Dia X/XX/18XX

Meu nome é Rebecca, mas não é por esse nome que elas me chamam.

Não sou bonita, pelo menos não agora. Tenho cabelos longos, porém não são loiros ou morenos, não são ruivos... Pelos menos não um ruivo normal. Eu tenho cabelos vermelhos escorridos como uma cachoeira de sangue o que fez com que, quando meu pai e minha mãe eram vivos, fossemos expulsos de vários vilarejos porque diziam que eu era a encarnação do mal. Acabamos por nos mudar para uma vila maior, onde só havia gente mais rica onde só pensavam si mesmos, gente muito esnobe. Meu pai era muito rico, mas ele nunca foi como essas pessoas, o que fazia preferir vilarejos pequenos e calmos.

Quando minha mãe morreu ele ficou muito abalado e eu muito sozinha. Ele realmente a amava, e enlouqueceu com sua morte. Tive que aprender a cozinhar para não morrer de fome, afinal ele mandou todos seus empregados embora. Eu acreditava que com o passar do tempo, mesmo que demorasse, se eu desse amor ao meu pai, talvez ele melhorasse, eu sentia falta da minha mãe, mas não queria perder meu pai. Ele era tudo o que me restava. Eu achava que as coisas não podiam piorar...

Até que... Até que ele a conheceu... Aquela maldita mulher com suas filhas imundas...

Meu pai estava desesperado por amor e ela, por dinheiro. E pouco depois de se conhecerem, eles se casaram. Aquela mulher nunca foi boa para mim, me xingava e me beliscava assim que meu pai sumia da sua vista, mas eu a suportei. Suportei pelo bem do meu pai...

Hoje meu pai morreu, hoje não tenho mais roupas descentes para me vestir, não tenho quarto, não tenho identidade.

Elas me chamam de Cinderela, que, quer disser “Cabelo do Diabo” na língua Nyro*.

Meus olhos são escuros, muito escuros e profundas olheiras marcam eles. Minha pele é pálida e sou magra. Sou o oposto de beleza e quanto às minhas meias-irmãs... Bem elas são o sonho de qualquer homem. São lindas, Hellen tem longos cabelos loiros enquanto Anna mantem seu cabelo curto a altura do ombro de cor escura. Ambas tem olhos cor-de-mel denunciando uma falsa e profunda doçura em suas ações e encobrindo a verdade: as duas são monstros cruéis.

Estou escrevendo isso porque tenho medo. Medo de enlouquecer. Quero mata-las, porém minha razão não deixa.

Hoje quando eu fui tomar café-da-manhã, elas jogaram terra em minha refeição. Tive que comer tudo em silencio enquanto aquelas duas vadias riam de mim, mas eu não chorei. Não ia lhes dar o prazer de ver isso.

–Pedaço de merda, engula sua porca! - dizia Hellen ao esfregar minha cara naquela mistura lamacenta, e Anna somente ria alto. Pouco depois aparece a desprezível mãe delas que disfarça o riso e manda suas filhas saírem da cozinha, pois lá, de acordo com ela, não era lugar de damas feito elas.

Fiquei sozinha lá com aqueles risos imundos ainda importunando minha mente. Só estava começando meu dia.

[...]

Durante o intervalo na aula de canto de Anna eu estava lá, limpando novamente o piano quando ela propositalmente fechou a tampa dele em meus dedos, soltei um pequeno gemido e ela riu:

–O que foi Cinderela? Está doendo?- Ela riu e sentou em cima do piano esmagando mais meus dedos. Então se ouve um estalo. Meu dedo havia se partido. Ela pôs-se de pé e caminhou até sua mãe. Que não a repreendeu, obviamente. Apenas seguiu-se a aula como se nada estivesse ocorrido. Eu ainda mato elas. Estou sentindo tanta dor.

[...]

Já é noite, estou escrevendo isso pouco antes de dormir. Minha mão doí, mas não posso chorar. Tenho que ser forte, prometi a mim mesma que seria forte enquanto eu vivesse. Tenho que ir dormir, de acordo com o relógio da igreja, já é tarde.
Eu tenho que fugir, não aguento esse maldito lugar.