Meu nome não é Kyle escrita por Garoto de All Star


Capítulo 11
Capítulo 10: All that i can't leave behind


Notas iniciais do capítulo

O título desse capítulo é referencia ao nome do décimo álbum de estúdio do U2 ''All that you can't leave behind'' que ocupa a posição #139 na lista de ''Os 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos" da revista Rolling Stone.



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Acho que a primeira coisa que eu senti quando entrei naquele quarto, foi que estava entrando definitivamente na vida de Kyle Marshall. Absolutamente tudo lá remetia a vida que eu não tive, apesar de estar visivelmente redecorado, é possível ver que era um quarto de criança. Acho que foi naquele momento em que caiu a ficha, eu estava vivendo aquilo de verdade. Eu caminhava lentamente e observava cada canto daquele cômodo, fazendo só o que tenho feito desde que cheguei. Tentar lembrar. As paredes eram em tom de verde água, e o restante dos móveis, cama, criado mudo, cômoda, closet, todos em madeira envernizada. As prateleiras estavam repletas de brinquedos, miniaturas de carrinhos e aviões, bonecos e algumas pelúcias. Em frente à cama havia um baú, eu queria saber o que tinha lá dentro, porém estava com vergonha de abrir.

– Ele está um pouco diferente, nós trocamos os móveis há alguns anos - Disse Nicole, ela e Daniel estavam parados na porta me observando olhar o quarto. Era bem maior do que o meu quarto em Nova Iorque.

– Foi por causa dos outros? Quer dizer, houve outros, não é? - Perguntei, rezando pra não soar rude.

– Charlotte exagerou quando disse que você era o décimo quinto Kyle que pisava nessa casa - Disse Daniel, entrando no cômodo e ficando de frente pra mim - Nós já tivemos alguns enganos nesses anos, mas não foram tantos assim.

– Quantos?

– Dois. Um deles se chama Ethan, ele mora em Cleveland, o outro se chama Lucas e mora em Trenton, eles batiam com sua descrição, idade, tipo físico, mas nenhum deles era você.

– Como vocês tem certeza que eu não sou um engano também? - Falo em um impulso, tento não ser grosso ao dizer as coisas que precisam ser ditas.

– Ky... Jude, não há engano, você foi reconhecido pelas suas impressões digitais, não existe chance de você ser um engano.

– Eu sei disso, o que eu estou dizendo é que... - Respiro fundo, e tento manter a calma - Eu não sou mais o filho de vocês, eu não sou mais aquela criança que desapareceu, eu sou outra pessoa agora, outra pessoa que talvez vocês não gostem. É desse engano que eu me refiro.

– É impossível isso acontecer - Disse Nicole rompendo seu silêncio, ela esta chorando novamente, os estou machucando com aquelas palavras, eu sinto. Mas eu preciso dizer isso a eles, preciso dizer que não existe a menor chance de eu voltar a ser Kyle Marshall. Meu nome não é Kyle. Não mais. Nome. Identidade. Vida. É tudo o que eu não posso deixar pra trás.

– Porque nós não gostaríamos de você? - Pergunta Daniel.

– Porque vocês não me conhecem, é claro que nós poderíamos nos sentar aqui e ficar falando do quanto a nossa vida vai ser maravilhosa, mas não vai ser assim. Eu sinto falta da minha casa, eu sinto falta da minha amiga, Deus... - Ponho as mãos sobre a cabeça e respiro fundo outra vez - Eu sinto falta da minha mãe.

– Ela não é sua mãe...

– Nicole, por favor... - Diz Daniel em um tom apaziguante.

– Sim, ela é minha mãe - Respondo, porque não importa o que digam é a verdade.

– Não! Ela não é! Ela te separou da sua família, ela te tirou dos braços da sua verdadeira mãe!

– Nicole...

– Você não a conhece, eu a conheço, ela não seria capaz de algo assim... Ela... É minha mãe...

– Não é sua mãe, ela é sua sequestradora, eu sou sua mãe e te procurei durante quatorze anos. - Disse Nicole em meio ao seu pranto, sinto a dor dela naquelas palavras, queria que ela também sentisse a dor das minhas, eu até poderia rebater, porém aquilo não levaria a nada. Desviei meu olhar e tentei me recompor, não quero chorar de novo, estou cansado de chorar enquanto as coisas caminham em direção ao absoluto caos.

– Olha Jude, em relação a sua mãe de criação, não posso fazer nada. Ela esteve com você esses anos todos e vai ter que prestar contas à justiça - Diz Daniel, ele tenta se aproximar mas eu recuo, não quero um abraço agora - E o que você disse, não é verdade. Não existe no mundo a possibilidade de não gostarmos de você, nós amamos você.

– Vocês nem sabem quem eu sou.

– Então nos de a chance de te conhecer.

Eu observo a expressão no rosto de Daniel e Nicole, é uma expressão suplicante, por um instante me arrependo por ter dito as coisas que disse. É como um turbilhão de sentimentos conflitantes dentro de mim, eu quero dar a eles a chance de me conhecer, quero devolver a eles um pouco do tempo perdido nesses quatorze anos, mas ao mesmo tempo sinto como se estivesse traindo a minha mãe, não posso simplesmente ficar aqui e esquecer que ela esta em algum lugar por aí. Estou preocupado com ela, só de imaginar que ela pode ser presa me bate um desespero.

– Você deve estar cansado, o dia foi cheio e você nem mesmo dormiu, você deveria descansar.

Concordo em silêncio com as palavras de Daniel, eles me desejam boa noite e saem do quarto. Ouço os passos deles na escada, e nessa hora eu desabo. Não consigo me conter, lágrimas novas escorrem facilmente, pois estão seguindo o caminho de tantas outras que eu já derramei nesses últimos dias. Eu só queria poder falar com a minha mãe e saber a verdade, sem julgamentos, sem cobranças, apenas a verdade. Também queria saber se ela esta bem, não consigo parar de pensar nela. Sei que ela está pensando em mim também, queria poder saber um jeito de falar com ela. É quando me ocorre uma ideia.

– Alô Joan... - Digo eu, assim que o telefone chama três vezes e ela atende.

– Oi Jude! Como você está? - Ela pergunta, ainda está cedo, imagino que ela esteja chegando da aula.

– Abaixo de zero, numa escala de zero a dez.

– Posso imaginar... Já esta na sua casa?

– Não - Respondo, enxugando as lágrimas - Estou na casa do Kyle, no quarto do Kyle. Estou bem longe de casa.

– Sim, é claro, desculpe-me, você deve estar bem perdido.

– Perdido é apelido. Joan eu te liguei pra te pedir um favorzão. Algo que eu só posso pedir pra você.

– Claro. Qualquer coisa.

– Você sabe que minha mãe sumiu, só que mais cedo ou mais tarde ela vai dar um jeito de tentar falar comigo e com certeza ela vai ter procurar.

– Porque ela sabe que a gente vai manter contato... Faz sentido.

– Isso mesmo, você é como uma ponte entre a gente. Quando isso acontecer preciso que você dê um jeito me por em contato com ela.

– Claro, eu faço isso sim, mas você sabe que eu posso me ferrar por isso, não sabe?

– Eu sei... Eu sei, e eu não pediria isso se eu não tivesse certeza que ela é inocente.

– Você tem mesmo certeza disso?

– Tenho sim Joan, não faz sentido. Minha mãe sempre foi enfermeira, ela sempre trabalhou em hospital, acha mesmo que com tantos bebês ao alcance dela, ela iria roubar um menino em um parque de diversões? Tem mais coisa por trás dessa história, eu sinto. Por favor, faça isso por mim.

– Tudo bem, eu preciso desligar agora, vou entrar no metrô, sabe que o sinal é péssimo.

– Está bem, te devo mais essa, tchau.

– Tchau.

Desligo o telefone e seco o restante das lágrimas com a manga da blusa, fico um pouco mais tranquilo por saber que a Joan vai me ajudar. Fico feliz por sempre poder contar com ela. Solto um grande suspiro, daqueles que só surgem depois que a gente chora, e tenho uma surpresa ao olhar pra frente, na casa ao lado desta, tem uma janela bem de frente pra minha. Nela há um garoto, e ele está me olhando, percebo que ele está muito intrigado. Eu paraliso na mesma hora, me sinto totalmente invadido pois odeio que as pessoas me vejam chorando. Sinto vontade de xingá-lo por ser tão enxerido, mas tudo o que faço é sair do quarto. Eu me recosto sobre a porta fechada e suspiro mais uma vez, então eu ouço uma conversa no andar de baixo. Me aproximo perto do topo da escada.

– Eu só quero o meu filho de volta, só quero o meu Kyle... - Ouço a voz de Nicole, ela está chorando.

– Nós precisamos ir com calma, não é desse jeito que vamos ter ele de volta, Jude está confuso e com toda a razão - É o Daniel quem está falando agora.

– Eu me sinto horrível por ter que o chamar por esse nome, o nome dele é Kyle...

– Ele foi Kyle por três anos, Jude por quatorze, acho que deveríamos escolher melhor nossas batalhas, um nome não é nada Nicole, o importante é que ele está em casa.

Sinto-me mal por os dois estarem discutindo por minha causa, essa família deve ter passado por muita coisa enquanto estive fora, então simplesmente volto e pioro tudo. Cada vez mais isso tudo parece um erro.

– Você costuma ouvir a conversa dos outros? - Ouço uma voz dizer atrás de mim.

Viro-me rapidamente pra ver quem é. É Charlotte, ela esta parada com os braços cruzados e com a sobrancelha arqueada. Ela veste uma regata enorme da Jack Daniels, um short curto de dormir e meias pretas que vão até acima do joelho. Seu olhar é como se ela me dissesse "Julgando Você".

– Eu... Eu só estava... Eu ia descer e tomar água... Eu não queria ouvir a conversa - Disse eu, mas ela não esboça reação.

– É assim toda noite, vai se acostumando - Diz ela, girando nos calcanhares e voltando pro quarto.

Fico sozinho perto do topo da escada, acho que o que a Charlotte tentou me dizer do jeito dela é que eles dois brigam muito, e eu devo ser apenas um dos motivos. Sopro o ar pra fora dos pulmões e volto pro quarto, preciso descansar pois o dia foi longo. E parece ser o primeiro de muitos.


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Notas finais do capítulo

Gostaram do capítulo? espero que sim, espero receber mais comentários, porque estou adorando cada um deles. Hoje sai mais um capítulo por tanto, fiquem ligados.