Diário de uma Judia escrita por Contadora de Histórias


Capítulo 7
Página 7 - Mudanças no cotidiano


Notas iniciais do capítulo

Eu sei, demorei séculos para postar um capítulo novo. Sei que pareceu que desisti da história e coisa e tal... Mas, não penso que seja relevante explicar os motivos da minha longa pausa na história, o importante é que voltei a postar e espero que me perdoem pela demora.
Boa leitura.



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1940

01, Februar

– Rachel! – ouvi uma voz grave ao fundo – Rachel! Filha, acorda!

Abri os olhos e vi meu pai me sacudindo pelos ombros.

– Ah, que alívio! Vem, levanta. – ajudou-me a ficar de pé, minhas pernas estavam bambas.

O ambiente estava totalmente devastado. Não tinha certeza de onde realmente estava, mas havia pedaços de cadeira, mesa, vidro, madeira e alguns panos pegavam fogo. Passei a mão na cabeça procurando alívio, mas senti um molhado estranho na testa.

Sangue.

E dor.

Minha testa estava com um corte e sangrava.

– Está tudo bem, filha. Vai ficar tudo bem. – meu pai tentou me tranquilizar.

Eu estava um pouco tonta, tentando organizar meus pensamentos. Meu pai me puxou para algum lugar. Mas... Onde estava a mamãe? Ela estava há pouco tempo com ele e não a vejo mais.

– Cadê a mamãe?

Quando fechei a boca, ela apareceu.

– Mãe! – a abracei forte – o que está acontecendo?

Entramos na cozinha. Foi aí que me situei, eu estava em casa. Sim, claro que estava, havia descido do meu quarto para saber que barulhos estranhos eram aqueles no lado de fora quando o estrondo invadiu minha casa.

– Eu sabia que isso iria acontecer – meu pai começou com um tom alterado – Eu deveria ter saído antes que acontecesse. É tudo culpa minha.

Eu não estava entendendo mais nada. Minha mente estava totalmente confusa, abri e fechei a boca várias vezes na tentativa frustradas de expressar algo.

– Rach, não fique parada, venha! – minha mãe me arrastou.

Chegamos à cozinha, ela parecia intacta, sem nada quebrado. Minha mãe abriu uma gaveta do armário e de lá tirou uma gaze, provavelmente era para mim.

De repente alguém entrou abruptamente pela porta dos fundos e nossos olhares se direcionaram à pessoa.

– Balthus! Finalmente! Pensei que havia nos abandonado! – Meu pai exclamou, aliviado.

Abri os olhos e senti um arrepio percorrer minha pele gélida. Eu odiava ter esses sonhos, essa noite insistia em se repetir quase todas as vezes em que eu durmo. Quanto mais eu tento esquecer, mais ela permanece impregnada na minha mente como uma tatuagem desagradável.

Eu não gosto de escrever sobre essa noite, sobre a última noite em que vi meus pais, porque parece que toda vez que sou obrigada a lembrar, sou obrigada a fraquejar e descer minhas defesas. Então, prefiro não concluir o que comecei a escrever.

Ainda não estou preparada para falar sobre isso.

De repente, olhei para o céu e vi que estava mais cinza que o normal, querendo escurecer. Estou escrevendo meus simples verbos sentada na escada da cabana, com uma vista um tanto quanto gélida a minha frente. Os vestígios de verde eram quase nulos. Eu nunca havia visto o inverno de uma maneira tão próxima e posso afirmar com precisão: Ele é extremamente branco e congelante.

Eu sempre apreciei o frio, claro que visualizado através da janela do meu quarto o inverno parece bem menos assustador do que estar numa cabana caindo aos pedaços e totalmente vulnerável as vontades da natureza. Há uma quantidade exagerada de neve ao redor da cabana e por toda extensão territorial que meus olhos possam alcançar. As árvores estão sem folhas e o lago está prestes a se tornar completamente sólido.

Partes positivas de se estar no inverno? Ah... Aaron realmente faz um delicioso chocolate quente (demasiadamente útil para contra-atacar o frio) e disse-me também que adorava fazer anjinhos na neve. E eu fiquei meio confusa com aquilo.

– Rachel! – ele pareceu indignado – Você não está querendo dizer que não sabe o que é fazer anjinho na neve, está?

Eu dei de ombros dando pouca importância ao caso.

Ele arregalou os olhos – Caramba! O que você andou fazendo na sua infância?

– Meus pais achavam perigoso eu sair de casa. Além do mais, sou filha única, tive poucas experiências com seres humanos. – comentei.

Ele pareceu acometido por uma tristeza e levantou bruscamente da cama, quase pulando.

– Você enlouqueceu? – quase gritei.

– Não, não... Nós vamos lá fora agora e você irá aprender a fazer um anjinho e pelo menos um boneco de neve.

Levantei a sobrancelha – Se você abrir esses pontos na sua perna, aquela loira nazista cortará minha garganta!

Ele soltou uma pequena risada – Fica tranquila. Vou ficar sentado enquanto ajudo você a recuperar sua infância perdida.

E com isso senti o quão libertador é se jogar na neve e moldar com os braços asas de anjo. Demorei um tempo a mais tentando montar um boneco de neve enquanto Aaron reclamava quando algo estava mal colocado ou torto.

– Cale a boca! Eu quem estou tendo todo o trabalho de fazê-lo enquanto você simplesmente resmunga feito um velho chato nesse banco aí!

Ele ria bastante, parecendo estar se divertindo com a situação, estava sentado em um banco no meio da neve a poucos metros de mim. Suas reclamações e risadas me irritaram e usei toda minha ótima pontaria para acertar uma bola de neve nas suas fuças. No mesmo momento em que a bola tocou seu rosto, seu sorriso morreu.

– Ah, você não provoque minha fúria, garota judia. Não irá querer ver meu lado sombrio aqui, agora!

E então comecei a gargalhar. Ele tentou fazer o mesmo que eu, tentando inutilmente acertar a bola de neve em mim, pois sua pontaria era pior que a de um míope. Acabou acertando meu boneco.

Entreolhamo-nos e voltamos a rir.

Nos últimos dias, minha vida monótona sofrera algumas perturbações. Eu pensei que o acontecimento mais emocionante desses meses seria apenas a chegada da neve. Enganei-me. Com a neve, veio Aaron e todo seu jeito caloroso, tagarela e, muitas vezes, insuportável. Ele conseguia falar mais que os locutores da rádio nazista! Devo admitir que meus dias tornaram-se mais interessantes após sua chegada, divirto-me e irrito-me excessivamente. Ele é um bom garoto, parece ter bom coração. Só é extremamente idiota, confesso. Adora falar asneiras. Ah, já mencionei que ele adora cantar, pois é, divirto-me muito vendo-o empolgar-se nas letras das canções.

Eu não pretendo contar a ele, porém, estou feliz em tê-lo por perto. Faz tempo que não tenho ninguém para preencher o silêncio do meu cotidiano. O jovem comunista chegou e expulsou o sentimento de solidão que adorava pairar pela cabana.

Pena que nem todos gostem da ideia de nós dois juntos.

Elza, a loira nazista, continua me odiando e menosprezando. Ainda não entendo o motivo de tanto ódio. Eu salvei a vida do amigo dela e ela não se preocupa em demonstrar o mínimo de gratidão. Tenta ignorar-me o máximo possível e quando me nota, olha para mim com asco, como se eu fosse o ser mais desprezível da terra. Mas não a julgo, eu também não a suporto. Ela é a prova viva do quão prepotentes e insuportáveis os nazistas são e com certeza deve ter uma dívida imensurável entre os dois para ela dar tanto suporte a ele e acobertar uma judia imunda.

Ela vem aqui quase todos os dias ver como está a perna de Aaron e saber se ele está tomando os medicamentos nos horários certos. Passa horas conversando com ele. Não sei porque, mas acho isso muito irritante! O fato bom é que ela mesma fez os pontos na perna dele, para facilitar a cicatrização do corte e posso dizer que não foram poucos.

– Isso é muito agoniante. – reclamava Aaron enquanto ela costurava sua perna.

Ele não sentia dor por conta da anestesia, entretanto, devia estar sendo torturante alguém o furando com a agulha e tudo mais.

Ele estava deitado na cama olhando na minha direção enquanto a loira fazia o trabalho em sua perna. Eu achei a cena meio nojenta, era um tanto quanto surpreendente a frieza dela ao lidar com uma situação dessas. Aaron parecia realmente incomodado com tudo aquilo.

– Não vai me dizer que o garoto comunista tem medo de agulhas? – impliquei com ele.

– Haha, ótimo momento para se fazer piadas, garota judia. – retrucou ele.

Comecei a rir.

– Minha mãe sempre me dizia que se eu estivesse com dor ou algum problema, era só eu tentar distrair minha mente com outra coisa. – relatei.

– O que você sugere? – perguntou esperançoso.

Encostei-me a mesinha que ficava ao lado da cama, tentando pensar em algo para distraí-lo e a primeira ideia que veio a mente foi... Música. Eu não sabia cantar, mas não devia ser tão difícil. Fechei os olhos e pus-me a tentar entoar a canção.

– Você, com olhos tristes

Não fique desanimado

Oh, eu sei

É difícil criar coragem

Num mundo cheio de pessoas

Você pode perder tudo de vista

E a escuridão dentro de você

Pode te fazer sentir tão insignificante

Lembro-me de ter aprendido essa música por conta das inúmeras vezes que ela tocou na rádio. Era lenta e a letra inspiradora, talvez funcionasse para acalmá-lo.

– Mas eu vejo suas cores reais

Brilhando por dentro

Eu verei suas cores reais

E é por isso que eu te amo

Então não tenha medo de deixá-las aparecerem

Suas cores reais

Cores reais são lindas

Como um arco-íris

Continuei a cantá-la com os olhos fechados, viajando na letra da canção.

– Mostre-me um sorriso então

Não fique infeliz, não me lembro

A última vez que vi você sorrindo

Se este mundo te deixa louco

E você deu tudo o que você pode suportar

Me chame

Porque você sabe que eu estarei lá

E voltei a repetir o refrão.

– E eu verei suas cores reais

Brilhando por dentro

Eu verei suas cores reais

E é por isso que eu te amo

Então não tenha medo de deixá-las aparecerem

Suas cores reais

Cores reais são lindas

Como um arco-íris

Respirei fundo e abri os olhos. Aaron me olhava com um sorriso bobo e Elza, pela primeira vez, não lançava um olhar de desdém e transparecia certo interesse.

– Que foi? – perguntei, corada.

– Eu realmente não esperava por isso, garota judia. Parece-me que você tem um lindo dom. – murmurou o moreno ainda sorrindo.

Encolhi meus braços, um pouco envergonhada.

A loira desviou o olhar limpando a garganta – Eu já terminei. – anunciou.

O fato é que eu não esperava esse tipo de reviravolta no jogo. Mesmo me odiando, ela está ajudando de todas as maneiras. Uma deles ajudando um de nós, ou melhor, dois de nós, pois indiretamente ela também me ajuda. Se alguém descobrisse, nenhum dos três sairia ileso das duras penas as quais nos subjugariam. Tudo tem de ser feito no maior dos sigilos e nosso segredo precisa ser guardado da melhor forma possível.

Entretanto, uma outra pessoa precisava saber disso. Sim, a única pessoa que – antes de todo mundo – se arriscou esse tempo todo para me manter viva e salva. E claro, essa pessoa iria ficar extremamente irritada quando soubesse das minhas novidades.

– Você o que?! – gritou Klaus.

– Calma, não precisa se preocupar. Está tudo bem. – tentei inutilmente acalmá-lo, pois ele estava aturdido demais com minhas notícias.

Sim, eu tinha de contar a ele senão seria pior caso ele descobrisse ocasionalmente.

– Você não podia ter feito isso, Razel!

– É Rachel!

– Que seja! – passou as mãos na cabeça calva procurando calma – Você... Você precisa ser invisível. Você não pode ser vista por ninguém! Você entende isso, menina?

Suspirei. Eu odeio ser invisível.

– Eu entendo, mas eu precisava do rádio. Você não parecia muito revoltado quando lhe falei que roubaria o rádio do senhor Gal.

– Eu deixei bem claro que você não poderia ser pega!

– E eu não fui! – retruquei.

– Mas agora aquele idiota nazista está no seu pé! Procurando-lhe por todos os lados, é perigoso você estar vindo até aqui em casa me ver.

Engoli com dificuldade. Ele já estava suficientemente irritado e eu ainda nem havia falado de Aaron e Elza.

– Tem mais uma coisa que o senhor precisa saber... – comecei, hesitante.

Ele já me lançou um olhar receoso.

– Eu estava caçando na floresta, pouco antes da neve cobrir tudo, e acabei encontrando um garoto muito, muito machucado por lá... – dei uma pausa para observar sua reação e ele estava quieto, como que se preparando para o pior.

De repente, fui tomada por uma coragem súbita – E agora ele está na cabana comigo! – terminei apressadamente.

Naquele momento, Klaus arregalou os olhos e pareceu perder a capacidade de falar. Mas, quando ele recobrou os sentidos, quis pegar a espingarda e sair no mesmo instante em direção à cabana para expulsar Aaron de lá. A cena seria realmente cômica caso não fosse trágica. Eu acabei conseguindo acalmá-lo, explicando que ele era de nós, não havia tentado me machucar ou qualquer coisa do tipo e ele era jovem, jovem e comunista(apesar deu ainda não saber o que isso significa. Mas ele queria conhecer Aaron, para saber com que tipo de homem estaria na minha companhia. Claro que não falei de Elza, senão aposto que iria querer me esconder em outro lugar, num buraco, se possível.

– Se seus pais soubessem de uma coisa dessas... – resmungou mais tarde, já bem mais calmo.

Ao ouvi-lo falando de meus pais, questionei:

– Você tem tido notícias deles?

Ele suspirou parecendo cansado.

– Por favor, senhor Klaus! Eu preciso saber se eles estão bem.

– Querida, infelizmente não tive notícias deles. Ainda não, mas assim que tiver, prometo contar-lhe o mais breve possível. – confessou ele.

Não acreditei muito, pois sei que Klaus sabe onde meus pais estão e como estão. Contudo, faz questão de não me dizer. Talvez por temer que eu vá atrás deles... E eu iria mesmo! Se eu soubesse onde eles estão, daria um jeito de ir mesmo se fosse do outro lado do mundo, mesmo sendo a ideia mais insana de todas!

Não tenho muito opção, devo esperar senhor Klaus confiar em mim para me dar qualquer notícia sobre minha mãe e meu pai. Enquanto isso, o que me resta é esperar.

– O que tanto escreve nesse caderno, garota judia? – questionou-me Aaron, ao me ver debruçada sobre o diário.

– Palavras. – respondi, com um sorriso torto.

Ele riu.

– Então escreva essas: Eu e você protegeremos um ao outro a partir de agora. – afirmou.

Parei de sorrir e o olhei séria, ele estava sentado na cama, me fitando intensamente.

– Você pode contar comigo para o que precisar, Rachel. E tenho certeza que posso contar com você também. Fico feliz de tê-la por perto.

Desviei o olhar, um pouco envergonhada.

– Você fica mais bonita tímida.

Suas palavras realmente me deixaram sem graça. Respirei fundo, tentando me recompor.

– O que significa comunista? – mudei o rumo da conversa.

Voltei a observá-lo e sua expressão estava distante.

– Isso é conversa para outro dia, tudo bem? – murmurou, depois de um tempo em silêncio.

Aquilo me irritava, as pessoas adoravam fugir de assuntos polêmicos. Até quando questiono sobre meus pais, da mesma forma que Klaus, Aaron dá um jeito de mudar ou se distanciar do assunto. Isso sempre me deixa chateada.

– Tudo bem. – respondi, pegando meu diário e saindo para varanda.

Só agora, abaixo do céu cada vez menos iluminado que consigo terminar de escrever. Penso que, se fosse em outros tempos, ele não poderia sequer me olhar do jeito que olhou. Claro, sinto-me lisonjeada, contudo, minha mãe sempre me disse para nunca confiar totalmente em um homem. Vou seguir seu conselho.

Todavia, acredito que, a partir de hoje, a promessa que já se concretizara fora dita e não será esquecida por nenhum de nós. Com toda certeza, enquanto estivermos juntos, protegeremos um ao outro. Mas, para eu confiar totalmente nele, preciso que ele comece a me dar informações concretas sobre tudo o que está acontecendo, sobre os acontecimentos que viraram minha vida de cabeça para baixo. Preciso saber, preciso entender.

Mudanças como essas fizeram o diferencial no meu dia a dia, ajudando-me a ter esperança em seguir em frente. Embora o futuro ainda seja extremamente nebuloso.


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Notas finais do capítulo

A música que Rachel canta é True Colors, de Billy Steinberg. Linda canção. Espero que tenham gostado. Xoxo



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