Dia XX/XX/18XX

Hoje mais cedo fui buscar a correspondência e notei algo diferente: havia uma espécie de convite, o levei para minha madrasta imediatamente, acreditei que era algo de muito interesse dela.

[...]

Cheguei à sala com a lareira onde estava ela junto com suas filhas. Entreguei-lhe o convite o qual arrancou de minhas mãos e então leu em voz alta:

“Haverá um baile de mascaras no dia XX/XX/18XX

Em comemoração ao 19° aniversário do Príncipe Henry Vellaroihe

Toda dama deverá comparecer,

Uma noite de luxo e comemoração”

Ambas as irmãs deram gritinhos histéricos de alegria e logo começaram a discutir que tipo de roupa usariam.

–Roxo ou branco?- Hellen perguntava

–Branco, sem duvida! –Anna respondia ansiosa.

Eu poderia ter ficado calada. Poderia ter deixado aquelas imundas falando sobre suas idiotices sem me preocupar. Eu podia, mas não o fiz.

–Eu quero ir!- Disse num tom de ligeira animação, porém poucos segundos depois me arrependi amargamente das minhas palavras.

–Do que é que está falando Vira lata?- Dessa vez era a mãe nojenta delas que falava num tom de fúria. Anna e Hellen pararam bruscamente de falar para encarar a discussão.

–Eu não só quero como também posso! Afinal sou filha do Sr. Joel Makdonsy! Um dos homens mais ricos desse maldito lugar! – Devido às minhas noites mal- dormidas e minha cabeça quente que herdei do meu pai sempre pago pelas minhas ações impensadas.

–Você gritou comigo?!

Ela estava realmente com raiva, eu conseguia ver sua pupila diminuir conforme sua raiva aumentava. Ela respirou fundo e me encarou com um olhar de desprezo e nojo, como se eu fosse um pedaço de carne recém vomitado da boca de um cachorro que estava em fase final de alguma doença. Subiu um frio pelas minhas costas e engoli em seco. Ela começou a andar em minha direção, fechei os olhos e esperei a eventual tapa que ela sempre me dava quando eu a respondia, porém não houve tapas. Abri os olhos novamente assustada e a encarei.

–Esses seus olhos imundos... –Ela falou num sussurro. Virou-se largando o convite que havia se amassado com a força que ela fez sobre ele. Ela caminhou para trás de mim, meus batimentos cardíacos estavam a mil. Eu estava com medo. Não sabia o que eu podia esperar daquela mulher. Estava em pé, mas minhas pernas não conseguiriam se aguentar por muito tempo, estavam tremendo. Procurei não encara-la enquanto ela abria a mesinha onde havia um vaso de cerâmica com flores colhidas há pouco.

Poucos segundos se passaram e eu finalmente a encarei, ela estava segurando uma tesoura de ponta fina. Não sabia se encarava a tesoura ou a sua cara de prazer. Anna e Hellen ainda se mantinham caladas, o único som que fluía naquele lugar era o velho relógio e os saltos de Madame Claire tocando o piso. Num intervalo de tempo muito rápido eu estava no chão, raiva estava estampada em ambos os rostos: o meu e o dela. Ela havia me dado um tapa com a mão vazia me fazendo cair com o traseiro no chão eu ainda olhava para aqueles olhos frios banhados de uma malicia doentia. Ela chegou perto de mim e sacou a tesoura no meu olho com uma força que jamais vi.

Eu gritei de dor. Aquela dor lacerante do meu olho se fundiu com meu corpo criando um tormento em minha alma, despedaçando o que restava de meus ossos. Eu sentia minha carne queimar, tudo de uma só vez. Mas, para a minha sorte (ou azar?) não desmaiei, e pude ver com o outro olho o sangue que havia se acumulado em torno de mim e meu sangue que havia jorrado no rosto de Madame Claire. Havia sangue em seu rosto e em seu vestido que já se foi de um amarelo radiante. Ela estava lambendo o que havia jorrado em torno da sua boca e aquilo me dava ânsia, comecei a vomitar como nunca havia vomitado, achei que fosse morrer pela minha perca de sangue imensa, mas minhas preces não foram atendidas e não morri. Enquanto vomitava pude ver minhas irmãs... Meias-irmãs me encarando com aquele olhar morto, elas não estavam horrorizadas com meu globo ocular estourado.