Meu nome não é Kyle escrita por Garoto de All Star


Capítulo 8
Capítulo 7: The Day the Earth Stood Still


Notas iniciais do capítulo

O título desse capítulo faz referencia ao filme de 1951, mas fiquem tranquilos que não há naves espaciais ou extra terrestres. É apenas a expressão mesmo, muitas coisas podem fazer a terra parar.



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O interior da sala é diferente do que eu imaginava, não tem um espelho enorme que é transparente do outro lado, não é como nos filmes. Me sento na ponta da enorme mesa de mogno, a agente Nathalie se senta ao meu lado. O agente David por sua vez, vai direto a garrafa térmica com café ao lado do garrafão de água, as paredes são brancas como o resto da delegacia, também há uma televisão e um aparelho de DVD sobre uma estante a nossa frente. O agente David se senta ao lado da parceira, acho que vai começar a falar.

– Você teve um dia bem difícil hoje, não é Jude? Esse é o seu nome, certo?

– É sim... - Cruzo os braços, e apoio os cotovelos em cima da mesa.

– Jude é um nome bem curioso... - Diz ele, abrindo a pasta que segura nas mãos, quero ler o que tem lá, mas estou com medo.

– É por causa da música dos Beatles, sabe "Hey Jude", minha mãe é fã... - Digo eu, engulo seco e continuo observando ele mexer nos papéis.

– Você deve estar curioso pelo motivo de estar aqui, não é? - Diz a agente Nathalie, sinto um tom mais leve em sua voz, acho que gosto mais dela do que dele.

– Por favor, não me diga que o professor Nava é mesmo descendente da máfia e que a partir de agora eu vou precisar de proteção, e um novo nome e tudo mais - Começo a dizer rápido, parece loucura, mas não vejo outra explicação pra estar aqui em frente ao FBI. O agente David solta uma risada, a agente Nathalie o olha com um olhar severo e ele para de rir.

– Como assim, máfia? - Pergunta ela.

– Eu não sei, era um boato que circulava na escola ou algo assim, isso é mesmo verdade? - Pergunto, mesmo com o ar condicionado ligado sinto que estou suando mais do que o normal.

– Não temos qualquer informação quanto a isso - Responde ela - Mas você não precisa se preocupar com o seu professor, ele decidiu que não vai prestar queixa.

– Graças a Deus... - Me sinto aliviado por não ter que responder a um processo por agressão, mas ainda não sei se serei expulso da escola, o que é bem provável acontecer - Bom... se ele não vai prestar queixa, por que eu ainda estou aqui, falando com o FBI?

– Encontramos uma irregularidade em sua documentação, aparentemente Jude Miller morreu há dezesseis anos - Disse o agente David, ele me olha com um olhar intrigante, parece analisar a minha reação.

– Bom... eu poderia jurar que estou vivo - Respondo entre risos, mas paro de rir logo em seguida, eles estão com a expressão séria, não estão brincando - Porque eu estou aqui? - Olho pra agente Nathalie.

– Jude, eu não conheço uma melhor forma de dizer isso, então vou dizer logo - Ela põe a mão sobre o meu braço - Você não é quem pensa ser, não existe um Jude Miller com dezesseis anos no estado de Nova Iorque - Disse ela, sua mão continua sobre o meu braço.

– Como assim? É claro que existe, eu sou Jude Miller, quem mais eu poderia ser? está escrito em todos os meus documentos.

– Toda a sua documentação é falsa, número de registro, seguro social, uma das melhores falsificações que eu já vi, coisa de profissional - Disse o agente David. Ele me olha por alguns segundos, mas não sei o que dizer, então não digo nada.

– Seu verdadeiro nome é Kyle Marshall, você foi sequestrado quando tinha três anos em um parque de diversões em Columbia, Ohio - Diz a agente Nathalie, não consigo acreditar no que eu estou ouvindo, aquilo só podia ser um engano.

– Isso é impossível, eu nunca estive nesse lugar, eu nem mesmo saí de Nova Iorque alguma vez na vida, é um equivoco, olhem de novo essa ficha, tem algo errado.

– Não Jude, não tem... - Diz ela novamente, seu tom de voz é sereno, ela esta tentando me confortar, mas eu não quero ser confortado.

– Olha eu sei que vocês estão fazendo o trabalho de vocês, mas vocês não podem simplesmente sair afirmando uma coisa assim sem provas, vocês nem mesmo fizeram um exame de DNA, - Eu respiro fundo e um arrepio me sobe pela espinha – Ok, já chega! eu quero ver a minha mãe...

Me levanto e tento sair da sala, a agente Nathalie se levanta também e se coloca a minha frente não me deixando passar. O agente David se levanta junto com ela e vai em direção ao garrafão de água.

– Jude acalme-se, você precisa se tranquilizar - Ela tenta me entregar o copo que o agente David encheu, mas eu recuso.

– Por favor, me deixem falar com a minha mãe, ela vai poder explicar tudo a vocês, me deixem falar com ela.

– Por favor Jude, você precisa terminar de ouvir o que temos a dizer - Ela olha fundo nos meus olhos, esta tentando me passar confiança. Ela me estende novamente o copo com água, eu aceito e me sento. Mas apenas porque minhas pernas estão bambas demais pra ficar em pé.

– Vocês não entendem... - Bebo a água em um único gole, uma gota escorre pelo canto da minha boca, eu limpo com o pulso - Isso é muita loucura...

– Você sabe o que significa unicidade? - Pergunta o agente David, ele parece menos duro agora, esta usando o mesmo tom de voz que a agente Nathalie. Seu olhar também mudou.

– Não... - Respondo, pois eu não faço ideia.

– Significa toda e qualquer coisa única, no nosso corpo existem coisas que são únicas, como código genético, a íris dos nossos olhos, as impressões digitais. Nossas impressões digitais são desenhos formados por papilas, que são elevações na nossa pele, na ponta dos dedos, como se fosse uma marca. Essas marcas se desenvolvem na gestação e nos acompanham até a morte, são únicas em cada pessoa, até mesmo em casos de gêmeos idênticos.

– Você foi identificado pelas impressões digitais, sua família fez seus documentos muito cedo, antes de você desaparecer, por isso foi possível localizar você. - Disse a agente Nathalie, tudo parece fazer sentido, mesmo que não faça sentido algum - Você ainda não se convenceu não é?

– Não... - Respondo quase sussurrando, meus olhos estão cheios de lágrimas, sinto o nó na garganta novamente, e um gosto amargo na boca.

– Tudo bem, então me responda, vocês possuem fotos em casa dessa época, fotos suas de quando tinha três anos?

– Antes de nos mudarmos para o prédio onde agente mora, houve um acidente, um incêndio no nosso antigo prédio, perdemos quase tudo, todas as minhas fotos se perderam - Respondo, e só então me dou conta que não tenho lembrança nenhuma do ocorrido. Foi o que a minha mãe me disse que aconteceu. Antes de nos mudarmos pro nosso prédio atual, vivemos por um tempo em outro, desse prédio eu me lembro, mas não do que pegou fogo.

– E se eu te disser que eu tenho uma foto sua aqui comigo, dessa mesma época - Diz ela, eu a observo pegar a foto na pasta, ela segura a foto virada pra si - Você quer ver a foto?

Aceno positivamente com a cabeça, ela me entrega a foto, nela há um menino de olhos verdes, cabelo tigelinha, castanho claro, quase loiro, e um sorriso inocente, ele segura um boneco power ranger azul. Eu reconheço o menino, eu já o tinha visto, eu o via durante todos os dias da minha vida, acho que qualquer um reconheceria o próprio reflexo, eu lembro do brinquedo também, eu o perdi em uma das mudanças. Sem sombra de dúvidas era eu a criança na foto, foi o dia em que a terra parou, era como se me faltasse o chão sobre os pés. Uma sucessão flashs e imagens ficavam repassando na minha cabeça, eu pequeno com minha mãe, ela me carregando no colo apressada durante uma noite fria de neve, um sussurro ''tudo vai ficar bem, eu prometo'', um beijo de boa noite. Uma lágrima escorre dos meus olhos, largo a foto na mesa, os dois permanecem em silêncio, pego o meu celular, preciso ouvir a voz dela, quero acordar desse sonho ruim.

– O que você vai fazer? - Pergunta a agente Nathalie.

– Estou ligando pra minha mãe, isso precisa fazer sentido de alguma forma...

– Sua mãe não esta - Diz o agente David - Já estivemos em sua casa durante o tempo em que você esteve aqui, ela fugiu antes de chegarmos, levou todas as roupas.

– Como assim fugiu? - A ligação cai na caixa eletrônica, o celular dela esta desligado.

– Estamos considerando a possibilidade de ela ser a sua sequestradora, Jude Miller era filho dela, ele teria a sua idade, achamos que ela te sequestrou para personificar o filho que faleceu, pra ser o Jude Miller - Aquilo soa de forma assustadora, não é possível que seja verdade. Não sei o que aconteceu, a única coisa que sei é que minha mãe não é nenhuma bandida, ela não é esse monstro que eles estão pintando. Estou suando excessivamente de novo, o nó em minha garganta esta cada vez mais apertado, passo a desejar desesperadamente outro copo d’água.

– Isso não pode estar acontecendo...

– Encare isso como um recomeço, parece o fim, mas não é - Diz a agente Nathalie, pondo novamente a mão sobre o meu braço - Em algumas horas seus verdadeiros pais estarão aqui pra te buscar, então tudo vai ser acertar.

– Eles estão vindo pra cá? Pra me buscar? - Encaro eles incrédulo - Eu não posso ir com eles, eu tenho uma vida, eu nem mesmo conheço essas pessoas.

– Como toda a sua documentação é falsa, e você não foi registrado duas vezes, eles ainda são seus tutores legais, é complicado de entender, mas é o que acontece - As palavras do agente David me fazem chorar ainda mais, viro o rosto pro lado e tento não olhá-los, odeio que as pessoas me vejam chorando.

– Acredite Jude é o melhor pra você, eu tenho experiência nessa área, no momento essa é a sua melhor opção, sua mãe está sendo procurada pela polícia de todo o país. Então é isso ou você vai acabar parando no sistema, e acredite, você não vai querer ser uma das crianças do sistema, lares temporários, nunca ficar mais de um ano no mesmo lugar... - Diz a agente Nathalie.

– Eu tenho escolha? - Pergunto, mesmo sabendo a resposta.

– Infelizmente não - Responde ela - É uma história triste, mas é a sua história. Essas pessoas são seus pais, sofreram pela sua ausência e estão te procurando há quatorze anos, incessantemente. Talvez você devesse ouvir o que eles tem a dizer. Você vai permanecer aqui até eles chegarem, você precisa de tempo pra absorver o que aconteceu, pode ficar nessa sala o tempo que quiser e pode sair quando quiser também, nós vamos te dar um pouco de privacidade - Eles se levantam e saem, mas deixam a foto na mesa. Eu a olho novamente e não consigo me conter, começo a chorar descontroladamente e a soluçar. Mas mesmo assim o nó na minha garganta não some.


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Notas finais do capítulo

Próxima segunda:

8 - ''There’s so much feelings on my bag''
9- ''Welcome to the hell''