Diário de Uma Semideusa escrita por Lúcia B Wolf


Capítulo 13
Torre de Astronomia




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P...Q...P…

Senti que Logan fez menção de sacar a espada enquanto o dragão levantava a cabeça de escamas azul-marinhas e me olhava de frente. Coloquei-me entre os dois, ainda encarando-o, e impedi Logan de sacar a lâmina.

– O que diabos você está fazendo? - Ele sussurrou em meu ouvido.

– Salvando sua vida. Não se mexa.

O dragão aproximou a cabeça de nós. Senti minhas pernas tremerem, mas ele tocou meu braço com o focinho e afastou-se de novo, ainda olhando para mim. Pisquei algumas vezes, até que entendi o que devia fazer. Estiquei a mão de novo.

– Mas o que…? Não faz isso, menina... - Logan falou quase choroso enquanto segurava meu braço, mas eu já não estava com medo.

Dei um passo em direção ao dragão, que ainda me encarava sem fazer nada. Mais um passo, e toquei nele. A fera piscou, mexeu a cabeça e a deitou no chão novamente.

– Bom garoto!

Logan virou os olhos claros para mim. – Você sabia que ele não ia te machucar.

Encolhi os ombros com um risinho.

– Suspeitava. Talvez a lenda seja verdadeira.

Sentei-me no chão, escorada no dragão, e fiz sinal para que Logan fizesse o mesmo. Ele lançou outro olhar ao Focinho-curto Sueco, que voltara a dormir, e acomodou-se ao meu lado.

– Que lenda?

– Uma lenda que Lee me contou. Algumas pessoas acreditam que há milhares e milhares de anos, haviam dois sóis no céu. E um deles aprisionava dragões. Até que um dia Apolo resolveu explodir aquele sol e libertá-los, fazendo com que os 10 primeiros dragões caíssem na Terra.

– As 10 raças puro-sangue.

– Exatamente.

Ele riu. – Só sendo seu irmão pra falar uma besteira dessas.

Ri também.

– Acho que nós demos sorte. De qualquer forma os Focinho-curtos não têm muita fama de assassinos - continuei, - e esse é pouco mais que um bebê. Eu não chegaria perto daqueles dois nem se me pagassem.

Log assentiu e riu. Depois, ficamos alguns minutos em silêncio.

– Como está a perna? - Ele finalmente perguntou.

– Não tá tão ruim.

– Ao menos tente curar.

Suspirei. Não tinha certeza se era uma boa ideia, mas não valia a pena discutir.

– Tá, tá legal. Mas antes que eu apague, quero te dizer uma coisa. Obrigada por ter vindo atrás de mim. Não sei o que teria feito se você não tivesse aparecido.

– Cansada de fingir orgulho? - Log perguntou com um sorrisinho cínico.

O pior é que não foi orgulho fingido. Foi ciúme disfarçado.

– Você podia só dizer “de nada”.

– Eu não vou dizer.

Claro que não, pensei com um sorriso, esse é só você sendo você mesmo.

– Agora ande logo com isso - ele me apressou.

Puxei a perna direita para mais próximo do corpo, coloquei a mão sob a mordida e fechei os olhos. Tentei recriar o momento em que curara o ferimento de espada em Logan, mas era doloroso reviver aquilo. Meus olhos encheram-se de lágrimas.

– Cice, o que foi? Está doendo tanto assim?

– Eu não consigo… Na última vez que usei o Dom foi pra te salvar, Log. Você estava morrendo… por minha causa…

Ele fez que não com a cabeça.

– Não seja boba, não foi sua culpa. E eu não morri, estou bem aqui com você. - Uma mecha de cabelo ruivo caía sobre meus olhos, e Log a colocou pra trás da minha orelha com uma risada. - Olha onde nós estamos! Você nos colocou em meio à dragões! Ainda acha que tem alguma coisa que não consiga fazer?

Sorri, encolhendo os ombros. – Eu não conseguiria sem você.

Olhávamos nos olhos um do outro, e por um momento ficamos assim. Agradeci a pouca luz da lua escondendo minhas bochechas coradas.

E aquilo que eu matara por tanto tempo parecia ganhar vida em meu estômago.

– Então… - Logan rompeu o silêncio - anda logo com isso.

Colei os joelhos no tronco do corpo e apertei o ferimento mais uma vez, com os olhos fechados. Cantarolei alguma coisa… sim, me lembro disso… e um brilho, um brilho muito forte…

Mas nada aconteceu.

Anda, vamos lá… só preciso que essa perna volte ao que era antes…

E tão de repente quanto da última vez, meu coração pareceu se aquecer e eu estava murmurando algo que não compreendia. E o brilho.

Abri os olhos. O dragão ainda dormia, a lua ainda brilhava pálida no céu escuro, e Logan segurava meus ombros. Seu rosto, normalmente impassível e sem emoção, estava pasmo, com os olhos arregalados.

– Foi… incrível.

Esbocei um sorriso e senti meu corpo pender pro lado. Logan aninhou-me contra seu peito, eu com o nariz contra seu pescoço. Estava cansada, mas aquela mordida não precisara de tanto esforço quanto um corte fundo de espada.

– C-consegui…

Ele alisou outra mecha do meu cabelo, e não respondeu. Eu estava vagamente ciente do que acontecia ao meu redor e, sem mexer um músculo, Log dormiu primeiro que eu.

***

– Cice. - Acordei assustada com a voz de Logan, logo após o nascer do sol. - Você está bem?

Ainda estava escorada em seu peito. Afastei-me, meio constrangida.

– Sim, estou.

– Vamos sair daqui antes que eles acordem.

Lancei um olhar ao redor, e os dragões ainda dormiam. Desamarrei o pedaço de pano que cobria a mordida em minha perna direita, agora lisa. Não havia nem mesmo uma cicatriz.

– Você está ficando boa nisso.

Sorri.

– Agora temos que achar a trilha, né?

– Sim - Log respondeu. - É só seguí-la que chegamos ao castelo.

Saímos da clareira, adentrando a floresta densa. Logan deu uma leve risada.

– Nós passamos a noite cercados por dragões, e sobrevivemos pra contar a história!

– Dragões não se atreveriam a matar o filho de Zeus.

– Ah, com certeza eles matariam - ele balançou a cabeça, ainda sorrindo. - Só você mesmo, Cice. Eu não teria feito isso com mais ninguém. Foi incrível.

Segurei a mão dele, colando nossos ombros, com um sorriso. – Eu também não teria feito com outra pessoa.

– Nem com o Reed?

Eu ri.

– Ele não me deixaria chegar nem perto.

Quando achamos a trilha, seguimos de mãos dadas até o fim.

***

– AÍ ESTÃO VOCÊS!

Lee correu até nós quando Logan e eu aparecemos na orla da floresta, seus cabelos azuis brilhando à luz do sol. – CICE! Pelos deuses! Onde vocês estavam? Você tem noção do quanto eu estava preocupado?

Ele me abraçou fortemente.

Vários alunos e praticamente todos os professores estavam ali, olhando para nós com olhos arregalados. Pelo canto do olho vi Becky correr até Logan e o puxar para longe.

– Promete pra mim que não vai fazer isso de novo! - Lee agora segurava meu rosto com as duas mãos.

– Desculpe, nós nos perdemos. Mas eu estou bem, mesmo. Graças a ele. - Indiquei Logan com um movimento de cabeça, que olhava pra mim por cima do ombro de Becky. Ou meus olhos muito me enganam, ou ele fez menção de sorrir.

Narrei a história algumas vezes para os professores - que nos deram uma semana de detenção - e para meus amigos. Mas John não entrava nessa lista. Ele ficou me observando de longe o tempo todo, sem dizer nada.

– … você devia ir pra ala hospitalar - Liz ia dizendo, até que eu a interrompi.

– Não, eu estou bem. Já volto.

E fui andando em direção a John, que estava escorado numa das árvores no jardim em frente ao castelo.

– Oi - falei, meio sem graça.

– Está tudo bem com você? - Ele perguntou, relutante. Assenti com a cabeça. John suspirou algumas vezes antes de continuar. – Eu vi vocês. Eu vi vocês dois, Cice.

Senti minhas bochechas queimarem.

– Eu não… não aconteceu nada, John.

– Não minta pra mim. Vocês passaram a noite juntos, chegaram aqui de mãos dadas. - Seu tom era anormalmente frio, ele nem me olhava nos olhos. Senti as lágrimas brotarem. – Eu sempre soube - John continuou, com uma risada gelada, - não sei por que fiquei tão surpreso. Sabe de uma coisa? Você não tem com o que se preocupar. Está livre agora.

– O que quer dizer com isso?

Só então ele olhou pra mim.

– Seja lá o que for que a gente tinha… não temos mais. Pode ficar com quem você realmente gosta, agora.

Meu coração apertou. – Não, John… não faz isso…

– Já está feito, Cice.

Ele me deu as costas, de cabeça baixa. Levei a mão ao medalhão, apertando-o forte.

– John - minha voz saiu como um sussurro enquanto as lágrimas rolavam pelas minhas bochechas, mas ele se virou para mim. - Tome.

Arranquei a correntinha do pescoço e a estendi.

– Fique com ela - ele disse. - É sua.

***

– Cice? Cê ta legal? Onde cê tava?

Emily perguntou quando entrei no dormitório, horas depois, com os olhos vermelhos. Liz e Maísa já dormiam em suas camas com as cortinas fechadas.

– John terminou comigo.

Emily não pareceu surpresa. – Ele ficou na maior bad quando geral viu que você e Logan tinham dado no pé. Todo mundo achou que cês tavam se pegando por aí, saca? A barra foi pesada demais pra ele.

Suspirei ao me jogar na cama.

– Ele era a única coisa normal no meu mundo louco.

– Ah, Cice, cê sabe que foi melhor assim.

Não respondi. Aquele era um assunto que eu tentava esquecer, sentimentos que eu tentei matar sem sucesso durante muito tempo.

.

Ignorar os olhares e os cochichos das pessoas enquanto eu andava pelo castelo estava ficando cada vez mais impossível. As mais recentes notícias - Dom da Cura, eu e Logan perdidos a noite toda na Floresta Proibida, dragões e ambos os Reed solteiros depois de mais um briga entre Finn e Liz - eram praticamente os únicos assuntos que os alunos comentavam. Sair pelas portas do castelo para a aula de Trato das Criaturas Mágicas nos jardins foi um alívio, até que Hagrid nos fez dar meia volta e nos levar para uma sala de aula no primeiro andar.

– Bom dia a todos - começou ele. - A aula de hoje será sobre um animal que vocês vão me agradecer por não ter trazido um. - Hagrid agitou seu guarda-chuva cor-de-rosa e uma imagem se formou no quadro negro. – Alguém sabe o que é isto?

O animal parecia uma aranha gigante, mas seu corpo era como uma bola grande e peluda, de onde saíam cinco longas pernas terminadas em garras tortas. Uma garota da Corvinal ergueu a mão e disse, com uma voz firme que só podia pertencer a uma pessoa.

– É um Quintípede. É um animal carnívoro perigosíssimo, e tem um certo gosto por humanos.

– Muito bem, senhorita Brooks. 10 pontos para a Corvinal.

Becky olhou para mim por cima do ombro com tal ar de superioridade que tive vontade de jogar o tinteiro na cabeça dela.

– O Quintípede, que só é encontrado na ilha de Drear… - continuou Hagrid, mas eu já não prestava atenção. Pela janela da sala pude ver o time de quadribol da Grifinória atravessar os jardins para mais um treino no campo, e John conversava animadamente com os outros jogadores. Segurei meu medalhão com força. Me sentia livre.

Foi melhor assim.

.

Durante as aulas da tarde eu estava mais distraída que o normal. Algo ainda pesava dentro de mim, me incomodava. E pra piorar, eu sabia que alguma coisa ruim ia acontecer. Sentia isso. Quando o sinal tocou para a última aula, não fui pra classe. Precisava de um lugar para ficar sozinha e pensar, então comecei a vagar pelo castelo.

Quando dei por mim, estava olhando para as costas de Logan no topo da Torre de Astronomia.

– Ah, oi. - Esperei que Becky saísse de alguma sombra, mas nada aconteceu. Logan se virou para mim, recostando-se na amurada.

– Estava procurando por mim? - Ele perguntou, seco.

– Não exatamente, mas foi bom ter te encontrado aqui.

Logan me estudou com certo interesse, esperando que eu prosseguisse.

– Quase não te vejo desde o treino na Floresta Proibida.

Ele me deu as costas, fazendo que não com a cabeça. – Você não devia ter vindo.

– Por que não? Está esperando sua sombra pra um encontro romântico ao pôr-do-sol?

– Não. - Ele fez uma pausa que pareceu uma eternidade. - Talvez fosse melhor se a gente se afastasse.

– O quê? - Engoli em seco enquanto me apoiava na amurada ao lado dele. Logan manteve o olhar perdido no horizonte e não respondeu. Abaixei a cabeça e falei mais para mim do que pra ele. - Já entendi qual é o problema.

– Duvido muito disso…

– Você está sentindo também, não está? - O interrompi antes que perdesse a coragem. - Tento matar isso dentro de mim há dois anos, Logan, mas agora está mais forte que eu. Mais forte que você também. E agora que você sente o mesmo por mim, acha mesmo que eu vou me afast…

Ele me interrompeu da forma que, lá no fundo, sempre almejei.

Durante vários segundos, não pensei em nada. O mundo ficou perfeito quando se resumiu apenas em nós dois.

Quando dei por mim, ele já descia a Torre de Astronomia pelas escadas de pedra em espiral. E eu fiquei ali, imóvel, enquanto a realidade voltava à tona e o mundo parecia cada vez menos perfeito.


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