Deusa Estelar escrita por Carlos Abraham Duarte


Capítulo 5
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Os acontecimentos neste capítulo transcorrem cerca de meia hora antes do final do capítulo anterior.

OBS.: "David Zero", "Ekoplex" e todo e qualquer personagem ou elemento do Universo Skyler eventualmente mencionado neste capítulo (e nos seguintes) pertencem ao amigo Antix (ex-Mike Knight), o criador da Saga Skyler.



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"Para compreendermos o presente devemos estudar o passado."

Marc Bloch, historiador francês e judeu

"Para conheceres o porvir, olha a raiz. Estuda o passado para saberes o futuro."

Lie-tsé, filósofo taoísta chinês

 

(Bar Panorâmico da Majorum, quarenta centiciclos atrás)

— Fui sugado por um vórtice temporal, sem sombra de dúvida. Tecnologia temporal ultra-avançada, pra lá da capacidade técnico-científica da Federação Estelar. Se foi coisa dos nossos "amigos" Éticos, ou dos Gestores - aquelas entidades aliens superpoderosas, misteriosas, conspiratórias de Andrômeda que sabem manipular o espaço-tempo como nenhuma outra raça - , aí já não tenho muita certeza. Por que comigo? Justo comigo? Não faço a menor ideia... Só sei que eu estava subindo pelo turboelevador externo da Torre Asiática rumo ao Grande Anel Orbital da Terra, sentado junto com outros trinta passageiros, tentando apreciar a visão panorâmica privilegiada do Território Mundial Oriental que se estendia a dois mil quilômetros lá embaixo, com as Regiões Concentradas Federadas da Paquíndia e da Estásia - o Subcontinente Indiano, Ilhas Maldivas e Sri Lanka, Indochina, China e Japão - , e não deixar a vertigem me pirar. E foi quando aconteceu. De repente, o ar à nossa volta como que explodiu silenciosamente numa torrente de partículas luminosas e um zunido contínuo tomou conta do vagão do elevador e as paredes envidraçadas de alumínio transparente, as fileiras dos assentos, o céu quase preto-azulado lá fora, tudo estava vibrando, se misturavam, se fundindo e se desfazendo num estouro de formas e cores indescritíveis. Então eu fui tragado por um vórtice de túnel em espiral... Tudo branco, vazio, de uma brancura de espuma, sem início e sem fim, em constante mutação, sem pé nem cabeça... Parecia que estava caindo, mas ao mesmo tempo flutuando, me movimentando e, ao mesmo tempo, parado. Não durou mais que uma fração de microciclo, ou uma fração de segundo, como se dizia na nossa época, e senti de novo o chão sólido debaixo dos meus pés. Mas qual não foi a minha surpresa quando constatei que já não me encontrava confortavelmente sentado numa poltrona reclinável a bordo de um elevador espacial, subindo a mais de vinte mil quilômetros por metrociclo pro Cinturão Orbital, e sim, ao invés disso, de pé no meio de uma luxuosa sala de visitas do que parecia ser uma grande mansão do século I desta Era... Ou, como diriam os nossos eus originais, do século XX ou XXI. Toda decorada com esculturas em mármore negro, mármore branco, marfim - marfim fossilizado de mamute e de mastodonte, com milhares e milhares de anos - , tapetes persas, móveis em madeira nobre, taças e outros objetos de porcelana oriental, de jade verde e branco, de cristal da Boêmia e até de ouro e de prata. Em cada canto daquela sala!

Quem falava era Karl Dharz, usando a transmissão de som dirigida para conversar privativamente com Alxxyn Lewz. Ambos estavam sentados frente a frente, em duas confortáveis poltronas articuladas (que abraçam os ocupantes) em torno de uma pequena mesa quadrada de plasteel branco luminescente, e juntos bebericavam duas longas taças de fitohydra bem gelada, tipo flûte, que lhes foram trazidas pelo servobô. Pratos e bebidas (todos sintetizados) podiam ser encomendados digitando-se no teclado virtual de tela de toque de um cardápio computadorizado, sendo servidos em carrinhos robotizados com a forma de uma mão aberta virada para cima, dotados de sensores ópticos e ultrassônicos e movidos por um campo de força diagravítico, flutuando cinco centímetros acima do chão liso do bar.

A parede frontal era ocupada por uma imensa janela panorâmica descortinando uma visão inigualável do espaço cósmico. (O alumínio transparente blindado fora substituído por um anteparo energético, um campo de força invisível e impenetrável.)

A maior parte das outras mesas estava ocupada por passageiros e familiares dos tripulantes, tanto humanos e humanoides quanto inumanos. E não eram poucos os que exibiam holobandas (na forma de óculos futurísticos, com interface visual e auditiva) permitindo ao usuário imergir completamente em um cibermundo virtual que oferecia o acesso a uma variedade ilimitada de paisagens, jogos e atividades puramente virtuais. Outros acessavam a Starnet (via conexão subespacial) através de computrons de pulso, providos de interfaces holográficas. Robôs e androides e MecOrgans e outras biomáquinas misturavam-se livremente com os fregueses no salão. Humanos solarianos e neossolarianos exibiam todos os estilos concebíveis (e alguns inconcebíveis também) de cores de pele, cabelos (ou cabeças depiladas) e olhos, pois graças à avançadíssima técnica cosmética do século VI d.V. (com o uso de nanites e microlaser), era moda as pessoas tingirem a pele, os cabelos e mudarem as cores da esclera e da íris dos olhos ao bel-prazer: verde, azul, amarelo-limão, cinza-prata, púrpura, laranja, roxo, rosa-choque e até multicolores. Isso sem falar nos híbridos humano-alienígenas e híbridos homem-máquina, ou ciborgues - os filhos da engenharia genética e da biorrobótica.

A um ser dotado de faculdades transcendentais, a psicosfera ambiental do bar apresentar-se-ia como uma "energia" sutil colorida, leve e agradável. Era um hino à diversidade e à pluralidade de estilos do Homem Cósmico.

— Resumindo, outrincons ignotos, por razões ignotas, abriram um "buraco de minhoca temporal" que te transladou quatrocentos ou quinhentos anos de volta no tempo, pro século XX ou XXI da Terra - retrucou Lewz, empregando igualmente a transmissão de som dirigida que garantia a privacidade dos interlocutores. - Só que em uma linha temporal alternativa, e não nesta em que nos encontramos. Uma aventura em um Multiverso de Nível 3, não muito diferente daquelas vivenciadas por mim e outros abduzidos de diferentes zonas de tempo e espaço pelo Emissário das Trevas Exteriores, Shalmu Ares, com sua gigantesca hipernave interdimensional em forma de octaedro.

(Lewz ainda podia lembrar-se de Shalmu Ares: humanoide esguio e altíssimo, de pele azul-escura, olhos amarelos com pupilas em forma de cruz e longa cabeleira negra, que vestia um traje inteiriço de um branco iridescente e se dizia avatar de uma raça de outrincons ultradimensionais que desafiam a compreensão - de além dos Multiversos.)

— E não era só isso - prosseguiu Dharz. - O calendário digital de mesa que havia na sala de visitas da mansão marcava o ano de 2048, mas eu não percebi de imediato que não era a "nossa" linha temporal atual. Ou a linha temporal de onde viemos, ou melhor, fomos cronodificados. Acho que me senti como o David Bowman de 2001 - Uma Odisseia no Espaço, que após atravessar o Portal Estelar se vê dentro de um quarto de hotel ostentando uma decoração no estilo Luís XVI. De qualquer maneira, havia uma escada dividida ao meio que dava acesso ao primeiro andar daquela casa, e foi por ela que eu subi. Lá conheci o dono do lugar, que não era outro senão o homem mais rico e influente do mundo - daquele mundo - , o primeiro e único David Zero. E o mais inteligente também.

— Ah! - fez Lewz, em tom de clímax. - Enfim, o já antológico David Zero! - Sorveu um gole da bebida verde brilhante e pousou a taça no tampo da mesa. - O cara que foi contatado oniricamente por uma habitante alienígena de outro Universo - e que outra não era senão a garota com cauda e orelhas de loba, supostamente "fictícia", descrita num livro que ele leu aos dezesseis anos - e que, por meio desse contato, conseguiu fazer evoluir, em poucas décadas, o nível tecnológico da sua Terra, na sua linha temporal, pra um patamar muito além do esperado pro século XXI. Tô certo?

— É isso aí. Fisicamente, ele tinha a aparência de um jovem de vinte e cinco anos, tão alto quanto você, de pele marrom-clara, olhos escuros e cabelos pretos e grossos, podendo passar por solariano. Na realidade o David Zero - aliás, esse nem era o nome real dele - tinha cinquenta e quatro anos, mas nunca envelhecia, graças a uma "pílula da juventude eterna" que ele inventou e chamou de "Life-Apple". Nunca disse, mas acho que nasceu no Brasil, que nem eu e você. Não precisei de mais do que uma meia hora conversando com ele pra descobrir que me encontrava numa linha de tempo alternativa de 2048, onde David era senhor absoluto do maior conglomerado informático mundial, um império empresarial que revolucionou as tecnologias de redes virtuais globais com a criação do que ele chamou de "Ekoplex", uma espécie de mundo virtual paralelo à realidade concreta e ao qual o usuário se conectava usando uma pulseirinha, a NP ou Neuro-Pulse. Isso pra não falar da pílula da juventude eterna, da microfusão de hélio-3, dos robôs e androides e até andromanos, ou "humanoides", como eram chamados naquele mundo. Todos, sem exceção, criações dele, e tão avançados quanto os nossos.

— Ora, Karl, se formos pensar direitinho, não há tanta diferença assim entre o que o Sinjoro Zero fez e a "revolução dos computadores" da segunda metade do século XX - circuitos integrados, microchips, fibra óptica, LCD - , após a transferência de tecnologia da nave auxiliar kaladoriana que caiu em Roswell, 1947, pra Bell Labs pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, entre 1948 e 1949. Ou, se preferir, as mensagens transmitidas pela rede telepática dos agentes dos Primordiais e recebidas pela médium Maria Orsitsch da Sociedade Vril, em 1919, que continham instruções pra fabricar uma máquina voadora antigravitacional. Ou ainda, Nikola Tesla, o "Mago da Eletricidade", que deveu muitas de suas invenções mais avançadas no campo do eletromagnetismo - TSF, eletrogravitantes, canhão de feixe de partículas, raio da morte - aos seus contatos telepáticos ou por meio do rádio com cronoguerrilheiros Kel-Na'ash, ou Éticos que visitaram o Sistema Solar entre 1889 e 1899.

— Talvez. A maior diferença foi que David Zero usou seus conhecimentos dados por Horo - uma vez tendo sua mente conectada à dela - pra remodelar o mundo à sua volta segundo os seus próprios princípios extremados de justiça e moralidade. Ele mudou radicalmente o mundo - da água pro vinho - por introduzir esses avanços de ultratecnologia futurista desde 2019, e com isso ganhou oceanos de dinheiro. Pra se ter uma ideia, a casa onde me encontrava era tão grande como uma pequena cidade construída no estilo de uma mansão, toda em granito branco e vidro espelhado. O lugar, que o próprio David e a meia dúzia de outros companheiros privilegiados que ali morava chamavam de "Cidade Vazia", ficava isolada numa ilha paradisíaca no meio de um grande lago. Na verdade, ficava praticamente fora de Tóquio, no Japão. Coisa de bilionário, no mínimo, ou trilionário.

— Compreendo... Tipo uma mistura de Perry Rhodan com Tony Stark. E vem cá, esse supercapitalista de supersucesso dum passado alternativo não ficou nem um pouco surpreso, ou perplexo, com o surgimento súbito e inopinado dum cara desconhecido na sua "Fortaleza da Solidão"?

— Claro que ficou, mas sinceramente eu fiquei mais. O lugar, a Cidade Vazia, era controlado por um supercomputador molecular senciente de ultimíssima geração, que lia pensamentos! Foi assim que ele teve certeza de que eu não mentia ao dizer que tinha vindo de uma época que em seu calendário seria o futuro século XXV. Por outro lado, foi assim que me apercebi que estava num século XXI alternativo, um passado paralelo com um nível tecnológico de A18-, onde David Zero era o rei do pedaço. Também não foi difícil pra ele aceitar a coexistência de múltiplas linhas do tempo, multiversos ou universos paralelos, com uma infinidade de passados, presentes e futuros alternativos, e que eu tinha vindo de um desses futuros. De uma linha temporal diferente da sua, fruto de um passado diferente - sem David Zero.

Dharz fez uma pausa para beber sua flûte de fitohydra.

— Afinal de contas, ele leu as mesmas HQs que nós, e também viu todos aqueles seriados de ficção científica antigos: Star Trek, Stargate, Terminator...

— Afinal de contas, caríssimo Karl, o que é que Zero e sua Terra paralela, noutro nível quântico do espaço de Hilbert, e ainda por cima num passado alternativo, têm a ver com a ruptura dimensional e o apagão cósmico em nosso continuum espaço-tempo? - atalhou Lewz, ligeiramente impaciente. Tomou outro gole. - Pensei que havia dito que esperava encontrar neste sistema algum tipo de arca espacial ou interdimensional, da parte dos Astroengenheiros, embora escape ao meu entendimento como você chegou a tais cálculos mirabolantes. Será que devo depreender que o tal do Zero, um terrano de um século XXI alternativo, em uma Terra de uma dimensão paralela que sequer chegou a desenvolver a dobra espacial pra viajar mais rápido que a luz e sair do Sistema Solar, esse cidadão por um milagre inexplicado conseguiu pôr as mãos em uma ultranave dos Astroengenheiros? De uma raça inumana de gigantes mentais com milhões de anos de idade, capazes de demolir planetas, mudar planetas pra outras órbitas, construir estrelas? Uma raça que se supõe possuir domínio integral das técnicas de viagem no tempo e universos paralelos, mas que deixou este Universo há uns bons quinhentos mil stanrevs?

— Isso mesmo, tudo isso - replicou Dharz laconicamente. - E digo mais: quem ajudou o Zero, modéstia à parte, fui EU, euzinho aqui!

Alxxyn Lewz fitou o amigo como se estivesse observando um violet runner do planeta Vesoria grudando sua boca-ventosa ao couro de um pobre rynglut e sugando o precioso dióxido de monochumbo que lhe corre nas veias: com curiosidade científica e nenhuma emoção. Disse: - Tudo bem. Sou todo ouvidos.

Dharz degustou mais um gole e continuou. - Certo. Não é possível entender o David Zero sem relacioná-lo ao grande amor da sua vida e musa, aquela que ele chamava de "Kenrou Horo de La Yoitsu". A garota-loba, você sabe, a protagonista feminina do romance de dezessete volumes intitulado Ookami to Koushinryou, ou Spice and Wolf, por quem ele se apaixonou platonicamente ao ler sobre ela nos livros, depois ao vê-la nas versões mangá e anime em todo seu glamour. Quando descobriu através dos sonhos - isto é, do estado alterado de consciência a que chamamos "sonambulismo extrafísico", ou projeção inconsciente - que existia uma verdadeira Horo, com genes de loba, orelhas e cauda de loba, habitando uma dimensão paralela física chamada de "Universo Skyler", foi demais pra ele. Segundo entendi das explicações que ele me deu, aquela Horo era uma espécie de pesquisadora, que usava um misto de tecnologia e de estudos psíquicos pra projetar a consciência através das dimensões e assim sondar a vida em outros universos. Foi assim que ela descobriu na infinitude do Multiverso, mais um Universo dentre tantos outros possíveis, que continha a Terra - aquela Terra, no meio de tantas Terras paralelas - , e na sua busca por uma mente de um humano que fosse compatível com a sua, contatou primeiro a de Isuna Hasekura - a quem inspirou pra escrever a série de romances Spice and Wolf - , depois, bem depois, a de David Zero. Ao que parecia, ela nunca tinha encontrado antes uma mente terrana como a do David. Deve ter sido por causa da experiência com um protótipo de sinapseador de que ele foi cobaia e que ampliou sua capacidade cerebral. Fosse lá por que fosse, entre ela e ele se estabeleceu uma conexão mental, pra lá de apenas uns lampejos mentais. Acho que não surpreende que ela tenha acabado por se apaixonar por ele, tanto quanto ele já a amava. Apesar dele, David, ser só um imperfeito Homo sapiens, membro duma raça - nossa raça - que, pelos padrões do mundo dela, Horo, devia ser considerada subdesenvolvida, primitiva e muito inferior a ela. Isso, por sinal, foi o que o transtornou mais. Ele ficou obcecado pela ideia de se reunir a ela em outro mundo, um mundo perfeito. Por meio do seu elo mental com Horo, David adquiriu grandes conhecimentos científicos e técnicos a fim de tornar a Terra um planeta altamente avançado, próspero no sentido material, confortável pra seus bilhões de habitantes e completamente pacífico. Em suma, o David era um cara perturbado, um cara excêntrico e antissocial que odiava o mundo imperfeito e injusto ao seu redor que o impedia de alcançar a garota perfeita que ele tanto queria na vida. Daí ele ter criado o sistema computacional Ekoplex, um mundo virtual perfeito onde ambos pudessem se encontrar, por assim dizer, frente a frente. Uma deusa dos astros e um mortal preso ao pó da terra.

Dharz suspirou e tomou mais um gole de sua fitohydra.

— Pro resto do mundo do século XXI, Ekoplex não passava de um mundo virtual imensamente complexo e sofisticado, tipo Tron ou Matrix, super-realista, que acoplava todas as redes telemáticas do Planeta e ao qual se conectavam bilhões de seres humanos ávidos de diversão digital - explicou ele, enquanto Lewz silenciosamente bebia sua taça de flûte e prestava atenção à narrativa do companheiro. - O que ninguém sabia, além do próprio Zero e seu círculo mais íntimo de amigos, era que existia uma Ekoplex REAL, um planeta artificial oco, construído em patamares concêntricos como as camadas de uma cebola, que ficava numa espécie de universo-bolha gigante chamado Skyler, noutra dimensão espaço-tempo. Gasha, isto é, Capella IV, no Universo de Dnyan, se entende o que eu digo. De qualquer maneira, a Ekoplex virtual criada por Zero não passava dum "reflexo", uma representação no ciberespaço da Ekoplex real e sólida, dentro de um Multiverso Nível 2 ou 4, e que é a terra natal da verdadeira Horo, a que serviu como um modelo oculto ou arquétipo pra "Sábia Loba", de Spice and Wolf. Foi pra ela que o Zero criou aquele lugar virtual, pra que ambos pudessem se encontrar e interagir um com o outro por intermédio de seus respectivos avatares. Já que ele não podia ir ao mundo dela e não queria, em contrapartida, que ela fosse até a Terra. Por causa dos extras corporais de Horo, a cauda, as orelhas lupídeas e tudo o mais. Ela seria exposta como aberração. Seria caçada como um bicho, enjaulada e vivisseccionada... Tudo por causa do maldito chauvinismo humano daquela época. Sem falar que o Zero se roía de ciúmes até mesmo do ciberavatar que a representava no cibermundo virtual. Ela aparecia envolta da cabeça aos tornozelos por uma capa longa, segundo ele mesmo me contou. Imagine só! Ela, a anônima "deusa de Ekoplex", bela e misteriosa, venerada e admirada por nove bilhões de macacoides humanos ao redor do globo terrestre, que sequer suspeitavam da sua verdadeira natureza. Ah! Ele também me disse, dando risada, que tinha gente que pensava que ela era apenas um programa do sistema computacional RV, um tipo de construto virtual, uma criação do próprio Zero. Linda demais, inteligente demais, sábia demais e altiva demais... Perfeita demais. Humpf! Aquele Zero é um danado dum sortudo, isso sim!

Uma certa inveja mal contida vibrou nas últimas palavras de Dharz. Lewz não pôde deixar de notá-lo. De igual modo, não deixou de notar o brilho entusiástico - quase pueril - nos olhos do amigo, sempre que este falava da misteriosa mulher-loba que se revelava mais do que uma personagem de um livro antigo. Um ser transcósmico, extraterrestre, extradimensional.

— Karl, você chegou a encontrar o avatar dessa "pessoa-RV" no mundo virtual? Essa... Horo? - ele indagou, cautelosamente. Sorveu o último trago de fitohydra e logo a seguir pediu uma nova dose da moderna bebida verde clorofilada e energizada, por meio de uma série de comandos gestuais padrões (que distorciam um campo eletromagnético sutil atravessando permanentemente o salão do bar e eram interpretados como ordens pelos servobôs diagravíticos).

— Negativo, Alxxyn - Dharz meneou a cabeça. Esvaziou sua taça e colocou-a sobre o carrinho robotizado diagravítico que parara perto deles, esperando. - Eu não cheguei a me conectar ao sistema de Ekoplex. Talvez nem fosse mais possível. Aquele mundo, aquela Terra, tinha acabado de passar por uma guerra apocalíptica, e parece que a verdadeira Ekoplex do Universo Skyler, onde vivia a verdadeira Horo, também tinha sido devastada por uma catástrofe qualquer. Pelo menos foi o que entendi das palavras do David. Mas em compensação eu vi o grande quadro com a pintura da garota-loba alada, num dos salões da mansão. Quer ouvir sobre ela?

— Por favor.

— Foi um pouco depois da minha chegada àquela dimensão paralela, naquele passado alternativo. Ao ver aquele quadro, fiquei sem palavras. Fiquei estupefato, maravilhado. Um quadro enorme emoldurado a ouro, que ocupava toda a parede do fundo do salão. E que retratava uma mulher muito jovem e esguia, em tamanho natural - não era muito alta, devia ter aproximadamente 1,60m - , seminua, parcialmente vestida com um pano branco esvoaçante, do ombro ao joelho, mas deixando à mostra os seios! Era uma mulher linda que pelos padrões humanos devia ter uns quinze anos de idade, com uma pele alvíssima e uma cabeleira castanho-avermelhada longa e vistosa que parecia voar ao vento, que nem um manto fino, sedoso e brilhante, cujo tom mais se assemelhava ao do pelo de um setter irlandês. A forma do rosto, oval, os olhos oblíquos amendoados, faziam lembrar algo entre Audrey Hepburn e Keira Knightley, ou, melhor, Natalie Portman. Mas o que me chocou foi os extras corporais... Meu Deus, não sei o que me deixou mais embasbacado, se foram os cinco pares de asas de penas brancas estendidas nas costas dela ou as orelhas de loba com o pelo castanho-avermelhado tendo as pontas brancas, no topo da cabeça, mais a cauda felpuda e volumosa, também de loba, da mesma tonalidade castanho-avermelhada das orelhas e dos cabelos, com um acabamento em branco na ponta. Um anjo feminino de dez asas com a cauda e as orelhas de um lupino, em pleno voo, contra um fundo de céu rosa-avermelhado, como se fosse o nascer ou o por do sol! E que realismo digno de um Corot, de um Coubert, de um Manet! Mais que uma pintura, aquela cena era como que um flash da realidade, como se o artista, quiçá o próprio Zero, tivesse retratado uma modelo viva. E que modelo, ó Deus Universal!

— Você ficou chocado? - indagou surpreso Lewz, já pegando sua segunda taça de fitohydra com o servobô. - Depois de todas as formas de vida alienígenas com que já topamos pela Galáxia afora, cada uma mais esdrúxula que a outra? Inumanos, heteromorfos, transmorfos, amorfos? E pra não falar dos undermanos engendrados por quimeromogênese, híbridos genéticos de DNA humano e animal...

— Acho que não me fiz entender - retrucou Dharz, também servindo-se de uma nova dose. - Não foi o aspecto de híbrido quimérico em si da garota da pintura que me chocou. Você entenderia do que estou falando se tivesse lido sobre a Horo de Spice and Wolf, tanto no romance quanto no mangá, e assistido ao anime baseado neles.

Lewz sorriu condescendente. - Mangás e animes nunca foram a minha praia. Ainda se fossem as HQs inglesas da 2000 A.D., como as do Juiz Dredd...

— E então, de repente - tantos séculos e uma vida depois - , dar de cara com um quadro como aquele, por Deus! Fiquei perdidamente hipnotizado pela garota do quadro, bobo, atônito, apenas admirando-a, devorando com os olhos a sua beleza transcendental, transterrena... Se descartássemos as asas, teríamos a representação mais realista possível da Horo de Spice and Wolf na forma humanoide, caso ela fosse uma pessoa de carne e osso ao invés de uma personagem desenhada de anime/mangá/light-novel.

— E nós dois sabemos que lá no fundo você é apaixonado por essa mulher-loba, com ou sem asas, hein? No entanto, de acordo de você, ela já tinha "dono". Se foi ele, Zero, o autor da pintura, então é lógico pressupor que ele tenha recebido a imagem da garota-loba alada através da mesma conexão telepática, interdimensional, que lhe deu os conhecimentos necessários pra alavancar o avanço da tecnologia de A16 pra A18-, né? Qual foi a reação dele à sua reação diante do quadro, Karl?

Dharz deu uma risadinha forçada. - A primeira coisa que ele fez quando me viu admirando o retrato pintado da "menina-quimera" foi me perguntar se eu a achava linda. Não foi a primeira vez que fez a pergunta a alguém. Virei-me pra ele e respondi assim: "Linda? Lindíssima é a palavra certa. E digo mais, excetuando-se as asas essa jovem do quadro é a perfeita corporificação da Sábia Loba Horo, da série de light-novel, mangá e anime Spice and Wolf, se ela fosse uma pessoa real. Foi inspirada ou baseada na foto de alguma cosplayer antiga? Aí foi a vez dele ficar pasmo. Perguntou com um misto de surpresa e alegria se eu já tinha lido "aquele livro", referindo-se à série de romance original de Isuna Hasekura que deu origem às séries de anime e de mangá, e eu respondi que sim. Lido e assistido tudo que pude encontrar a respeito da Horo de Spice and Wolf, até algumas fanfics, antes de ser cronodificado pelos canopianos. Por quê? Foi atração à primeira vista pela Sábia Loba de Yoitsu, mas aprendi a amá-la mais a cada capítulo ou episódio, apesar de saber que ela não existia senão na imaginação de um escritor. Era tudo que ele, David, precisava ouvir. Ele encontrou em mim uma alma irmã, algo mais raro que um asteroide cheio de diamantes entre os anéis de Saturno. Confessou-se um apaixonado pela "Kenrou Horo de La Yoitsu" desde a idade de dezesseis anos por ter lido sobre ela nos livros e mangás, além de tê-la visto na versão anime. Creio que foi a partir daí que a nossa amizade começou pra valer, e tudo por causa do nosso amor em comum por uma personagem de uma série antiga de light-novel e anime. Porque só nós dois nos lembrávamos dela. Mas então ele sorriu de um jeito que sugeria saber de algo que eu não sabia e perguntou: "O que diria se eu te dissesse que a nossa querida Horo é uma pessoa real, com todos os extras corporais, e ainda por cima é minha esposa?"

— Meu caro Dharz, eu daria uma boa quantia de créditos ou mids pra ter visto a sua cara nessa hora - disse Lewz, sacudindo-se de tanto rir. - Provavelmente a cara de um nautarca do planeta Argus quando uma escrava-clone diz a ele que, se quiser, vá dormir com a própria mulher.

— É, provavelmente qualquer coisa assim - disse Dharz meio constrangido. - Mas o David me convidou pra tomar chá e me contou sua história de vida, sua fixação em encontrar aquela garota-loba alada do quadro, que outra coisa não era senão uma representação in natura da Horo, da mesmíssima Horo que inspirou o autor de Spice and Wolf. E que o David chamava de sua amada esposa. Por inacreditável que pudesse parecer, ele me garantiu que a Horo original, real, tinha de fato asas, ainda mais cinco pares de asas em suas costas! Asas holográficas, feitas de "luz solidificada", podendo ser desmaterializadas e rematerializadas à vontade. Quando questionei a razão pela qual a Horo fictícia de Spice and Wolf não as tinha, ele explicou que isso se devia às limitações e imperfeições do canal receptor humano no plano terráqueo - no caso, Hasekura - , com o qual aquele canal emissor extradimensional - no caso, Horo - tinha estado em contato intermitente. Ou, em outras palavras, Isuna Hasekura, sendo japonês, "captou" apenas os extras de loba que a Horo tinha por estar condicionado a uma cultura oriental cheia de kitsunes e outras espécies de youkais e congêneres. Já pro David Zero foi bem mais fácil, por ser latino-americano e brasileiro, ele cresceu numa cultura ocidental judaico-cristã que tinha representações de anjos, querubins e serafins, e, até, de mulheres aladas. E você tem razão, foi o próprio David quem pintou o quadro, tendo recebido a imagem da Horo alada através da máquina de sonhos virtual que ela, Horo, construiu pra se conectar permanentemente com a mente do seu "querido David" enquanto seus corpos físicos dormiam, criando uma conexão telepática e sensorial, vencendo o abismo das dimensões do Multiverso em tempo zero!

Dharz calou-se para recuperar o fôlego. Numa mesa recuada estavam sentados dois antellurianos-nietzschianos de feições negroides: um rapazola sadio e robusto de uns catorze anos terranos, pele tingida de roxo e cabelos encarapinhados tingidos de prata polar, altivamente esmerilhava e polia as biolâminas em seu antebraço esquerdo; e um homem mais velho - seria seu pai? - de porte atlético, pele negra cor de ébano e cabelos crespos curtos tingidos de vermelho-rubi, curtia múltiplas imagens tridimensionais de paisagens planetárias projetadas por um pequeno holocubo encaixado no tampo da mesa. A certa altura o nietzschiano mais velho ampliou (por interface vocal) a holoimagem de uma parte de um típico jângal andoriano para um tamanho natural, levantou-se e adentrou a holoprojeção para observar melhor alguns detalhes na luxuriante vegetação azul.

Lewz, cujas atenções se voltavam naquele momento para uma exuberante jovem pavonesa na faixa dos dezenove-vinte anos terranos, sentada numa mesa próxima - uma beldade feminina produzida unicamente pelo somatório de genes de várias mães em laboratório, exibindo a tez levemente bronzeada e os cabelos cascateantes tingidos de azul ultramarino até a altura dos ombros, e daí para baixo de um branco leitoso dégradé amarelo-ocre nas pontas batendo na cintura - , que se conectava por meio de um visor de holobanda ao privado mundo virtual 3-D, tranquilamente tomou um gole de fitohydra e, virando-se para o amigo, abordou um ponto que considerava de importância capital.

— Se bem me lembro, você há pouco mencionou que, na virtual Ekoplex que o Zero criou usando o sistema computacional da Terra dele pra emular a verdadeira Ekoplex onde mora essa Horo, ela e ele tinham a oportunidade de se encontrar e interagir mediante algum tipo de neuro-intercomunicação entre ambos. Cara, você faz alguma ideia do montante total de energia e ultratecnologia sem precedentes que seria necessário pra se criar ciberespacialmente uma "mega-super-hiperconexão" estável entre redes computacionais em universos ou multiversos paralelos, bilhões de vezes acima da velocidade da luz? Separados por sabe-se lá quantos trilhões de parsecs? Nada menos que toda a força de um universo, o que, por seu turno, exigiria um patamar mínimo de A23 na Escala Palmer-Yoshida, senão de A24... ou se preferir a Escala Kardashev, uma civilização do Tipo V ou até do Tipo VI!

Dharz assentiu sério. - E o P-Y da Federação não vai além de A19. De mais a mais, você também se lembra que eu fiz uma analogia entre o mundo oco de Gasha, no sistema de Capella, o universo-bolha de Dnyan e Ekoplex, outro mundo igualmente oco e em patamares concêntricos, no igualmente artificial e construído Universo Skyler, né?

— Sim, e já percebi o que quer dizer, Karl. Do mesmo modo que Gasha e o Universo extradimensional de Dnyan, assim também esse mundo artificial Ekoplex e todo o Universo Skyler seriam criações dos Astroengenheiros. Certo, doktoron?

— Certíssimo, komandanton. Foi a conclusão a que o David e eu chegamos. Aliás, quando eu questionei sobre o porquê de aquela Horo ter dez asas, se tinha a ver com as dez sephiroth que formam a Árvore da Vida, Etz Chaim, do Sistema Cabalístico, ele sorriu meio sem jeito e respondeu que isso eu teria de perguntar pro "criador, construtor, formador e fundador do Universo Skyler". Que não era ele, obviamente.

— Naturalmente, a tecnologia necessária não só pra se abrir um universo-bolha como pra transplantar pro dito cujo uma realidade qualquer, pré-estabelecida - a exemplo do que fizeram os Céticos com o "Império Estelar Romano" em Dnyan - , é, como diria o saudoso Arthur C. Clarke, indistinguível da magia. Imagine o cacife necessário pra se construir todo um Universo! Com certeza os tais legendários Astroengenheiros dispunham de taquiotrônica do campo de Higgs e mil outras invenções de cair o queixo.

— E com certeza legaram a sua ciência e tecnologia às raças que constituem a população de Ekoplex, o povo da Horo incluso. Só assim se explica que ela tenha sido capaz de criar uma neuro-intercomunicação zilhões de vezes mais veloz que a luz com David Zero, uma interface neurogênica ultraluz de universo pra universo, e aparecer como um avatar no ciberespaço, a "deusa" do sistema Ekoplex que o David criou. Aliás, se formos dar crédito às declarações dele, então a verdadeira Horo é alguém bem poderosa no Universo Skyler, ela foi o braço direito do Construtor de Ekoplex e é uma das principais rainhas daquele mundo.

— E o seu amigo David teve a sorte de cair nas boas graças dela. É como dizem, por trás de um grande homem existe uma grande mulher, ainda que nesse caso seja uma mulher-loba de um universo alienígena.

— Uma mulher-loba de mais de seiscentos anos de idade, aparentando quinze. Mas e nós, Alxxyn? Não acha que somos grandes homens mesmo sem alguma mulher?

— Meu caro Karl, eu e você somos a proverbial exceção que confirma a regra. Olha o exemplo do nosso amigo Marcel Laukenickas, que passou de cosmoarqueólogo a herói galáctico, e afinal a presidente do Conselho da Federação, em apenas dois stanrevs. E tudo por causa da Ushas dele.

Era verdade. Dois stanrevs atrás, Marcel Izak Laukenickas, um humano nativo do planeta Gaia, no sistema Alpha Centauri, ao explorar as vastas dimensões oníricas de espaços n-dimensionais por meio de projeção consciente e sonhos lúcidos, descobriu a existência de Ushas, a linda Ushas, filha de Dyaus e Prithivî, "deuses" Prajâpatis do planeta Nekkar, no universo-bolha de Dnyan, e apaixonou-se por ela. Uma semideusa virtualmente imortal, eternamente jovem, de quinze mil anos terranos com a aparência de uma moça humana de dezesseis anos! E nessa mesma época lhe chegara às mãos uma valiosa "pedra falante", uma psicopetrificação do planeta O'Ryan que, decifrada, desvelara-se um código de ativação para abrir os portais multiversais do planeta Umbria (colonizado pelos sienatos ahranitas, que descendiam dos Romanos Estelares) e adentrar o Universo de Dnyan, a origem do extinto Império Estelar Romano e de seus inimigos, os Prajâpatis. Por seu papel de especialista em cultura ahranita e povos do ramo Berassi, o Dr. Laukenickas lograra garantir sua vaga na Missão Janus II rumo a Dnyan, via Portal dos Ombros de Fortuna, em Umbria. O seleto grupo de exploradores científicos e militares - que incluía o Major Ralph Tuor, a Comandante Saril e as Drªs Mathilde Rastignac e Rachael Rhaman - atravessara a pé a passagem dimensional entre o nosso Universo e o de Dnyan, indo sair em Herbst, um planeta euromedieval mergulhado na magia e no misticismo e que ficava na periferia estelar relativamente intacta do universo-bolha fechado e despedaçado. "O Evento" era o nome dado ao cataclísmico desarranjo da realidade que há mais de quatrocentos séculos de tempo terrano se abatera sobre os planetas de Dnyan como consequência da ambição dos meta-humanos Prajâpatis e seus temíveis poderes de manipulação da matéria/energia e da Constante Universal. (De um espaço "esférico" que originalmente media 153,37 parsecs - quinhentos anos-luz - de diâmetro, a bolha-universo reduzira-se a um toroide circular com um quinto desse tamanho, tendo perdido toda aparência de coerência.)

A equipe da Missão Janus II adentrou Herbst e acabou sendo capturada por um dos prepostos dos Prajâpatis, o Mago Negro Mithrion, despertado de sua estase milenar. Levados para o planeta "védico" Nekkar, Laukenickas e seus companheiros foram submetidos às mais excruciantes torturas físicas e mentais, e por fim deram aos Prajâpatis o vislumbre de uma rota do universo-bolha de Dnyan, através de informações codificadas a nível submolecular na "pedra falante" oryniana ou Apin shu-ut kishshatu. Porém, como um raio de luz dourada em meio às mais densas trevas, Laukenickas tinha afinal encontrado frente a frente, em carne e osso, aquela que ele amava desde a primeira vez que a viu na dimensão extrafísica em sua forma astral: a bela Ushas, adorada por bilhões de nekkarianos como deusa da aurora e do amanhecer. Suave e macia, a mesma tez rosada, corpo físico escultural, o mesmo rosto oval de uma beleza admirável, os cabelos cor de mel esparramando-se sobre os ombros graciosos, os olhos amendoados enormes, azuis, que pareciam safiras imperiais, as orelhas com lóbulos alongados, o nariz reto, a boca de lábios cheios, carnudos e sensuais, cor de coral, o sorriso de dentes perfeitos, perolados. Ela, também, reconhecera imediatamente aquele pobre mortal que viera do "Grande Universo" e que ora se achava prisioneiro de seus irmãos Prajâpatis como sendo o "estranho conhecido" que lhe aparecera no mundo dos sonhos situado além do tempo e do espaço. Ambos sentiram - sabiam por afinidade vibracional e consciencial - que tinham finalmente encontrado a sua alma gêmea.

Uma "deusa" e um humano! Dharz apertou os lábios em um sorriso forçado. Por amor de Laukenickas, Ushas tomara a decisão mais difícil de sua vida eterna: trair sua própria raça. E por amor a ele - a quem chamava de sua "Chama Gêmea" - Ushas juntara forças com os federais para sacudir o jugo Prajâpati. Sem a sua ajuda não teriam logrado escapar do inimigo meta-humano, nem formar uma aliança com os Oxarcanos, "mestres da decomposição", seguidores do thaituruan, o Caminho Perfeito, visando penetrar na annoia que oculta o núcleo ucrônico do universo-bolha de Dnyan. E quando os Prajâpatis e suas tropas kharis invadiram nosso Universo graças ao Apin, a ex-deusa lutara bravamente ao lado de Laukenickas e dos federais contra a opressão nekkariana. Ushas, uma partisan galáctica! Ushas, a "boa alma da Federação Estelar"! Ushas, a quase-imortal e belíssima esposa do Presidente Laukenickas!

Tudo isso passou pela mente de Dharz num instante fugaz como um sinal de laser direcional, do tipo que ainda se usava nas telecomunicações de rádio e videorama do planeta Cabothan, no Sistema Alkes. É, pensou, até que as histórias e trajetórias de vida tanto de Marcel Laukenickas quanto de David Zero tinham muito em comum. Tanto um quanto outro eram meros mortais, membros da raça humana, mas gênios em suas respectivas áreas; e quis o destino, ou a Providência Divina - Hashgachah Pratit em hebraico, o idioma sagrado e primordial da criação dos universos - , que suas respectivas almas gêmeas ou "chamas gêmeas" - e não apenas "almas companheiras" - não fossem meras mulheres humanas, mas super-humanas, alienígenas, de outros universos ou dimensões. Tanto Ushas quanto a Kenrou Horo eram exoticamente lindas, lindíssimas, inteligentíssimas muito além de qualquer medição de Q.I., capazes de viver eternamente sem envelhecer por estarem conectadas aos circuitos vitais radiônicos de seus respectivos universos - e amavam seus respectivos pares humanos vidas-curtas com uma dedicação invejável. No fundo, ele, Dharz, queria o que eles, Laukenickas e Zero, tinham.

Será que a sua fixação em fêmeas humanoides extra-humanas, super-humanas, belas, perfeitas e inacessíveis, não passava de uma simples muleta psicológica que a sua mente criara para justificar e compensar o seu fracasso em conquistar as fêmeas da sua própria espécie, as mulheres humanas ao seu derredor?

Seria essa a razão pela qual criara uma sucedânea ciber-holográfica à imagem da Horo de Spice and Wolf, mas com o rosto e o corpo da garota-loba alada que vira no quadro de Zero, uma Horo virtual que só existia dentro de um programa de computador rodando no holodeque, uma simulação armazenada na memória molecular do mesmo? Tal como, irônica e erroneamente, quase todos na linha temporal de Zero acreditavam que o criador do sistema computacional Ekoplex havia feito?

Alxxyn Lewz tomou mais um gole de fitohydra espumante e só então percebeu que esvaziara sua taça. Voltou a encarar o amigo calado, que embora compartilhando o ambiente com ele, parecia imerso em outro plano existencial. Conhecia Karl Dharz o suficiente para adivinhar os pensamentos e reflexões mortificantes que lhe ocupavam a mente. E o resultado dessas meditações, ele bem o sabia, não haveria de deixar Dharz lá muito satisfeito, mas beirando a autocomiseração. De sua parte, Lewz era um sujeito pragmático e racional, para quem as regras do jogo do amor deveriam ser adaptadas aos ditames da inteligência e do bom senso (mesmo porque ele também já tivera sua dose de decepções e frustrações amorosas pela vida - tanto nessa quanto na seriéxis anterior). Um homem - um humano — como Lewz pensaria duas vezes antes de querer alguma coisa com uma extra-humana, uma alienígena humanoide, por mais atraente que ela fosse, devido ao persistente preconceito contra os humanos por parte de numerosos extra-humanos, ou não-humanos (os quais consideravam os humanos terráqueos e solarianos como sendo inferiores biologicamente/geneticamente, quando não intelectualmente).

Olhou de soslaio para a jovem pavonesa imersante (imersa no mundo virtual) com o cabelo tricolor e a holobanda cobrindo-lhe os olhos. Os ancestrais dela, Lewz o sabia, tinham sido clones de astronautas russos que em 18 d.V. foram resgatados por uma nave camuflada dos Plêions orbitando no Cinturão de Kuiper e "transplantados" para o desabitado sistema Delta Pavonis, a meros 8,5 parsecs de Sol; e, apadrinhados pelos Plêions, que lhes outorgaram uma avançada tecnologia junto com a opção pela reprodução clônica (o que permitiu uma rápida ocupação de seu novo lar planetário), os pavoneses iniciaram no século II d.V. o padrão de reprodução assexuada pelo qual, por meio da engenharia genética, homens e mulheres já nasciam estéreis, reproduzindo-se através de clonagem ou do somatório de genes maternos e paternos em laboratório. Um só indivíduo podia ter diversos "polipais" e "polimães", simultaneamente, ou ser gerado pela soma de genes de dois ou mais indivíduos de um único sexo. Aquela moça, Lewz ponderou, devia ser uma fêmea 100% pura, sem DNA masculino, superdotada física e talvez intelectualmente. "Olhe, mas não toque", pensou mordaz. "Somos mundos à parte." (Adeptos do sexo tântrico, geneticamente engendrados para alcançar o Nirvana mediante o ato sexual prolongado, os pavoneses se julgavam "uma raça mais limpa e melhor" do que seus primos terranos da raça Homo sapiens, "sexualmente inferiores"; e os astrobiólogos da F.E.U. já falavam do Homo pavonensis como uma espécie separada do Homo sapiens - não eram intercruzáveis.)

As pavonesas que serviam a bordo das naves da F.E.U. faziam preliminarmente voto de celibato e raspavam suas cabeças, sendo consideradas indivíduos assexuados durante o turno de serviço (cortar os cabelos significava rejeitar a própria feminilidade). Por conseguinte, aquela moça de Pava ostentando sua longa cabeleira tricolor não era membro da tripulação da Majorum, nem da Frota Estelar. E assim mesmo, ela era tão alienígena quanto uma pseudofêmea shens ou zhens andoriana.

"Melhor ir à forra com as prostitutas androides e SimAlfas ginoides em Horizon e Aldebaran II, ou as holossuítes e ciberclubes virtuais em Gardner e no Anel Orbital de Terra", Lewz ponderou cinicamente. Sexo virtual e mulheres sintéticas para todos os gostos e bolsos. O que mais um homem solitário e/ou mal-amado poderia querer?

— Bom, voltando à vaca fria - disse ele animadamente para Dharz - , seria muito interessante saber de que maneira o amigo ajudou o supergênio David Zero a abocanhar o controle do avançadíssimo arsenal supertecnológico dos Astroengenheiros. Não tem nada a ver, mas acaba de me vir à mente o projeto do "Sino" nazista, "Die Glocke": um veículo redondocônico interdimensional com gerador de campo antigravitacional, que um punhadinho de cientistas do III Reich sob o comando do General SS Hans Kammler tentou construir, fazendo engenharia reversa tanto de uma temponave da Guarda Ozariana do século XXXVII que fez um pouso de emergência na Floresta Negra, em 1936, quanto dos destroços recolhidos de uma esfera Borg que caiu em Gdynia, 1937.

— É, não tem nada a ver mesmo - replicou tranquilamente Dharz, com seriedade. - Aliás, falando do "Die Glocke", cê tava lá e viu tudo, né?

Lewz assentiu. - Ao vivo e em cores. Eu e os outros abduzidos de nosso grupo usados como bucha de canhão pelo Shalmu Ares e seu Sintetizador de Deformação Temporal, naquelas missões sem pé nem cabeça em realidades alternativas futuras e passadas. Vimos os ozarianos altões de pele cinza, crânio ovoide com rosto caveiroso e olhos vermelhos fardados de SS, trabalhando com os nazis, vimos a temponave deles e todo o resto... Detonamos tudo com uma bomba de singularidade. Mas vamos voltar ao que interessa, ou seja, você, o David Zero e os Astroengenheiros, hum?

Foi quando um miado alto - um "mrrroooow" plangente vindo do chão - chamou a atenção dos dois solarianos. Lewz e Dharz olharam na direção do som e lá estava ele. Um gato!

— Ora, ora, mas o que temos aqui? - Lewz levantou-se da poltrona anatômica articulada ao mesmo tempo que Dharz e se adiantou para pegar nos braços o gracioso animal. Era um pequeno gato de pelos brancos, longos e sedosos, e grandes e vivazes olhos azuis, presumivelmente de raça angorá-turca, que aparentava ter uns quatro ou cinco meses de idade do tempo terrano. Mas a característica mais surpreendente do jovem felino era o rabo peludo cortado pela metade, o que trazia à mente dos dois terranos a lembrança do bárbaro costume antigo (da era pré-espacial) conhecido por "caudectomia canina". Seria produto de genengenharia, simile modo aos cães e gatos fluorescentes, cujos pelos brilhavam no escuro? E quem seria seu tutor?

Dharz acariciou o gatinho branco nos braços de Lewz. - Ei, posso ficar com ele? Pelo menos por enquanto, até o responsável aparecer...

Lewz assentiu e entregou o bichano ao amigo. - Ele é todinho seu, tome. Afinal, sabemos que você ama gatos e cachorros mais do que qualquer outra coisa na Galáxia.

Dharz sentou-se na poltrona (que adaptou-se automaticamente aos contornos do seu corpo) e colocou o gato em seu colo. Em um instante temas como David Zero, Astroengenheiros ou Horo pareciam relegados ao esquecimento. Tudo o que importava era a coisinha branca peluda, aparentemente saudável, feliz, quase esparramando-se no regaço dele. (Estranhamente, porém, nem Dharz nem Lewz deram-se ao trabalho de verificar o sexo do gatinho, se macho ou fêmea!)

— Que gracinha, até parece a Ninfa - disse Dharz.

— Quem? - perguntou Lewz.

— A gata branca de um dos amigos do Zero. Só que ela não tinha o rabo cortado.

Já sentado em sua própria poltrona (que voltou a adaptar-se ergonomicamente às curvas do seu corpo), Lewz pigarreou e disse: - Mas voltando à vaca fria de novo... - deu uma gargalhadinha silenciosa - , como foi que você ajudou o Zero a pôr as mãos no acervo ultratech dos construtores de Universos, a ponto dele lhe fazer presente desse mesmo acervo?

Dharz soltou uma risada curta e seca. - Eu... Por mais inacreditável que pareça, eu o mandei direto pros braços da Horo, em Ekoplex.

— "Peraí", Karl, estamos falando de abrir um buraco de minhoca de Schwarzschild, interuniversos, e mantê-lo suficientemente estável pra permitir que uma pessoa viaje de um lado pra outro, pelo tubo de fluxo conectando as duas D-branas! - objetou Lewz, mais preocupado com os detalhes técnicos e científicos da aventura temporal de Dharz na realidade alternativa de Zero do que com frustrações, recalques sentimentais e emocionais do companheiro. - Pra gerar tanta energia e manter aberto um buraco de minhoca lorentziano e transitável, você sabe, a Unidade Sorbo precisa extrair e coletar o hidrogênio molecular por tração anti-G da superfície de estrelas jovens, particularmente gigantes azuis das classes espectrais O e B. Qual a fonte de energia disponível na LTA do Zero que dobrasse o espaço o suficiente pra conectar dois Universos numa ponte de Einstein-Rosen? Um reator de força-chroma? Um gerador de matéria exótica?

Dharz esboçou um sorriso cansado enquanto sua mão morena acariciava o pelo branco do gato em seu colo.

— Não, que me recorde lá não havia sequer um reator de antimatéria... Em compensação, ele tinha o Rubik... Tipo uma mistura de "cubo mágico" com tesserato ou hipercubo. Eu o vi na mesma sala do retrato da Horo alada. Era composto de diamantes policromáticos: brancos, verdes, vermelhos, azuis, amarelos e negros. Ele também me mostrou outro, azul, formado por vinte e sete cubos menores que o Zero chamava de "cubosferas", e ele dizia que dentro de cada cubosfera havia uma coisa chamada "esfera skyler", a matéria-prima que forma o Universo Skyler. Um poder tremendo, uma energia poderosíssima, capaz de criar mundos inteiros ou destruí-los, dá pra imaginar? Faz até o reator quântico, que extrai energia do próprio "vácuo espacial", parecer uma fogueirinha de escoteiro! E tudo concentrado num cubo que cabe numa mão! - Exibiu a mão aberta para cima, os dedos crispados, como se segurasse um objeto. - E todo esse poder na mão de um mero humano com complexo messiânico de uma Terra paralela, num século XXI alternativo, que queria ir embora porque amava uma semideusa-loba de um outro Multiverso e odiava sua realidade! Se quiser, pense em David Zero como sendo Perry Rhodan, Tony Stark e o Capitão Nemo fundidos num só homem, com muito de John Carter pelo meio - e a "Kenrou Horo de La Yoitsu" como sua amada Dejah Thoris.

— Como foi que ele adquiriu esses cubos... esses Rubiks?

— Isso eu não sei... mas faço uma ideia. O próprio Zero me contou que um cara de Ekoplex, um tal de Kuro, um bandidão de lá, usou um Rubik pra ir até o planeta Terra - aquela Terra, naquela linha temporal - , e chegou a dar a entender que isso já pode ter acontecido antes... Quem sabe? Talvez as visitas de seres de Ekoplex à Terra - não só aquela, mas várias Terras paralelas, inclusive a nossa - deram origem às crenças religiosas antigas e medievais em semideuses parte humanos, parte animais, anjos com asas de pássaros e todo esse tipo de coisas. O que é líquido e certo é que eles sabem como empregar o Rubik pra se transladar fisicamente do mundo deles aos outros multiversos e regressar. O David sabia disso. Os olimpianos e neoasgardianos que foram adorados como deuses pelos antigos gregos e nórdicos não tinham lá seus "portões estelares", seus stargates pra transitarem entre seus respectivos planetas e a nossa Terra em tempo zero?

— E no entanto, apesar de toda sua inteligência e da ciência superior que sua amada garota-loba lhe deu, o Zero não tinha sido capaz de usar o Rubik pra abrir uma ponte de Einstein-Rosen pra chegar até Ekoplex... E então, providencialmente apareceu você, vindo de um futuro alternativo, de uma linha temporal paralela, e ajudou ele a resolver o enigma do hipercubo! - disse Lewz, em um tom ligeiramente sarcástico. Em sua mente surgiu a lembrança do tesserato ou cubo cósmico (uma das doze "chaves" ou "microfontes universais" espalhadas por todo o Universo) que o vulcaniano Sklar recebera das mãos de um velho e misterioso eremita místico de nome Hhassad (um avatar da superinteligência paracósmica conhecida como YU_HU_VU_HU), numa caverna de cristais do enigmático "Planeta Vermelho", na data estelar 85549.900. Esse artefato cósmico foi posteriormente roubado pelo arcturiano Anahidrzno Tsaratanana, místico galáctico e fanático buscador do Centro do Universo (o suposto ponto zero onde teria tido início a expansão do "ovo cósmico" ou "átomo primordial" na era de Planck).

— O próprio Zero viu nisso a mão Divina, a mão de Deus, o Todo-Poderoso, pra ajudá-lo a cumprir o seu destino - retrucou Dharz, com um sorriso involuntário nos lábios. O gato branco empoleirado em seu colo não ronronava (Dharz tinha consciência de que os gatos em geral ronronavam para se comunicar, acalmar e curar). - De qualquer maneira, eu e ele trabalhamos durante vários dias nessa tarefa, e olhe que não estávamos sozinhos. Por sorte, ou pela Providência Divina, eu tinha levado comigo a Lorena, lembra dela?

— Ahhh... E como não haveria de me lembrar do antológico holocompo pessoal do Dr. Hendrykszoon? - Lewz riu. Conhecia Cepheus Hendrykszoon, astroarqueólogo solariano e expert em arte oryniana, residente na Torre Asiática do Cinturão Orbital de Terra e que, junto com o Dr. Laukenickas, participara da Operação Kairos em busca do Apin, a ambicionada "pedra falante" do planeta O'Ryan, dois stanrevs atrás. E Lorena era sua fiel escudeira, secretária pessoal online, melhor amiga, conselheira, computador holográfico com memória molecular de um exabyte (ou seja, um bilhão de gigabytes!) acoplado a um radiotransmissor-receptor subespacial, holocomunicador, holotv, alarme e muito mais, tudo reduzido às dimensões de um cartão de crédito do século I d.V. (ou seja, 54mm x 86mm x 0,75mm). Lorena possuía uma interface holográfica na forma de uma bela jovem humana de catorze anos, tez bem morena, cor de canela, olhos negros e cabelos cacheados compridos de um negro azeviche até os ombros (podendo passar por cigana ou judia sefardita), e que na realidade era a imagem de uma antiga paixão da meninice de Hendrykszoon (apesar de poder trocar de aparência conforme a vontade de seu mestre).

— Pois é, e como você sabe, a Lorena não só tem uma quantidade absurda de dados e informações em seu banco de dados quântico - desde História Galáctica até Física Subespacial e receitas culinárias - , mas também pode se conectar e acessar qualquer sistema de computadores ou rede mundial telemática de nível tecnológico igual ou inferior a A19, incluindo conexão com cadeias de satélites de baixa altitude. Foi mesmo uma sorte o Hendrykszoon ter emprestado ela pra mim. - Dharz sorriu matreiramente. - A pequenininha não fica devendo nada ao Batcomputador do Batman.

— Ela interfaceou com os computadores da rede mundial telemática daquela LT...

— Isso mesmo. Diga-se de passagem, computadores quânticos muito mais rápidos e poderosos que os do século XXI desta LT ou daquela de onde fomos cronodificados, graças ao upgrade de tecnologia dado pelo conglomerado de empresas do Zero. Tecnologia ekoplexiana. Unindo forças com a ciência da Federação do século XXV - ou "século VI d.V.", como se diz nesta LT - , foi só uma questão de poucos dias pra descobrirmos como usar o Rubik Skyler que o David Zero mantinha na sala do quadro da Kenrou Horo pra criar um buraco de minhoca estável, pra ir até o mundo de Ekoplex. Tipo a Bifrost das Sagas Nórdicas. Que era a Bifrost senão uma tremenda ponte de Einstein-Rosen, um "supergate", um portal interdimensional construído há milhares de anos pelos neoasgardianos vindos do futuro - de um de muitos futuros - pra interligar nosso planeta e outros com o asteroide artificial deles, Asgard II ou Nova Asgard, estrategicamente posicionado no nexo entre as dimensões interconectadas por essa vasta malha subenergética, subespacial, de energia escura multiversal, conhecida como Yggdrasil ou "Árvore dos Mundos" ou "Eixo dos Mundos"?

— É, os "alien-descendentes" reengenheirados dos homenzinhos cinzentos e cabeçudos da galáxia de Kalador, digo, Galáxia Anã de Antlia, com certeza foram grandes viajantes intergalácticos ou interdimensionais, assim como seus ancestrais pré-Ragnarok que descobriram e povoaram o gelado planeta Asgard, uns trinta mil anos atrás, aqui na nossa galáxia - comentou Lewz, relanceando um olhar para a imensidão negra salpicada de miríades de pontinhos luminosos que a ampla janela panorâmica do bar descortinava em todo seu esplendor. - E tanto uns quanto outros, aliens pseudonórdicos bonitões e pós-tecnológicos criados por engenharia genética, ou greys assexuados de corpos atrofiados e crânios hipertrofiados usando disfarces holográficos pra se fazerem passar por gigantes loiros e ruivos, gostavam de posar de deuses perante aqueles camponeses e nômades primitivos que foram os nossos antepassados da Idade do Bronze Nórdica. Mesmo que com as melhores intenções, como proteger nosso planeta dos ETs maus daquele tempo.

— Mas não os ekoplexianos - contrapôs Dharz. - Eles tinham consciência de que não eram deuses, nem demônios, nem anjos, mesmo que ocasionalmente os seres primitivos de planetas subdesenvolvidos como o nosso os tomassem como tais. Na verdade o Zero deu a entender que eles, assim como nós, veneram o SER inconcebível, ao mesmo tempo imanente e transcendente que abarca a infinitude dos universos do Multiverso e que por falta de outro nome, nós chamamos de DEUS, EIN-SOF, o Supremo Desconhecível. Se bem que o tal do Kuro fosse um tirano megalomaníaco que dominou as Nações Unidas desde o começo do século XXI, naquela linha de tempo, pretendendo tomar o lugar de Deus, que nem o Lúcifer dos cristãos. E era de Ekoplex!

Lewz deu um riso abafado. - Lúcifer não passava dum alienígena cibernético, um cientista cylon ávido de poder. - Tanto ele quanto Dharz sabiam, por conta das descobertas dos últimos séculos nos campos da paleoastronáutica, exoarqueologia e exoantropologia, que as origens de todas as mitologias humanas podiam ser rastreadas até ultraterrestres e extraterrestres avançados, aos quais a simploricidade dos hominídeos e humanos primitivos considerou deuses, monstros, espíritos e seres sobrenaturais de todos os tipos e espécies. - O mais irônico é que o nome, ou melhor, o epíteto de lucifer, em latim, "o que traz luz", heilel ben-shachar, "estrela da manhã" em hebraico, foi usado no início do cristianismo pra se referir a ninguém menos que Jesus Cristo! Nada a ver com o capiroto e sim com a luz espiritual, chrestos, o Logos solar...

Nesse momento, o gatinho branco pulou do colo de Dharz para o chão e se afastou tranquilamente. E sumiu por entre as poltronas e mesinhas colocadas ao fundo, a maioria ocupadas por inumanos e humanoides de várias raças de toda a galáxia.

— Eu diria que ele, ou ela, já chegou ao seu limite de aceitação ao agrado - comentou Lewz para Dharz em tom de brincadeira, vendo a frustração do amigo.

Karl Dharz, porém, não se deu por vencido.

— Computador - ordenou ele à voz seca e firme - localize para mim, neste salão ou fora dele, um animal mamífero doméstico de pequeno porte, da família dos felídeos do planeta Terra, raça angorá-turca, idade inferior a seis deciclos, com pelos brancos compridos, olhos azuis e cauda parcialmente amputada.

A resposta do onipresente e onisciente sistema de computador da Majorum deixou chocados os dois solarianos.

— Não existe correntemente algum ser vivo com essa descrição física a bordo da U.F.S. Majorum — falou a impassível voz feminina artificial.

— Nunca existiu?! - Dharz inquiriu incrédulo.

— Afirmativo - retrucou o computador.

Lewz e Dharz entreolharam-se, perplexos.

— Só se foi algum manodim do plano extradimensional do Hipercontinuum Q, ou do Ultraespaço X, nos pregando uma peça - conjecturou Dharz, que sabia serem tais seres parafísicos a fonte dos contos primitivos de espíritos animais que brincavam com as pessoas. (Vez por outra, um ou outro manodim escapulia de esferas dimensionais superiores para vir se divertir um pouco com a tripulação de uma nave estelar, surgindo simplesmente do nada numa forma física qualquer e aprontando a maior confusão - e depois retornava ao seu Hipercontinuum como se nada tivesse ocorrido.)

— Ou então um holograma sólido altamente sofisticado, de nona geração, como o nosso assistente de bartender - opinou Lewz, fazendo um movimento de cabeça para indicar o humanoide esguio, de pele alaranjada, colar de barba arroxeada e basta cabeleira cor de ameixa, na realidade um "funcionário" holográfico tangível que imitava a aparência de um nativo do planeta Catulla. (Sendo um H.E., era fonoativado sempre que a loira-dourada e belíssima bartender sênior precisava se ausentar.) - Com todos esses holoprojetores em operação, um personagem holográfico pode andar livremente pela nave, tocar e ser tocado, e a gente não sabe mais quem é real e quem não é. Por exemplo, sabe a Tenente Carolline Sánchez, da cartografia estelar? Ela tem como pet um djanga-khair andoriano holográfico, um bicho cheio de garras e dentes que chega a assustar de tão realista.

Dharz riu-se, com um risinho forçado. - Falando de hologramas... Tô me lembrando da Lorena, quando estávamos trabalhando com o Zero pra desencriptar o Rubik dele. Confesso que foi meio bobo da minha parte, mas eu não pude resistir e mandei a Lorena assumir a forma da Horo, digo, da mulher-loba do retrato. Sem asas, primeiro, depois com os cinco pares de asas, como se via no quadro. Foi, sei lá, estranho mas ao mesmo tempo emocionante! E pensar que o Zero e os amigos mais íntimos dele, quando conectados ao mundo virtual do sistema de Ekoplex por meio das NPs, viram e ouviram a Horo verdadeira, falaram com ela... Humm, que inveja! Em compensação, foi, digamos, um grande estimulante... tanto pro Zero quanto pra mim... trabalhar lado a lado com a imagem holográfica da "Sábia Loba", mesmo que ela fosse só uma coleção de fótons sem substância que eu podia atravessar com a mão, ao contrário desses holos super-hiper-realistas que viraram moda nas últimas cinco décadas.

À sua frente passou um sedop trípede, multitentacular, com o corpo couraçado cor de vinho raiado de listras amarelas e dotado de três pares de sensores ópticos, que Dharz identificou mentalmente como um habitante da grande lua Manasa, satélite do gigante joviano Vasuki, do sistema de HD 10180, uma estrela anã amarela tipo G1V, a cerca de 39 parsecs de Sol. "Na Terra, há quinhentos anos, os humanos estúpidos, intolerantes e violentos matariam o alienígena ou sairiam correndo tomados pelo pânico irracional", ponderou. A mera presença de tais outrincons exóticos e nada humanoides a bordo de uma nave cheia de solarianos e neossolarianos apenas confirmava o grau de amadurecimento cosmoético alcançado pela raça humana nessa nova era estelar. Já não tendiam a temer e odiar e destruir tudo o que fosse radicalmente diferente. Dharz pensou na Horo do grande quadro que vira na mansão de Zero, com todos os seus extras corporais: orelhas e cauda lupinas, e as asas em suas costas. Em uma civilização espacial multiespécie pacífica e igualitária, como a F.E.U., os extras inumanos de Horo dificilmente chamariam a atenção.

Hmmm... — Lewz franziu a testa enquanto refletia sobre as palavras de Dharz ao falar dos singulares "cubos cósmicos" de Zero. - Será que a fonte desse "poder skyler" superfantástico dos Rubiks, capaz de causar uma deformação do continuum espaço-tempo e gerar um buraco de minhoca interuniversos, não provém de algum tipo de matéria exótica, strangelets dentro das tais "cubosferas"?

Strangelets eram fragmentos pequeníssimos de matéria estranha, ou seja, aquela formada pela combinação dos três tipos de quarks: "u", "d" e "s". Tinham a inusitada propriedade de, ao interagir com a matéria comum ou de qualquer outro tipo, absorvê-la, transformá-la igualmente em uma massa uniforme e maior de strangelets, e assim indefinidamente, engolindo tudo à sua volta até se tornar um voraz buraco negro. Bombas de strangelets, capazes de aniquilar planetas inteiros, contavam-se entre as mais terríveis armas de destruição em massa jamais criadas pelo Império Central Sorgalt, uma das Sete Grandes Potências da Via Láctea. (As únicas superarmas de destruição planetária que podiam concorrer com elas eram as bombas solares e gravitacionais, do Império Sideral do Dragão, e as bombas Nova e Supernova, de uso exclusivo da Alta Guarda da Comunidade das Três Galáxias, uma civilização do Tipo III sediada em Andrômeda.)

Dharz encolheu os ombros. - Só Deus sabe, meu amigo. Sinceramente, nem toda minha inteligência turbinada por Espavina, somada aos bilhões e bilhões de nanochips moleculares da Lorena, me bastaram pra descobrir o que fazia funcionar aqueles cubos. E acho que nem o Zero alguma vez conseguiu. E antes que me pergunte, não, nem Ekoplex nem o Universo Skyler são compostos de matéria escura... O pouco que o Zero sabia, pelo que a Horo comunicou a ele por meio das NPs que ambos usavam pra interfacear com o sistema de Ekoplex, é que a chamada "matéria skyler" que formava o universo do povo da Horo era, pra citar suas próprias palavras, "matéria em forma de luz. Luz comportando-se como matéria. Luz em forma de matéria." Tá legal, não era luz propriamente dita, mas, pra todos os efeitos, comportava-se como se fosse partículas de luz solidificada. Dá pra imaginar, um mundo inteiro feito de luz sólida e feixes de campos de força maleáveis, que a gente pode comparar a um holodeque gigante? Quanto à fonte de energia... - Sacudiu a cabeça, desalentado. - Somos uma colônia de formigas tentando entender a usina geradora contraterrena que abastece a cidade de Siderápolis, capital planetária de Terra. Pois é!

— Tamanho poder nas mãos de um único homem - ponderou Lewz. - E ainda por cima, um nascido e criado numa sociedade pré-galáctica, nível A15-, ou, no máximo, A16+. É... surrealista. Me dá calafrios só de pensar no que aqueles tiranos e tiranetes de quatrocentos anos atrás - Kramer, Khan Singh, Tatakumba - teriam feito com um ou dois Rubiks, em face da situação caótica após os "anos negros" do século XXI, digo, fim do século I e começo do II d.V., nesta linha temporal. Talvez uma "Nova Ordem Mundial Fascista", uma nova Idade das Trevas, que duraria mil anos. Ou pior, um caos apocalíptico que erradicaria a humanidade da face da Terra nesta LT. Esse David Zero deve ter sido um cara excepcional, que valeria a pena ter conhecido. Mesmo porque o surgimento de alguém exatamente como ele, do jeito que você o descreveu, em qualquer outra realidade alternativa, é tão improvável que pode ser estatisticamente descartado.

Dharz passou a mão sobre a basta cabeleira encaracolada (um hábito trazido de sua vida anterior). - Eu não sei se você se daria bem com ele. No fundo o David era um cara meio perturbado, um fanático extremado com tendências messiânicas que fez o que fez porque acreditava piamente estar sendo "usado" por Deus.

— Pra trazer a paz mundial? Corrigir as imperfeições do mundo, permitindo o advento do paraíso terrestre?

— Não, nada tão grandioso. Nas suas próprias palavras, a missão dele foi a de um "abridor de caminhos", pra proporcionar àquele "mundo detestável, mergulhado em depravação e escuridão espiritual", alguma mudança necessária pra que Deus mesmo pudesse acabar com o tal sistema de coisas da maneira "correta", ou seja, com um belo apocalipse. Armagedon! Messianicamente, caso fosse judeu - o que ele não era - , o seu papel corresponderia ao de Mashiach ben Yossef, precursor de Mashiach ben David. Um começa e o outro conclui. Falando simbolicamente, é claro. Daí que pra ele o governo do Kuro com sua ditadura global, a onda de massacres que se seguiu, era tudo um mal necessário. Depois do apocalipse, reinaria a paz duradoura na Terra. Mas, a essa altura, se Deus o permitisse, ele, Zero, estaria beeem longe, a universos de distância. Nos braços da amada.

Lewz inclinou a cabeça para a esquerda e para a direita (também um reflexo condicionado de sua vida passada no presente), e disse: - Em suma, um adepto do fundamentalismo escatológico, pra quem os fins justificavam os meios. E esse tal de Kuro, que você acaba de mencionar pela terceira vez, seria...

— Ah, o Nêmesis alienígena do Zero, nada mais, nada menos. Não o conheci pessoalmente, mas vi as holoimagens da mídia: um cara com dois metros de altura e físico de atleta, a pele de um negro retinto como carvão, nariz aquilino como o bico da águia, olhos quase pretos, hipnóticos, e nenhum fio de cabelo na cabeça braquicéfala. Parecia um avatar do Nyarlathotep de Lovecraft. Só andava vestido de preto, sempre rodeado dum bando de pássaros negros geneticamente alterados, "Nightmares". Ele era de Ekoplex, Zero disse, e era um tremendo psicopata. Astuto e implacável. Zero disse que Kuro o culpava pela destruição que houve no planeta dele, e que, por isso, tinha jurado fazê-lo pagar. Foi à Terra - via hipercubo Rubik - decidido a destruir a obra do David Zero. Se o Anticristo fosse uma pessoa literal e não uma coisa simbólica, o Kuro seria o melhor candidato à vaga. Até poderia ser o "grande Rei de Pavor" vindo do céu, citado nas centúrias de Nostradamus... com algumas décadas de atraso. De infiltrado no governo norte-americano a presidente dos Estados Unidos e por fim homem forte do ditatorial governo da O.N.U., bastaram uns poucos anos pro Kuro fazer a cabeça da opinião pública mundial e voltá-la contra o Zero, que passou a ser acusado de terrorismo e ciberterrorismo, e caçado como um "inimigo do povo", enquanto o próprio Kuro posava de "Salvador do Mundo". E sabe o que mais? No fundo eles dois eram iguais no que faziam, gênios manipuladores, obcecados por duelos psicológicos, jogando com nações inteiras e grandes grupos econômicos globais como se fossem peças num tabuleiro de xadrez. Ou exércitos tomando posição num campo de batalha em escala global. E o "fim" veio. Depois das guerras virtuais e das lutas pela posse da Cidade Vazia usando robôs, androides, andromanos, a turma do David conseguiu matar o Kuro, mas o mundo lá fora continuava mergulhado no caos político, econômico e social do apocalipse. Por quanto tempo mais, ninguém, nenhum de nós sabia dizer...

— Tá legal, e graças à sua providencial ajuda pra desencriptar o Rubik, usá-lo pra manipular uma vasta quantidade de energia escura em 11-D e abrir um portal multiversal pro Universo Skyler, o "messiânico" David Zero pôde finalmente ir ao encontro da Rainha Loba em outro Multiverso. Mas ainda falta explicar de que maneira você fez pra pular de volta pra esta linha temporal, a "Linha Temporal Base" neste Multiverso, entre outras tantas linhas temporais paralelas, e ainda por cima exatamente neste mesmo século VI da Era Espacial. Vai me dizer que as mesmas forças e inteligências que te abduziram também te trouxeram de volta, através do tempo e do espaço?

— Não, nada disso. Na realidade foi o próprio David Zero, usando de um outro artefato que ele alegava também ter vindo de Ekoplex: um pingente em forma de bola amarela, que ele chamou de "esfera skyler" - segundo ele, uma das dez, a do "Poder do Tempo" - , e que permitia ao usuário total domínio da dimensão temporal. Tecnologia dos Astroengenheiros. Como o pingente amarelo por si só não teria poder pra me enviar lateralmente no tempo de volta à minha LT e à minha época - só dá pra se mover "para trás" e "para frente" no tempo, dentro de uma mesma e única LT - , o David recorreu ao hipercubo, usado em conjunto com o pingente, pra criar uma fenda espaço-temporal, efetivamente "dobrando" o espaço-tempo de modo a dar "saltos de realidade", pular pra outras linhas temporais que não aquela de sua própria cronologia. Tudo isso, é claro, foi feito segundo cálculos extremamente precisos, com a ajuda tanto da Lorena quanto do par de andromanos que atendiam pelos nomes de Jin e I.A., e que o próprio David criou. Nesse sentido, foi imprescindível o recurso à obra de Franz Walker O Multiverso e a Hiperfísica Quântica, que sustenta que o hipercontinuum multiversal é composto de "unidades estanques", superuniversos, cada superuniverso contendo um número finito de universos, individualmente conhecíveis, apesar do fator de incerteza dimensional de Yrthis inviabilizar o pleno conhecimento da infinitude de Multiversos, que é condição sine qua non pra se ter o domínio completo da técnica pra deslocamentos multiversais.

Lewz assentiu. - É, todos temos consciência de que a Unidade Sorbo jamais poderia ter sido construída sem os postulados de Walker. Quer dizer que além de estar de posse de um Rubik que abre portais multiversais, o Sinjoro Zero também possuía livre trânsito pelo tempo, ou melhor, pelo supertempo, dentro da sua linha temporal, graças a um... pingente amarelo made in Ekoplex?

— É isso aí. Aliás, o que nós chamamos de energia escura no universo visível é na realidade "energia branca" no Universo Skyler, o "Poder do Espaço" ou "Dimensional". Então, resumindo, o Zero abriu um vórtice espaço-temporal pulando LTAs pra me transportar de volta pra esta LT e este século, antes de se mudar de armas e bagagem pra Ekoplex. De modo que, quando dei por mim, lá estava eu de pé no meio do hall de saída do elevador espacial, já às portas do Salão Celeste, no Nível Lunar do Anel Equatorial artificial que rodeia Terra, a 36.000 quilômetros de altura - e apenas vinte e cinco centiciclos depois de ter deixado o apartamento do Dr. Hendrykszoon, no Setor K da Torre da Ásia, milhares de quilômetros abaixo!

Lewz comprimiu os lábios e balançou a cabeça para cima e para baixo. - Tecnologia indistinguível de magia, Terceira Lei de Clarke. E por que você acredita que o mega-abalo no campo magnético-gravitacional provocado pelo rompimento do continuum neste sistema estelar foi resultado da entrada de algum tipo de Arca Cósmica interuniversal, que o Zero deu um jeito de enviar do Universo Skyler?

— Ele me prometeu que eu seria muito bem recompensado por tê-lo ajudado - respondeu Dharz em tom resoluto e puxando um dos cantos da boca em um meio-sorriso. - Imagine só quanto Poder Dimensional, ou Espacial, deve ter sido necessário gastar... com a esfera branca que controla esse poder... pra reunir o que chamamos de energia escura e dobrar o espaço-tempo pra trazer a Arca de Ekoplex pra cá, neste exato ponto da nossa galáxia, do nosso Grupo Local de galáxias, do nosso Universo!

— Que, por sinal, é só um dentre um bilhão de universos locais que formam o nosso Superuniverso, segundo a teoria de Walker - retrucou Lewz. - E os cálculos matemáticos absurdos...! Agora, cá pra nós, nunca te bateu uma curiosidade de saber se existia ou existiu um alter ego, um análogo seu naquela realidade paralela passada?

— Já bateu sim, mas o que faltou foi coragem - respondeu Dharz, rindo.

Nesse momento entraram no salão do bar duas belas jovens humanas vestidas com macacões metalizados que realçavam suas formas esguias e curvilíneas. Uma delas, de biotipo caucasiano, trajava macacão dourado escuro, sua pele era tingida de um tom bege cremoso e o cabelo cacheado e volumoso era cor-de-rosa fúcsia; a outra, que vestia macacão violeta, apresentava feições orientais (com olhos futae) e ostentava a pele tingida de azul-piscina e o cabelo longo, preso em trança, era tingido de verde-musgo escuro. Nenhuma parecia ter mais de vinte e seis anos terranos de idade.

— A esquadrilha estelar tá na área - Lewz comentou para Dharz.

— Hum? - fez o outro.

— Elas - Lewz indicou as duas recém-chegadas com um movimento de cabeça. - A Major Mikaela Ben-Tzion e a Capitão Rei Katsuda, codinome "Stormfury", ambas do 132º Esquadrão de Marines Espaciais da União Solar. Aparentemente não estão de serviço.

Karl Dharz olhava-as sem ver, pois seu pensamento estava imensamente distante - a Universos de distância.

"Kenrou Horo - aquela Horo em Ekoplex, no Universo Skyler - deve estar beirando os mil anos... e ainda eternamente jovem."

— Só faltava o Holding estar aqui - comentou Lewz, meio que para si mesmo, em referência ao chefe do Serviço de Segurança Solar, o português Manuel Holding. Holding, que fora o primeiro amigo de Lewz e Dharz no mundo supertecnológico do século VI d.V., não escondia seu apreço pela beleza feminina humana ou humanoide, além de ser um notório galanteador.

A Major Ben-Tzion e a Capitão Katsuda sentaram-se em uma das mesas que estavam vazias (próximas ao janelão de campo de força com vista para o espaço), sacaram imediatamente seus visores de holobanda e os colocaram num movimento sincronizado, o que as fez rir - e imergiram juntas no cibermundo virtual. (Para fazer sabe Deus o quê nos mais variados ciberambientes interativos disponíveis por meio de seus respectivos avatares, pensou Lewz, cuja imaginação maliciosa era tão ilimitada quanto o próprio ciberespaço.)

— Bom, essa foi a minha história de viajante do tempo - disse Dharz. - Nada de lutas nem feitos heroicos como naquela doideira de Guerra Fria Temporal. No entanto...

— Se era nisso que você estava pensando lá na sala de reuniões, sobre a sua odisseia na LTA do David Zero e tudo o mais - disse Lewz para Dharz, por meio da transmissão de som dirigida, quando ambos se levantaram para sair - , então é provável que o Capitão Ghowrid já saiba também, graças aos talentos telepáticos da Conselheira Lemos. Comenta-se, à boca pequena, que ela é uma telepata tão poderosa quanto sutil, que é capaz de bisbilhotar as mentes alheias sem ser flagrada por detectores de eco.

Dharz sorriu. - Foi por isso que evitei de pensar na Horo enquanto estávamos na reunião com eles. Sendo assim, nem a telepata de estimação do Ghowrid ficou sabendo da existência dela. E muito menos o próprio Ghowrid.

— Que diferença faria saber ou não a respeito daquela criatura?

Dharz não respondeu. Virando-se para a grande janela panorâmica, contemplou o vasto negrume sideral onde o sol Kepler-78, com o tamanho aparente de uma antiga moeda de um real (da época anterior à extinção física do dinheiro), fulgia como um diamante branco-amarelado, redondo e liso (o anteparo energético polarizado reduzia de forma drástica toda a radiação solar). O globo ardente de Muspelheim, com sua superfície de rochas derretidas, não era visível.

— Kepler-78 é uma estrela ligeiramente menor e mais fria do que a nossa estrela-mãe, o Sol, e por isso sua luz é mais amarelada - disse Dharz, desta vez falando sem o uso da transmissão de som dirigida. - Aliás, não deixa de ser irônico que venham chamando nosso Sol de "anã amarela" desde antes da era espacial, quando na realidade o Sol visto do espaço é branco. Mais branco que amarelo!

— Pois é, meu caro, o Sol terrano parece amarelo pela mesma razão que, pra alguém na superfície de Terra, o céu tem cor azul - Lewz retrucou suavemente (também sem empregar a transmissão de som dirigida). - A atmosfera planetária de oxigênio e nitrogênio atua como filtro, nesse caso em particular dispersando os espectros da faixa azul-violeta da luz solar, que são as ondas de comprimentos mais baixos. O que sobra, o que chega até nós é a faixa de comprimento de onda da cor amarela. Na verdade, a gente sabe que o Sol emite todas as cores, mas com o pico de intensidade entre o verde e o azul. Lá em Marte a cor do Sol se pondo é azul, lembra?

Subitamente um brilhante ponto prateado do tamanho de uma cabeça de alfinete emergiu dentre os fulgores da corona estelar e foi crescendo à medida que se aproximava vertiginosamente da nave. Em dois microciclos atingiu o tamanho do disco da estrela Kepler-78 tal qual era visto da Majorum e, como se ainda insatisfeito com a paridade, prosseguiu aumentando em ritmo acelerado até tornar-se uma esfera prateada com as dimensões de uma bola de golfe circundada por um anel luminoso. E continuou a aumentar.

— Pelas luas esculpidas de Hahod! - Lewz exclamou baixinho e virou-se para Dharz, que estava tão perplexo quanto ele. - Karl, aquilo é o que eu penso que é?

Dharz assentiu mecanicamente. - Só pode ser a "Arca do Zero". Fabricação dos Astroengenheiros, da mesma forma que os dois conjuntos de luas e os sóis gêmeos do tipo G1 que orbitam Hahod.

A princípio, houve um instante de estupefação silenciosa entre os demais presentes no bar - de humanos, neumanos e humanoides a inumanos e heteromorfos, sem esquecer dos andromanos, androides e MecOrgans - , seguido de exclamações e murmúrios de admiração e um clima geral de perplexidade. Dúzias de nanocâmeras e microcâmeras holográficas embutidas em lentes de contato digitais, optivisores e computrons de pulso se achavam apontadas para a prodigiosa esfera espacial rodeada de anéis coloridos que - vinda do sol Kepler-78 - crescia e crescia sem parar na medida em que se aproximava da poderosa nave exploradora à velocidade de impulso total, até ocupar toda a vista panorâmica do Salão Luz das Estrelas.

Um a um, os ciberusuários ainda plugados em seus mundos virtuais privados e/ou compartilhados no infinito ciberespaço desconectaram seus ciberdeques, holobandas e estimuladores sinápticos, para emergir de volta ao mundo real do bar. (Uma bela androide feminina, de estatura muito alta e esbelta, orelhas triangulares "élficas" e longos cabelos verdes ondulados - que o implante coclear de Lewz identificou como Irina, membro do Sindicato Androide e uma combativa ativista pelos direitos das inteligências artificiais - estava de pé, toda empertigada e olhando vidrada para a janela, enquanto nanocâmeras embutidas em suas retinas verdes artificiais gravavam a veloz aproximação da monstruosidade prateada.)

A visão surreal do que parecia ser uma ilimitada superfície redonda convexa de mercúrio líquido, fluídico, enchia todo o campo de visão, embora a ciclópica esfera de trinta quilômetros de diâmetro se encontrasse "parada" no espaço (isto é, em repouso em relação à Majorum e em repouso em relação ao sol Kepler-78) a quase cinquenta mil metros de distância.

— Santo Deus! - murmurou Lewz. - Quer dizer então que aquilo é uma amostra do tremendo poder que o seu amigo Zero adquiriu no tal Universo Skyler? É essa a recompensa dele pra você?

— Recompensa dele pra mim? - repetiu Dharz. - Não, não é. É simplesmente uma dádiva dele pra humanidade do futuro, da nossa linha temporal. Sabe, Alxxyn, o David ficou muito contente em saber que a Terra do século XXV - nesta LT - se tornou um paraíso hipertecnológico onde até mesmo a coloração de um pôr do sol pode ser programada em computador. Um paraíso sem guerras e sem violência. Sem dinheiro, nem pobreza e nem desigualdade social. Sem egoísmo. Sem países nem religiões pra dividir as pessoas. E nada mais daquela coisa antiga e nojenta, a intolerância a tudo que fuja do Padrão Humano Original. Enfim, pra ele nossa raça provou que compreendeu o ordenamento divino que reina no Universo vivo. Nós merecemos essa dádiva, esse presente.

— Claro que os extraterrestres e as inteligências artificiais ajudaram um bocado, trezentos e tantos stanrevs atrás.

— Lógico, mas nós não tivemos nenhum David Zero messiânico pra abrir o caminho, quatrocentos e tantos stanrevs atrás.

— Seja como for, essa espécie de Arca cósmica chegou em boa hora. As defesas da Federação ainda estão muito fragilizadas por causa do conflito com os Prajâpatis, e não são poucos os inimigos - ou "aminimigos" - de plantão, dispostos a tirar partido disso pra nos invadir. Precisamos de novas armas e tecnologias. Só Deus sabe o quanto esse presente é capaz de transformar a Federação na detentora da ciência mais avançada em toda a Via Láctea - e redesenhar o futuro, alterar o que vai ser - , desde que saibamos compreender tudo aquilo que encontrarmos no interior da Cosmoarca, decifrar seus segredos. Gostaria de ver a cara do pessoal da ponte de comando.

— E eu gostaria de ver a cara do Sklar com toda aquela empáfia vulcaniana. Será que ainda tá enfurnado no alojamento meditando?

— Se quer tanto saber, pergunte ao computador. Se bobear, o Sklar pode estar fazendo projeção astral, em forma mental, lá fora no espaço até a Cosmoarca, enquanto o corpo físico permanece a bordo, dentro do alojamento. Afinal, ele é um Iniciado do Décimo Grau de C'thia. Se até o Dr. Laukenickas e o Major Tuor aprenderam a se projetar extrafisicamente...

Era verdade. Devido às suas habilidades telepáticas naturais, desde as épocas mais remotas os vulcanianos interessavam-se pelo desenvolvimento dos poderes da mente. Na venerável Academia de Ciências de Vulcano já se estudava cientificamente a Conscienciologia e a Projeciologia há dezenas de séculos, embora coexistindo com uma corrente místico-filosófica extremamente desenvolvida - uma complementando a outra.

Foi quando um facho de luz azulada, muito clara, quase branca, inundou todo o bar panorâmico. Por três centiciclos, Lewz e Dharz observaram cada objeto inanimado e cada ser vivo sapiente - fosse ele(a) totalmente biológico, ou parcialmente mecânico e biológico, ou ainda totalmente eletromecânico - ser iluminado de forma prodigiosa, escaneado em seus mínimos detalhes pela luz branco-azulada estranha e fria, que indubitavelmente provinha do gigantesco globo prateado suspenso no espaço sideral. Mas apesar do assombro geral - ainda que fossem todos galactonautas experimentados, que tinham ido além dos confins da galáxia - , ninguém no bar parecia estar passando por quaisquer desconfortos físicos e/ou mentais.

— Karl - disse Lewz, enquanto a enigmática luz azul-branca ia se esmaecendo vagarosamente - isso foi algum tipo de sondagem?

— Isso mesmo - intrometeu-se uma voz feminina, jovem e enérgica, vinda ao fundo. Os olhares fixaram-se na jovem e linda moça de tez clara, cabelos platinados até os ombros e frios olhos cinzentos, que estava acompanhada de um rapaz de aparência idêntica (mas com os cabelos cortados curtos), como se irmão e irmã gêmeos fossem. Na realidade eram sapienciores que desde o nascimento formaram um "par monádico" (a coisa mais próxima de um casal), o que lhes conferia um elo psíquico em suas mentes e criava uma conexão telepática permanente com seus companheiros de raça e com a Supermente. (Lewz, graças a seu implante indutor psicocibernético, identificou-os como Sybil Chaffee e Harry Whateley, ambos especializados em biocampos morfogenéticos e membros da equipe de pesquisa do laboratório biofísico do Departamento de Ciências da Majorum.)

— Todos nós acabamos de ser analisados a nível celular e subcelular individualizado por uma sonda sensotelepática, paramecânica, procedente da esfera gigante alienígena - disse Sybil Chaffee em tom frio. A jovem biofísica sapiencior, como todos os seres de sua raça, possuía altas capacidades telepáticas e telecinéticas. - Escaneamento de DNA, padrões paragenéticos, padrões vibracionais, padrões cerebrais, enfim, uma completa análise holossomática e bioenergética de cada um de nós. É lógico pressupor que a sondagem alienígena não se limitou ao bar panorâmico, mas estendeu-se por toda a nave. E é lógico concluir que, seja qual for a outrincon que controla a esfera prateada gigante, a mesma está procurando por alguma coisa ou alguém com características bastante específicas a bordo desta nave.

Lewz assentiu fortemente com a cabeça. - É o que Sklar provavelmente diria - falou ele para Dharz. E então, subitamente aconteceu.

Karl Dharz desapareceu, desmaterializou-se. O ar produziu um gemido surdo ao preencher o vácuo deixado pelo seu corpo.

— Meu Deus! - gritou Lewz. Seu rosto moreno escuro, da cor de caramelo queimado, estava completamente tenso, sua respiração ofegante, seu olhar arregalado exprimia o mais puro pânico.

*********************

(Um nível energético-vibratório instável, para cuja existência não existe senão uma probabilidade objetiva mínima.)

O jovem Gestor-Observador dirigiu o foco de atenção para um determinado segmento do espaço-tempo quadridimensional que os primitivos mecanicistas da Segunda Galáxia chamam de continuum einsteiniano. (Um Gestor supradimensional vê o tempo como parte do espaço, com futuros e passados paralelos visíveis como ramais de uma ferrovia estendendo-se infinitamente para a frente e para trás.)

O fluxo de probitons aumentou na proporção inversa do potencial oscilante dos novos fluxos de Realidades Alternativas - pensenou o jovem Gestor-Observador que, entretanto, não tinha nome - nenhum Gestor tinha - , já que sua identidade era determinada por um índice vibratório da sexta dimensão. - Tudo transcorrendo conforme previsto nos Planos. Estudo do Hólon-Radiante-Central-Primário mostra predominância do Padrão linear entrelaçado Gytykh Negro e Zkwbla Vermelho, com Desvio Azul-Índigo ramificando-se exponencialmente 6,130 klrm-dhih adiante na atual linha temporal.

Suas considerações foram relatadas através de um informe de cristal-yagzt irradiado instantaneamente - ou, mais precisamente, em um intervalo de tempo compreendendo uma mera vibração de um fóton gama - pelo canal confidencial taquiotrônico para o alto escalão do Sínodo dos Gestores, os Grandes Anciões, na Primeira Galáxia. (Do ponto de vista do hiperespaço - e do hipertempo - , um universo ou galáxia não passa de um ponto infinitesimal em um Hipercontinuum de "n" dimensões.)

Mas, como bem o sabem os próprios Gestores, dentro de um Multiverso infinito, o número de realidades - e de subdivisões de realidades - também é infinito. Um ponto indistinto no mapa espaço-temporal, uma variação quântica ao acaso, pode por tudo a perder.

E especialmente se esse ponto indistinto, essa variável quântica tiver cauda e orelhas lupinas.


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Notas finais do capítulo

Grâce à Dieu, mais um "megacapítulo" extralongo vitoriosamente concluído! (Aliás, "extralongo" ou "megacapítulo" só pelos padrões do Nyah!; no FanFiction.net não são incomuns capítulos tão ou até mais extensos do que este!)
Este capítulo está quase inteiramente dedicado ao relato por Karl Dharz de sua viagem no tempo para um passado paralelo, de uma trilha temporal alternativa e seu encontro com David Zero, o herói protagonista da saga Skyler (de autoria do amigo Antix); foi esse encontro, por sinal, que possibilitou que esta história, Deusa Estelar, viesse a existir tal e qual ela se apresenta. Por conseguinte, saber o que aconteceu durante o mesmo é importante para se entender o porquê de esta história ser como é. De mais a mais, o longo colóquio entre Dharz e Alxxyn Lewz, no fundo, é uma reminiscência das conversas e trocas de ideias entre eu e Alexis (meu amigo e ex-coautor), nas quais (literariamente pelo menos), decidíamos os destinos de mundos inteiros!
Já a última parte é mais como uma olhadela nos bastidores cósmicos - um gancho para a introdução dos misteriosos e poderosos Gestores, evoluidíssimos outrincons baseados na Galáxia de Andrômeda (a "Primeira Galáxia", em sua cosmovisão; a nossa Via Láctea seria a "Segunda Galáxia", e os "primitivos mecanicistas" seríamos nós, os humanos!) que possuem domínio integral das técnicas de engenharia temporal. Só o que se sabe a respeito deles é que seus ancestrais não respiravam oxigênio e se desenvolveram em mundos gigantes gasosos classe S, como Júpiter e Saturno; para eles o tempo é uma dimensão da substância, que percebem tal como percebemos o espaço; eles não usam utensílios, ferramentas e congêneres, no sentido em que usamos, mas podem manipular "mentalicamente" o mundo em seu derredor e até dobrar o espaço e o tempo através de métodos tão incompreensíveis para nós, pobres mecanicistas, que poderíamos chamá-los de telecinéticos, embora não o sejam realmente; e por fim, eles têm lá seus planos para a F.E.U., ou, mais precisamente, para a configuração de linhas temporais e realidades alternativas envolvendo a F.E.U.!
Então, por ora é só isso. Até o próximo capítulo, se Deus quiser...