Cartas para Hope escrita por Skye Miller


Capítulo 23
Twenty Three.


Notas iniciais do capítulo

OI ANJINHOS!
Eu nem demorei dessa vez, né? Fui tão rápida que estou até mesmo surpresa.
Descobri que, além de madrugada, frio, filmes, chá e chocolate, existe outra coisa que me dá muita inspiração: Ler.
Eu amo ler, sério, mas antes eu lia apenas por diversão, hoje, ler é meu refugio, hoje, ler me faz ter uma visão mais ampliada. Atualmente, após ler um livro consigo escrever quase cinco mil palavras em uma única noite sem parar, sem nenhuma pausa e isso é sensacional. Estou me sentindo uma mistura de Cath Avery e Violet Markey.

Esse capitulo foi um dos que ficou rondando minha cabeça por séculos quando comecei a escrever a fic, pois eu sabia que o grande dia finalmente chegaria.
E o grande dia chegou, o que me lembra duas coisas: Dia vinte e quatro a fic completa um ano, e desde skinny love eu tenho um ritual beeeeem esquisito que é tentar postar o último capitulo justamente quando a fic completa um ano. Estou escrevendo horas a fio, para ver se, em três ou quatro semanas, consigo ter a fic pronta e no dia 24 de julho conseguir postar o epilogo e os três extras. (Não chorem, CPH pode acabar, mas nossos corações sempre se lembrarão da fic. E, além do mais, Say Something e In My Veins estão vindo com tudo.)
Eu espero que gostem, sinceramente.
Beijinhos de luz.
(Hello G!)



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Uma coisa que amo e odeio ao mesmo tempo nos livros é a troca de capítulos. Amo porque significa que o capitulo chegou ao fim, significa que o próximo será composto apenas por coisas importantes e que todo o resto será ignorado, o leitor nunca precisará saber o que acontece naquele exato minuto com o personagem. Odeio porque isso me intriga, porque não acontece na vida real.

Não dá pra você simplesmente fazer uma pausa de capítulos, não dá pra você decidir o que irá acontecer hoje, escolher as melhores partes e jogar fora todo o resto, como se não fosse nada. A vida não pode ser dividida por capítulos, ela é dividida em horas, minutos e segundos. Os acontecimentos diários de uma pessoa estão acumulados um minuto após o outro, sem nenhum intervalo de tempo, páginas em branco ou pausas para outro capitulo. Ela simplesmente continua, segue em frente e você queira ou não a vida nunca vai fazer uma pausa.

É disso que mais tenho ódio na vida real, o fato de não podermos ter pausa pra capitulo, o fato de não podermos determinar exatamente como o dia vai começar ou terminar, tudo é imprevisível, a vida é cheia de surpresas. Preciso urgentemente que o tempo pare, preciso urgentemente de uma página em branco, preciso urgentemente dessa pausa de capitulo.

Quando Suzana passa por mim e pisca um olho de maneira ousada eu solto um suspiro e passo e me concentrar no que estou fazendo. Concentrar significa fazer convergir ou convergir para um centro ou um ponto; e isso é tão irônico, porque não consigo me focar em nenhum centro ou ponto especifico desde três dias atrás, quando recebi as cartas de Henry. As horas que se sucederam após a leitura de tudo aquilo foram agonizantes, pelo fato de eu não conseguir manter meus pensamentos e sentimentos em um só lugar. Eles estavam me sufocando, rondando minha cabeça.

Senti-me em um daqueles videoclipes de garotas bobas que não sabem distinguir o que sentem, e eu infelizmente estou me tornando assim.

– Mocinha, se eu chegar em casa e ao abrir a lata de sardinha ela estiver podre, eu posso vir devolver? – Suspiro mais uma vez e conto até dez mentalmente. A senhora na minha frente me olha como se estivesse me perguntando se parar de beber água faz mal a saúde. – No mercado da frente eles nunca devolvem! Isso é tão injusto.

– Senhora, é só olhar para a data de validade. Se estiver vencida pode vir reclamar, sim. Mas posso garantir que não está. – Explico na maior calma possível e aponto na lateral da lata. Ela pisca os olhos uma, duas, três vezes seguidas e me dirige um sorriso banguela, então assente e eu passo a sardinha na maquina de preços. – Dezessete dólares.

E isso resume o que tenho feito para passar o tempo: Ser caixa no supermercado do pai de Anna. De alguma maneira bem engraçada consegui convencer meu pai de que estava tudo bem, de que estou adorando ficar aqui e que tenho ido para a escola regulamente. Acho que ele realmente se importa comigo, ao contrário não estaria tão preocupado assim.

Ponho a mão no queixo e fico observando Ethan e Anna conversando animadamente no corredor de frutas. Ele vem aqui às vezes e ajuda no que for preciso. Hoje estão retirando tudo o que está chegando ao fim da validade do estoque. Ethan gira o rosto em minha direção, como se soubesse exatamente o que eu estava fazendo e acena.

Meu corpo se retrai e eu fico com a coluna rígida por alguns segundos, com os dedos formigando em agitação, o rosto esquentando de vergonha. Calmamente ergo a mão e aceno também. É o primeiro contato desde A Descoberta – É assim que rotulo tudo o que aconteceu – que tenho com ele, então deve ser por isso que ele está sorrindo tão lindamente e cutucando Anna.

Vê-los assim, tão próximos, me faz pensar no fato de que nunca percebi que os sentimentos de um pelo outro eram recíprocos. Claro que sempre notei os olhares curiosos de Anna em Ethan, mas eu sempre achei que era por ele ser seu adversário, e as diversas vezes que Ethan ficou esperando todos saírem da pista de atletismo para conversar a sós com ela acreditei que era por falta do que fazer.

E então, em uma mudança trágica de rumo, penso em Henry. Penso nas noites que ele passou em claro, em tudo o que ele teve que ouvir, ver e sentir em silêncio. No quanto foi preciso ter sangue frio para continuar com toda a farsa por mais de uma década. Sinto-me uma idiota por ter feito o que fiz, mas há tantas questões mal resolvidas, há tantas coisas que quero perguntar e dizer a ele, e tudo isso é confuso, tudo isso é difícil de conviver. Nunca tive que lidar com tantas decisões, e as vezes que lidei simplesmente joguei para o alto, ignorei ou fui pelo método mais fácil, que é as duas coisas ao mesmo tempo.

Estou tão perdida em pensamentos – Mais precisamente em Henry, nas suas cartas, na sua maneira de se declarar, na saudade que sinto dele, na sua voz, no seu jeito, simplesmente em Henry – que solto um longo suspiro e não percebo mais quem entra ou saí do supermercado, ele está tão vazio hoje que é possível seguir a pessoa com os olhos e ouvir tudo o que ela diz, consigo até mesmo ouvir os risinhos de Anna e Ethan e o som de beijos estalados que eles dão do nada.

Á uma hora, Suzana começou a reorganizar as prateleiras, e eu ainda estou presa atrás do caixa. Está muito frio, e tem uma musiquinha irritante que toca em todo o lugar, fica zumbindo em meus ouvidos atrapalhando meus pensamentos e o que resta da minha concentração. Estou com tanto sono. Se eu pudesse, me deitaria sobre o balcão, fecharia os meus olhos e sonharia, sonharia e sonharia infinitas vezes. Sonharia com o momento exato em que terminei de ler a ultima carta, e no meu sonho, ao invés de ficar chorando por ser uma boboca, eu iria correndo até Henry. Nesse sonho ele me abraçaria, colocaria suas mãos em meu rosto e sussurraria “Querida Hope”

O sino sobre a porta chia e me tira do meu devaneio.

Sinto meu corpo inteiro tremer; meus olhos se arregalam e eu fico pálida. Por alguns segundos acho que é uma miragem, estou tão boquiaberta que meu maxilar está doendo.

E ali está ele, andando através do corredor de um jeito engraçado, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça, e seu cabelo está espetado para cima, como se ele estivesse simplesmente levantado da cama e decidisse que hoje não iria pentear, sua cabeça está parecendo que é feita de folhas e galhos, sendo que ele nunca usa o cabelo assim, nunca, é sempre meio lambido, com uma franjinha meio Justin Bieber 2012 bem fofa.

Henry.

Quase caio do banco.

Ele olha diretamente para frente, para Ethan e Anna e caminha na direção dos dois. Eles três trocam algumas palavras, e então Henry começa a andar lentamente pelos corredores, pegando coisas aleatórias – um saco de doritos, alcaçuz, maças verdes, sopa de legumes... Ele simplesmente saí pegando e colocando dentro da cesta. – e olha tudo minuciosamente, como se achasse realmente interessante qual o teor açúcar em uma lata de coca-cola. Isso me faz se remexer no banco, pois quero e não quero que ele venha até o caixa, não sei o que irei fazer.

Finalmente Henry vem ao balcão com um pacote de batatas, um pacote de chiclete e uma soda – nada daquilo que ele havia pegado antes – e coloca calmamente as três coisas lado a lado.

– Isso é tudo? – Minha voz saí em um sussurro e ele olha para cima, para mim. Seu olhar é de surpresa e sua boca se abre em um perfeito “O”, mas então ele se recompõe, com as bochechas coradas e as mãos inquietas. Sinto que estou da mesma maneira. Seus olhos estão tão lindos hoje, tão claros, quase outro puro. Um amarelo brilhante.

– Isso é tudo. – Ele assente. Sua voz não vacila, aprece tão confiante que sinto inveja, querendo roubar um pouco para mim.

Pego suas coisas, minhas mãos tremendo, desesperada para dizer algo mais para ele, porém não sei o que dizer. Então uma mulher entra no supermercado, pega apenas um maço de cigarros e fica andando pelos corredores, procurando algo. Faço a conta do troco de Henry, da maneira mais lenta e cuidadosa que eu posso, tentando prolongar o momento, tentando mantê-lo erguido na minha frente por todo o tempo que for preciso.

Mas há apenas alguns poucos modos que você pode contar o troco para uma nota de cinco dólares. Calmamente passo o troco para ele. Nossas mãos se tocam quando coloco as notas sobre sua palma, um choque percorre através de mim. Quero agarrá-lo, quero beija-lo bem aqui, no meio de todo mundo.

– Tenha um bom dia. – Minha voz saí alta, aguda, estrangulada, totalmente exagerada. Estou até mesmo surpresa por conseguir pronunciar essas palavras.

– Oh, eu com certeza terei. – Noto três coisas antes de ele se virar: 1°) Os dentes superbrancos escondidos por detrás do sorriso sedutor, de lábios vermelhos e fartos. 2°) As covinhas que se formam no canto dos lábios e nas bochechas quando sorri, quando dá aquele sorriso 3°) Acho que estou hiperventilando bem na sua frente e ele faz questão de demonstrar que notou isso. – Um bom dia pra você também.

E então ele se foi, saiu diretamente para a rua. Tento segui-lo com os olhos, mas o sol me cega logo que ele passa pela porta e se transforma em uma sombra borrada, tremeluzindo na calçada e desaparecendo a cada passada.

Não posso suportar. Odeio pensar nisso; nele andando calmamente pelas ruas, ficando cada vez mais longe de mim. Nunca vou conseguir fazer isso. Está me sufocando continuar aqui. Olho para Anna e ela também está olhando para mim, antes que eu abra a boca agarra o braço de Ethan e grita empolgada: “Corra atrás dele!”.

E estou correndo rua abaixo, Henry está esperando um sinal abrir na esquina. Meu corpo inteiro vibra a cada passo.

– Ei! – Eu grito e ele se vira. Esperava que ele sorrisse, mas não faz isso, só continua olhando diretamente para mim, piscando os olhos repentinas vezes como se não acreditasse no que está vendo. Nem eu estou acreditando. Ele é tão lindo, oh, céus. A camisa cinza com um desenho estranho na frente, a calça jeans no comprimento e ajuste certo, os all star surrados de sempre. Seu cabelo não está mais tão espetado, o vento está domando-o aos poucos, fazendo-o voltar a ser o que era. Estou andando o mais rápido que posso, e quando finalmente estou frente a frente com ele, não sei o que dizer. – Hm... Eu meio que... Hm... Eu acho que dei o troco errado pra você.

Seus olhos me examinam calmamente por cinco longos segundos, então ele os pisca repentinas vezes. Tenho vontade de rir diante desse tique nervoso, mas preciso de força e não tenho. Henry coloca a mão esquerda no bolso, tira de lá as moedas que lhe entreguei e ergue uma sobrancelha.

– O troco está correto, moça;

Meu estomago dá reviravoltas com a maneira que ele diz “moça”, carregado de frieza e rancor. Por favor, pare, eu imploro, não me trate assim. Eu mereço, mas pare, isso parte o meu coração.

– Olha, vou direto ao ponto: Eu pedi tempo, Henry, pedi espaço. – Quase grito, pois sou tomada por uma onda de calor e energia. As pessoas ao redor estão prestando atenção em nós e comentando, sinto olhares perfurando o meu corpo. – Porém você mandou cartas e então aparece hoje do nada e... Eu estou tão confusa, meus sentimentos estão todos embaralhados. Não sei o que dizer ou o que pensar, eu... Tornei-me isso, confusa.

Espero que ele diga algo, ria ou simplesmente me ignore, mas ele não faz nada, só continua olhando para mim. Talvez pensando calmamente no que está acontecendo, ou algo do tipo, mas independente do que ocupa a sua cabeça, tenho medo do que ele fará a seguir.

Então... ele suspira. E é isso, ele suspira e fica em silêncio. Isso é o que mais me sufoca, o silêncio. Faz-me sentir presa e com uma louca vontade de pedir socorro.

– Desculpe. – Ele sussurra e troca o peso do corpo de um pé para o outro. – Deveria ter dado mais espaço, porém não consegui. Não consigo ficar longe de você, Hope.

Surpreendendo a nós dois, repondo:

– Eu também não consigo. – Antes que ele possa ao menos abrir a boca, já estou despejando o que está entalado na minha garganta. – Mas ainda não sei o que pensar, no que decidir. Tenho tantas dúvidas, há tantas coisas que quero perguntar, que quero saber, e não sei o que fazer com tudo isso, não sei se guardo dentro de mim mesma ou me exponho ao mundo.

– Me encontre a noite no estádio atrás da casa da Anna. Oito em ponto, hoje é quinta e as pessoas estão em casa cedo, então tome cuidado para não ser assaltada, sequestrada ou estuprada. Tenho algumas coisas para lhe dizer também.

Ele se vira e vai embora antes que eu possa responder, sua forma vai ficando pequena e distante a cada segundo.

Eu respiro fundo, engulo em seco e cruzo os dedos em uma prece silenciosa.

Que tudo fique bem, por favor, que tudo termine bem.

...

Friedrich Nietzsche disse certa vez: “Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.” Eu estou olhando para o abismo, e sinto que ele está olhando para mim também. Estou lutando contra os monstros e aos poucos estou me tornando um também.

Henry já está sentado sobre a grama do estádio quando finalmente consigo parar de olhar para o abismo e lutar contra os monstros que estão dentro de mim. A primeira coisa que noto é a sua pose ereta, os seus cabelos sendo domados pelo vento e seu olhar concentrado no céu estralado acima de nós.

Eu caminho devagar, medindo cada passo e sentindo minha pulsação saltando. As palavras de Anna Palmer estão coladas em meu cérebro como post-its, consigo ouvir sua voz fina de criança mimada dizendo “Você deve dizer sim para qualquer coisa que ele propor! Sim é a chave para a felicidade. Diga-lhe que sim, ainda que estava morrendo de medo do que vem depois, ainda que se arrependa duramente com as consequências, mas diga-lhe que sim, Hope, porque você vai se arrepender duramente de todas as formas pelo resto da sua vida se lhe disser que não.”

Sento-me ao seu lado e abro a boca às vezes, pensando no que falar, mas absolutamente nada sai. Minha voz parece estar presa dentro da minha garganta e eu me encolho todas as vezes que ele olha de soslaio para mim. Não estou com medo dele, estou com medo das suas reações, estou com medo das suas palavras. As palavras machucam como facas afiadas, e sagram tanto quanto.

– Eu poderia falar qualquer história sobre as constelações para amenizar o clima. – Henry diz em meio ao suspiro, passando as mãos pelos cabelos e os levantando para cima, deixando-o arrepiado. Resisto ao impulso de arrumar, odeio que seu cabelo fique espetado, e acho que ele sabe disso. – Mas eu não sei absolutamente nada, não sei nem qual é a de capricórnio... Espera, tem constelação de capricórnio?

Em meio aos risos eu assinto e relaxo um pouco. Minha barriga parece estar abrigando milhares de borboletas, que ficam batendo as asas e se remexendo em momentos inapropriados. Não sinto vontade de vomitar, é apenas um friozinho, uma sensação gostosa e esquisita. E, Meu Deus, estou com tanto medo do que vou falar e ouvir hoje.

– Você está bem, Hope?

É uma pergunta simples, que recebo todos os dias por algum conhecido qualquer que encontro na rua. Eu sempre respondo que sim, porque no fim ninguém se importa, as pessoas perguntam por perguntar, como se estivessem apenas confirmando qual dia é hoje. Mas, dessa vez, quero responder com sinceridade.

– Acho que sim. Mais ou menos. É complicado.

Henry não diz nada, apenas assente e continua olhando para o céu. Sempre fui muito ansiosa, por isso estou tão inquieta esperando que possamos conversar verdadeiramente logo, mas quando se trata de Henry, é tudo calmo, tudo paciente. Para Henry, as coisas não tem que ser tão impulsivas, para chegarmos em um dialogo definitivo temos que passar pelas preliminares de outros.

– E você, Henry? – Minha garganta se fecha quando pergunto, porque ele retrai o rosto, como se ouvir a minha voz o incomodasse. – Está bem?

Ele nega, balança um pouco a cabeça para os lados e em um único segundo fica de pé. Demoro um pouco para me levantar, porque apesar de tudo estava gostando da sensação da grama sobre meus dedos.

Henry sempre foi mais alto que eu, portanto sinto-me um tanto indefesa e invulnerável quando me ergo diante dele. Seus olhos estão escuros, e ele analisa cada passo que eu dou em sua direção. Quando o olho, parece que vejo duas pessoas, parece que vejo o amável Sr. Confuso e ao mesmo tempo o problemático Henry. Será que isso ocorre quando ele olha para mim? Será que ele vê a pequena, mimada e extrovertida Hope Adams se fundindo na destemida, eficaz e sincera Hope Stonem? Será de qual ele mais gosta?

– Você disse que precisava conversar comigo. – Henry ergue as mãos dramaticamente para o ar, como se estivesse em um palco pregando para milhares de pessoas, isso me incomoda, porque sempre que Henry ergue as mãos ele se torna debochado. – Você disse que tinha dúvidas pendentes. Aqui estou eu, pergunte o que quiser, fale o que quiser.

– Eu só queria saber: Por que eu? Dentre todas as pessoas do mundo, por que eu? – Minha voz se torna aguçada, porque é uma das únicas coisas que ficam rondando pela minha cabeça. Antes de dormir, antes de colocar a cabeça no travesseiro, sinto uma angustia, uma pergunta me cutucando, por que eu? Por que, por que?! – Eu não sou a mais bonita, nem provavelmente tenho algo a lhe oferecer, então, por que eu?

– Você acha que eu não me pergunto o mesmo? – E, de repente, ele está gritando e caminhando decidido em minha direção. Quando ele toma minha mão pela primeira vez, o simples toque faz disparar uma corrente que percorre todos os átomos do meu ser. Ele olha no fundo dos meus olhos, e tudo o que existe além de nós nesse momento perdeu a importância. – Todos os dias, todos os meus fodidos dias, eu procuro razões para te amar e encontro tantas que acabo esquecendo as razões para te odiar. Eu devo ser um babaca muito idiota. Tenho dezessete anos, sou filho de um dos melhores advogados da redondeza, sou capitão do time de futebol e escrevo bem pra caralho. Poderia ter a garota que eu quisesse, mas fui me apaixonar por você. Se isso não for idiotice, o que é? Seja o que for, não quero saber, porque apesar de todos os apesares eu amo você, Hope. Não de um jeito amigo como o David. Não de um jeito obsessivo como Tyler. Eu amo você da maneira mais complexa e pura possível, e não há nada nem ninguém que fará isso mudar. Odeio tudo isso aqui, odeio esse povinho ranzinza, com atividade repetitivas, odeio esse mundo, odeio odeio odeio. E sempre parece que estão todos dormindo. Mas existem os pássaros, que são rápidos, são livres, que estão sempre acordados... Na primeira vez que vi você correndo, foi como se estivesse vendo um pássaro. Tinha apenas quatro anos, estávamos no orfanato. Você pulava, você gritava e seu cabelo estava preso em duas trancinhas... E você era tão rápida, apenas um flash, livre. Exatamente como um pássaro. É por isso que escolho você, Hope, porque todo mundo está dormindo, todo mundo parece estar dormindo durante bilhões de anos. Mas você... Você parece acordada e eu estou cansado de ficar dormindo.

Meus pulmões se enchem de ar e meus olhos de lagrimas. É aquela mesma sensação que tenho quando consigo correr durante horas a fio e mesmo assim não me canso, quando me dou quando de que sou capaz de fazer algo, de que não sou uma inútil. Na minha frente, tem um garoto que me ama, na minha frente tem um garoto que durante toda a sua vida escreveu cartas para mim, na minha frente tem um garoto que está com milhares de coisas presas para soltar, e no fim, eu estou aqui para ouvir.

É hora de Hery Adams ser ele mesmo.

Seus olhos estão fogo puro, um dourado de tirar o folego. Ele levanta as mãos para o auto, andando de um lado para o outro. Parece estar guardando isso dentro de si a muito tempo, e quer finalmente se soltar. Eu não vou prendê-lo, não mais. Deixei de ser egoísta a partir do momento que percebi que segurava meu orgulho da mesma maneira que deveria segurar Henry.

– Eu nunca consigo entender você, Henry. – Sussurro e ele para de andar, olhando embasbacado para mim, como se não acreditasse que eu tive a audácia de o interromper. Mas eu tenho que falar, tenho que dizer antes que seja tarde demais e não haja nenhuma outra oportunidade. – Você sempre me tratou mal, sempre com deboche, com ignorância, sempre com mil predas na mão. Como posso acreditar nisso? Como posso acreditar que você me ama, sendo que você é tão bipolar? Quando éramos crianças, você era um monstro terrível! Você me batia, quebrava minhas bonecas e sempre tentava me por para baixo usando meus pais biológicos como arma. Você era o diabo, Henry, e então simplesmente decide que vai me amar? Qual é o seu problema, afinal?

Qual é o meu problema? – Ele repete a pergunta como se não estivesse acreditando no que eu acabei de falar, então ele ri friamente, um riso que chia pelos meus ouvidos e me faz se arrepender de ter abrido a boca. – Qual é o meu problema, Hope? Ah, vejamos, vamos voltar ao passado, vamos relembrar de algumas coisas, querida. Será que só eu fui uma pessoa ruim, será que só eu fui mal, será que só eu fui “um diabo”, Hope?

– O que você quer dizer com isso?

Merda. Merda. Merda.

Ele está olhando para mim com rancor, dor e angustia.

Merda. Merda. Merda.

Eu sei do que ele está falando.

Merda.

Ele vai me torturar, vai me humilhar, vai jogar na minha cara que, apesar de tudo, sou tão horrível quanto ele. Apesar de me amar, ele não vai perder essa oportunidade, não vai mesmo.

– Você se lembra do verão que o primo Mike veio passar conosco? E a gente tava na casa do lago, e você estava estupidamente linda naquele dia. Acho que tínhamos uns quatorze anos, aí o Mike disse que deveríamos correr até o píer. E fomos correndo, mas você escorregou e bateu a cabeça na quina da madeira. Ficou um galo enorme, e quando o John chegou você disse a ele que EU havia empurrado você, sendo que quem estava ao seu lado era o Mike. E sabe por que você fez isso? Para se vingar de algo ridículo, como o fato de eu não ter deixado você assistir TV porque eu estava jogando. Você sabe o quanto eu apanhei, Hope? O que tive que ouvir? E por mais que tentasse dizer a verdade meu pai nunca acreditaria, porque ele preferia você. E, depois desse dia, fiquei me perguntando se era masoquismo continuar te amando.

Sinto meu estomago afundar quando ele estala a língua e volta a falar.

– Se existe algo que eu amo além de literatura e artes, é biologia. Mas não a área de humanas, a área biológica em si, mas a área marítima. Eu lembro que, quando tinha sete anos, a Cassie me deu um óculos de natação e quando fomos para a praia eu fiquei quase três minutos abaixo da água, vendo os peixes. Eu queria ser biólogo marinho, estar sempre rodeado do azul do mar, lidando com peixe, água, corais e etc. Aí, o vovô me deu um aquário lindo. Você lembra, não lembra? Tenho certeza que lembra. Foi um dos melhores presentes que ganhei, ficava todos os dias em frente ao aquário conversando com os peixes que haviam ali dentro. – Ele faz uma pausa, talvez tentando achar as palavras certas, talvez tentando lembrar nitidamente dos fatos. Estou enjoada, quero sair daqui correndo antes que ele termine de contar o que aconteceu, mas não posso, não posso ser uma covarde a essa altura do campeonato. Ele havia me avisado: Amar pode doer. E está doendo, muito. – Todo mundo sabe que eu tenho alergia a gatos, mas você, toda mimada, toda cheia de si, toda contraditória, passou três meses reclamando que deveria ter um gato, porque se eu tinha peixes, você merecia ter a porcaria de um gato. Ninguém conseguia colocar na sua cabeça que felinos fazem mal a minha saúde. Então, em um belo dia, quando eu acordei e fui conversar com os peixes, eles estavam mortos. Todos eles estavam boiando. Alguém tinha colocado ração demais e desligado a bomba de ar do aquário. Eu chorei tanto, Hope, tanto. Não na sua frente, nem na frente de ninguém, mas chorei. Cassie disse que havia sido a empregada, que ela havia se esquecido de tirar os peixes de dentro quando foi limpar o aquário. Mas eu sabia que havia sido você no momento que a vi, com um sorriso provocador e os olhos desconfiados. Tinha um bilhete debaixo do meu travesseiro: “Se eu não posso ter um gatinho, você não pode ter peixinhos.”. Tive vontade de dizer para todos que havia sido você, mas quem iria acreditar? Você é a certinha, a perfeita, o futuro da família Adams. Eu sou defeituoso. Uma fraude. Sou impossível de ser amado.

Eu estou chorando e soluçando; meus soluços fazem um barulho oco sobre todo o estádio. Henry mal olha para mim, mas eu sei que ele sabe que estou chorando, porque ele dá um passo para frente e outro para trás, como se estivesse se decidindo o que fazer. Como se decidisse se devesse continuar me amando ou não.

– Antes que você peça ou pergunte, eu perdoei você. Já lhe perdoei por todas as mentiras que disse para John no intuito de que ele fosse me castigar, já lhe perdoei por todas as telas de pintura que você riscou propositalmente quando éramos crianças, já lhe perdoei por ter me empurrado da escada e fingir não me ouvir enquanto eu gritava por estar com o tornozelo quebrado. Você era terrível, mas eu também era. Então, me desculpa também, sério, mas eu sempre fiz o que fiz para tentar chamar sua atenção de alguma forma porque eu não tinha coragem de falar ou assumir o que eu sentia por você. Você me irritava tanto, Hope, ficava cantando desafinado no meu ouvido até eu gritar com você e você começar a chorar, ficava mexendo nas minhas coisas e antes mesmo que eu tocasse na sua pele você já estava berrando e dizendo que eu havia lhe batido. Nunca encostei um dedo em você com brutalidade, apenas uma vez no ano passado, mas fiquei me culpando por um longo tempo, porque havia percebido que aos poucos eu estava me tornando o John. E eu não quero ser como o John. – Ele enfim se aproxima e parece estar lutando consigo mesmo, quando então estica um braço e me abraça. – Desculpe-me.

A gente sempre acha que se abraçarmos uma pessoa com muita força ela vai ficar ainda mais próxima, para tornarmo-nos uma só. Por esse motivo, eu estou puxando Henry com toda a força que tenho, agarrando a sua camisa e o trazendo para mim. Quero me fundir nele, entrar dentro do seu coração e pôr curativos em todos os cortes que há ali, quero sarar todos os machucados que já lhe causei. Eu tento dizer que sinto muito, tento pedir desculpas, mas nada sai da minha boca, apenas soluço. Ele é tão alto, é tão forte e tão lindo.

– Você é uma daquelas pessoas que o mundo não merece. – Começo a dizer soluçando quando me afasto, Henry nega e abre a boca para retrucar, porém sou mais rápida e continuo a falar: – E eu sinto muito por não poder te proteger de todo esse povo egoísta e ridículo que ainda não aprendeu a amar. Você se encaixa exatamente no que diz, sem tentar ser mais do que realmente é, e isso é tão lindo, tão foda, e eu nunca havia confessado antes, mas eu e venero tanto, Henry, tanto. Você é incrível sem esforços, e tem cheiro de paz. Você só não percebe isso porque ainda não aprendeu a se amar, a se ver com os olhos de alma, a se ver de verdade. Pare de tentar colocar coisas negativas sobre você, pare de dizer que você é isso ou aquilo, porque você não é.

Ele continua negando e eu continuo apertando-o com força.

– Eu amo você, Hope. – Ele diz quando eu acho que poderia parar de chorar, mas acontece ao contrário, e lá estou eu me desintegrando novamente. – Você merece coisa melhor. Eu sou todo complicado. Minha cabeça é composta por muitas coisas, por muitos pensamentos que não consigo organizar. É difícil explicar. Sou problemático. Não posso prometer que vou estar sempre por perto, não porque não queira, mas porque as vezes me tranco dentro do meu próprio mundo, do meu próprio abismo, e não saio dele. Posso estar aqui, mas não estou verdadeiramente. É complicado. Estou despedaçado, e ninguém pode me ajudar nem sair juntando os pedaços para me consertar. Eu tentei. Ainda estou tentando. Não gosto de fazer as pessoas me amarem porque não é justo, eu sempre machuco quem ao menos gosta de mim. Não posso prometer a você que as coisas ficaram sempre bem, não posso prometer que não vou despedaça-la aos poucos, pedacinho por pedacinho, até ficar toda danifica, em mil caquinhos como eu. Você tem que saber no que está se metendo antes de se envolver.

– Eu já estou envolvida.

Seu rosto passa por uma série de mudanças e então ele sorri e chora ao mesmo tempo enquanto diz:

– Desculpa. Não posso esperar. Não consigo. Não dá. Desculpa. Tem que ser agora.

Meu peito palpita quando seu rosto se aproxima.

– Henry?

Ele limpa as lagrimas dos meus olhos e segura o meu rosto com as duas mãos.

E então estamos nos beijando. Não é nada parecido com o que já imaginei ou até mesmo sonhei, é melhor: parecido com uma dança envolvente, uma música eletrônica de palpitar o coração. Sua boca faz uma pequena abertura e eu faço o mesmo. Seus lábios são tão macios, a mesma pressão macia que é a voz da Anna Palmer sussurrando na minha cabeça: Sim.

O calor está crescendo dentro de mim, fazendo-me sentir como se estivesse flutuando. Seus dedos se entrelaçam ao meu cabelo, agarrando meu pescoço e minhas costas, e suas mãos deslizam sobre meus ombros, sem pensar ou querer; minhas mãos encontram seu peito e eu sinto sua pele quente, os ossos de seus ombros como pontas de asas – Todo estranho e desconhecido, mas gloriosamente e deliciosamente novo. Meu coração está batendo tão forte que chega a doer, como o sentimento que você sente no primeiro dia de aula e não conhece ninguém na escola, como o fim e o começo de algo de uma vez só. Sob minhas mãos eu juro que posso sentir seu coração batendo forte, um eco do meu, como se estivessem em um corpo só falando em uníssimo.

E de repente, tudo é tão estupidamente claro, obvio que sinto vontade de rir.

Isso é o que eu quero. Essa é a única coisa que eu sempre quis. Todo o resto, tudo o que veio antes desse momento, não significa nada.

Quando Henry finalmente se afasta eu me sinto toda aveluda, como se meus pensamentos estivessem se acalmados e leve como uma pluma, estou cheia de calma e felicidade. A única palavra que consigo pronunciar é sim. Sim para tudo.

– Eu amo você, Hope. Acredita em mim agora?

– Sim.

– Você ama também?

– Sim.

– Posso levar você de volta para casa?

– Sim.

– Posso ver você amanhã?

– Sim, sim, sim.

As ruas estão vazias agora. A cidade inteira está silenciosa e calma. Estou com tanto frio, mas ele se mantem ao meu lado, aquecendo-me com seu corpo, palavras e beijos. A caminhada até a casa de Anna é toda pomposa, como um sonho. Ele segura minha mão por todo o caminho e paramos para nos beijar a todo momento. Quero ficar assim para sempre; peito com peito, lábios com lábios.

De alguma forma, estamos na frente da janela de Suzana. Eu sussurro um “Até logo” a ele e sinto seus lábios roçar nos meus uma última vez, leves como o vento.

Então estou tentando entrar dentro de casa, subir as escadas e ir para o quarto. Topo com Anna e Ethan sentados no sofá assistindo algum filme, eles me olham desconfiados por eu estar andando tão rapidamente e eu só consigo respirar normalmente quando me deito sobre a cama.

Meu celular pisca, e uma mensagem surge:

“Não estou bem.”

Respondo no mesmo segundo:

“O que foi?”

“Saudade.”

“Só saudade?”

“Como só? Saudade é tudo, Hope. Você não está com saudade?”

Se estou com saudades? Ah, Henry, gostaria de se perder dentro de ti. Se eu lhe mostrasse o quanto preciso de você aqui comigo, você sairia correndo.

Eu respondo a única palavra que quero continuar dizendo pelo resto da minha vida:

“Sim.”

...

Enquanto estou lá deitada, com uma euforia caminhando pelo peito, e o desejo o Henry tão forte em mim como uma lamina debruçando seu caminho através dos meus órgãos, rasgando-me, tudo o que consigo pensar é: Vai me matar, ai meu Deus, vai acabar me matando. E eu não me importo.


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Notas finais do capítulo

Eu dedico a Lília, por ter sido a primeira a saber da existência dessa fic e também dedico a Anna, que, em meio a tantas conversas no wpp, (sem saber) me deu ideias para escrever esse capitulo, principalmente o desfecho.
Gostaram? Eu amei, to me tremendo todaaaa.

Agora vamos conversas, anjinhos: Alguém aqui já leu "Dois garotos se beijando" ????? CARA EU NÃO ERA CHEGADA EM LIVROS ASSIM, PORÉM TO A-P-A-I-X-O-N-A-D-A POR DAVID LEVITHAN E OS LIVROS DELES SÃO FANTÁSTICOS. Dois garotos se beijando é tão filosofico, tão fofo, tão tudo, me encheu de inspiração pro final da fic.
Alguém aqui já leu "Um Caso Perdido" ??? Fiquei tão feliz quando finalizei ele, porque acabou bem e é um livro tão legal, a Sky/Hope me lembra bastante a MINHA HOPE e isso me deixou toda inspirada pra desenvolver ainda mais a personalidade da Adams/Stonem
E o livro "Por lugares incríveis" ? (É bem notável que eu passei os últimos dias dentro do quarto apenas lendo um livro atrás do outro.) GENTE DO CÉU, ALGUÉM AQUI JÁ LEU? PRECISO URGENTEMENTE CONVERSAR SOBRE THEODORE FINCH!!!!! THEODORE FINCH É UM HENRY DA VIDA GENTE. E, sério, preciso conversar sobre esse livro. Toda hora eu lembro do final e começo a chorar e conversar sozinha sobre tudo, e eu to tão tão tão sentimental, meu Deus, to um caquinho.Esse livro foi meu chão, to até com medo de ler Estilhaça-me (talvez eu leia hoje a noite) porque to tão quebrada que se esse livro for depre também eu vou me quebrar ainda mais.

Bom, é isso! CONVERSEM COMIGO, COMENTEM GENTE, VOU RESPONDER OS PENDENTES EM BREVE.
Amo vcs,
beijinhos de luzzzz.

Skye.



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