Tudo bem, eu sei que é louco, mas essa é a minha vida, então não existe essa de destino, meu destino quem faz sou eu e se você me odeia, tudo bem, eu não me importo.

*********

– Oque?- Harry perguntou incrédulo

– Desculpa Harry – Bruno repetiu ainda me encarando.

– Mas... – Harry não terminou a frase deixando um ar tenso pairar sobre nós.

Olhei para Bruno e seus olhos ainda estavam em mim, mas era como se eles me atravessassem, como se ele estivesse olhando algo atrás de mim, algo doloroso. Talvez ele olhasse o passado, talvez ele enxergasse em mim uma parte de um passado inacabado.

– Me desculpe por deixar de ser seu amigo, por deixar de falar com você, por deixar de dividir as coisas com você, por deixar de ser seu primo... – Bruno disse embargado pelas lágrimas - Me desculpe por ter deixado o fardo de visitar ela todos os finais de ano só em cima de você, me desculpe por te odiar tanto, mas eu nunca, nunca vou conseguir desculpar você por ter beijado ela naquele dia, aquele poderia ter sido o meu baile Harry, poderia ter sido a minha garota, poderia até mesmo ter sido meu último dia naquela cidade, mas seria o melhor dia da minha vida, e não foi –

– Bruno... Eu não sei como... Eu... Eu desculpo você, e eu peço desculpas também, mas de alguma forma eu não... Mas também poderia ter sido o meu baile! – Harry contradisse

– Não seria o de nenhum dos dois! – vociferei – Parem com isso! Vocês se referem a mim como um objeto! Como algo que poderia ou não ter sido de um dos dois! Éramos crianças! Isso não importa mais agora! Essa briga não importa agora –

– Eu queria que você entendesse que a nossa briga não é só por você Nanda – Harry falou triste e ao mesmo tempo calmo.

– Eu sei que não é! E é exatamente por isso que eu falando isso agora, Harry vocês conseguem desculpar um ao outro por tudo, menos pelo baile, menos pela aquela noite, menos por mim. – falei

Bruno suspirou e olhou para mim, ele tinha o olhar... Cansado, talvez. Eu não conseguia ler o olhar dele, não conseguia identificar o que estava se passando dentro dele, mas ele tinha um vazio, um vazio que eu não distinguia, já Harry, eu não conseguia ao menos deduzir se ele estava cansado ou não, ele estava inexpressivo.

Suspirei e acalmei minha voz.

– Olha, me escutem bem, hoje, somente hoje, eu quero que você esqueçam isso, quero que simplesmente esqueçam que são primos e que se odeiam, quero que pelo menos haja como amigos, ou pelo menos pessoas próximas e eu prometo que hoje ainda, quando voltarmos da nossa "aventura" no quarto da Geovadia nós vamos resolver tudo, só nós três, mas por hora já chega disso, tudo bem? – falei e senti mão da Laura pousar sobre meu ombro, olhei para ela e Sofia e ambas me encaravam com um olhar que dizia "está tudo bem, nós vamos estar aqui quando for a hora certa".

– Harry você vai ficar e vai nos ajudar no plano – falei e Bruno direcionou o olhar confuso á mim no mesmo instante

– Eu... – falei e respirei pesadamente – Eu queria ver vocês sendo amigos só mais uma vez, por favor – pedi e me aproximei deles – Por favor... –

– Fê, eu não sei se... –

– Por favor, Bruno... – pedi segurando a barra da camisa dele – Por favor! Só hoje, só até a volta da vingança. Só uma última vez –

– Mas, tanto tempo e... – Harry começou

– Por favor Harry, por favor Bruno, sejam amigos só mais uma vez, eu só queria sentir como era ter vocês como amigos só mais uma vez... -

Eles dois se entreolharam relutantes e pela primeira vez eu os vi se olharem sem se fuzilarem com o olhar ou até mesmo se olharem com menosprezo.

Eles estavam se olhando como da primeira vez que eu os vi, como... Primos!

Como amigos, como irmãos que não tinham a mesma mãe, como as duas pessoas pelas quais eu me apaixonei.

Meu coração acelerou rapidamente e uma onda de felicidade tomou conta de mim. Isso! Era isso que eu queria! Sim!

Meu coração batia tão rápido que talvez se eu abrisse a boca ele resolvesse pular, mas ainda acho que meu coração tem medo de salto ás alturas.

– Isso! – gritei e passei um dos meus braços no pescoço do Bruno e outro no pescoço do Harry, dando um tipo de abraço triplo de chocou os ombros deles dois. – Ah! –

Olhei para eles e como se eu estivesse sonhando e percebi um sorriso no rosto de cada um e isso foi o suficiente para eu abrir um sorriso maior ainda no meu rosto.

Olhei para eles e eu vi... o MEU passado, vi eles como eram antes, me senti novamente como eu me sentia quando eu tinha 13 anos, como eu os via, como primos, como meu porto seguro, como as pessoas que eu mais amava...

Lembrei de como foi passar tantos anos sem eles, eu já havia esquecido de como era vê-los assim, de como era abraçar eles dois ao mesmo tempo, eu sempre fazia isso, sempre abraçava eles dois juntos.

Lembrei da tarde de comecinho de inverno em que a neve começou a cair e minha mãe não deixou eu sair de casa e eu fiquei tão triste... Significava que eu não iria vê-los, mas eles apareceram na minha janela, eu não sabia oque fazer e a touca do Bruno caiu em algum lugar e o Harry ficou fazendo piadinhas como: É melhor chamar aquele nosso vizinho esquisito quem tem aquela pá velha pra ver se ele cava e acha sua touca, mas depois ele vai querer te enterrar na neve com a touca e tudo!

Lembrei do dia em que eu fui na casa deles e ficamos tão entediados á ponto de eu tentar ensinar eles a cozinharem bolo, mas eu também não sabia cozinhar e o Harry acabou com ovo e trigo no cabelo e a tia Patrícia ficou rindo e falando: Nossa eu não sabia que o bolo ia ser feito no cabelo do Harry! Aja xampu meu filho!

Lembrei da tarde em que a professora falou que eu iria fazer par com o Bruno para o festa junina e eu fiquei com tanta vergonha de dançar com ele que tive que pedir secretamente para ele me ensinar a dançar, era tão estranho sentir ele tão perto de mim, talvez fosse o desconforto da mão quente segurando minha cintura ou até mesmo o peso do olhar dele sobre mim. Eu gostava da sensação de sentir a pele dele se arrepiando toda vez que minha respiração batia no pescoço dele.

Lembrei do dia que o Harry foi convidado para a primeira festa dele, na casa de uma menina chamada Suzana e eu tive que ajudar ele a escolher uma roupa, aquele dia tinha sido tão divertido, eu tinha feito ele experimentar todas as roupas do guarda-roupas dele, porque no fundo eu queria que ele se atrasasse para festa, porque eu sabia que a Suzana gostava dele, e eu fiquei com tanto ciúme dele, fiz ele usar roupa de surfista, de vampiro(roupa do Halloween que ele nem usou), de bombeiro (fiz até ele segurar a mangueira do quintal para parecer mais realístico), de chefe de cozinha, de papai Noel e a peruca loira que a tia Patrícia guardava por algum motivo, acabou que ele achou estranho eu sugerir que ele fosse com uma peruca loira para a festa e acabou descobrindo que eu não queria que ele fosse e ele fez exatamente o inverso: ele me levou para a festa com ele.

Tantas lembranças com eles dois...

– Talvez... – Harry começou

– Talvez... – Bruno continuou – nós possamos nos entender até a volta da vingança –

– Ah! – gritei a apertei eles em um abraço triplo mais uma vez – Eu amo vocês! Amo! Amo! Amo! –

Olhei para Laura e ela sorria com Sofia ao lado dela, Jason e Matheus conservavam um sorrisinho de canto.

– Sabe Fê... Você tem que nos passar o segredo, nós já tentamos juntar esses dois nem que fosse por dez minutos e eles não se suportavam – Jason disse

– Que bruxaria é essa menina? – Matheus perguntou com os olhos cerrados depois gargalhou

– Do tipo de bruxaria da bruxa mais poderosa de todas – Sofia completou.

Me sentei na minha cama e olhei para Harry e Bruno que estavam um pouco desconfortáveis, mas estavam pelo menos tentando ser gentis um com o outro.

– Se algum dia alguém me dissesse que esses dois estariam um do lado do outro novamente, eu iria rir da cara da pessoa e perguntar "cara que tipo de droga você usou?" - Laura sussurrou baixinho para mim algum tempo depois enquanto nós assistíamos os meninos jogarem videogame. Estávamos nós três sentadas na minha cama enquanto os meninos estavam sentados no chão de duplas jogando videogame.

Sorri do comentário da Laura junto com Sofia e encarei a cena:

Harry sorrindo enquanto apertava os botões do joystick ao lado do Bruno que dizia: "Não cara, não vai por aí, eles vão encontrar você" e depois os dois riam juntos porque Harry conseguia passar pelos obstáculos mais difíceis do jogo e logo depois acabava dando game over no jogo pelos obstáculos mais fáceis.

– Esse jogo tá quebrado – Harry disse entregando o controle para Jason e Bruno fazia o mesmo, porém entregava o dele para Matheus.

– Não cara, o jogo não tá quebrado, é você que é ruim mesmo – Bruno disse e depois gargalhou com os meninos fazendo com que Harry acertasse uma almofada nele.

– Duvido que você ganhe de mim na próxima rodada – Harry disse com o semblante desafiador.

– E você aposta oque? – Bruno perguntou com um sorriso de canto

– Aposto meu CD do AC|DC – Harry disse e Bruno gargalhou

– Um CD a menos na sua coleção Harry – Bruno disse e Harry revirou os olhos

– Vamos ver – Harry disse e ambos voltaram a atenção para a partida que Jason e Matheus jogavam.

Sorri abertamente e me perdi olhando para eles dois, parecia mesmo que eles tinham esquecido de toda aquela briga, isso me trazia uma sensação tão boa, como se a felicidade transbordasse de dentro de mim, eu tinha vontade de gritar para todo mundo ouvir: Eles não se odeiam mais! Eu não sou mais culpada! Eu não me sinto mais culpada! Agora eu os enxergo como antes! Agora eu consigo reconhecer as pessoas que eu já amei!

Quando deu 23h00min todo mundo já estava quase dormindo, mas nós tínhamos que ficar acordados até exatamente meia noite, então ficámos tentando conversar no chão (porque se todo mundo resolvesse dividir as camas isso resultaria em: 1- Todo mundo discutindo para decidir quem iria ficar com as camas. 2- Todo mundo iria acabar dormindo).

Mas, mesmo a gente tendo a ideia de puxar-papo um com o outro, nada deu certo porque a Laura se aninhou com o Matheus no meio da conversa, Sofia acabou dormindo com o cafuné do Jason e eu que estava entre Harry e Bruno acabei encostando a cabeça no ombro do Bruno enquanto estiquei uma das pernas em cima da perna do Harry...

Lembro de te falado: Não durmam!

Mas também lembro de ter dormido logo depois.

– Bárbara desliga esse despertador! Ainda é muito cedo mulher! – Laura resmungou alto, me fazendo acordar no mesmo instante.

Olhei ao redor e me permiti soltar uma risada. É, estava todo mundo dormindo mesmo!

Jason estava sentado, encostado na parede e um dos braços dele estava envolto na cintura da Sofia que estava sentada na perna dele enquanto descansava a cabeça no ombro dele e ele estava com a cabeça escorada na dela.

Do lado deles estava o Matheus que estava esticado no chão e bom... Ele estava literalmente de conchinha com a Laura.

Já eu estava com a cabeça deitada no braço do Bruno e as pernas esticadas em cima das pernas do Harry que por sua vez estava escorado no meu braço.

Sinceramente! Como a gente conseguiu dormir assim? Somos loucos! Mas espera... Porque todo mundo tá jogado no chão mesmo?

AH MEU DEUS! O HORÁRIO! A GENTE DORMIU!

Olhei de súbito para o relógio e sorri, graças a deus! Ainda eram 23:30 Ninguém perdeu o horário.

Olhei de soslaio para Bruno e ele ainda estava dormindo. Sorri sem nem perceber e passei a mão levemente pelo cabelo dele, ele se remexeu e sussurrou meu nome.

– Você ama ele não é mesmo? – Harry perguntou com a voz abafada do meu lado.

– Harry eu... Não vi que você acordou – falei

– Você ama ele. – Harry afirmou

Olhei para Bruno e ele estava com a cabeça encostada na parede e com o semblante sereno. O cabelo acastanhado reluzia á luz da lua que entrava pelo vidro da janela.

– Sim Harry, eu amo o Bruno com todas as minhas forças – falei e senti Harry se contorcer ao meu lado.

– Eu amo você todos os dias da minha vida, mas eu também amo ele, eu amo vocês dois com todo o amor que eu tenho, mas eu tenho uma escolha – falei e coloquei minha mão sob o rosto do Harry acariciando levemente – Eu já fiz essa escolha e já tomei minha decisão, mas isso nunca vai querer dizer que eu não amo você –

Harry levou uma mecha de cabelo minha para trás da orelha e sorriu amarguradamente.

– Um dia, você promete que quando não amar mais ele você vai atrás de mim? – ele perguntou e eu meneei a cabeça afirmando

– Eu prometo –

– Eu sempre vou esperar você, porque você é minha moça bonita – ele disse e eu sorri com as lembranças... "moça bonita..." –

Talvez eu soubesse que no fundo eu estava fazendo a coisa certa, eu estava seguindo meu coração, eu estava escolhendo algo pelo qual eu já tinha tomado minha decisão, porque talvez nessa vida nós devêssemos fazer nossas próprias escolhas, e eu sabia que caminho eu queria tomar.

Deitei novamente sob o braço do Bruno e sorri.

Escutei Bruno sussurrar meu novamente e dessa vez acordou Sofia.

Escutei Sofia murmurar um: Adivinha quem deve estar sonhando com você.

Depositei um beijinho na bochecha dele e retirei as pernas de cima do Harry, passei a mão de leve pelo cabelo do Harry e ele sorriu logo depois.

Laura abriu os olhos, olhou para a gente e sorriu.

– Espera, cadê o Matt? – ela perguntou

– Mas essa é doida mesmo! – Sofia disse e depois gargalhou

– Ele tá atrás de ti – Harry disse risonho e só então Laura se deu conta da posição que estava com ele e corou violentamente fazendo Harry sorrir novamente.

15 Minutos depois

– Está todo mundo pronto? – Laura perguntou enquanto arrumava o cabelo em um coque baixo e fazia um traço preto com tinta em cada bochecha completando a roupa de ninja

– Como disse a Sofia – Jason começou – Já nascemos pretos –

Sofia corou e Jason sorriu

– Para sua informação eu sou muito branco tá querido? – Matheus disse empurrando Harry que chocou o ombro dele com o de Jason

Bruno sorriu e Jason empurrou Harry de volto que dessa vez chocou o ombro com o de Matheus.

– Tem certeza que é certo deixar eles sozinhos? – Sofia sussurrou para mim e eu arqueei uma sobrancelha

– Que é isso? Claro que está certo! – Laura disse enquanto terminava de ajeitar a corda sob nossa cintura – Eles só estão com cara de zumbi que acabou de acordar e não dormiu nem 30 minutos e estão brigando, oque pode dar errado? – Laura perguntou e eu a olhei de canto de olho, seja o que deus quiser então.

– Estamos prontas – falei atraindo a atenção dos meninos.

– Hum... Ok – Bruno disse e ficou olhando para mim e para as meninas.

– Toma – falei e entreguei uma ponta da corda que estava presa na minha cintura para o Bruno. – Bru, se você soltar essa corda eu... –

– Ela vai cair três andares e se quebrar inteirinha no chão – Laura interrompeu e encarou Bruno. – E se você soltar nós vamos te jogar de cima do prédio da escola! –

Bruno se encolheu e Harry gargalhou

– E isso serve para tu e para o Jason também Matt! – Laura terminou

– Tudo bem meninas, relaxem – Harry disse e eu suspirei e olhei para a janela

Por um mínimo segundo minha coragem fraquejou. Eles iriam ter que descer a gente pela corda até a janela delas...

Suspirei derrotada e sorri logo depois. É, com certeza eu vou me arrepender disso. Sorri novamente e abri a grande janela de vidro deixando a ventania fria da noite, invadir o quarto e fazer eu me arrepiar.

– Eu vou ser a primeira – falei e senti meu estômago embrulhar – Harry, me passa a chave de fenda –

Harry esticou o saco que Matheus havia trazido e tirou de lá uma chave de fenda verde.

– Ok, Fê - Bruno disse e deu uma volta na corda prendendo ela com mais força na mão.

Coloquei uma perna fora da janela e depois a outra, ficando sentada na janela alta.

Encarei a altura e senti meu estômago embrulhar com mais força. Nossa... Tão alto!

Olhei para frente e sorri, as árvores do colégio estavam começando a deixar as folhas caírem , é como se as coisas ruins que a vida trouxe fossem embora junto com as folhas. O vento frio que batia contra o meu pescoço me fazia lembrar da época em que tudo na minha vida desmoronava e eu corria para minha passagem secreta que Harry e Bruno descobriram e começava a chorar, era como se o vento quente do verão se transformasse na ventania fria do inverno e isso tomasse conta de mim, eu parava de chorar e ficava sentindo o vento envolto de mim na esperança de que ele levasse com ele todas as coisas ruins da minha vida.

Suspirei e sorri, mesmo com todas as dificuldades que eu passei, eu amava minha vida, amava minha mãe, e amava meu pai, mesmo sem ter nenhuma lembrança dele, amava ser eu mesma e não precisar de "reputação" de popular, amava poder usar meus tênis em vez de ter que usar salto, amava usar minhas calças jeans em vez de saias, amava ter Harry e Bruno, amava ter meus amigos e amava acima de tudo poder dizer com todas as letras: Tudo bem, eu sei que é louco, mas essa é a minha vida, então não existe essa de destino, meu destino quem faz sou eu e se você me odeia, tudo bem, eu não me importo.

Sorria e apoiei meus braços na janela, joguei meu corpo para frente e pulei.