Mil anos de exílio escrita por Ilana Sodré


Capítulo 1
Pela visão de Felicity


Notas iniciais do capítulo

Esse é o presente de aniversário de uma das minhas mais queridas amigas. Laís Oliveira. Queria escrever muitas outras coisas para ela, mas a primeira que me veio a mente foi essa. No processo de criação, ou até mesmo depois disso, te contarei todos os detalhes sórdidos. Depois de 33 cansativas páginas, espero que gostem. Parabéns. Que esse dia seja repleto de coisas boas, porque você merece tudo de bom, Lai!

Beijoos!


Ps. Tem uma notinha pra vocês, lá em baixo.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/526958/chapter/1

Foi há muito tempo. Mais tempo do que deveria ser permitido pensar e viver só. Quando eu era apenas mais uma pobre alma vagando entre reinos e esperando que alguém me resgatasse da solidão da qual eu me encontrava. Acostumei–me com a solidão nos tempos em que vivi entre os limites de Agnes e Agathan. Dois reinos vizinhos que naquele momento ainda viviam em paz. Eu havia nascido em Agnes, como minha mãe, minha avó, minha bisavó e todas antes dela.

O único problema de estar entre as fronteiras é que às vezes nem você mesmo sabe a que reino pertence. Vivi em Agathan pela bondade do rei. Eu nasci da relação de uma bruxa e um feiticeiro, um amor extremamente proibido. Os feiticeiros de Agathan e as bruxas de Agnes raramente se cruzam em seus caminhos, a fronteira servia para isso.

No passado, as bruxas e os feiticeiros conviviam em paz, Agathan era o lar de todos eles. Além dos ‘Inpoderanos’, pessoas sem poderes, do reinos. Quando a rainha Morgana descobriu a traição do rei Arthur falou para suas irmãs e comunicou que todas iriam embora do reino, procurariam um reino novo e nunca mais voltariam ao de Arthur. A rainha saiu à procura desse lugar fantástico e encontrou algo semelhante a seu antigo reino, Agathan, um lugar onde depois dos 25 anos as bruxas e os feiticeiros continuam com a mesma forma por muitos milênios.

Isso trouxe a paz. Por milênios vivemos naquele reino, Agnes, como a bruxa mais poderosa que tivemos em nossa linhagem. Minha mãe, assim como todas as bruxas do reino, servia a rainha Marlena. E em seu nome foi ao reino vizinho como espiã, disfarçou–se, apenas para saber se o rei tinha algum plano contra o nosso reino.

Minha mãe foi até Agathan e fingiu ser uma Inpoderana, conheceu um feiticeiro poderoso e por ele se apaixonou. River soube na hora em que a viu que ela era uma bruxa, alguns feiticeiros tem o dom de sentir isso, e mesmo assim se apaixonou por ela. Um amor tão proibido quanto o de um peixe por uma tartaruga. Mas eles seguiram com ele, mesmo com o medo de serem separados um do outro. Era uma decisão que não cabia a eles, mas a seus corações.

Meu pai se prontificou a deixar seus poderes de lado por minha mãe, mas ela disse que se alguém deveria abdicar de seus poderes, esse alguém era ela. Ela não virou uma Inpoderana, isso é algo impossível. Seus poderes sempre estarão dentro de você, mesmo que não os queira mais. Meus pais viveram em Agathan por muito tempo, esqueceram–se das regras, dos juramentos feitos aos soberanos e esqueceram que minha mãe não poderia ficar em Agathan para sempre.

A rainha não tinha permissão para entrar em Agathan, por isso mandou uma de suas bruxas mais fieis atrás de minha mãe. Ela não queria ter que ir, não queria deixar meu pai, mas sabia a que lugar pertencia e aonde deveria ir. Ele nunca soube que ela estava grávida, ela partiu e não mais voltou. Não pôde. Meu pai, um feiticeiro esplendido, um homem maravilhoso morreu assim que ela se foi. Não foi forte o suficiente para aguentar todos seus sentimentos se despedaçando.

Assim que nasci minha mãe teve o seu castigo, sua punição de acordo com a rainha. Quando eu completasse 25 anos, idade mínima para o começo da imortalidade, caso eu conseguisse sobreviver até lá, eu me tornaria uma guarda da fronteira. A rainha contrariou o meu sangue, o sangue de espiãs do reino, com razão, minha mãe havia traído seu povo uma vez. Em meu reino dizem que existe um tipo de fardo que se carrega quando seus pais fazem algo errado. Um fardo que, de uma forma ou de outra, volta para você. E foi exatamente isso que aconteceu comigo.

Vivi entre reinos, cercadas de pessoas diferentes. Não pertencia a nenhum dos mundos, o rei Álamo me deixava viver em Agathan por causa do meu pai, a rainha me deixava viver em Agnes pela punição que me deu antes mesmo que eu soubesse o que significava punição. Minha mãe, no entanto, contrariando a lei da imortalidade de nosso reino envelheceu. Aquilo era um lembrete de que a lealdade à rainha vinha acima de tudo.

Sempre me senti a margem de tudo. Alguém que não poderia ser uma única pessoa, eu sempre seria um fruto proibido, afastada por ser diferente. E por isso me conformei, não adiantava lutar contra o meu destino. Pensei assim por décadas, quando fiz 26 anos algo aconteceu. Talvez fosse uma respostas às minhas preces, ou somente o destino me empurrando para onde eu deveria estar.

A fronteira me fazia ao mesmo tempo irmã e estrangeira e foi nela que conheci Caleb. Na noite mais fria que o reino de Agnes já viu, fui obrigada a atravessar a fronteira e ir de encontro à taverna que ficava nos limites da fronteira de Agathan. Para os homens de Agathan, controladores de todos os poderes e magias existente naquele reino, a taverna não era um lugar seguro. Nenhum deles a frequentava, mas sabiam que um Inpoderano poderia ser mais impiedoso do que qualquer bruxa ou feiticeiro do nosso mundo.

Não sentia medo de estar ali, sentia vergonha. Não por ser mulher, por ser bruxa, nem pelo fato de que poderia ser confundida e aos olhos deles ser uma simples Inpoderana. Nada disse me assustava, meu único medo era estar fora dali, minha vergonha era ser expulsa, não poder estar presente. Não ligaria em ser confundida por uma Inpoderana, porque ao menos uma vez em minha vida poderia ser considerada alguém. Abri a porta e a cada passo dado para dentro da taverna, era um passo a mais dado para longe do frio.

Todos olharam para mim. Em minha capa vermelha, chamativa como um sinal de alerta, eu era alguém de quem as pessoas não deveriam se aproximar. Eu me sentia estranha, sentia vergonha, sabia que também não pertenceria a aquele lugar. Sentei sozinha em uma das mesas e esperei por uma bebida que pudessem me esquentar, não havia parado para analisar todas as pessoas ali, mas quando ele pousou a caneca com um liquido fumegante em minha frente, tive que olhá–lo.

Também não acreditava em amores à primeira vista, nem nada que pudesse fazer meu coração chacoalhar dentro do peito, mesmo assim, foi isso que eu senti quando olhei em seus olhos. Como se escutasse algo dentro de mim, chamando por ele, o rapaz se sentou em minha frente. Não senti medo, apenas tentei decifrar o que ele queria comigo.

Ele tinha cabelos castanhos e olhos escuros, olhos tão escuros que me lembrava um tipo de madeira usada par o chá da rainha. Seus olhos me estudaram por algum tempo, o mesmo tempo que levei para estudá–lo. Seu rosto me lembrava de algo, como se já o tivesse visto antes em minha vida, os cílios longos e espessos não deixaram com que eu me desprendesse de sua imagem, as sobrancelhas fartas e os lábios carnudos. Eu esperava poder ouvir sua voz e confirmar que algum dia eu já havia ouvido algo parecido.

–O que uma...Moça como você, faz desse lado da fronteira ? – Sua voz não me decepcionou, mas a pergunta começou a martelar em meus ouvidos. Qualquer uma das outras pessoas presentes, caso ouvissem o que ele havia sussurrado para mim, mesmo com a dedução de que eu vinha de Agnes, não entenderia o que ele, com seus poderes, tinha a plena certeza.

–Está muito frio, do outro lado da fronteira. – Inconscientemente abracei meu corpo. E o rapaz sorriu para mim.

–Caleb Sixweet.

–Sixweet ?

–Essa é a hora que você se apresenta e não o momento em que ri do meu nome.

–Desculpe. Só é um pouco... Felicity.

–Felicity ?

–É, Felicity.

–Só isso ?

–Para minha mãe, só isso bastava. – Bruxas normalmente tem apenas um nome. Morgana. Minerva. Margô. E muitas vezes seus nomes começam com a letra M. Meredith era o nome de minha mãe. Eu era uma exceção. Para minha mãe, ter o nome Felicity, era me dar a certeza de que mesmo na vida sombria que me esperava, eu teria a certeza de que um dia, meu nome se tornaria mais que apenas um nome. Um dia eu seria realmente feliz, eu só não sabia que Caleb faria isso na minha vida.

–É aqui que te deixo ? – Caleb olhou para a fronteira que ele não atravessaria e eu assenti. –E isso é seguro ? – Havia passado a última hora olhando para ele e seus clientes. Decidindo o que seria seguro fazer. E por mais que doesse admitir, estar no território das bruxas, das minhas irmãs, era menos perigoso do que em uma taberna cheia de Inpoderanos e um feiticeiro, que por mais belo que fosse, ainda era um feiticeiro.

–Minhas irmãs não fariam nada de mal comigo. – Falei olhando para a neve que caía em minha capa.

–Não, não fariam. – Ele suspirou e eu consegui ver o ar saindo de sua boca tamanho era o frio do lado de fora.

–Tem certeza que não quer mais um pouco de chocolate quente ? Marta não se incomodaria de fazer mais para você.

–Não precisa se incomodar, acho que é a hora certa para que eu siga meu caminho, volte para o meu lugar.

–Então, até outra hora, forasteira.

–Obrigada. – Pela primeira vez desde que chegamos ao lado de fora, o olhei. Tentei retribuir ao sorriso e não tive êxito em minha missão.

–Por nada, Felicity.

O olhei por mais alguns segundo e então cobri minha cabeça com a capa e atravessei a fronteira, sem olhar para trás.

O espelho estava em minhas mãos, eu estava sentada em uma arvore caída e tentava falar com minha mãe. Fechei os olhos e me concentrei na única coisa que eu sabia fazer de verdade. O espelho tremelicou e eu abri os olhos. Meredith estava no espelho. Uma mulher com aparentemente 55 anos me olhava sorrindo. Ela ainda estava presa, ainda servia a rainha, mas tinha a mim. Mesmo que longe.

–Mamãe.

–Como está, querida ?

–Bem. As coisas estão indo bem por aqui. O fim do meu segundo ano como guarda da Fronteira está acabando.

–Querida, eu queria que você fosse para longe, pedisse abrigo ao rei, que não precisasse ficar presa a Fronteira.

–Não mudaria de lado, mamãe. Não quando a única pessoa que amo está do mesmo lado que eu.

–Meu único consolo é saber que morrerei, como pessoas normais, como os Inpoderanos. Quando isso acontecer, Felicity, quando o espelho não mais me mostrar, eu quero que você vá pra longe, quero que encontre abrigo em outro lugar, que fuja, que use seus poderes para o bem e que não volte nunca mais.

–Mamãe...Eu nunca faria isso. Eu não vou deixá–la.

–Oh, querida. Você precisa. Você precisa. – Minha mãe limpou suas lágrimas e eu ouvi a voz de alguém a chamando. – Estou indo. Viva Feliz, viva!

O que veio depois disso, na minha vida, foi um grande desastre. 25 anos entre as fronteiras, vendo minha mãe envelhecer, pessoas passarem e o tempo, como em um ciclo, se transformar e voltar a ser o que era diante dos meus olhos. Por 25 anos eu pensei que talvez eu pudesse me sentir em casa naquele atravessar de barreiras. Mal sabia eu que minhas tentativas seriam falhas.

Em uma das manhãs, acordei com vontade conversar com minha mãe. Achei que isso aplacaria a dor, eu era uma mulher de 50 anos, no corpo de uma garota de 25 e com a mente de alguém que nunca envelheceria e que não sabia como ver a pessoa que mais amava na vida envelhecer. Olhar todos os dias pelo espelho e ver minha mãe morrendo, enquanto eu continuava com a mesma aparência, me deixava louca.

E eu sabia que se não fosse por mim, ela não esperaria tanto, se não fosse por mim, ela teria escapado. Nunca soube por que servir a rainha, nem porque ficar ali quando podia continuar, mas havia minha mãe e tudo que ela sacrificou pelo amor que sentia pelo meu pai e que se tornou o meu amor também.

Por isso, naquela manhã, quando a chamei pelo espelho e ela não veio, eu soube. Eu chorei por estações, eu sofri por décadas, eu me lamentei por anos. E aquilo nunca se tornaria menor. A dor nunca ficaria encolhida, não desapareceria de mim. Qualquer coisa seria apenas uma compensação. Não fiz o que minha mãe mandou, não nos primeiros anos depois de sua morte. Não queria ter que sair da Fronteira para me confrontar com algo maior do que a ira da rainha.

Quando finalmente resolvi atravessar a Fronteira, para tentar de forma definitiva mudar minha vida, eu o encontrei, novamente. Talvez fosse pelo fato de raramente ter contato com pessoas ou por que ele havia sido a única pessoa, alem de minha mãe, que parecia ter um pingo de compaixão e solidariedade para comigo, talvez tenha sido exatamente por isso que eu o reconheci.

Havia entrado novamente naquela taverna. Sentei–me na mesma mesa da primeira vez e quando menos esperei, lá estava ele. Igual à última vez que o vi. Os mesmos olhos escuros que me lembravam o chá de madeira servido a rainha, o mesmo sorriso encantador e quando ele falou, me fez ter, pela primeira vez em anos, vontade de viver.

Não quero dizer que não poderia viver por mim mesma. Eu sempre pude. Mas ter alguém que fizesse com que eu sentisse algo, algo forte o suficiente para me fazer querer viver, aquilo era... Mágica. Ou talvez fosse algo mais forte.

Nós passamos algum tempo sem dizer nada, não precisávamos. Ele se levantou um pouco depois para atender outros clientes e eu fiquei ali. E pela primeira vez na minha vida, não me preocupei com a fronteira.

–Você poderia dormir aqui, a cozinheira, Sra. Hamilton dorme aqui também. Eu não entraria em seu caminho.

–Eu sei que não...Mas, olhe, o que acha disso, eu poderia trabalhar aqui de dia, como pagamento. Isso resolveria...

–Gosto disso.



Trabalhei um bom tempo na Taverna. Mas para poder estar em contato com Caleb do que outra coisa. Nós conversamos até tarde, passeávamos antes do clientes chegarem, bebíamos chocolate quente enquanto falávamos sobre o futuro. Aquilo já estava começando a incomodar a Sra. Hamilton. Os Inpoderanos de Agathan poderiam ser considerados mais conservados do que os de Agnes. Marta Hamilton não gostava nada dos meus encontros com Caleb e fazia questão de expor isso.

–Não acho que isso seja certo, Felicity. Você é uma moça de família. Dorme aqui comigo, trato–a como uma das minhas filhas e espero que mantenha o decoro. Não tem compromisso algum com Sixweet, não deve sair a passeios com ele, entendido ? – Eu acenei com a cabeça, mas não entendia realmente.




–Então não podemos mais sair juntos ?

–A sra. Hamilton disse que isso é inapropriado...Nós somos amigos, mas segundo ela, não deve haver amizade alguma. – Estava andando lado a lado com Caleb. Em uma capa verde que a sra. Hamilton havia feito pra mim.

–Não quero deixar de vê–la. – Caleb parou e eu parei também. – Não posso deixar de vê–la.

–Mas...

–Sem ‘mas’, Felicity. Se precisamos do aval da sra. Hamilton, vamos tê–lo. – Ele segurou minha mão e me puxou pelo caminho de volta. Entrar de mãos dadas na taverna, com Caleb, só faria com que Marta Hamilton surtasse, pensei seriamente em me soltar dele, mas assim que chegamos perto do balcão, Caleb pediu a atenção de todos.

–Quero que, a partir de agora, todos saibam que a srta. Felicity, é minha noiva.

Ouvi os ‘vivas’ de todos e um ‘graças à força divina’ vindo da cozinha da taverna. Olhei para Caleb e tentei descobrir porque ele havia falado aquilo e como um bom noivo Agataniano, ele beijou.

Do noivado, ao casamento e ao esquecimento de nossa condição, não falamos sobre o único assunto que mantinha um elo entre o nosso passado e muito provavelmente sobre o nosso futuro: A magia. Ser bruxa não havia tomado boa pare do meu tempo até aquele momento. Eu sabia como usar meus poderes, mas nem sempre via porque usá–los.


Em uma noite, com a permissão de Marta, por estarmos próximos do casamento, eu jantei na taverna com Caleb. Um tipo de preparação para a vida que teríamos quando nos casássemos. Eu adorava tudo aquilo, a vida do outro lado da Fronteira parecia tão diferente de tudo que eu já havia vivido em toda minh vida. Eu estava prestes a me tornar a sra. Sixweet.

–Quero conversar sobre algo...Algo que há muito vem tomando meus pensamentos.

–Fale, Felicity, quero muito ouvi–la.

–O que faremos com a magia ? – Senti minha voz se tornar mais fina e Caleb se inclinou um pouco na toalha de piquenique que havíamos estendido no salão da taverna. Ele estava virado para mim, tão perto.

–O que há para fazer ?

–Eu não preciso de magia, não aqui, não com você, duvido muito que eu vá precisar usá–la novamente.

–Não desista dela. É o que você é, não quero que ache que por estar aqui não precisa ser quem você é. Você é minha Felicity, minha felicidade. Não da forma possessiva e problemática que vemos por ai. Você é o que eu preciso do meu lado. E a sua magia, ela faz parte de você. Assim como a minha faz parte de mim, do que eu sou. Está bem ? – Assenti antes que suas mãos tocassem meu rosto. E sorri quando ele beijou meus lábios pela primeira vez naquela noite.


–Vamos lá, querida. Pode dizer.

–Não, isso é um pouco... Diga–me você primeiro!

–Eu quis saber primeiro, acho que isso me da prioridade na hora de ouvir a minha resposta.

–Está bem. Meu aniversário de um século é daqui a um mês. Exatamente no dia 19. – Escondi meu rosto em minhas mãos e Caleb riu.

–Acho que é a minha vez. Eu... – Caleb sussurrou algo que eu não consegui ouvir e ruborizou. Eu sorri e o incentivei a continuar. – Tenho 99 anos. Hoje é meu aniversário de 99 anos.

–Porque não me disse antes?

–Eu teria que falar sobre a minha idade e...

–Eu te amo não importa qual seja sua idade, Caleb. – Eu arregalei os olhos quando notei o que havia dito e ele sorriu. Segurou meu rosto entre suas mãos e sussurrou:

–Eu te amo, bruxinha linda. – Ele beijou meus lábios e eu soube que estava tudo bem.




Estávamos falando sobre nossos familiares. Caleb queria saber tudo sobre mim e eu queria saber tudo sobre ele. Eu estava contando como a família de minha mãe ruiu depois que minha avó matou um de suas irmãs. E contando sobre como minha tia Marlena foi para no poder.

–Ela é mesmo sua tia?

–Irmã mais velha da minha mãe...

–Eu nunca imaginei que a rainha... – Caleb balançou a cabeça.

–Eu sei, minha tia deixou que minha mãe morresse, ou pior, a amaldiçoou para isso. Nunca considerei Marlena como minha tia, mas ela é a única família de sangue que eu conheço.

–Não mais. Nós teremos uma, grande e feliz. E ai, tudo que nós conheceremos será a felicidade. Ou seja, a minha futura esposa!


O tempo voou e fez de mim uma mulher casada e feliz. Uma bruxa feliz. Assim como minha mãe dizia que eu seria. Nunca imaginei que pudesse ser realmente verdade, mas foi. Eu me tornei aquilo que minha mãe quis que eu fosse. E que eu queria ter sido. Caleb e eu continuamos com a taverna. E com passeios, nossa vida de casado parecia mais interessante ainda. Tudo ao seu lado parecia mais interessante.

Em uma noite de dezembro descobrimos porque eu estava tão nervosa. Foi em uma pequena festa que fazíamos sempre, a sra. Hamilton achou que eu estava grávida e pouco depois, na mesma noite, em nosso quarto, usamos magia pela primeira vez desde o casamento. Magia para detectar bebês. Eu não sabia como tudo poderia de uma hora para a outra se tornar tão bom. Eu ia ser mãe, Caleb pai e nossas vidas estariam completas.

Talvez tenha sido otimismo demais da minha parte, achar que por mais bondoso que estivesse sendo comigo, o tempo não voltaria para cobrar tudo que eu lhe devia. Ele veio. Ou melhor, elas vieram, no dia do nascimento de Ivy. Eu havia acabado de dar a luz, na casa que morávamos agora. Estava com minha filha no colo e Caleb ao meu lado, beijando minha testa e dizendo o quão parecida comigo ela era.

–Ela é tão linda quanto você.

–Ela é tão perfeitinha, Caleb. Consigo imaginar seu futuro, as pessoas que conhecerá, com quem saíra e tudo que ela vai ser um dia...Nossa menina.

–Nossa menina. – Ele beijou mais uma vez minha testa e beijou a testa de Ivy.

Aquele momento sempre esteve e sempre estará guardado em minha mente. Foi à última vez que vi Ivy como um pequeno bebê em meu colo. A porta de baixo da nossa casa se abriu como um estrondo e eu soube, sem nem mesmo precisar usar meus dons, o que estava acontecendo. Caleb tentou se levantar para ir ver o que estava acontecendo, mas eu sabia que ele não poderia, não contra um grupo de bruxas a mando da rainha. Dei a ele Ivy e beijei sua cabeça.

–Eu vou ver o que está acontecendo, Caleb. Não saia daqui.

Sai do quarto e desci as escadas. Lá estavam elas. Muriel, Missy e Maria. As irmãs Montserrat. Me senti como uma menininha que havia sido pega no flagra e eu havia sido. Maria me deu um sorrisinho esperançoso, como se esperasse que eu lutasse, mas não lutei. Deixei que elas me levassem. Não havia mais chances para lutar, eu preferia que Ivy não fosse descoberta por ela.

–Quando chegarmos a Agnes, Felicity, você será uma bruxa morta. – Muriel comentou. Ela sempre gostou de falar de maneira despreocupada sobre coisas sérias.

Cada um das Montserrat dizia algo para me encorajar a uma luta. Mas eu nunca havia lutado com ninguém em minha vida. Nunca quis e nunca precisei usar meus poderes para lutar com alguém. Aquilo parecia desespero. Elas estavam desesperadas por sangue. Mas não cedi, nem podia, havia visto minha mãe durante anos segurar sua vida, sua morte, por mim. Porque faria algo para que a minha filha não sobrevivesse ?

Marchei com elas em direção a Fronteira. Não me importei com a noite fria e com a roupa fina que eu usava, não me importei com a dor do parto que havia me deixado um pouco tonta. As únicas coisas que me importavam estavam em casa, em segurança. O falatório, as conversas, as imprecações só aumentavam enquanto andávamos em direção a Fronteira.

–Está na hora. Está com frio, Feliz ? – Missy disse sorrindo. – Não precisa ficar, querida, temos uma fogueira bem quentinha esperando por você.

Maria ria de tudo e me olhava de forma esquisita. Minha cabeça estava doendo, meus olhos estavam ardendo e eu sentia que a qualquer minuto eu desmaiaria. Maria me segurou quando notou que eu estava quase lá.

–Não vai a lugar algum, Felicity. A rainha te espera. – Tentei abrir meus olhos, focar em algo, saber por onde estava indo, mas foi em vão. Senti mãos segurando meu rosto, falando palavras aleatórias e uma luz forte impedindo meus olhos de abrirem. Apaguei antes mesmo de saber o que estava acontecendo.


Abra seus olhos, Felicity”, algo foi dito em minha mente e eu, como uma fiel serva, abri meus olhos para que a rainha pudesse vê–los. Ao contrário do que eu pensava, eu não estava em uma fogueira pronta para a queima de bruxas. Eu estava deitada em uma cama quentinha e macia, em um quarto desconhecido e com a rainha sentada em minha cabeceira me olhando.

–Vossa majestade.

–Felicity... Tenho o prazer em revê–la. – Eu queria dizer o mesmo, mas não podia. – Sei que não tem o mesmo prazer em ver, mas tomarei seu silêncio como um...Deslumbramento por estar em minha presença.

A rainha Marlena, apesar do que todos os Agataniano falavam, sempre foi muito bela e inteligente. Ali estava em minha frente à mulher que mandou minha mãe para o pior castigo que poderia existe em nosso reino. Os olhos negros brilhavam ao olhar para mim, Marlena mantinha um belo sorriso nos lábios cuidadosamente pintados de vermelho, os cabelos negros estavam presos para cima e a coroa chamava atenção para a sua liderança sobre todas nós.

–Está sendo aceita de volta, Feliz, ao nosso reino.

–Mas...

–Oh querida, perdoei tudo que fez. Não se abandona as irmãs, ainda mais por um feiticeiro. E por isso não a deixarei mais na Fronteira, não quero mais que o veja.Você é agora uma dama do palácio, Felicity.

Minha primeira noite no palácio exauriu todas as minhas forças e as minhas lágrimas. Eu queria muito voltar, eu queria não precisar estar ali, ficar com Caleb, com Ivy, mas não podia deixá–los correr riscos. A primeira noite foi terrível, mas as outras foram apenas consequência da primeira. Eu me tornei séria, mais desastrada que o normal e ainda chorava toda noite.

As espiãs estavam prestes a voltar ao reino, Marlena queria conversar comigo, pediu que fosse a sala do trono sozinha e eu fui. Ela estava caminhando pela sala quando eu cheguei, fiz uma reverência e me ajoelhei perante a rainha, como todos fazem quando são chamados à sala do trono e me levantei quando ela fez sinal para que eu me levantasse.

–Eu quero que você vá a Agathan.

– Milady ?

–Você vai para Agathan, Felicity, estamos nos aproximando de uma guerra e eu quero que você seja minha espiã, assim como as Montserrat.

–Milady, disse–me que eu não deveria voltar a Fronteira, para não...Para não voltar para Agathan.

–Felicity, sua chance de mostrar lealdade a sua rainha, é essa.

–O que faremos em Agathan ?

–A guerra se aproxima, vocês vão pegar uma arma poderosa, Felicity. Cada uma de vocês tem uma missão lá, quero que cada uma cumpra a sua, sem sair do foco. Não o procure ou eu saberei e eu esmagarei aquele homem. Agora pode ir. – Eu assenti, mas antes de chegar à porta me voltei para a rainha.

–Nunca entendi porque os feiticeiros odiavam tanto as bruxas, não há porque haver tanto ódio, não precisamos de um guerra. Se me odeia tanto, deveria ter me deixado do outro lado, para que eu morresse com a guerra. – Marlena se levantou rapidamente e veio até mim. Segurou meu rosto com um mão e sorriu.

–Você é do meu clã. Você é minha súdita. Pertence ao meu reino, Felicity e qualquer bruxa nascida no meu reino, volta para o meu reino. Somos irmãs e temos umas as outras, eles nunca farão o mesmo por nós. Eu disse isso a Meredith, mas ela nunca me ouviu. Agora vá e não me questione. – Ela soltou meu rosto e me deixou livre para ir, mas eu queria falar algo, queria que ela soubesse.

–Não faça nada contra ele. Nunca precisei usar meus poderes, mas eu os tenho. E se eu precisasse morrer lutando por alguém, com toda certeza seria por ele, então não o machuque.

–Felicity, vá embora antes que eu perca qualquer resquício de paciência que ainda me resta. – A rainha voltou ao meu trono e eu voltei à solidão.

– Está pronta, Felicity ? – Eu, Muriel, Missy e Maria estávamos na fronteira. Muriel era a mais alta e mais insuportável de todas, com um passo ultrapassou a fronteira e nos olhou como se fosse algo estúpido demais para pensar antes de atravessar. Missy a seguiu e as duas foram para direções diferentes, cumprir suas missões. Maria no entanto ficou me olhando.

–Você sabe que eu sei, não sabe ? – Maria sussurrou em meu ouvido. – Seu segredo está salvo, Felicity. – A olhei sem entender realmente.

–O que você está falando ?

–Oh, querida. Você sabe. Cumpra sua missão, Felicity, ou a pequena...Ivy, não vai ter nem papai, nem mamãe para protegê–la de mim.

–Você...Você leu minha mente ?

–Já que você não usa os seus poderes, eu uso os meus. – Eu não tinha medo de Maria, tinha medo do que ela poderia fazer com Ivy.

–Maria, se lembre de onde eu venho, o sangue que corre nas minhas veias e porque eu estou aqui. Não fale da minha filha, nunca mais, ou eu mesma acabarei com você, da maneira que minha avó, Matilde, acabou com a sua.

Não queria ameaçá–la. Mas não consegui me conter. Atravessei a fronteira sem olhar para Maria e ela seguiu um caminho diferente. Minha missão era convocar a única bruxa que não ouviria a rainha. Eu não sabia com o encontrá–la, só sabia que ela viria ao meu encontro quando eu fizesse o feitiço de invocação.

Estudei o local em que eu faria meu feitiço de invocação. Perto de uma árvore antiga e muito poderosa.Coloquei minhas mãos na árvore e pensei nela, na mulher que eu estava procurando. Não sei por quanto tempo fiquei ali, pensando na bruxa, invocando, chamando–a para que ela viesse até mim, só sei que surtiu efeito. A senti perto de mim e desfiz o feitiço. Olhei em volta e lá estava ela, quando a bruxa que eu esperava tirou a capa, eu me surpreendi.

–Marta!

–Felicity.

–Eu não imaginava, eu...

–Eu soube desde o principio. Você é parecida com sua mãe, pela beleza e com o caráter de seu pai...

–Você conheceu meu pai.

–River era meu irmão, Feliz. Ele nunca soube sobre você, mas eu sabia. Sua mãe me contou. A vigiei por anos na Fronteira dos reinos.

–Você é uma bruxa.

–Sou uma bruxa. Sou sua tia e sei qual é sua missão essa noite...

–Como pode ser minha tia, Marta ? Quero dizer...Você não é de Agnes ?

–Sou Agataniana, assim como Ivy. Minha mãe era bruxa e meu pai um feiticeiro tão poderoso quanto meu irmão, mas nasci aqui. Não posso ser obrigada a sair daqui, estou sob os domínios do meu rei, a rainha Marlena quer que eu a ajude na guerra, mesmo sabendo que eu nunca lutaria contra o meu povo.

–Ela não terá a ajuda que deseja. Marta, me ajude, cuide de Ivy...Cuide de Caleb. É a única coisa que me faria feliz.

–Minha doce menina, cuidarei deles como cuidaria de você se houvesse ficado aos meus cuidados.

–Porque há tanta raiva e guerra, porque há tanta dor ?

–Contarei algo, Feliz, o rei Álamo e a rainha Marlena, assim como Morgana e Arthur e alguns outros governantes depois deles, tiveram uma filha. Uma bela garota...Os dois haviam tentado unir os reinos, mas nem todos gostaram das mudanças e os dois tiveram que se separar... Morgana quer a filha dela e Álamo também.

–Mas como...Por isso eles estão entrando em guerra?

–Quem ganhar a guerra, fica com Madeleine. Famílias estão sendo separadas por essa guerra, precisamos que isso acabe. Eu quero que isso acabe.

–Onde está Madeleine ? Em que reino ?

–No seu reino. Em Agnes.

–FELICITY! – Ouvimos o gritos de Muriel. – ONDE ESTÁ VOCÊ, BRUXA INGRATA ?

–Vá embora, Marta.

–Cuide–se, Feliz. – Marta desapareceu de minha frente e as Montserrat apareceram.

–Não conseguiu cumprir sua missão ? Interessante, veremos o que achará a rainha.

–Meta–se com a sua missão, Maria. Da minha cuido eu, perante a rainha. – Ela calou–se, mas seu sorriso dizia que eu teria problemas em breve.

–Não conseguiu trazer sua tia para nosso lado.

–Não.

–Imaginei que não fosse trazê–la. E imagino que tenham falado a respeito.

–Sim, vossa majestade.

–Quero que cuide dela, Feliz. Por isso a mandei até Marta. Não confio em outra pessoa para fazer isso. Se você herdou o caráter de seus pais, com toda certeza fará um bom trabalho.

–Vossa Majestade... – Marlena tirou um colar de pingente transparente do pescoço.

–A ache. Não posso dizer onde ela está. Ache–a e a proteja, Feliz. Até que a guerra acabe...

–A protegerei com minha vida.

Não sabia por que havia prometido aquilo a Marlena, mas senti e vi pela primeira vez na vida algo em seu olhar. Ela queria a filha e eu queria que ela conseguisse–a. Eu procurei em todos os lugares do castelo, mesmo sabendo que Marlena não seria tão imprudente assim, resolvi seguir para as montanhas, havia estado lá, com minha mãe e com Marlena quando eu ainda era uma criança.

Apesar de não estar de acordo com as leis e as ordens da rainha, desde pequena estive no castelo. Morei nele até completar meus 25 anos. E foram bons 25 anos. Marlena sempre foi uma boa tia, odiosa com minha mãe, mas, para o reino sempre foi justa e muitas vezes deixou sua felicidade de lado para que o nosso clã continuasse vivo. Não tinha orgulho de dizer que o mesmo sangue corria por nossas veias, minha avó Matilde deu a luz a Marlena e a minha mãe.

Nunca houve uma briga pelo poder, porque minha mãe não poderia exercer o poder. Ela nasceu um século depois de Marlena. Nunca a chamei, nem a vi como tia. Pra mim Marlena sempre foi a rainha, a rainha com quem vivi desde meu nascimento, a mulher que amaldiçoo minha mãe. Mas quando soube de sua filha, eu só consegui pensar em Ivy e em como minha tia, que sempre foi ótima em manter–se fria e dura com todos nós, no fundo, estava movendo o mundo pela filha dela.

Sai em uma tarde, sozinha, com o colar de Marlena lutando contra o espaço entre meus seios no espartilho. Fingi que seria mais uma tarde normal, em que eu ia passear e voltava à tarde, mas não voltei. Segui pela floresta, esperando que ninguém houvesse me seguido. Na primeira noite da viagem, parei para acampar. Fiz todos os feitiços de proteção e me deitei de costas na barraca aberta. Olhei para o céu com todas as estrelas olhando de volta para mim.

Queria achar Madeleine e eu a acharia. Toda a discórdia entre Marlena e Álamo estava explicada, e também estava explicada porque ela não me queria em Agathan. Eu queria que coisas boas acontecessem e lutaria por elas. Aquela noite eu dormi e sonhei com um mundo melhor, um lugar onde todo nosso povo pudesse viver em paz. Onde eu, Caleb e Ivy formaríamos uma família feliz.

Acordei com os gritos de uma garota. Eu tinha quase certeza que era uma criança por isso desfiz os feitiços de proteção e fui em busca dela. O colar em meu busto pulsou. O tirei com dificuldade e encontrei metade do colar brilhando e, como em um jogo de “quente e frio” outra metade começando a ficar brilhante à medida que eu ia em direção aos gritos da garota.

Corri e cheguei a um lugar estranho, não havia nada além de um lago, olhei para o colar e ele continuava brilhando. Vi a mão da garota subir por alguns momento e não pensei em nada. Corri para o pequeno lago e me joguei, com o vestido e todas as camadas de anáguas por baixo dele. Foi difícil nadar no fundo do lago de olhos abertos tentando achá–la. Me bati com algo e finalmente vi o corpo de Madeleine.

Tentei puxá–la pra cima, mas algo a prendia, procurei pelo que poderia ser e senti algo me puxar pelo pescoço, tentei me virar para saber quem era, mas só consegui ver outro vestido tremular na água ao meu lado. Precisava fazer algo, a menina estava com os olhos abertos, se eu demorasse muito tempo, Madeleine poderia morrer e eu também. Segurei por trás o rosto da pessoa que tentava me enfocar e a puxei para frente.

Eu não esperava por uma sereia, mas não sabia se poderia ser uma, como uma sereia atrairia uma garota para o fundo do lago? Não me importei tanto naquele momento, olhei em seus olhos, segurei seu rosto forte e no momento seguinte ela desmaiou. Havia algo nas bruxas, algo que não fazia parte dos feiticeiros. Algo que cada uma tinha e não poderia transferir para ninguém: Os dons de nascimento.

Eu nunca havia usado o meu antes. E por isso não quis pensar no que havia acontecido àquela sereia. Nadei até a superfície e voltei para o fundo para resgatar Madeleine, soltei a corda que prendia seu pé e subi com ela. Eu estava tentando respirar direito, tentando saber se ela estava viva ainda, a arrastei para a beira do lago. E tentei fazer algo para que ela voltasse a respirar.

Um feitiço simples, pensei segurei minhas mãos e fiz movimentos circulares com ela, como a água que Madeleine havia engolido. Joguei minhas mãos para frente e depois para cima. Como em um sonho muito estranho, a água saiu pela boca dela e alguns segundos depois a menina começou a tossir.

–Você está bem, Madeleine ? Está bem ? – Ela olhou assustada, com os olhinhos castanhos arregalados.

–Sim senhora, quem é a senhora ?

–Vim para cuidar de você – Tirei o colar da mãe dela do meu pescoço e lhe dei. – A rainha pediu que eu viesse protegê–la e aqui estou eu.

–Minha mãe a mandou ?

–Sim, querida. Onde tem ficado e com quem ?

–Eu estava ali. – Ela apontou para o alto da montanha. Congelada. Quando o colar chegou perto, comecei a descongelar.

–Sua mãe te congelou ?

–Não senhora. Eu fiz isso.

–Você pratica magia, já ? Quantos anos tem, Madeleine ?

–Quinze.

–Sabe há quanto tempo está congelada ?

–Se a profecia for verdadeira, há 145 anos.

–Você esteve consciente durante todo o tempo que esteve congelada? Como a sereia conseguiu te pegar?

–Não exatamente. A sereia me atraiu para a água porque estou sem os meus poderes, o colar ele...

–Ele faz parte da profecia ? Por isso acordou, porque eu trouxe o colar até você ?

–Sim. Acredito que meus pais ainda estejam tentando fazer uma guerra por isso.

–Sim, estão. Há pouco tempo eu nem sabia que você existia...

–Eu nasci antes de você, provavelmente, quando meus pais pensaram em unir os reinos. A ideia sempre foi muito boa para mim. Convivi entre feiticeiros e bruxas desde pequena. Nunca os achei inofensivos, mas em algum momento eles quiseram mudar, quiseram que os reinos se separassem mais uma vez. Meus pais não queriam, porém nem sempre os governantes vencem a vontade dos súditos. E foi isso que aconteceu. Eu vim para a montanha mais alta, lancei a profecia da guerra e depositei todos os meus poderes no colar de cristal, o único que poderia aguentar meus poderes até que alguém viesse me resgatar.

– Você é como uma heroína. – Toquei sua mão e Madeleine ficou em silêncio por alguns segundos.

–Não, eu não sou. Você é. Obrigada por me salvar, Felicity.

–Meu nome...

–Esse é o meu dom. Eu vejo o que vai acontecer e o que já aconteceu.

–Você sabe qual é o meu dom?

–Sei. E sei que uma hora você também vai descobrir. Dessa vez não cabe a mim, na hora certa você vai descobri–lo.

–Você sabe de tudo sobre mim? Como?

–O suficiente para saber quem você é. E para confiar em você. Quando me tocou, eu soube quem você era.

–Agora que já nos conhecemos, acho bom que encontremos algum lugar para acamparmos antes que anoiteça.

Nós partimos em direção as montanhas e ficamos lá por um bom tempo antes que a guerra finalmente estourasse. Aprendi tudo que poderia saber sobre Madeleine, pratiquei magia e aprendi finalmente quão poderosa eu era. Eu e Madeleine falávamos sobre o passado, ele me contou sobre minha mãe, sobre como Marlena e Meredith ficavam bem juntas, eu não sabia que ela havia conhecido minha mãe, nem ao menos que nossas mães haviam se tornado amigas algum dia.

Nunca vi Marlena como amiga realmente, ela e minha mãe cochichavam pelos cantos, às vezes brigavam quando achavam que ninguém as escutava. Se um dia elas foram amigas, algo aconteceu para que as duas se afastassem. Eu queria, quando voltasse, perguntar o que havia acontecido a Marlena.

Para Madeleine nunca contei muita coisa, às vezes ela descobria o que estava acontecendo lá embaixo, onde a guerra estava acontecendo. Eu queria encontrar minha filha, mas não queria perguntar por ela. Tinha medo do que estaria acontecendo com Ivy. Uma noite, depois que fizemos a fogueira e os feitiços de proteção, Madeleine viu algo. Foi a visão mais forte que ela teve em todo o tempo que estivemos juntas nas montanhas.

–A traição acontecerá. – Sua voz estava mais grave e seus olhos estavam da cor da lua cheia que brilhava no céu. – A rainha cairá e a escolhida pagará. Ouça o meu preço, ouça o que eu digo, ela será banida, para o mais cruel dos exílios.

Madeleine desmaiou e eu, ao invés de ajudá–la, fiquei tentando entender sua visão. Havia algo nas visões de Madeleine, ela tinha visões esporádicas, mas quando uma profecia vinha, as visões se embaralhavam e ela não conseguia fazer muita coisa. Isso era o que ela havia me contado. Eu presenciei algumas de suas visões, mas era a primeira vez que via uma profecia, estava tentando guardar na mente todas as palavras para que ela havia dito.

Fui para perto de Madeleine, para quando ela acordasse eu estivesse ali, perto dela. Quando ela abriu os olhos, eles ainda pareciam com a lua cheia. Algo em minha mente dizia “Fuja! Fuja! Fuja!”, mas eu permaneci em seu lado. Mais uma vez seus olhos se abriram e antes que ela abrisse a boca eu soube que teríamos que voltar. Finalmente iríamos para o confronto, para a guerra de verdade. Salvar nossas irmãs.

–Você tem certeza que não se lembra de nada, da profecia? – Eu lembrava. Cada palavra em cada frase. Mas não queria contar a Madeleine. Não queria que ela se preocupasse, nem que pirasse como eu tinha certeza que piraria a qualquer momento.

–Não, isso é tão terrível, Mad. Algo como guerra, eu tenho certeza! – Ela sorriu.

–Obrigada por me ajudar nesse momento. Espero chegar logo em Agnes... Não acha estranho que existam tantas bruxas com o nome começados pela letra M e eles coloquem o nome de “Agnes” em nosso reino? – Eu sorri.

–Agnes é o nome do meio de Mafalti. Ela foi filha de Arthur e Minerva. Era filha ilegítima dos dois, por causa dela Morgana matou Minerva, Mafalti lutou na guerra dos ogros e conseguiu reconhecimento o suficiente para se tornar a bruxa mais poderosa de nossa era. Como queria mudar de nome para não ser pega pela rainha, ela optou por Agnes. Morgana nunca desconfiou que Mafalti era Agnes, Mafalti morreu antes mesmo de nosso reino existir. Acho que ela foi a causa da mudança de lar. Só sei que Morgana a admirou e deu o nome de Agnes. Só soube que Agnes era o segundo nome de Mafalti quando estava em seu leito de morte, Arthur foi quem lhe avisou. Por isso antes de morrer ela pediu que se banisse os nomes que não começassem com M e que toda bruxa só deveria ter apenas um nome.

–Eu nunca havia ouvido falar dessa história.

–Eu estudei história bruxa a fundo. Sei muita coisa sobre nossas ancestrais. Sempre fui apaixonada por Moline. Ela me inspirou quando eu era mais jovem.

–Você é incrível, Feliz! Eu adoro saber que somos primas, da mesma família, do mesmo sangue. – Eu sorri e acariciei os cabelos de Mad.

–Também sou feliz por sermos da mesma família. – Ela me abraçou e eu me surpreendi. Talvez eu pudesse levá–la para Agathan por uns tempos e eu, ela Caleb e Ivy começássemos uma nova família. Talvez.

Madeleine estava usando a minha capa vermelha. Estávamos na cidade. Era evidente a presença de uma batalha ali. Bruxas correndo para todos os lados, corpos espalhados pelo chão, feiticeiro subjulgados. Eu procurava em todos os feiticeiros o rosto de Caleb. Meu coração estava tão inquieto quanto eu. Minha missão estava quase chegando ao fim. Tivemos que passar pelo fundo das construções, das casas das bruxas que moravam no centro e enfim chegamos aos fundos da maior construção da cidade.

–Você precisa ir, Mad. Eu ajudarei minhas irmãs. Fique em segurança, minha querida.

–Obrigada por tudo, Feliz. Você terá tudo que merece em breve. Falarei com mamãe e no futuro, você vai estar onde sempre deveria ter estado. – Ela sorriu para mim e me abraçou.

–Agora vá, Mad. – A encorajei e ela entrou por uma das entradas escondidas do castelo.

Encontrei Maria em uma das concentrações. A primeira que visitei enquanto estive ali. A Maria que eu conheci durante toda minha vida estava totalmente diferente. Os cabelos revoltos e soltos, caindo pelos ombros. O rosto e a pele sujos e as roupas rasgadas. Ela demorou um tempo para me notar, mas quando notou, veio até mim com toda sua fúria.

–Precisa me curar. – Ela estendeu para mim suas mãos ensanguentadas.

–O que houve com você?

–A desgraçada da Mercedes aconteceu. Ela nos traiu. Disse que uma de nós, uma Agniana, tramou tudo!

–Quem faria isso?

–Diga–me você, Feliz. Sumiu por todo esse tempo, não disse para onde foi.

–Fiz algo a mando da rainha.

–Sei que foi a mando dela, ela nos contou e não deixou que fossemos atrás de você. Onde esteve esse tempo todo?

–Isso importa agora? –Maria me olhou em duvida.

–Não. Faça dor do inferno parar. – O corte estava feio. Uma imortal só podia ser ferida por sua igual, por isso bruxas tentavam ser amigáveis com bruxas mais fortes que ela. Nunca imaginei que logo Mercedes tivesse tantos poderes. – Aquela vadia não é mais poderosa que eu. –Protestou Maria e eu lhe lancei um olhar não tão amigável.

–Não leia meus pensamentos!

–Não mais. Me conserte.

–Não posso simplesmente... “Te consertar”. Não sei como fazer isso.

–Por Morgana, alguma vez faça o que foi pedido. Me cure.

–Eu posso curá–la?

–Você é a bruxa mais burra que eu conheço. É o seu dom, Felicity!

–Mas eu nunca... Como sabe que é meu dom? – Me afastei desconfiada e Maria revirou os olhos.

–Eu não seria burra de me deixar ser pega, caso fosse a estúpida desgraçada que causou essa guerra. – Me aproximei novamente.

–Como sabe que eu tenho esse dom?

–Você me curou há uns 100 anos atrás.

–Curei?

–Curou.

–Estávamos com 5 anos, eu bati a cabeça e você foi me ajudar.

–Tem certeza?

–Eu não mentiria sobre algo que lhe coloca como a minha salvadora, pense nisso e me cure.

–Qual é a palavra mágica? – Maria riu de dor e de escárnio.

–A palavra mágica é, faça isso, ou não direi onde seu marido e a criança estão.

Coloquei minha mão sobre uma das mãos de Maria e fechei meus olhos, me concentrando, senti algo diferente e abri meus olhos, uma luz forte emanava das minhas mãos. Maria olhou um pouco encantada, como alguém que já havia visto aquela magia acontecer antes. Quando a luz diminuiu o ferimento em sua mão estava normal. Toquei sua outra mão e mais uma vez me concentrei, deixei meus olhos fechados até senti a energia diminuindo.

–Obrigada.

–Onde eles estão?

–Eu não os machucaria. – Eu assenti. – A sua esquerda, a última sala.

Deixe aquela guerra terrível para trás, deixei a concentração das bruxas pra trás, Maria e seu bom coração, mas suas péssimas ações me concentrei em achar Caleb e Ivy. Abri a porta com um sorriso nos lábios, mas eles não estavam lá. Senti algumas lágrimas molharem meu rosto.

– UM FEITICEIRO NO COVIL! – Ouvi a voz ferina de Melina gritar e resolvi ir até o centro do furacão.

Muitas bruxas estava em volta do feiticeiro. Me esgueirei para conseguir chegar até o centro. E quando cheguei fiquei parada, com se algum feitiço estivesse me deixado paralisada. Caleb estava ali, da mesma maneira que quatro anos antes, quando eu os deixei. Mas em suas pernas, o segurando e olhando feio para todas as outras bruxas que queriam intimidar seu pai, estava Ivy.

Ele não demorou muito a me perceber. Seus olhos correram a multidão até que ele me encontrou. Eu me senti acanhada, me senti perto de um fim tão esperado. Eu havia esperado mais do que quatro anos para estar ao seu lado, eu havia esperado toda minha vida e ali estava ele. Caleb olhou instintivamente para Ivy e ela olhou para ele. Os dois eram tão parecidos. Ouvi a voz de Melina se sobrepor mais uma vez.

–VAMOS ACABAR COM ELE!

–NÃO, NÃO VÃO! –Eu gritei de volta e ela me olhou espantada.

–Por que não, Felicity? – A mulher sibilou meu nome, mas eu continuei a encarando da forma mais dura que poderia existir.

–Porque eu estou dizendo que não. Para chegar até ele, vai ter que passar por cima do meu cadáver e eu acho difícil que você consiga me matar. – Melina estava pronta para uma resposta quando Maria abriu caminho por entre as bruxas.

–Ninguém vai morrer aqui! O feiticeiro não vai ser tocado. Ele é pai de uma das nossas. – Todas se voltaram para Ivy.

Só havia uma coisa no mundo que poderia amolecer o coração de uma bruxa, uma pequena bruxa. Todas estavam olhando para a minha menininha, até mesmo Melina. E parecia pensar “Boa garota”. Eu sorri, sorri não, eu ri. Eu me aproximei de Ivy e de Caleb, sob o olhar de todas, me abaixei para ficar mais próxima a ela e toquei seu rosto tentando não chorar. Ela olhou para mim, ainda segurando na barra da calça de Caleb.

–Oi, Ivy. – Seus olhos escuros, cor da madeira que colocavam no chá da rainha, assim como os de Caleb, estudaram meu rosto. – Você é uma garotinha muito linda, sabia? – Ela assentiu com a cabeça.

–Meu papai disse isso. – Ela contou como em um segredo e algumas lágrimas em meus olhos surpreenderam a minha garota. – Não chora não, mamãe. – Ouvi–la me chamar de mãe foi tão duro para meu coração, que eu caiu no chão, ajoelhada em sua frente.

–Você sabe quem eu sou? – Ela assentiu mais uma vez. – Posso te dar um abraço? – Ela me deu um sorriso angelical que combinava com sua tez morena e pulou em meus braços. Maria resmungou algo como “Sabia que ela choraria primeiro”.

Apertei minha filha entre meus braços por um bom tempo. Não queria me soltar dela. Não queria deixá–la sair de meus braços mais uma vez. Depois de algum tempo, nos afastamos e eu pude acariciar seus rosto. Ela olhou para cima e eu acompanhei seu olhar. Algumas bruxas ainda nos olhavam, mas não me importei com isso, Caleb estava em meu campo de visão. Apenas ele. Me levantei e pensei no que falaria enquanto ajeitava as dobras do meu vestido.

Eu estava em sua frente, tentando saber o que fazer, o que falar, como me explicar, mas a única coisa que consegui fazer quando olhei seus olhos, foi segurar seu rosto com minhas mãos e beijá–lo. Ouvi mais um resmungo de Maria e logo depois senti a mão de Caleb segurando minha cintura com força. Ouvi um riso infantil e eu me senti, mesmo que por alguns instantes, no paraíso.

–Olá, senhora Sixweet.

–Estamos em um guerra, porque está aqui ?

–Não podia deixar Ivy em Agathan, tive medo que os feiticeiros fizessem com ela o que tentaram fazer com Marta.

–O que houve com Marta ?

–Ela está bem, porque provou ser Agathaniana e porque é poderosa o suficiente para se defender dos feiticeiros. Eles não a mataram porque ela se protegeu primeiro. Não queria que eles achassem Ivy e fizessem algo terrível com a minha filha.

–É minha culpa.

–Não, não é. A culpa é dessa maldita guerra. É confiável deixá–la com essa bruxa, Maria ? –Maria estava do outro lado da sala brincando com Ivy, de uma maneira que eu nunca havia visto antes. Nem parecia a Maria que conheci durante toda minha vida.

–Confio nela, só não deixe seus pensamentos a solta, Maria adora ler os pensamentos de todos, é um vício. – Caleb me olhou por alguns instante e eu fiquei tentando descobrir o que ele estava pensando.

–Seria bom ter meu dom agora, não é mesmo ? – Olhei Maria e ela sorria pra mim. Fez sinal de ok com a mão e eu revirei os olhos.

–O que foi ? – Caleb ainda continuava me olhando.

–Você está maravilhosa.

–Eu estou suada, com as roupas sujas, o cabelo terrível e cansada depois de duas noites de viagem sem interrupção.

–Mas ainda assim, é a mulher mais linda que eu já vi na vida. – Não consegui não beijá–lo.

–O que vamos fazer agora ? – Sua pergunta foi respondida dois segundos depois que ele a jogou no ar.

A gritaria nos pegou desprevenidos. Maria também estava confusa. Ela trouxe Ivy até nós e antes que pudesse dizer algo, a porta foi arrombada. A maioria das bruxas nos olhava com sede. Uma delas, Marina, se pôs a frente de todas. Não sabia por que todas estavam ali, nem porque tudo estava um caos, mas eu sabia que não era por um bom motivo.

–Felicity, filha de Meredith, sobrinha de Marlene de Agnes. Você está presa. –Eu estava confusa.

–Porque eu estou presa?

–Você amaldiçoou a rainha.

–Eu não fiz isso.

–Ah, você fez sim! Testemunhas a viram no castelo. Você vai ficar presa nas masmorras até que tenhamos uma sentença para você.

–Madeleine. Onde está Madeleine ?

–A nova rainha, está se preparando para o Júri das sete almas.

Duas bruxas me puxaram pelo braço enquanto um Caleb impotente era segurado por Maria para que não fizesse nenhuma besteira e Ivy, inocente e quietinha em seu canto, via sua mãe sendo levada para o pior júri de todos os reinos por um crime que não cometeu. Eu ia ser julgada pelas sete criaturas mágicas mais temíveis do mundo, entre elas, estava minha avó.

Quando um Júri das sete almas era convocado, as sete almas julgadoras vinham de onde estivessem para que pudesse julgar quem cometeu o crime que fosse. Eles não eram piedosos. Eu nunca havia assistido a um julgamento, mas mamãe me falava sobre como minha avó, uma criatura milenar, havia julgado almas e mais almas durante seus três mil anos de vida. E agora me julgaria.

Estava presa em uma cela no calabouço, o lugar mais imundo e frio do castelo. Eu queria ver Ivy, Caleb, mas não podia sair dali. Esperava que Madeleine intercedesse por mim, eu sabia que ela faria isso. Estava tão nervosa, eu estava dividindo espaço com ratos e baratas e um prisioneiro estranho que eu nunca havia visto antes nem ouvido falar. Ele estava olhando para mim desde que eu cheguei, paralisado, como se houvesse voltado uns cem ou duzentos anos no tempo.

–Talvez seja meio incomodo, mas pode não me olhar tanto, isso está me deixando meio...– Balancei a mão para criar uma cortina entre nossas celas, mas nada aconteceu. – Meus poderes.

–Seus poderes não funcionam aqui, Meredith. Faz algum tempo que não nos vemos. – Eu ri. Ri mesmo. Não fazia ideia de quem era aquele homem, mas ele estava me confundindo com a minha mãe.

–Olhe eu não...

–Não nos vemos há 105, ou 106 anos ? – Ele perguntou intrigado. – Porque não veio me ver ?

–Você é River ?

–Por favor, Meredith, sem piadas. Eu continuo exatamente o mesmo. Da mesma maneira que eu estava quando você me deixou e quando eu entrei nessa cela.

–Não sou Meredith, meu nome é Feliz. – Eu disse e ri. –Feliz é meu apelido, desculpe, meu nome é Felicity.

–Felicity ? – Ele se levantou. Aparentemente não era tão mais velho que eu, mas seus olhos diziam que havia muita sabedoria. Me aproximei de sua cela, ele estava me olhando atentamente. – Você é filha ou neta de Meredith ?

–Filha. – Me contive para não dizer ‘Sua filha’.

–Minha. – Ele não perguntou, mas eu assenti.

–O dia dos reencontros. – Muriel chegou de repente e me deixou desprevenida.

–Seu julgamento acontecerá no fim do dia, prepare–se, Felizinha. – Ela saiu da mesma forma que entrou e isso deu tempo a River para processar tudo.

–Eu pensei que você estivesse morto.

–Eu não sabia que você existia.

–Acho que nós dois fomos enganados. Como você veio parar aqui ?

–Sua tia achou prudente me manter aqui, preso.

–Minha tia ?

–Marlena. Ela veio aqui, me falou da minha sentença, disse que eu passei por um Júri de sete alma e...

–Está errado! Você não passou por Júri algum. Eles são impiedosos, você nem ao menos cometeu um crime que precisasse ser punido pelo Júri das sete almas.

–Mas ela veio aqui e me disse...

–Oh não. – Aquilo se tornava mais estranho a cada momento.

–Não. Marlena não veio aqui, provavelmente outra pessoa veio. Bruxas com sangue real correndo nas veias não podem vir até aqui.

–Mas então o que você está fazendo aqui ?

–A não ser as que estejam condenadas. Eu estou condenada. O calabouço me aceita porque serei julgada, fora isso, não poderia, nem nunca entraria aqui.

–Se Marlena não me aprisionou aqui, quem fez isso ?

***

Brasil, 2014

–Como você para em uma parte dessa, Felicity ? – Sorri para o garoto em minha frente.

–Não sabia se você estava acreditando ou não, precisava saber.

–Claro que eu acredito em você. – Eu havia usado meus poderes nele, Marco, o rapaz que havia tentado me assaltar horas atrás quando entramos no elevador.

–Agora eu sei disso. Quer mesmo que eu continue a trágica história da minha vida ?

–Quero. Feliz... ? – Olhei para o garoto em minha frente e ele ficou um pouco nervoso. – Se alguém vai para Agnes com você, essa pessoa fica imortal ?

–A base de poções, pode sim ficar imortal. Você quer voltar para Agnes comigo ?

–Eu só...

–Eu o levaria, se você quisesse. Você sabe que daqui há um ano, meu exílio acaba.

–Quantos anos você tem mesmo ? – Eu sorri.

–Pode não parecer, porque uso muitos produtos, mas eu tenho 1104 anos. –Brinquei e Marco riu.

–Ual. Isso é impressionante.

–Vai continuar a história ?

–Vou.

–Então, eu estava lá, com meu pai, no calabouço...

***

–Eu tenho que descobrir quem fez isso antes do meu julgamento. Ou eu morrerei. Sei que vovó Matilde está no júri, mas ela adora um massacre, algum castigo impiedoso. Sempre nos dão a chance de conversar com um dos júris, vou fazer o pedido para que eu possa vê–la.

–Mas como...

–Sua hora, Sixweet. – Meu sobrenome saía como uma ofensa da boca de Muriel.

–Quero uma preparação com um dos júris. – Muriel respirou profundamente. – É o direito das bruxas...

–Eu sei. Qual jurada ?

–Minha avó, Matilde.

Minha avó não podia descer até o porão, mesmo que para falar com uma futura condenada. Eu estava na sala do trono, esperando minha avó. Matilde passou pela porta radiante. Eu, ela, minha mãe e Marlena éramos praticamente iguais, nos diferenciávamos por pouquíssimas características. Minha avó era a mais alta de todas, só havia se tornado imortal aos 28 anos. Minha mãe e Marlena eram praticamente iguais, mesmo assim eu conseguia diferenciá–las. Os olhos castanhos das duas tinham tonalidades diferentes.

E eu tinha os olhos de minha avó. Claros e raros, como ela costumava dizer. Matilde se sentou no trono e sorriu para mim. Ela sempre foi assim, animada demais, altiva demais, só soube de um caso em que vovó não esteve animada. Quando matou avó das Montserrat, Miranda. Me aproximei dela e Matilde se levantou, como estivesse me vendo pela primeira vez ali.

–Felicity! Você está aqui.

–Vovó, alguém lhe disse exatamente porque estou aqui ?

–Claro, claro, você deu um jeito de amaldiçoar sua tia. Estou tão orgulhosa, querida.

–Vovó! Eu não fiz isso.

–Claro que não, nunca devemos confessar nossos crimes. – Ela piscou para mim.

–Vovó, eu não amaldiçoei Marlena, alguém fez isso e está pondo a culpa em mim, preciso que me ajude a provar que alguém está armando para mim.

–E como eu farei isso mesmo ?

–Não sei...Talvez alongando um pouco a minha sentença, algo que me faça colher provas para mostrar que sou inocente. E, é claro, achar o culpado.

–Não sei, querida. Acho que precisamos de algo mais...Como posso dizer ? Mais assustador. Depois disso, quem quer que tenha feito isso a Marlena, vai cometer um erro.

–O que você tem em mente, vovó ?

–Qual a sua sentença, Matilde ? – Depois de muita conversa e alegações, minha avó me convenceu à única maneira que não me levaria a morte, mas que me traria de volta a nosso reino, quando eu não mais estivesse sendo julgado por todos.

–Eu sentencio a ré, Felicity Sixweet, a mil anos de exílio. – Caleb olhou assustado para minha avó, Ivy não entendeu nada e tentou saber o que aconteceria com sua mãe.

–Mil anos... – Maria sussurrou ao meu lado. – Sua avó é louca ?

–Estou desconfiando disso...

–Quando ela partirá, Matilde ?

–Daqui há duas luas. Ela passará esse tempo com sua família. – Ela piscou para mim sorrindo.

–Ela é louca! – Sussurrei de volta para Maria.

–Você está livre por dois dias, acha que é o suficiente para encontrar o culpado? –Maria me perguntou quando entramos em uma das salas do castelo.

–Vou ficar com minha família.

–Estou desconfiando que a loucura é de família. Se você não encontrar essa maldita desgraçada, não vai ficar aqui por muito tempo! – Ela parecia um pouco histérica.

–Para quem tem 105 anos, você parece uma mulher de 500. E porque tanto interesse que eu fique ?

–Eu...Você... –Ela deu de ombros irritada. – Quem eu vou perturbar quando você for embora ?

–Maria... Eu sei o que quer dizer, mas sei que não vai falar, porque seu orgulho, que é do tamanho desse castelo, não deixa. Por mais estranha que pareça nossa relação, eu sei que isso é uma amizade. Porque você poderia ter falado a Marlena sobre a minha família assim que chegamos, mas não falou.

–Eu só prezei pela vida da garota e...

–Não se explique.

–Tudo bem. Eu vou achar esse impostor, ou impostora.

–Maria...

–Ah, por favor. Eu gosto de caçadas, Feliz.

–Obrigada, Maria.

–Ah pare com essa baboseira de obrigada. – Ela fez uma careta e sumiu da minha frente, como o vento levanto a poeira pelo ar.

Depois que Maria foi em busca da sua caça, eu e Caleb ficamos sozinhos com Ivy. Eu queria passar o máximo de tempo que pudesse com ela, mas vovó Matilde veio ao quarto em que estávamos e disse que ficaria com Ivy, segundo ela para que nós pudéssemos ter ao uma noite de folga. Eu e Caleb ainda não havíamos conversado de verdade. Ele estava sentado na cama, esperando–me para conversarmos. Me sentei ao seu lado e senti seu cheiro, fechei os olhos para conseguir pensar melhor, mas não deu.

–Caleb... – Abri os olhos e me virei para lhe pedir desculpas. Seus olhos cor da madeira que colocavam no chá da rainha pareciam em brasa, como quando a madeira pega fogo, o brilho dos seus olhos estava me hipnotizando.

–Esperei tempo demais por isso. – Suas mãos seguraram meus rosto e seus lábios foram em busca dos meus. Seu corpo se enroscou no meu e me senti tão bem o tempo ao meu lado novamente.

–Não esta chateado, por tudo ?

–Feliz, estamos juntos, eu te amo e não quero te perder novamente. Espero que isso seja o suficiente para você.

–Vocês são, você e Ivy são tudo que eu quero para mim. Para sempre!

Durante o tempo que nos foi dado, eu, Caleb e Ivy aproveitamos ao máximo, tudo que pais e filhos poderiam fazer juntos, nós fizemos. Eu tinha algumas horas antes de ser exilada. Queria explicar a Ivy, ter uma última conversa com Caleb e ela antes de ser mandada para outra dimensão.

–Eu os amo. Espero que saibam disso. Quando eu atravessar aquele portal ficarei na outra dimensão por mil anos, caso eu consiga sobreviver aos mil anos. O que eu quero dizer, Ivy, querida, mamãe te ama muito, mais do que tudo, fique longe de confusões, fique longe de Agnes. Fique perto de seu pai e tudo ficará bem. Talvez eu nunca mais a veja, espero que quando eu volte, daqui a mil anos, você esteja me esperando, para que eu passa lhe abraçar assim. – A segurei forte e ouvi sua risada infantil. – Entendeu ?

–Sim, mamãe. – Beijei sua testa e deixei que Ivy fosse brincar pela sala.

Havíamos apenas eu e Caleb. Ele tocou minhas mãos e sorriu. Tristemente mais sorriu. E eu sorri de volta, mesmo com vontade de chorar. Nos levantamos e ele me abraçou forte.

–Antes que você comece a falar. – Ele começou e tirou um colar de pingente vermelho de suas vestes. O partiu ao meio e colocou uma das partes em seu pescoço. – Enquanto o seu continuar vermelho, eu estou vivo. E o mesmo acontecerá com o seu. Se o que estiver com você ficar preto e fosco, eu estou morto. – Eu assenti colocando o colar no pescoço.

–Caleb...

–Não terminei, Feliz. Eu te amo mais do que as estrelas que nos iluminam o céu e por isso é difícil conseguir dizer o que vou dizer. Quero que encontre pessoas por lá, não acho que viver sozinha vai ser algo bom. Ame pessoas por lá, beije, faça o que quiser. Não seja fiel a isto.

–Caleb...

–Estou sendo sincero. Nós vamos nos ver novamente. Estaremos aqui a esperando. Eu e você teremos um tempo só para nós dois quando estiver de volta. E terei que disputá–la com Ivy – Eu ri.

–Eu te amo. Muito. Mais do que as estrelas que iluminam o céu. – E o abracei e vovó pigarreou.

–O portal foi aberto.

–Maria não conseguiu nada. – Lamentei olhando em volta. Não havia sinal de Marina na sala do trono. Suspirei.

–Quando passar por ele, não poderá mais voltar, Feliz. Lembre–se disso.

–Está bem.

–Ele se abrira para que você volte para cá, depois do s 1000 anos de exílio.

Eu assenti e não olhei para trás. Eu estava começando uma nova vida, coloque minhas mãos para fora do portal de energia que brilhava e passei parte do meu corpo a tempo de ouvir a voz de Maria gritando.

–FELIZ! FELICITY! – Tentei olhar para ela, mas eu não podia voltar. Fechei os olhos e deixei que a luz me tragasse.

***

–Acordei nesse mundo. Com um peso sobre mim. Tentei tirar o peso de cima de mim e quando me dei conta, era Maria.

–E então o que aconteceu ? – Marco perguntou.

–Ela havia descoberto toda tramoia.

–E vocês não podem voltar ?

–Não, não podemos. Até que o portal volte a se abrir. Quando voltarmos para Agnes...Ela se verá conosco.

–Ela quem ? – Ele estava curioso.

***

–Por Morgana! – Eu gritei quando notei que era mesmo Maria. – Que diabos esta fazendo aqui, Maria ?

–Eu não podia ficar.

–Por quê ?

–Eu descobri quem amaldiçoou a rainha para tomar o trono. Por isso. Tudo estava estranho demais, Feliz. Ela me mataria se soubesse que eu sabia. Como ela te enganou por tanto tempo ?

–Não me diga que foi vovó que fez isso, porque eu acho meio...

–Madeleine. Ela é a traidora.

–As peças...As peças da profecia se encaixam.

–Quer profecia, Feliz ? –Lembrei daquela música irritante em minha mente.

–A que Madeleine fez em minha frente. Eu não havia notado, até agora. Ela previu o meu exílio quando ela finalmente colocasse aos mãos no trono de Marlena! “A traição acontecerá. A rainha cairá e a escolhida pagará. Ouça o meu preço, ouça o que eu digo, ela será banida, para o mais cruel dos exílios”.

–Isso realmente se encaixa.

–E o que faremos até que o portal abra novamente ?

–Estudar, Maria. Vamos estar preparadas para quando formos enfrentá–la. E então colocaremos um ponto final em qualquer que seja o plano dela. Ela usou minha capa enquanto amaldiçoava Marlena, por isso todos acharam que eu era a traidora!

–Pela primeira vez eu sinto uma digna sede de sangue. Vamos arrasar com ela! – Maria falou e eu assenti. Madeleine, dali a 1000 anos, pagaria por tudo. Nós duas faríamos tudo para que ela pagasse, eu tinha certeza.

***

–Porque me contou tudo isso ? Cadê essa tal Maria ? O que vocês vã fazer ?

–Contei porque eu confio em você Marco. Sei que você nos ajudaria, caso precisássemos. E porque você é um jovem garoto. Não precisa se perder para o crime, nem para nada. Siga sua vida, nos visite, aprenda coisas novas e faça a vida valer a pena. Precisei de um milênio para aprender isso. – Fiz um gesto com a mão e o elevador voltou a funcionar. Nos levantamos e ele apertou minha mão. Saiu do elevador e antes que as portas se fechassem eu lembrei. – Respondendo a sua pergunta, Maria está no nosso apartamento. É o 512. E nós vamos lutar, até a morte se for preciso. Para conquistarmos o que é meu por direito. Madeleine que nos aguarde. – As portas se fecharam e a última coisa que consegui ver foi um sorriso.

Só mais um ano.

Nos aguarde, Madeleine!

Fim


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Talvez se pergunte por diabos isso acabou de forma tão frustrante. Em primeiro. Isso é um conto. À parte de uma história maior que estou escrevendo. Foi dificil pra caramba colocar pela visão da Felicity tudo que acontece e que vai acontecer, porque ainda tem muitas outras coisas. Mas esse é um pouco da história. Eu nem ao menos revelaria quem havia feito tudo isso, mas o fiz por um simples motivo. Não disse por que ela fez isso. E nem como acaba realmente essa história. A história é sobre a vida de Felicity e sobre os anos dela no exílio. Esse é um projeto de original que eu estou escrevendo. É um presente para uma amiga e eu espero no futuro poder escrever algo muito completo sobre ele. Então, não se frustrem, pensem no que vocês imaginam para o final, o que Maria e Felicity farão quanto o portal se abrir ? O que Madeleine fez nesses mil anos ? Como acabou realmente a guerra ? O que aconteceu com Ivy ? O que aconteceu com River e quem o mandou para o exílio ? O que Caleb fez depois que Felicity foi para o exílio ? E o que esse rapaz, esse assaltante para quem Felicity contou sua história, vai fazer ? Bem, não sei se poderei responder todas elas caso me perguntem, mas use ma imaginação e criem o final alternativo que desejam.


Beijoos!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mil anos de exílio" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.