À Primeira Vista escrita por Sr Castiel


Capítulo 15
Capítulo XIV - Nôah - Culpada


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, pessoal :/
Meu computador estragou do nada e eu já tinha esse capítulo pronto, só não deu tempo de postar... Só agora que peguei ele de novo!
Enfim, minhas sinceras desculpas!
Está aí um dos grandes pra vocês!
Espero que gostem, aproveitem!!!



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Capítulo XIV

Nôah

/Culpada/

“– Eu também – admito. Mas não sei o que dizer a ele sobre a sensação que se tem depois que você mata uma pessoa. Sobre como a pessoa morta jamais se afasta de você.”

Suzanne Collins – A Esperança p.80

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... E EU AINDA PENSAVA QUE SAIRIA BEM DESSA.

Está tudo muito escuro e mesmo com minha visão super aguçada não consigo distinguir muita coisa. Consigo me lembrar de quando cheguei e a vi... Mas minha memória, nesse momento, assim como minha visão, não passam de um borrão.

A dor é insana, quase impossível de suportar.

Eu não sabia que um vampiro podia sentir tanta dor e morrer tão facilmente, mas pelo jeito, meus conhecimentos sobre minha própria espécie eram... um tanto desatualizados. Um pequeno gemido escapa de meus lábios e eu não sei se é consequência da dor ou do irônico eufemismo que acabo de pensar. Preciso parar de pensar nessas coisas; não quero voltar a gritar porque tenho certeza que se começar, não vou conseguir parar. Preciso ser forte o bastante.

Sinto um fio de sangue sair por meu nariz e pingar no chão. E isso me assusta ainda mais porque sei que qualquer ferimento, desde os mínimos aos mais graves, já deveriam ter sido curados. Um barulho se sobrepõe aos outros ao meu redor e me concentro nele. O mar está agitado, ondas se quebram, furiosas, e penso que talvez, morrer com o barulho do mar aos ouvidos, seja uma boa forma de morrer.

Enquanto estou olhando para a escuridão, uma coisa diferente acontece e o barulho do mar fica ainda mais alto. Um retângulo de luz aparece em meio ao negror que até segundos atrás se espalhava ao meu redor. Estou cansada e minha visão continua embaçada, não consigo distinguir os traços de quem entra pelo que parece ser uma porta.

“Ela está aqui!” Ouço alguém dizer, mas o som é distante, baixo, quase abafado, como se quem falasse o fizesse por trás de uma parede de vidro bem espessa. “Oh, céus, ela está aqui!”

Passos. Um, dois, três... são rápidos demais, não consigo acompanhá-los. Acho que a dor está começando entorpecer meu cérebro. Minha respiração parece estar se acalmando.

Começo a escutar algo estranho... palavras inarticuladas; não as conheço. Alguém está falando em outro idioma, eu acho. Não. É mais do que isso. Não são apenas palavras entoadas; elas formam um feitiço. O tempo parece algo impossível de se contar agora para mim, mas...

Acho que estou ficando completamente louca...

A dor parece estar me deixando. Não, não posso me permitir pensar nisso. Eu sei que meu inimigo está me usando em mais um de seus jogos, querendo que eu desista. Esse sempre foi o ponto principal. Mas não deu certo para ele. Eu não desisti. Resolvi salvar aquelas pessoas contrariando suas ordens. E isso teve consequências. Mas, talvez, a verdadeira felicidade venha de pequenos recomeços e batalhas difíceis e dúvidas infindáveis e do fato de que se você tem motivos pelos quais lutar, não há por que desistir. E acho que, a essa altura, todos esses motivos já me foram tirados. Então qual a razão que ainda tenho para lutar?

Então eu desisto. Paro de lutar.

Mas já é tarde. Bem tarde. Afinal, a Fênix teve o que queria. Me deu a chance de desistir antes, eu não desisti. Então fui forçada a fazê-lo. Pelo ardor ou pela dor, fui forçada a parar de lutar. Ao contrário do que pensávamos sobre os planos da Fênix de me manter viva ser algo que importasse para ele, estou morrendo. Ele ordenou que me matassem.

Finalmente compreendo quem entrou por aquela porta. A morte veio me buscar. Não sei o que acontece a seguir porque meus sentidos decaem levando minha consciência para longe.

*

16 horas antes.

Nôah acordou naquela manhã com um motivo a mais para sorrir. Ela sabia que não deveria se sentir feliz em meio a tantas coisas ruins acontecendo, mas aquela era uma particularidade dela. Não se deixaria abater por enquanto. As lembranças sobre a noite anterior com Dylan vieram, preenchendo seu cérebro de tal forma que pensou que enlouqueceria de tanta felicidade. O roçar suave de seus corpos enquanto se abraçavam; a resistência dos músculos que mais pareciam placas de metal em um corpo humano e, ao mesmo tempo, macios e confortáveis; a aspereza de sua barba com os pelos quase rentes à pele; a sensação dos beijos, das carícias, do coração batendo, da respiração fluindo, as palavras saindo de sua boca como uma melodia perfeita e jamais escutada...

Dylan era uma pessoa romântica até quando não queria ser. Nôah sentia-se um pouco insegura perto dele, sendo que tudo o que ele fazia parecia não ter erros, sempre bem planejado para dar certo, cada passo calculado e contado, firme. Ela não o via mais como uma pessoa qualquer. Depois da noite anterior, quando ele a deixou tão confortável mostrando aquele espetáculo lindo na praia, contando histórias de Londres, falando sobre como era sua antiga vida, Nôah passou a enxergá-lo como uma âncora. Algo firme que não a deixava cair ou mesmo oscilar. Nôah sabia que, se precisasse dele agora, ele estaria ali, pronto para qualquer situação. Ela o entendia de muitas maneiras possíveis, como ele estava aguentando toda a pressão de ter o pai sequestrado, saber que a Fênix os queria sob seu poder, esperando que algo ruim sempre acontecesse. Dylan estava preparado. Ele era um lutador e Nôah também estaria ao lado dele para qualquer eventual causa das escolhas da Fênix. Lutariam juntos por suas respectivas e compartilhadas felicidades. E quanto ao amor... bem, ela queria ver alguém conseguir pará-lo.

Ela se levantou, quase em êxtase e foi se arrumar para ir ao colégio. Sua mãe parecia de ótimo humor naquele dia, pois estava cantarolando baixinho com sua voz melodiosa.

– Dylan adorou a saudação – comentou Nôah, servindo-se do café da manhã que sua mãe tinha preparado. – Eu também, mãe, obrigada.

– Bem, – começou Narscisa – eu não podia deixar a chuva estragar a noite de vocês e quando soube da lua, resolvi que podia ser algo a se aproveitar.

– Ela estava linda e estará ainda mais hoje – informou ela.

– Dylan me chamou para assisti-la hoje à noite – Nôah disse. – Acho que vou convidá-lo a vir aqui.

Narscisa apenas riu do comentário da filha.

Nôah sentia-se satisfeita pelo fato de sua mãe ter definitivamente aceitado Dylan. Não queria mais brigar; já teria uma cota de briga lotada para uma vida se a Fênix continuasse com seu plano.

Minutos depois, Nôah saiu para o colégio. Aquele dia parecia ainda mais estranho que o anterior; não haviam carros passando nas ruas, pessoas não faziam suas caminhadas matinais, as nuvens saíram de controle e realmente pareceu que a chuva que os ameaçava, iria cair a qualquer momento.

Ela seguiu com seu carro em direção à escola, prestando pouca atenção no trânsito e pensando que encontraria com Dylan dali a poucos minutos. O relógio no painel do carro mostrava 7:47, mas um lampejo atrás de si chamou sua atenção.

Um carro que ela nunca vira, com os vidros muito escuros, vinha em alta velocidade em sua direção. Por um segundo, ela não se preocupou, quem quer que fosse, seguiria sua rota sem interferir na dela. Mas não foi isso que aconteceu.

O carro emparelhou com ela, Nôah olhou para o lado tentando ver quem era o motorista, mas este jogou o volante para a esquerda, fazendo-a frear rapidamente e encostar no meio-fio, quase em cima da calçada.

Seu coração batia muito acelerado. O que estava acontecendo? Quem era o estranho? Nôah saiu do carro, sabendo que não demoraria muito mais para descobrir.

O estranho saiu do carro e Nôah quase sentiu alívio ao ver que o conhecia. Alex estava vestido completamente de preto, e tinha uma expressão insana no rosto.

– Alex? – A voz de Nôah saiu baixa, controlada. Por que ele estava fazendo aquilo?

Ele veio até ela, segurando-a firme pelos braços e jogou-a com força de encontro ao seu carro.

– O que você fez com ele? – Ele perguntou, quase num sussurro. Ela conseguia ver as olheiras escuras sob seus olhos, as marcas de raiva fundas em seu rosto.

– Com ele quem? – Ela perguntou, sem entender. – Dylan? Ele está bem?

Agora sua preocupação mudou totalmente de rumo. Por que Alex achava que ela tinha feito algo com Dylan?

– Como se você não soubesse... É melhor me dizer o que é – ameaçou ele. – Não sou muito conhecido por ser complacente, ainda mais com os da sua espécie.

– Mas...

– Solte ela, Alex! – Dylan estava a poucos passos de Nôah e ela sentiu o alívio inundá-la.

Ele tinha vindo tão silenciosamente que Nôah não tinha notado sua chegada.

– Mas, Dylan, ela...

– Ela me deu uma das melhores noites da minha vida – interrompeu ele. – Solte-a.

Alex a soltou, relutante. Nôah conseguiu sentir seu sangue fluindo de volta por seu braço. Alex era muito forte, mesmo na foram humana.

Nôah não pensou duas vezes e foi até Dylan. Queria saber o que tinha acontecido com ele...

Dylan a abraçou e Nôah sentiu o quanto ele estava assustado também. Olhando mais de perto, ele não parecia com o rapaz que a tinha deixado em casa no dia anterior. Ele tinha ainda mais olheiras que Alex, sua respiração estava acelerada, seus ombros estavam tensos. Ela nunca tinha visto ele tão cansado quanto ele parecia naquele momento.

– Dylan... – começou Nôah, mas ele não a deixou terminar. Ele apertou seu braço de leve, passando-lhe confiança que explicaria tudo e ela se sentiu melhor.

– Desculpe, Nôah – ele disse –, por isso – apontou para seu carro com o de Alex quase encostados – e pelo fato de eu não ter tempo para explicar tudo agora. Precisamos ir para o colégio...

– Mas, Dylan...

– Já chega, Alex – Dylan o repreendeu. – O próximo ataque será no colégio – ele anunciou.

– Como você... – Alex, assim como Nôah, parecia incrédulo.

– Não temos tempo, já disse – falou ele. – Alex pegue o carro, já estou indo.

O amigo assentiu e entrou no carro, esperando. Alex não parecia nem um pouco com menos raiva do que estava antes e Nôah se preocupou. Não queria que Dylan tivesse que escolher entre os dois.

Dylan se virou para Nôah, olhando em seus olhos, ela não se acostumaria com aquela sensação nunca. Sempre a pegava desprevenida. A fazia sentir que tudo estaria bem se estivessem juntos.

– Não quero que fique longe de mim em nenhum momento hoje, entendeu? – Perguntou ele, sério.

– Mas nossos horários não coincidem – argumentou ela. – Alguma hora vamos ter que nos separar.

Ele parecia ter pensado nisso, mas não queria admitir esse fato. Dylan sabia que Nôah tinha razão.

– Mas qualquer coisa suspeita que você ver, me chame, por favor – ele pediu, quase implorando. Seus olhos, muito azuis, estavam mais escuros aquele dia, refletindo seu cansaço. – Nôah...

– Dylan, não se preocupe – ela disse, tentando tranquilizá-lo. – Mas você está bem?

– Só um pouco cansado – respondeu ele. – Eu...

Ele fechou os olhos, parecendo aflito. Nôah não queria ver ele daquele jeito, mas sabia que até ao fim daquele dia, ela não podia fazer nada quanto isso. Ela mesmo estava sentindo como se algo comprimisse seu coração, tamanho era seu medo.

– Vai ficar tudo bem – ela disse. – Vamos ficar bem.

Ele se inclinou e lhe deu um beijo. Como sempre, Nôah sentiu como se suas células estivessem acordando, todas de uma vez. Uma sensação ótima.

– Até daqui a pouco – falou ele e apertou sua mão uma vez.

Nôah entrou em seu carro, sentindo o quanto estava tremendo. Ela sabia que Dylan tinha um bom motivo para não querer lhe contar o que havia acontecido na noite anterior depois de levá-la em casa.

*

Nôah chegou ao colégio e foi direto para a sua sala. Mesmo no colégio o dia parecia estar pior que o anterior. Os professores não conseguiam se concentrar direito, haviam poucos alunos nas salas, Nôah viu até algumas viaturas policiais em frente ao colégio e homens de farda rondando à procura de algo suspeito. Ela passou pela primeira aula tranquila, sem nenhum ruído fora do comum, ninguém prestava muita atenção ao menos, mas os professores não se importavam tanto. Todos estavam assustados e isso não era segredo para ninguém.

Naquele dia de manhã, eles souberam que o segundo massacre foi dimensionado em altas proporções mesmo para uma cidade grande. Não tinha sobrado ninguém ferido, apenas mortos. Entre homens e mulheres. O número tinha chegado a trinta, mas Nôah estava lá naquela noite, sabia que foram muito mais de trinta criaturas sobrenaturais mortas. Ela não sabia como os humanos estavam resolvendo o problema de os corpos das criaturas mortas terem propriedades diferentes dos corpos humanos e, na verdade, nem queria saber. Apenas tinha a esperança que o feitiço que escondia certos eventos sobrenaturais funcionasse mesmo com eles mortos.

Nôah não tinha se encontrado com Dylan desde que chegaram à escola. Não via Alex e estava muito tentada a sair da sala e ligar para Claire. Precisava muito conversar com alguém sobre aquilo e, mesmo assim, não queria envolver a amiga naquela situação.

Ela passou por todas as aulas antes do almoço, assim como todos os alunos, preocupada e ansiosa, sempre esperando que uma bomba ou algo pior jogasse tudo pelos ares. Dylan, de algum modo, sabia que o último massacre ocorreria no colégio e eles estariam bem no meio do fogo-cruzado quando este viesse a aparecer. Os maiores culpados por todas aquelas mortes.

Nôah tirou aquele pensamento da cabeça. Não podia ficar pensando naquilo. Se se permitisse sentir a culpa, desmoronaria ali mesmo, em plena aula de história. Mas era um pouco tarde. Ela precisava sair dali, tomar um pouco de sangue, talvez. Respirou fundo, tentando se acalmar, mas, dessa vez, não funcionou.

– Sra. Abby, com licença – chamou uma voz à porta. Era um homem, alto, forte, cabelos bem pretos e olhos castanhos; Nôah teve uma súbita lembrança dele quando era mais nova.

– Sim, Sr. Thompson. – Escutando melhor o nome, Nôah se lembrou dele. Ela tinha sido sua aluna alguns anos atrás. Era um professor de química.

– Preciso que a senhora dê licença à senhorita Nôah, por favor – falou ele, olhando para a Sra. Abby. – Há alguém que deseja lhe passar um recado.

– É claro – ela falou, sorrindo para ele. – Nôah, pegue as suas coisas e vá com o Sr. Thompson.

O coração de Nôah começou a bater forte no peito. Por que ela estava pensando que aquilo ia acabar mal? Ela conhecia o Sr. Thompson desde a sexta série, ele era um ótimo professor, não podia ser nada ruim.

Se apegando à esse pensamento, Nôah pegou suas coisas e saiu da sala.

O professor caminhava à sua frente levando-a para fora do prédio III. Quando passaram pelo prédio II, ele caminhou em direção às portas do prédio e Nôah começou a estranhar aquilo.

– Não iremos à diretoria? – Perguntou ela, desconfiada.

– Não – disse o professor, sem olhar para trás; ele continuava a andar em direção ao prédio II e Nôah o acompanhava de longe. – Ele está no refeitório desse prédio, esperando por você. Acho que será bem rápido.

– Tudo bem – disse ela, baixinho.

Quando Nôah entrou no prédio II, todos os seus instintos começaram a zumbir dentro de sua cabeça como uma locomotiva a vapor. Havia perigo à frente, disso ela sabia. Os pelos de seus braços se arrepiaram e um frio incômodo desceu por suas costas. E se a Fênix estivesse esperando por ela para iniciar o terceiro massacre? E se a culpa caísse sobre ela?

Mas foi então que ela sentiu o cheiro e uma voz estranha disse em sua cabeça: “A não ser que ele já o tenha feito.”

Ela pegou seu celular e escreveu uma mensagem rápida para Dylan. “REFEITÓRIO. ALGUMA COISA VAI ACONTECER.”

Sangue. Era cheiro de sangue. Muito sangue à frente e Nôah, por instinto ou por pura vontade de impedir o que quer que estivesse acontecendo, correu. Ela passou pelo professor, que nem a repreendeu por isso, e transpôs a distância entre ela e as portas duplas do refeitório.

Suas mãos estavam tremendo e seu coração parecia bater mais rápido que nunca. O medo a fazia imaginar coisas horríveis acontecendo ali dentro. O cheiro de sangue estava insuportavelmente forte por trás daquelas portas.

Ela empurrou as portas e entrou. O rio de corpos e sangue que desejava encontrar não estava ali... não haviam tantos e o sangue se encontravam mais nas paredes. Seis pessoas jaziam caídas no chão em frente à parede oposta à porta de entrada do refeitório. Não havia mais ninguém ali. As mesas e cadeiras estavam vazias e postas em seus devidos lugares. Nôah respirava tão rápido que começou a pensar na possibilidade de seu coração parar, naquele momento.

De início, ela não conseguiu ver exatamente o que estava escrito na parede. Seu cérebro não conseguia processar nada. Mas um barulho atrás de si a sobressaltou e veio o professor Thompson atrás de si com um papel nas mãos. Ela olhou para ele e depois para a parede, esperando sua reação, mas foi como se nada de estranho estivesse acontecendo. Nôah olhou para a parede mais uma vez e, com sangue fresco, em letras pontudas e grandes, estava escrito:

VOCÊS ESCOLHERAM SEU LADO. AGORA ACHEM ALGUÉM PARA CULPAR.

A tremedeira passou de suas mãos para todo o seu corpo. Não era um aviso para a cidade ou para o país, mas para eles. Para ela. Que tudo era culpa dela. Ela não deveria estar ali. Não deveria querer que Dylan ficasse. Não deveria querer ajudá-lo. Era tudo sua culpa.

– Não! – Nôah sussurrou, com urgência. Sua voz parecia ter sumido completamente naquele momento.

– Isso – falou o Sr. Thompson, parando atrás de Nôah –, é apenas um recado para vocês. – Sua expressão era vaga, como se tivesse bebido muito minutos antes. – A Fênix mandou vocês pararem, vocês se juntaram. Mandou vocês não interferirem nos planos dele, vocês começaram a conspiração. Nada disso – disse ele, acenando à volta – estava nos planos, mas ele tem uma imaginação e tanto. E o único culpado por ele ter escolhido você a ver essa cena é o seu namoradinho. Dylan, de alguma forma, conseguiu escapar dele na noite passada, mas isso não vai ficar assim. A Fênix nunca é pega de surpresa. Ele sempre tem uma carta na manga.

O professor Thompson, sem olhar para a arte macabra poucos metros à frente, sorriu para ela e lhe entregou o papel que segurava. Foi até a parede, onde o sangue ainda escorria para o chão, se ajoelhou perto dos corpos mortos, pegou uma pequena faca de prata no bolso da calça e, antes que Nôah pudesse fazer qualquer coisa, passou a lâmina com força no pescoço, fazendo mais sangue jorrar. Ele caiu, imóvel, assim como os outros.

Ela tentou correr, correr o mais rápido que pudesse, mas suas pernas não queriam isso. Ela estava completamente paralisada. Sentia algo comprimindo sua garanta e pensou que fosse começar a chorar, mas o que veio foi muito pior e assustador aos seus ouvidos.

Nôah abriu bem os olhos para a cena horrenda. Alguma coisa dentro de si estava se agitando. Mas o grito que irrompeu por sua garganta foi suficiente para apagar tudo. Cada som e cada coisa que se mexia à sua volta parou. Foi um grito grotesco que nem ela sabia ser capaz de dar.

Alguma coisa bateu na porta do refeitório e passos atrás de si a sobressaltou. Com uma reação instintiva, disparou um golpe para trás com o cotovelo já preparando seu outro braço para o próximo, mas Dylan os cobriu, parando cada um. Ele olhou diretamente nos olhos de Nôah e isso a fez se acalmar. Ele a segurou, confortando-a.

– Já estou aqui – sussurrou ele, baixinho. – Não se preocupe, estou aqui.

Ela o abraçou com força, tentando se situar, mas era tudo como um borrão de sangue e morte. Tudo culpa sua.

Os momentos seguintes se tornaram confusos e dispersos. Nôah ouviu os passos antes de ver as pessoas chegarem. Ouviu os sussurros antes de conseguir ver quem estava falando. Alguns alunos começaram a gritar quando viram a cena, petrificados, ou correram de volta para o corredor.

– Oh céus, Ted!

Essa foi a primeira reação do diretor Kepnner. Logo em seguida, veio Alex. Quando ele viu Nôah e Dylan abraçados, seus olhos quase saltaram das órbitas.

– O que aconteceu? Quero dizer, como isso aconteceu? – Ele perguntou.

Antes que Nôah pudesse dizer qualquer coisa, o diretor falou, quase gritando, para se interpor aos gritos e exclamações que ainda saiam das bocas dos alunos e do corpo docente.

– Eu quero todo mundo fora daqui! – Ele estava com a aparência de quem surtaria a qualquer minuto. – E quero também uma explicação. Já!

Os alunos começaram a sair do refeitório, alguns mantendo as portas abertas para os outros. Apenas os professores ficaram, atentos a qualquer ordem que o diretor pudesse dar a eles. Mas este se virou e disse:

– Vocês não ouviram? – Gritou ele. – Quero todos fora! Vão acalmar os alunos. Levem-nos para as salas de aula. Estamos entrando em confinamento. Avisem os outros. Ninguém entra, ninguém sai.

Os professores saíram do refeitório deixando apenas Alex, Dylan e Nôah com o diretor. Ninguém os fez sair.

– Imagino que, se vocês contrariaram minhas ordens, tenham algum motivo – falou ele. Ele pegou o celular, e o pôs na orelha. – Preciso de policiais imediatamente – falou.

Depois de desligar o celular, o Sr. Kepnner continuou encarando-os.

– Ninguém vai começar a falar? – Perguntou ele. – A polícia está vindo.

– Dá um tempo! – Falou Dylan, ainda abraçando Nôah. – Ela está em choque, não está vendo?

– Dylan! – Repreendeu Alex, baixo. – Problemas com esse homem só vai nos atrasar. Precisamos sair daqui, rápido.

– Eu vou falar – disse Nôah, soltando-se de Dylan e ficando bem na frente dele.

– Então vamos com isso, senhorita Black, preciso dar um parecer à polícia – respondeu o Sr. Kepnner.

Nôah colocou as mãos para trás e encarou o diretor. Ela nunca tinha tido uma conversa direta com ele. Nunca precisou. Enquanto respirava fundo, pensando no que podia falar, teve tempo de pegar o papel que o Sr. Thompson tinha lhe entregado antes e colocá-lo no bolso de Dylan, que se retesou completamente ao sentir onde ela colocava a mão.

– Sr. Kepnner, – começou Nôah sem se importar com a reação de Dylan – o senhor Thompson foi até a minha sala me chamar e disse que alguém queria me ver.

– Só isso? – Perguntou o diretor, exasperado. – Tem sete pessoas mortas na minha escola, senhorita Black. Você quer dizer que o meu professor de biologia fez tudo isso?

– Ela não está acusando, senhor – interveio Dylan, aparentemente já recuperado. – Só está relatando o que aconteceu.

– E você o que tem a ver com isso? – Perguntou o diretor. – Ele o chamou também?

– Não – falou Nôah. – O que o senhor precisa entender é que quando eu cheguei e vi todos eles mortos, o senhor Thompson simplesmente foi até lá e se suicidou. Não entende o que isso pode ser?

– Se suicidou? – O diretor parecia achar que Nôah estava mentindo. Ele não acreditava em nada do que ela disse.

– Acho melhor esperarmos a polícia – falou Alex, olhando para Nôah com um olhar significativo. – Nôah, você não precisa esclarecer nada para ele.

Acabou que Alex tinha razão. A polícia chegou, – eram mais de quarenta agentes e policiais locais –, fez sua investigação, chamou os peritos, tomou os depoimentos – dos quais todos apontavam que Nôah era completamente inocente – e abriram o inquérito, mas ainda sem entender o motivo da inscrição na parede.

Algumas pessoas começaram a identificar os corpos e os gritos e choros lamuriantes deram início. Era horrível de se ouvir. Amigos que não sabiam o que tinha acontecido para eles acabarem assim. Os familiares das vítimas e os de alguns alunos começaram a chegar, desesperados por explicações, que não tiveram até o resultado da perícia chegar.

Nôah ficou impressionada com a velocidade com que eles chegaram a uma conclusão. Talvez os federais estando no caso, conseguiram adiantar tudo, mas não era simples assim e, para Alex, faltavam algumas informações.

Para a polícia, o que aconteceu foi: segundo a perícia, depois de algumas investigações sobre a vida do senhor Thompson, foi concluído que ele tinha um tumor na cabeça, comprovado há pouco tempo, mas já agindo há meses. Esse tumor o fazia ter ataques violentos e, às vezes, o impulsionava a fazer coisas sem que tivesse plena consciência; coisas, que para a maioria das pessoas eram perigosas ou insensatas, para ele, com o tumor agindo, eram completamente normais. Descobriram, também que a família o tinha deixado depois de demonstrar comportamento explosivo e ameaçador dentro de casa. Ele não tinha mais do que 40 anos e era bom em tudo o que fazia, talvez simplesmente não quisesse aceitar o fato que podia morrer tão jovem e não percebesse que o tumor tomava seu corpo em algum momento. Depois de exames toxicológicos, descobriram que ele vinha se drogando há dias, o que contribuiu para o seu comportamento naquele dia. Até que acharam, em seu bolso, um bilhete suicida e vários outros papéis dentro de uma pasta em sua sala, no colégio, onde ele tinha todos os massacres orquestrados e bem sucedidos. Para a polícia, acharam o culpado de tudo. Ninguém entendeu o motivo que o levou levar uma aluna para ver tudo primeiro, mas, depois de pensarem um pouco e não chegarem a nenhuma conclusão, esqueceram o assunto. Não queriam mais perguntas não resolvidas para tratar. Todos os alunos foram dispensados das aulas naquele dia e foi marcado o funeral coletivo para todos prestarem suas condolências às famílias das vítimas no dia seguinte, ou seja, sábado. Nôah mal sabia que poderia não ver o dia seguinte, pois, a mente brilhante de Alex, chegou à conclusão que, apenas para os humanos o terceiro massacre estava terminado, para eles ainda tinham o que fazer.

Assim que saíram do colégio, a tempestade começou. Foi inesperada e quase sufocante. Ainda não tinham tantos carros circulando, mas Nôah não ousou dirigir rápido. Era como se o céu jogasse toda a água que vinha adiando de uma vez. Ela ligou para a mãe quando percebeu o que estava causando aquilo e disse:

– Mãe, pode parar com isso. Eu estou bem e estou voltando para a casa. – A voz de Narscisa do outro lado parecia aflita, mas começou a relaxar ao ouvir a voz de Nôah.

A chuva se abrandou, mas não completamente. O carro de Alex vinha logo atrás e parou no mesmo instante que Nôah em frente à sua casa. Da última vez que eles vieram conversar ali, os massacres começaram, o que podia acontecer se o fizessem de novo?

Mas dessa vez começou diferente. Narscisa não ameaçou matar Dylan e Alex assim que eles chegaram. Pelo contrário, serviu chá a eles para aquecê-los.

Os dois trocaram olhares estranhos antes de começarem a tomar e Nôah logo entendeu o motivo.

– Ah, por favor! – Repreendeu-os. – Estamos no meio de uma crise! – Ela foi na direção de Dylan e trocou sua xícara com a dele. – Beba, Dylan.

Ela bebeu do chá, mostrando a eles que nada aconteceria e eles fizeram o mesmo.

– O que aconteceu? – Perguntou Narscisa. – Eles começaram a notificar que alguma coisa tinha acontecido no colégio...

– O terceiro massacre, mãe – falou Nôah, não muito confortável. – Assim como Dylan disse hoje de manhã, aconteceu no colégio.

– Espera, o quê? – Narscisa quase derrubou a própria xícara de chá.

– É isso que estamos tentando entender ainda, senhora – falou Alex. – Como você sabia onde seria, Dylan?

Todos começaram a encará-lo. ele não parecia muito confortável com aquela situação, mas respirou fundo e disse:

– Por causa disso.

Ele se levantou do sofá, repousou a xícara de chá na mesinha ao lado e começou a tirar sua camisa. Nôah não entendeu o motivo de ele fazer aquilo até que ele se virou e mostrou suas costas. Havia uma marca nova inscrita em sua pele. Era um infinito dentro de outro infinito. Estava desenhado na vertical, ocupando boa parte de suas costas, era grande e se moldava aos músculos bem definidos. Lindo, para quem gostava de tatuagens, mas, parecia algo mais. Não era apenas uma tatuagem comum, algum poder irradiava dela... Nôah não conseguia explicar.

– Tudo bem... – começou Narscisa. – Isso aí é?

– Mãe, Dylan não tinha isso antes – falou Nôah.

Narscisa a olhou com uma sobrancelha levantada.

– Quero dizer, – um rubor subiu pelo rosto de Nôah – eu já o salvei antes, não lembra que contei? Na floresta. Quero dizer, não que ele...

– Já entendi, Nôah – disse a mãe, impaciente.

– Como você conseguiu isso, Dylan? – Perguntou Alex.

– Ao contrário do que você pensou, Alex, a Fênix me pegou na noite passada – falou ele. Ele se virou e vestiu a camisa. Nôah, mesmo de longe, conseguia sentir a rigidez de seus membros, ombros e rosto. Ele não queria demonstrar medo ou fraqueza perto dela, mas em raros momentos não conseguia evitar. Era como tentar pegar fumaça em um recipiente aberto e sem tampa, colocá-la dentro é fácil, mantê-la, uma coisa impossível.

Depois de Dylan voltar a se sentar, Nôah foi até ele e segurou a sua mão. Ele a tinha confortado hoje mais cedo, era a sua vez de retribuir o ato. Ela não queria que ele se sentisse daquele jeito, mas, assim como ela, ele esteve próximo da morte e sozinho. Era difícil controlar as emoções em ocasiões como aquelas. Ela começou a segurá-la firme, dando-lhe confiança para continuar com o relato. Dylan retribuiu o aperto, agradecendo.

– Logo que deixei Nôah em casa, e acredite em mim, sou grato a isso – falou ele, olhando para ela. – Quando estava voltando para casa ele apareceu de repente na minha frente, o carro capotou... Eu bati a cabeça repetidas vezes e perdi a consciência logo em seguida. Ele me levou para o que parecia um galpão grande... – Ele parou de falar, fechando os olhos bem apertados.

– O que ele fez com você, Dylan? – Perguntou Alex, claramente preocupado.

– Quando cheguei lá, não consegui ver muita coisa. Até que as bruxas acenderam as velas no lugar. Eram mais de trinta mulheres. E havia um homem no chão, quase morto. A Fênix estava sentado em uma cadeira, apenas observando. E elas começaram os feitiço. Depois disso, me lembro apenas de fragmentos. Era como se eles estivessem arrancando meus membros com garfos, todos de uma vez ou um de cada vez... Ficou tudo muito confuso com a dor que senti. Mas, em um momento, quando eu já ameaçava sucumbir, me entregar à dor, alguma coisa aconteceu... eu não sei o quê exatamente, mas alguém me disse que eu tinha o poder de pará-las. Foi então que me lembrei de minha mãe... e eu consegui. As bruxas caíram, não sei por quê. A Fênix também caiu... Eu me arrastei de lá e consegui chegar na praia, mas não antes de ele me avisar que eu não iria escapar. O próximo ataque seria no colégio. Consegui fazer contato com Alex, mas desmaiei logo em seguida, talvez pela quantidade de energia que foi necessária para parar mais de trinta bruxas... Eu não sei o que essa marca nas minhas costas significa e nem quando ou como a consegui, mas tem a ver com o que aconteceu na noite passada.

Era estranha a frieza que Dylan usou para falar sobre aquilo. Não parecia ele. Nôah não conseguiu deixar de pensar o quanto ele estaria se esforçando para se manter firme ao revelar o que aconteceu na noite anterior. Em sua versão da história, tudo terminou da pior forma possível, mas, para Nôah, tinha sido perfeito. Como ele mesmo tinha dito mais cedo, fora uma das melhores noites que ela já teve.

– Você simplesmente irrompeu em poder e conseguiu derrubar trinta bruxas mais a Fênix? – Narscisa não parecia muito adepta à ideia de que Dylan pudesse ser tão poderoso.

– Na verdade... – Dylan hesitou. Claramente sentia-se desconfortável para falar de sua mãe ali e Nôah não o culpava. Aquele não era um assunto para qualquer lugar.

– Mãe, é melhor nos concentrarmos no que aconteceu hoje – interveio Nôah. Ela olhou para Dylan, que retribuiu o olhar, agradecendo-a.

– Nôah, por que não nos conta como você foi parar no refeitório hoje? – Falou Alex, interessado. Nôah sabia que ele estava juntando as informações para ter com o que trabalhar mais tarde. Alex precisava de cada detalhe.

Então tratou de não se esquecer de nada. Ela começou a contar o que tinha acontecido, relembrando cada detalhe. Enquanto falava, perguntas se instalavam em sua mente, já lotada de coisas. Por que o Sr. Thompson? O que ele tinha a ver com tudo aquilo? Onde a Fênix ainda iria para mostrar que realmente tinha poder sobre eles? O que exatamente significava aquele aviso? O que mais ele poderia querer provar?

As perguntas começaram a distraí-la, mas ela se forçou a pensar no ponto principal. Precisava se preocupar com o problema diante deles.

– ... eu não acreditei quando vi aquelas pessoas mortas – falou Nôah. – O aviso na parede era claro, mas ainda acho que tem algo por trás daquilo. Logo depois de o Sr. Thompson me entregar aquela folha de papel, ele mesmo se matou – ela olhou para a mãe antes de continuar – e fez exatamente o que as criaturas sobrenaturais fizeram no segundo massacre depois de matar o Conselho da Ordem. Cortou a própria garganta.

Nôah se lembrou da quantidade de sangue que jorrou do ferimento e do quanto mais já tinha no chão e nas paredes.

– Mas e o bilhete? – Narscisa perguntou. Nôah começou a pensar se deveria ter contado tudo com tantos detalhes. Sua mãe já estava com medo por tudo aquilo acontecendo e, mesmo assim, agia de forma calma e calculada. Não se exaltava para não passar o medo que sentia para a filha.

– Dylan? – Eles se olharam, talvez se lembrando do momento em que Nôah colocou a mão em seu bolso para guardar o papel. Naquele momento, ela sabia que não podia deixar aquele papel nas mãos da polícia. Não pensou no que estava fazendo antes de sentir o calor da pele dele por baixo da calça levemente justa. Ela enrubesceu e um sorriso se insinuou em seus lábios, ele a retribuiu, balançando a cabeça e pegando o papel em seu bolso.

– Acho certo deixar que Nôah o leia – ele disse, entregando-o a ela –, já que ela teve a ideia rápida de escondê-lo.

Nôah começou a se distrair mais uma vez. Tinha uma leve impressão que Dylan a estava provocando falando daquele jeito. Ela pegou o papel e leu:

“São nove e vocês só encontraram seis... ou sete.” Leu ela. “Se acharem dois e ainda restar um, o último paga.” Aquelas palavras, como tudo o mais em sua cabeça, não faziam nenhum sentido para Nôah. E, embaixo, estava escrito, na mesma caligrafia, mas de forma mais destacada: “VOCÊS ESCOLHERAM SEU LADO. AGORA ACHEM ALGUÉM PARA CULPAR.”

– Não enrola, Nôah – falou sua mãe, impaciente. – O que mais está escrito?

– Não tem mais nada – declarou ela e entregou o papel para sua mãe ver.

– O que isso significa? – Dylan parecia exasperado. Era um enigma e eles não sabiam nem o que aconteceria se não o desvendassem.

Alex estava quieto. Sua expressão era séria e concentrada. Tinha os olhos fechados e tamborilava os cinco dedos de uma mão nos cinco da outra. Sua boca formava uma linha reta e bem fina. Nôah nunca o tinha visto daquela forma.

– Alex? – Chamou Dylan.

– O que ele está fazendo? – Perguntou Nôah. Narscisa ainda olhava para o papel, lendo e relendo tudo, tentando achar algo que eles ainda não tinham visto.

– Alex pare com isso – pediu Dylan. Nôah olhou para ele, interrogativa. Dylan soltou o ar pelo nariz e revirou os olhos. – Ele está pensando...

– Ele parece estar meditando ou invocando alguma coisa, isso sim – falou Nôah.

– Quando temos algum problema para resolver, é isso o que ele faz – explicou Dylan, apontando para o amigo com a mão direita. – Ele senta, fecha os olhos e tamborila os dedos. Na maioria dos casos, ele acha uma solução, mas... – ele hesitou, franzindo a testa.

– Mas...? – Incitou-o Nôah.

– Mas nunca acaba bem – Falou ele. – Não há como prever tudo o que vai acontecer... nem ele consegue. E olha que eu nunca vi alguém fazer o que ele faz. – Dylan colocou a mão no ombro do amigo e apertou. – Vamos, Alex, pare com isso. Só precisamos pensar juntos.

Alex abriu os olhos e parou de mexer os dedos. Sua expressão mudou de pensativa para interrogativa. Seus olhos se estreitaram e vincos se formaram sobre suas sobrancelhas. Nôah ficou imaginando quanto tempo levaria para que aquelas marcas se tornassem permanentes.

– O papel, por favor – pediu ele a Narscisa.

Ela levantou uma sobrancelha e o entregou a Alex, que analisou por um momento, até que disse:

– Descobri o que quer dizer, mas, é claro, há uma falha.

Nôah sentiu o corpo de Dylan ficar tenso ao seu lado. Ele, claramente, não estava gostando do rumo daquela conversa.

– O que é, Alex? – Perguntou Dylan mesmo assim.

– Diz aqui que são “nove” e nós só encontramos “seis” – começou ele. – São nove palavras escritas no aviso na parede. Se prestarem atenção, as letras eram grandes, grossas e bem espaçadas... – Ele fez uma pausa, olhando para o bilhete da Fênix mais uma vez. – Imagino que a Fênix fez com que uma pessoa escrevesse uma palavra. São nove palavras e seis mortos; esses são os fatos. Mas ainda há a considerar que o Sr. Thompson morreu, então este deve ser o “sete”. Nove pessoas escreveram nove palavras com o próprio sangue na parede do refeitório, seis estão mortas e mais o professor, mas, que nós sabemos, não participou da escrita do aviso. O meu palpite é: Temos duas ou três pessoas desaparecidas. Talvez ainda não mortas, só esperando para serem salvas. E, com certeza, é uma armadilha.

– Eu disse que não ia ser boa coisa – falou Dylan, de olhos fechados.

– O que faremos agora? – Nôah podia sentir seu coração batendo em sua garganta e o sangue pulsar nos ouvidos com o excesso da carga de adrenalina correndo por seu corpo naquele momento.

– Temos duas opções: – falou Alex, olhando diretamente para ela – deixamos acontecer e não interferimos, o que não resultaria em nossa morte. Ou nos arriscamos salvar essas pessoas que nem conhecemos, mesmo não sabendo quantas são e onde estão. E eu só sei de uma coisa: isso não vai terminar bem para um de nós.

– Nunca termina – finalizou Dylan, lendo os pensamentos de Nôah.

– Dylan – falou Alex –, você quem manda. Seu pai é o líder do bando ainda e você é filho dele. Preciso acatar suas ordens. Nós dois sabemos do juramento do lobo.

– Espere aí – interveio Narscisa. – Vocês dois estão pensando em se juntar e ir sem um plano? Não há como saírem vivos de algo assim.

– Obrigado pela preocupação, senhora – respondeu Alex. – Mas vocês são vampiras, não têm compromisso com as outras espécies. Nós não salvamos humanos apenas de vocês, há outras criaturas sobrenaturais sempre bancando as conspiradoras. Temos um compromisso. A não ser que Dylan diga o contrário...

– Nós vamos – decidiu Dylan.

– Não... – Nôah estava deixando aquilo ir longe demais. – Esperem um pouco... precisamos saber por onde procurar... não sei, um plano, pelo menos.

– Não podemos esperar, Nôah – falou Dylan. – Quanto mais ficamos aqui, mais rápido as pessoas vão estar mais perto de morrer. Nós damos conta – afirmou ele, pegando em sua mão. – Fique aqui – ele a olhava nos olhos e Nôah conseguiu ver o quanto ele estava preocupado –, ligo para você assim que terminarmos.

– Não, nós vamos também... – Insistiu ela.

– Nôah, não faça isso – falou ele. – Não vou conseguir me concentrar se não souber que está bem. Preciso de toda a minha força para isso.

– Não podemos fazer nada para ajudar? – Perguntou Narscisa.

– Não... – Começou Dylan.

– Na verdade, – interrompeu Alex. – Uma distração para os humanos seria ótimo. Mas não deixe que chova, por favor, apaga completamente os cheiros.

– Vou ver o que posso fazer – respondeu Narscisa, saindo do sofá e indo em direção ao jardim. – Alex assentiu e se levantou também, indo em direção à porta.

– Vou te esperar lá fora, Dylan – ele disse.

Dylan apenas assentiu. Ele fechou os olhos e pegou o rosto de Nôah com as duas mãos, firme, mas delicadamente. Ele a beijou em sua testa e Nôah sentiu o quanto aquele beijo teve significados. Ele a estava dizendo que tudo ficaria bem, que eles podiam enfrentar qualquer coisa...

– Tem certeza? – Ela perguntou. – Já lutamos juntos, posso ser útil.

– Você vai ser mais útil aqui, mantendo-se longe do perigo – ele disse. – Vou voltar, prometo.

– Tudo bem – ela disse. Mas não queria que ele fosse. Ela queria sentar com ele ali e abraçá-lo até aquilo passar, mas sabia que ele tinha um compromisso mesmo longe do bando.

– Nôah... – ele começou meio hesitante. Ele franzia sua boca, olhando-a nos olhos e parecendo em conflito consigo mesmo.

– Sim – incentivou ela.

– Dylan, precisamos ir – gritou Alex lá de fora.

Dylan lhe deu um beijo, mas esse foi urgente, rápido, tenso. Ele, mesmo não querendo demonstrar, estava com medo. E foi em direção à porta, fechando-a atrás de si.

O coração de Nôah se apertou. Precisou se controlar para não correr porta afora e segui-lo. Mas foi até o jardim onde sua mãe fazia tudo balançar com rajadas de vento tão fortes que ela não sabia como não era carregada. Nuvens de tempestade anunciavam uma chuva que não vinha mais e relâmpagos cortavam o céu, seguidos por trovões tão altos que mais pareciam rugidos de criaturas furiosas.

– Não se preocupe – falou sua mãe, gritando para se interpor ao barulho –, não vou deixar que a chuva caia. Esse temporal vai afastar os humanos das ruas para que os dois consigam fazer o que precisam.

– Não estou preocupada com a chuva, mãe – falou Nôah, baixo. Tinha certeza que sua mãe não tinha escutado.

– O quê? – Gritou ela, tentando entendê-la.

– Vou lá para dentro – Nôah falou, apontando com o dedo para cima. – Meu quarto.

Narscisa assentiu e continuou lançando as rajadas de vento.

Quando Nôah chegou dentro de casa, uma lembrança de semanas antes invadiu sua mente. Dylan tinha lhe dado os motivos para continuar com seu sonho de, algum dia, ser uma médica e conseguir salvar o máximo de pessoas que conseguisse com seu dom. Ela tinha um poder muito poderoso que podia ser a diferença entre a vida ou a morte de alguém e não podia desperdiçá-lo. Tinha que fazer o possível para ajudar quem precisasse.

Depois de ficar quase uma hora remoendo ideias em sua cabeça, ouviu sua mãe entrar em casa. Do corredor, ela gritou:

– Nôah, estou indo tomar um banho. Qualquer coisa, pode me chamar.

– Tudo bem, mãe – Nôah respondeu, desanimada.

Segundos depois, seu celular vibrou em seu bolso e ela o pegou. Tinha uma mensagem de Claire. Nôah a abriu e estava escrito:

“Nôah, chego em San Diego em menos de uma hora. Me espere em sua casa, preciso te contar uma coisa. NÃO saia de casa e, por favor, não vá para os prédios abandonados perto da reserva ao lado da praia. Algo ruim te aguarda lá.”

Nôah tentou ligar para a amiga, mas a ligação só caia na caixa postal. Claire já estava dentro do avião naquela hora. Ela não podia deixar aquelas pessoas morrerem. Mesmo que Dylan e Alex as encontrassem, o que garantiria que teriam tempo de levar todas para o hospital. Nôah podia fazer a diferença se fosse. E, com a mensagem de Claire, assim como ela tinha previsto o aviso antes dos massacres, lhe dava o local onde deveria ir. Nôah pegou um casaco em seu closet e foi até a janela. Era uma queda bem alta para um humano. Se ela não tivesse super reflexos, com certeza quebraria quase todos os ossos do corpo, mas quando pulou, foi como flutuar por um segundo. Ela conseguiu aterrissar no chão sem fazer um barulho sequer.

Quando percebeu, Nôah estava correndo pela orla da praia fazendo o mesmo caminho de quando tinha encontrado Dylan pela primeira vez. Mas agora não haviam pessoas correndo tranquilas, o mar estava muito agitado, as ruas, desertas. O vento açoitava o lugar, fazendo os coqueiros e palmeiras se balançarem de um jeito perigoso. Nôah continuou correndo. A adrenalina pulsava em suas veias e ela não se sentia nem um pouco cansada pela longa corrida. Medo, sim. Sua mãe se desesperaria quando não a visse mais no quarto, mas não podia esperar. Alguém precisava delas.

Ela saiu do calçadão e atravessou a rua, passando por uma esquina à direita e conseguindo ver os prédios em plena deterioração à sua frente. Eles eram usados, há anos atrás, por empresas locais, como armazéns para estocagem de mercadoria. Depois de anos em uso, foram todos abandonados pelas condições em que se encontravam. Eles não quiseram reaproveitá-los. Agora era usado por mendigos, em sua maioria, adolescentes, para beberem e fumarem escondidos... Eram pelo menos oito prédios.

Ela não podia procurar em todos. Eles eram grandes demais e altos demais. Os elevadores tinham sido desativados assim como a energia. Nôah tinha que usar seus instintos. Ela tinha quase certeza de que a pessoa em perigo em um daqueles prédios, estaria machucada e com grande perda de sangue. O cheiro poderia guiá-la.

Nôah parou de correr. Os prédios enfileiravam-se à sua frente em duas filas. Ela andava em um beco entre eles, o vento continuava forte e sua sombra se projetava à sua esquerda, fraca, imitando seus movimentos. Não demoraria muito mais para escurecer.

Enquanto passava pelo terceiro prédio ela sentiu o cheiro que esperava. Sangue fresco vindo de um lugar específico. Ela se concentrou mais no cheiro, deixando-o guiá-la, assim como sua mãe a tinha ensinado anos atrás na floresta com os animais. Era como se ela seguisse um sinal de fumaça em meio a tantos outros que o interceptavam. O cheiro do mar cobria quase todos os outros cheiros; mas ainda tinha alguma coisa podre ali perto, comida estragada, a reserva natural logo à frente exalava o cheiro das árvores, flores e algo se decompondo... Ainda assim, o cheiro do sangue no ar, para Nôah, era inconfundível, quase como o dela própria, mas, de alguma forma, melhor. Era humano. Só o fato de ele estar fresco e cheirar tão forte ela sabia que estava sobreposto à pele, derramado no chão; isso fazia sua garganta arder, seu nariz coçar e sua vontade e fome, que há poucos minutos estavam ausentes, surgissem do nada. Não era comparado à cena da escola porque antes, havia mais sangue, mais para tomar e se saciar; agora, ela tinha em pouca quantidade, sendo assim, era mais atraente e mais difícil de conseguir. Com o cheiro do sangue, ainda tinha o cheiro de desafio no ar...

Não! Nôah parou. Ela se concentrou demais. Não podia se dar ao luxo de fazer isso. Com todo aquele sangue no ar, ela logo perderia o foco de sua missão. Ela respirou fundo pela boca, percebendo o quanto seu coração estava agitado por conta de seus instintos naturais.

Depois de se acalmar um pouco, Nôah continuou andando, prestando atenção à sua volta. O cheiro de sangue fresco vinha do segundo prédio à esquerda. Ela seguiu para lá.

Nôah previu que quem quer que estivesse ferido ali dentro, não estaria sozinho. Teria criaturas sobrenaturais vigiando-a e preparadas para combate. Nôah teria que ser perfeita em seus movimentos. Estava tudo quieto demais, alguma coisa não estava certa. Até para seus ouvidos super potentes, estava quieto demais.

– Não há como eles virem aqui primeiro – falou uma voz masculina bem próxima, Nôah paralisou no lugar. – Provavelmente é só mais um daqueles mendigos...

O homem virou a entrada do prédio e se deparou com Nôah, ficando estático assim como ela. Ele realmente não acreditava que a encontraria ali, se é que sabia quem Nôah era. Mas julgando por sua expressão, com certeza ele trabalhava para a Fênix e este o mantinha atualizado quanto a aparência de seus inimigos. Ele era provavelmente de sua altura, imberbe, olhos castanhos e cabelos cobertos por uma boina antiga. Era claramente um vampiro, levando em conta sua camisa e boca sujas de sangue.

Ele levantou uma sobrancelha, surpreso e logo em seguida mostrou as presas, flexionando os joelhos levemente para ficar em posição de ataque.

– O que garante que você vai conseguir passar por mim? – Perguntou ele com um sorriso no rosto. Mas não era um sorriso amigável, sim um daqueles sorrisos que assassinos mostram antes de matar uma pessoa a sangue frio.

Nôah não respondeu. O fato de ele não estar esperando por ninguém ali, naquele momento, podia ser sua chance de pegá-lo distraído se conseguisse com que ele perdesse o foco. De qualquer forma, não daria a ele o gosto de ter uma conversa antes de ele tentar matá-la.

Nôah se preparou. Precisava traçar e organizar um plano bom e rápido: lutar, sobreviver, saber o quão rápido ele era e o quão lento se tornaria depois de um tempo, saber se tem alguma habilidade especial, superá-la, descobrir seu ponto fraco, ganhar e seguir em frente.

Ela não sabia se haveriam mais barreiras além dele para chegar até o interior do prédio e não podia pensar naquilo. Um passo de cada vez. Estudá-lo. Vencê-lo. Seguir em frente.

Vendo que Nôah não lhe respondeu, o homem não se deu o trabalho de continuar falando. Partiu para o ataque. O vampiro era mais rápido do que Nôah previu e foi quase impossível se esquivar de seus golpes. Era como ver uma luta profissional na televisão em câmera rápida. Ela não atacava, apenas desviava de seus socos, chutes e golpes de pressão, tentando, desesperada, ver algum padrão em seus movimentos. Vampiros tinham uma resistência mil vezes maior do que humanos em sua melhor forma. Eles poderiam ficar lutando por horas e ainda não se cansarem a não ser que... Por um momento de distração, o vampiro conseguiu dar um golpe de pressão em Nôah, com a mão aberta, jogando-a de encontro ao prédio atrás de si, o que a fez bater forte com a cabeça e as costas. Ela sentiu a dor quando tentou se levantar, mas se forçou a ficar de pé. Tinha que continuar lutando até que seu plano estivesse completamente formado.

Nôah decidiu parar de facilitar. Talvez ele a pegasse de surpresa em alguma hora, mas não podia esperar por isso. Precisava agir. Desviando de um último golpe com a mão, ela deu um pulo para trás, abrindo uma distância segura entre eles. Ela se abaixou e colocou a mão no chão. Um leve tremor percorreu todo o asfalto acidentado. Demoraria um pouco para acontecer, mas ela não se deixou intimidar. O vampiro à sua frente, percebeu o que ela estava tentando fazer e praguejou baixo. Nôah se levantou e fechou os olhos, se concentrando no vento à sua volta, forte e poderoso. Foi como conseguir pegar as rédeas de um cavalo indomado, mas fez valer seu esforço.

Quando o vampiro veio em sua direção, Nôah usou o vento para atrasá-lo. A ventania aumentou, açoitando seus cabelos, jogando o homem cada vez mais para trás até que este perdeu o equilíbrio e Nôah conseguiu fazê-lo voar até a parede de um prédio e bater com força. Naquele momento, ela liberou seu controle dos ventos e, no chão, o asfalto começou a afundar, revelando a terra há muito escondida.

O vampiro começou a caminhar em sua direção, parecendo estar com mais raiva do que nunca. Nôah fez com que blocos de terra se condensassem e voassem em sua direção, atrasando-o até que pudesse achar um jeito de vencê-lo. Ele conseguia desviar de alguns e não parecia se importar que fosse acertado. Quando chegou a cinco metros de onde Nôah estava, parou e disse:

– Agora eu vejo porque ele quer você. – Tinha algo em sua voz, algum tipo de desejo implícito. – Você deve ser a filha perdida de Mikhael... Acho que haverá uma mudança de planos aqui. Não vou entregá-la a Fênix.

– O quê? – O modo como ele disse aquilo despertou a curiosidade de Nôah. – O que você está dizendo?

– Ah! – Ele exclamou. – Poucas pessoas sabem dessa história – disse, sorrindo maliciosamente. – Mikhael, o ex-vampiro do Conselho da Ordem, teve uma filha com alguma vampira há alguns anos, mas ninguém nunca soube quem ela foi. A história conta que Mikhael não contou à vampira que também era um, querendo fugir da própria espécie. Quando ela ficou grávida, ele fugiu... Mas levando em conta o extraordinário pai que tinha, já se imagina o quão poderosa ela é. Nenhum vampiro tem mais de um poder, garota! Nenhum. Mikhael era o único, podendo absorver qualquer poder de qualquer vampiro. Você pode controlar a terra e o vento... o que mais pode fazer?

Ouvir aquilo despertou certa curiosidade em Nôah. Sua mãe tinha lhe garantido que seu pai era humano... Mas... Segundo o vampiro à sua frente, Mikhael não se revelou ser um vampiro...

– Também está em dúvidas de quem é seu pai, garota? – Perguntou ele, ainda sorrindo. – Eu sei como é isso. A maioria de nós, vampiros, não sabemos quem são nossos pais. Quase todos somos abandonados logo depois de nascermos...

– E você quer me usar – completou Nôah. – Usar meus poderes.

– Que bom que você compreende – ele falou.

– Você quer meus poderes? – Foi a vez de Nôah sorrir. O vampiro retribuiu o sorriso. – Tome-os.

Todos os sentimentos confinados em seu interior explodiram de uma vez. Raiva, frustração, medo, tristeza, culpa... o fogo irrompeu de seus braços, irradiando calor por todos os lados. O vampiro deu alguns passos para trás ao ver que ela não estava brincando, mas se deparou com um muro de terra e pedras que Nôah mal sentiu quando o levantou. Outros mais se levantaram, formando uma jaula estreita até para ele se mexer. Nôah fez com que buracos se abrissem nas paredes sólidas e fez o fogo jorrar por seus dedos e entrar por eles, queimando o vampiro lá dentro. Gritos incessantes foram abafados quando Nôah fez com que a terra se juntasse acima das paredes da jaula e fizessem uma tampa, confinando-o lá dentro e encerrando seus gritos a meros ruídos. Depois de um tempo, Nôah colocou sua mão na jaula e se concentrou, fazendo-a afundar no chão enterrando o vampiro junto.

Por um momento, o cansaço se abateu em Nôah. Ela não conseguia acreditar na possibilidade de ter visto seu pai e ele sequer a ter reconhecido. Sua mãe tinha lhe contado sua história, por que ela ainda tinha dúvidas sobre aquilo? Por quê? Alguma coisa dentro de si a mandava esquecer aquilo, que tinha algo mais importante para se preocupar naquele momento. Além do mais, Nôah não acreditava que algo sairia bem daquela história se insistisse em saber mais, só sairia mais machucada.

Seu celular tocou em seu bolso e Nôah o pegou. O número de Alex aparecia na tela. Um nó se formou em sua garganta subitamente e seu coração acelerou. Alex não ligaria para ela se alguma coisa séria não tivesse acontecido. Ela se forçou a pensar que podia ser apenas uma ligação simples para atualizá-la do que estava acontecendo e atendeu.

– Alex? – Ela disse, a respiração ofegante. – Aconteceu alguma coisa? O Dylan está bem?

– Estamos bem – ele respondeu. Nôah se concentrou, ouvindo os sons além do que ele falava. Além de Alex, havia mais de uma pessoa respirando e não parecia bem. – Dylan encontrou uma garota da escola e já fez os primeiros socorros, ela vai ficar bem e está no hospital agora. Ele está vindo me encontrar e eu não sei o que fazer... não vai dar tempo de ele chegar ou chamar alguma ambulância... Nôah, ele não...

– Ei! – Um alívio tinha tomado conta de Nôah. Dylan estava bem e tinha salvado alguém. Nôah sentia-se orgulhosa. – Alex, se acalme – falou Nôah. – Me fale onde você está e chego aí em um minuto.

– Nôah, não! – Ele disse. – Não vai dar tempo e o Dylan não vai gostar...

– Alex, eu sou capaz de me defender sozinha...

– Acredite em mim – ele a interrompeu –, sei que é. Mas o Dylan quer se certificar que não seja preciso... Só... só me fale o que eu tenho que fazer.

– Tudo bem. – Nôah respirou fundo, tentando se concentrar, não podia falhar naquele momento. – Me diga o que aconteceu.

– Ele tem corte nos pulsos e na cabeça... – começou ele. – Estão bem vermelhos e inchados. Ele está consciente, mas não vai ficar por muito tempo. Tem muito sangue no chão ao redor dele... eu não tentei movê-lo porque não me parece muito seguro tentar... Nôah, ele está estranho como se tivesse sido atingido por um carro ou... ou algo forte o bastante para deixar ossos quebrados, ferimentos horríveis e abertos... e...

– Alex, eu realmente preciso que você se acalme – Nôah pediu. – Você não estará em condições de cuidar de ninguém se não se acalmar. Me diga o que mais você consegue ver... – Ela precisava de um ponto de partida. Algo em que pudesse começar a cuidar e desenvolver o resto do procedimento. – O fluxo sanguíneo. Coloque seu dedo no pescoço, tente achar a carótida e veja quantos batimentos por minuto. Veja quais feridas ainda estão sangrando e avalie quais podem ser as piores. Rápido!

– Muito bem – ele falou entre a respiração pesada. – As piores são as do peito... – ele parou de falar por um momento e Nôah esperou. – Hmm, acho melhor... vou tirar a camisa dele.

– Espere! – Ela pediu. – Se há ossos quebrados você não pode movê-lo demais. – falou rapidamente. – Tente rasgar a camisa sem mexê-lo muito.

– O.k. – Falou ele. Nôah ouviu o som de tecido se rasgando. – Não há ferimentos no abdome – informou ele. – Os piores são os do peito, cabeça e os ossos do braço direito e perna esquerda quebrados.

– E quais estão sangrando? – Nôah perguntou. – Alex, isso é importante: Quais deles ainda estão sangrando?

– Os... não... – ele ficou sem falar por um minuto, Nôah só ouvia a sua respiração e a do garoto no chão. A de Alex, pesada e a do garoto, fraca e instável. – Não está sangrando. Há muito sangue em volta... mas não há mais sangramento. Parou. Isso é bom, certo?

– Alex...

– Isso é bom, certo? – Repetiu ele.

– Alex, olhe para ele – Nôah pediu, sentindo um aperto no coração. – Você disse antes que ele está consciente, ainda está?

– Sim. – Alex disse, a voz mais urgente. – Eu li em algum lugar que a pessoa depois de uma pancada forte na cabeça não deve dormir, pois uma concussão pode piorar tudo. Ele está consciente... os olhos dele piscam e está olhando para mim.

– Alex, ele tem um braço e uma perna quebrados. Lacerações no peito e em outros lugares. Há muito sangue em volta e não está mais sangrando, estou certa?

– Sim – ele respondeu. – Me diga o que fazer... Ele está muito pálido, Nôah. Não posso deixá-lo morrer.

– Tudo bem, qual a cor do sangue que cobre as feridas? – Perguntou Nôah, se certificando que estava certa sobre o que fazer – Vermelho ou preto?

– O que cobre a camisa e a calça é vermelho, mas o que está no peito agora é preto, por quê?

– Alex, segure a mão dele. – Pediu Nôah e respirou fundo.

Depois de um momento, Alex respondeu:

– Tudo bem, estou segurando. E agora?

– Agora tente mantê-lo o mais confortável possível – respondeu Nôah. – Não deve demorar muito mais.

– O quê? – Ele perguntou. – Não! Me diga o que fazer, Nôah. – Pediu ele, desesperado. – Ninguém vai morrer nas minhas mãos!

– Alex? – A voz de Dylan soou ao longe. – Você o encontrou. Ele é um dos que deram falta no colégio depois do... você está bem?

– Ele não pode morrer, Dylan – falou Alex, sussurrando. – Não posso deixar que ele morra...

– Dylan, – chamou Nôah.

– Nôah? – Respondeu ele. Como ela suspeitava, o celular estava no viva-voz.

– Ajude-o. – Ela disse. – Não foi culpa dele. Só não chegou a tempo. Não tínhamos como chegar a tempo de salvar todos, Alex.

– Está tudo bem agora, Nôah – Dylan falou. – Obrigado por ajudá-lo.

– Sem problemas – ela disse. – Qualquer coisa, podem me ligar.

– Nós ligaremos.

Dylan desligou o celular e Nôah sentiu uma solidariedade muito grande por Alex. Ela não o conhecia. Sabia que ele era um homem-lobo e muito inteligente. Mas a morte não era familiar para ele, Alex não conhecia a dor de perder alguém importante. Ele simplesmente não sabia lidar com a morte.

Nôah começou a andar em direção ao prédio. Seus nervos estavam à flor da pele e pareciam carregados de eletricidade. Sentia os músculos das costas ainda um pouco doloridos, mas estava bem.

A entrada do prédio era feita de um portão largo e totalmente fechado de ferro. Tinha janelas em toda a sua extensão, sem vidros, e algumas tapadas com pedaços de madeira. Uma porta de emergência estava aberta, lugar onde o vampiro talvez tenha saído para verificar quem estava vindo. Mas... Nôah se lembrou. Ele tinha dito alguma coisa, como se falasse com alguém, mas ninguém mais apareceu. O céu começava a escurecer naquele momento e as nuvens estavam viajando em direção ao norte, deixando o céu mais limpo. O vento não era mais tão forte e o barulho das ondas se quebrando ao longe era quase reconfortante.

Antes que pudesse se arrepender, entrou com tudo pela porta, vendo apenas o escuro no interior do prédio. Quando sua visão se acostumou à escuridão, percebeu estar em algo que já fora usado como depósito antes. O cheiro predominante era de mofo e umidade, uma brisa suave entrava pela porta, mas não era suficiente para disfarçar o odor. Tinha uma escada de concreto num canto à sua direita que levava para o andar de cima, as paredes estavam descascadas e algumas partes tinham placas de metal fixas. O chão era liso e estava bem sujo. A poeira dançava no ar por onde a luz entrava pela porta aberta.

No canto mais afastado à sua frente, Nôah começou a escutar soluços baixos e parecia que alguém estava chorando. Ela correu em direção ao som e quase tropeçou com o susto de ouvir a porta pela qual havia passado se fechando. Nôah olhou para trás, mas estava tudo muito escuro. Ela se concentrou, tentando focar sua visão em pontos fixos assim como sua mãe tinha lhe ensinado. De repente, foi como se um facho de luz se ascendesse à sua frente. Ela não conseguia ver tudo exatamente da cor que era, mas conseguia distinguir as formas ao seu redor, mesmo que não estivesse olhando. Um sorriso se projetou em seus lábios; ela nunca tinha conseguido fazer aquilo, mesmo com sua mãe instruindo, era como ter o próprio radar de morcego.

Mas em meio a todo aquele processo de descobrimento, Nôah se retesou completamente. Tinha mais alguém ali além dela e da pessoa ferida à sua frente. Não se preocupou, precisava salvar a garota e depois encontraria uma maneira de sair.

Ela se precipitou para onde se encontrava a pessoa e se abaixou à frente dela, tentando ver como ela estava. Quando olhou para a pessoa, descobriu ser uma mulher, sentada com os braços em cima dos joelhos e o rosto abaixado. Assim que Nôah a tocou, a mulher levantou a cabeça, sorrindo. Nôah se afastou rapidamente.

Incendia! – Gritou ela enquanto se levantava.

Em torno de toda a extensão do lugar, nos cantos, postas no chão de forma irregular, se ascenderam velas, iluminando tudo. Nôah olhou para os lados, assustada. Algumas mulheres desciam a escada que tinha visto antes e se posicionavam encarando Nôah, como se fossem leões em uma festa e ela fosse o prato do dia. Em seguida, dois homens entraram na sala carregando uma garota com a roupa esfarrapada e suja, os pulsos estavam completamente vermelhos e inchados, pingavam sangue, assim como seu pescoço. Ela parecia inconsciente, o cabelo grudava no rosto, que pendia para frente. Nôah não a conhecia, mas ver alguém, da sua idade, sendo maltratada daquele jeito fez seu estômago revirar.

Os homens passaram por Nôah e colocaram a garota no chão, poucos metros de onde estava. Em seguida, subiram as escadas e desapareceram.

– O que vocês vão fazer? – Nôah perguntou, soando desesperada.

Ninguém a respondeu. As bruxas começaram a se movimentar, indo em direção à garota e fazendo um círculo em volta delas. E começaram a entoar um feitiço tão rápido que Nôah não conseguia acompanhar suas palavras. Depois de alguns momentos, elas saíram de volta da garota, que agora tinha longos cortes em toda a extensão dos braços escorrendo sangue. Nôah prendeu a respiração. Agora sabia de onde vinha aquele cheiro.

Uma das bruxas trazia um pequeno cálice transparente com o sangue da garota e se afastou das outras. As mulheres que ainda encaravam Nôah começaram a entoar outro feitiço, baixo, quase um zumbido. Em segundos, a cabeça de Nôah parecia querer explodir tamanha era a dor. Nôah caiu de joelhos, segurando a cabeça, tentando fazer a dor parar, mas ela só aumentava. Sangue começou a pingar de seu nariz e sentiu algo molhado saindo de suas orelhas, vendo que era sangue quando passou os dedos para verificar. Sua visão começou a escurecer e uma vertigem a tomou fazendo com que tombasse de lado. Depois de alguns minutos, enquanto ainda esperava a dor passar, Nôah sentiu uma dor nova; alguma coisa afiada cortava seu braço. Mesmo com os olhos abertos, querendo ver o que estava acontecendo, Nôah não conseguiu. Pontos pretos e brancos ainda tomavam sua visão.

Dylan tinha dito antes que quando a Fênix o tinha pegado com o único objetivo de ligá-lo à um humano para que ele morresse mais facilmente. Ela sabia que ele tinha conseguido escapar por causa de sua metade bruxa, mas Nôah nunca conseguiria fazer o mesmo. Também era uma criatura híbrida, filha de pais de espécies diferentes, mas nenhum deles era um bruxo. Nôah era frágil se comparada aos outros vampiros; ainda não tinha entrado em estado de ascensão. Não podia nem se chamar de vampira ainda sendo que, por mais que o odor metálico e inebriante do sangue a atraísse, seus movimentos a traíam. Tinha a sede de um vampiro, mas seu lado humano também estava ali, esforçando-se para ser percebido. Não tinha a força nem a agilidade de um vampiro depois da ascensão, não conseguia controlar seus impulsos, não era rápida o bastante, nem graciosa nem bonita, menos ainda tinha o poder necessário para impedir que a Fênix a matasse naquele momento.

Mas...

Não. Espere aí. Não era esse o plano... Não. Ela não morria no plano original...

Um grito irrompeu por sua garganta quando a dor voltou em sua cabeça, mas agora não estava restrita a apenas aquela parte de seu abalado corpo. Todo ele doía. Dos fios de cabelo até as unhas dos pés e mãos. Cada extremidade, aresta, curva e molécula doíam insuportavelmente. A dor já a tinha cegado e, depois de um tempo, Nôah esperou que esta parasse, mas não foi o que aconteceu. Poderia ter se passado minutos, segundos, meses até.

Algo mudou. A dor aumentou e Nôah conseguiu ouvir que as bruxas aumentaram o volume da voz, impondo força em seu feitiço. Obrigando-o a dar certo. A cada palavra era como se Nôah fosse jogada em túnel de ácido, cada vez mais forte. A dor aumentou de novo, gradativamente, e mais uma vez, até que ela teve a certeza de que jamais alguém havia sentido aquilo antes.

E, de repente, tudo começou a acontecer rápido demais. Ela não conseguia acompanhar os fatos. Apenas ficou olhando... ouviu vozes gritando, mas eram apenas frases desconexas.

“Vocês precisam sair agora!” Nôah tinha quase certeza que conhecia aquela voz, mas... “Eles estão vindo... A bruxa a encontrou... Eu sei que não deu certo, mas não podemos nos arriscar. E já a torturamos demais... É tudo culpa min... Limpem essa bagunça e saiam!”

*

Seus olhos se abriram e foram feridos por uma luminosidade que vinha de algum lugar à sua direita, então fechou-os novamente. Nôah não sentia mais a dor e um cheiro leve e familiar a tocou, fazendo-a sorrir. Existe um céu. Pensou. Existe mesmo um céu e eu fui parar nele.

Então se forçou a abrir os olhos devagar dessa vez. Lágrimas escaparam quando Nôah viu onde realmente estava. Seu quarto parecia o mesmo de sempre. A cor, a textura dos lençóis e do cobertor macio ao seu redor, os travesseiros, as fotos, a porta da sacada com a cortina branca... Nôah tentou se mexer para sair da cama, mas um peso estranho fez com que continuasse no lugar.

A origem do cheiro familiar. Era levemente amadeirado com um toque de menta. Nôah sorriu ao ver que Dylan dormia ao seu lado, abraçando-a e segurando sua mão. Era quase demais para ela ver algo assim, levando em conta tudo pelo que passou.

Nôah apertou sua mão, sentido a de Dylan sobre a sua, quente e reconfortante. Ele quase deu um pulo da cama, olhando para ela, assustado. Dylan soltou um suspiro e sorriu. Vendo que ela estava bem, ele se abaixou e deu um beijo leve em seus lábios.

– Como está se sentindo? – Perguntou ele. Sua voz estava áspera e grave por ter acabado de acordar.

– Estou bem – ela disse.

– Nôah... – Dylan hesitou. Ele vinha fazendo aquilo com frequência desde aquela manhã. Era como se ele temesse falar alguma coisa que fosse magoá-la. Ela esperou e pegou sua mão de novo, incentivando-o a falar. – Me desculpe por não dito antes. Eu... nunca me perdoaria se tivesse acontecido alguma coisa com você e eu não tivesse dito. E foi tudo tão rápido... Eu amo você, minha Nôah – ele disse, soltando uma grande quantidade de ar. – Eu amo você para sempre. Ninguém vai ser capaz de nos separar. Nunca.

Nôah olhou para ele com os olhos arregalados e um sorriso travesso nos lábios. Era como se o dia estivesse começando com o sol e pássaros cantando em uma primavera depois de um inverno rigoroso, pálido e silencioso. Naquele momento, Nôah não podia estar mais feliz.

– Eu também amo você – ela disse. – Para sempre – confirmou.

– A mãe dela disse que tinha ouvido vozes... – na porta do quarto, Claire vinha entrando com um Alex um pouco tenso.

– Tenho certeza que não...

Os dois pararam na porta, olhando a cena, boquiabertos.

– Claire? – Nôah quase gritou o nome da amiga.

Claire correu até Nôah e pulou na cama empurrando Dylan para o lado e a abraçou.

– Senti tanto a sua falta! – Falou Claire ao seu ouvido.

– A senhora Narscisa está vindo – falou Alex um pouco inquisitivo.

Dylan pulou da cama e foi se postar perto de Nôah do outro lado, em pé. Ela passou correndo pela porta e foi até a filha, abraçando-a também.

– Eu estou bem, mãe – ela disse, devolvendo o abraço. Narscisa a soltou e ficou olhando para ela, como se quisesse se certificar que Nôah estava inteira depois da outra noite. – Precisamos conversar – Nôah disse, fazendo com que todos parassem de sorrir e uma estranha névoa de tensão surgisse no ar.


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Notas finais do capítulo

Comentem, pessoal! Quero muito saber o que acharam desse capítulo em particular! E não deve demorar muito mais para sair o próximo



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