e o cappuccino de Lorenzo. Mais alguns minutos se passaram enquanto Rubens provava de seu café. Carmem desviava os olhares de Lorenzo, parecendo indiferente ao seu interesse aparentemente ingênuo.

— Ficarei com esses originais. Vou lê-los. Encaminho uma resposta por e-mail ou peço que Carmem lhe ligue quando eu acabar. — anunciou. Lorenzo assentiu, nervoso. Puxou o celular do bolso, onde viu o horário e a foto no plano de fundo dele com Helena.

Tendo todos finalmente terminado de sorver as bebidas, levantaram-se e encaminharam-se juntos rumo à porta de vidro que Lorenzo entrara há pouco.

— Aguardo sua resposta, sr. Rubens. — disse Lorenzo, apertando a mão do velho no estacionamento que ficava em frente ao café.

— Pode aguardar. Costumo ser sincero com minhas opiniões.

— Foi um prazer conhecê-lo. — disse Carmem, falando com uma voz doce pela primeira vez desde que Lorenzo a conhecera.

Trocaram um aperto de mão, onde Lorenzo sorriu abobalhadamente para ela. Esta, por sua vez, deu um sorriso torto, mas seguro, e lhe olhou de soslaio, como que acostumada com aquele tipo de reação entre seus recém conhecidos.

Carmem e Rubens caminharam para uma luxuosa caminhonete, tendo Lorenzo tomada o caminho de um carro popular.

Durante toda a viagem de volta para casa, flashes da tarde lhe vinham à mente. Ficara muito feliz pela oportunidade e não via a hora de contar as boas novas para Helena. A imagem de Carmem também vibrava insistentemente em sua cabeça. Era muito bonita, como não podia deixar de reconhecer. Podia transformá-la, um dia, em uma de suas personagens. Era perceptivelmente caricata, com suas sobrancelhas arqueadas e sua expressão segura ao lado do velho Rubens.

Lorenzo chegou em casa exatamente às seis horas da tarde. Correu de encontro à Helena, que preparava um jantar enquanto picava várias folhas verdes na bandeja. Após abraçar-lhe por trás, anunciou:

— Encontrei com o editor. Rubens Paiva é seu nome.

— Quais as perspectivas de publicação?

— Calma lá, Helena. — respondeu divertidamente enquanto levantava as mãos para o alto. — É só uma lida em alguns originais velhos...

Helena revirou os olhos, ironizando.

— Não sei quais as perspectivas de publicação. Nem ao menos sei se existem no momento. — continuou ele. — Sabe como é, prefiro não me apegar às expectativas em um momento desses... Formei-me há três anos e já estava começando a tirar da cabeça a ideia de publicar algo, pelo menos agora.

— Hm. — respondeu Helena. Mesmo sem notar, ela demonstrava um desinteresse incomum. Parecia perder-se em devaneios enquanto picava folhas verdes que conseguiriam suprir a fome de um boi.

— Lena. — disse Lorenzo sério. — Estou falando com você.

— Estou ouvindo, Lorenzo. — Respondeu Helena, fitando-o com seus olhos azuis e profundos. — Estava apenas perdida em algumas divagações. — falou mordendo o lábio inferior. Por fim, achou melhor assumir o que acontecera ao marido. — Tive um pesadelo horrendo esta tarde.

Lorenzo arqueou as sobrancelhas, preocupado com o que poderia ouvir. Anteriormente já tivera que ouvir relatos assustadores criados nos sonhos da esposa. A mente de Helena era, segundo ele costumava repetir, um poderoso roteirista para séries de terror.

Helena contou o sonho detalhadamente, tentando não esquecer nenhum detalhe enquanto levava as folhas verdes a um recipiente transparente.

Lorenzo ouvia, absorto tanto no relato quanto em suas memórias da tarde anterior. Por mais que tentasse, a imagem de Carmem não desaparecia de suas lembranças.

Curiosamente, ela não despertara nenhum sentimento ilícito a ele naquele instante. Mas fora suficientemente capaz de acordar suas percepções visuais. Era bonita, não podia negar. Seus olhos amendoados eram poderosos como dois imãs e pareciam reter toda a magnitude do café naquele instante. O velho Rubens, ao seu lado, destoava com seus cabelos brancos e sobrancelhas desgrenhadas. Até mesmo o sorriso de Carmem era seguro e inquisidor. Tinha uma expressão dissimulada ao falar docemente e seu toque era suficientemente forte para intimidar, mas não para passar toda a segurança que tentava expressar em todos os seus gestos.

Ele suspirou, tentando afastar sua imagem da cabeça. Só não podia imaginar que ainda teria muito trabalho para afastá-la também de sua vida.


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