Culpando a chuva escrita por BiaSiqueira


Capítulo 1
Capitulo Único


Notas iniciais do capítulo

Sinta-se à vontade para comentar, eu garanto que não vai te custar muita coisa...



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Era uma tarde fria naquela pequena cidade do interior da Alemanha. A chuva caindo do lado de fora era uma dádiva considerando a pequena nevasca que havia caído na noite passada. O pequeno Café estava cheio. Um ambiente agradável envolto em música leve que contrastava às pesadas gotas de chuva que deixavam suas marcas nos vidros das janelas. Grossos casacos pendurados perto da porta de entrada, ou no encosto das cadeiras, mostravam que ali dentro era um bom lugar para relaxar. Um bom lugar para se esconder do frio assustador que fazia lá fora.

Mas a garota sentada na mais afastada das pequenas mesas do aconchegante Café parecia uma pequena peça fora do pequeno quebra cabeças que montava o ambiente naquele local. Era um fim de tarde, mas a jovem não parecia ao menos perceber o tempo. Os olhos fixos estavam vidrados na paisagem embaçada do lado de fora. As ruas ainda cobertas pela pouca neve caída na noite anterior tinham todo aquele branco que é alegre quando mostra que o Natal já se aproxima, mas depressivo para quem não é acolhido pelo calor da sagrada época. As grossas lentes cobriam os olhos que há muito, provavelmente haviam sido um tanto sonhadores. O jogo de futebol passando na televisão, as conversas animadas de operários em fim de um estressante dia de trabalho, nada parecia perturbar o contemplar mórbido daquela moça.

Para um observador distante, ela passaria sem dúvidas, despercebida. A pele era branca, clara como se há muito tempo já não sentisse o sol. O grosso casaco não descansava na mesa, ou na vazia cadeira ao lado, ela se abraçava nele como se lhe fosse alguma espécie de consolo, sua âncora. Os dedos das mãos agarravam com força as suas compridas mangas. Era como ver alguém se esforçando para não deixar que o último pedaço de esperança dentro de si fosse embora. Os lábios eram quase sem cor. Os cabelos, recentemente livres do calor transmitido pelo gorro agora postado na mesa, eram marrons e emaranhados. As ondas desconexas dos seus fios soltos davam àquela moça o ar selvagem que sem sombra de dúvidas havia sido parte dela há algum tempo atrás.

Ela não parecia sentir frio. Não parecia também, se sentir, de fato, aquecida. O fato mais impressionante sobre aquela garota, no entanto, era a esmagadora sensação que ela emanava de que não sentia exatamente nada. A mesa em que ela estava encontrava-se parcialmente cheia. Um livro aberto mostrava uma página aleatória de alguma leitura. O prato carregava ainda generosas fatias de um apetitoso bolo de chocolate. Do copo escapava fumaça do que devia ser um bom tanto de chocolate quente. O gorro e o guarda-chuva dividiam também um pequeno espaço lado a lado. O único recipiente inteiramente vazio naquela mesa parecia ser a dona de todos aqueles utensílios. A moça de olhos vidrados e cabelos marrons.

Na mesa ao lado um casal se levantou, acenou para os amigos que ficaram para traz e passou pela moça desconhecida sem sequer notar sua presença. Uma velha senhora a desejou uma boa tarde. Ela lhe sorriu triste, mas não a respondeu com palavras. Talvez não se sentisse no direito de desejar algo bom a alguém. Ou talvez não acreditasse que o desejo lançado a ela pela desconhecida senhora fosse capaz de se realizar. Com um aceno de cabeça ela agradeceu quando o simpático garçom, um menino que parecia achar outras duas clientes na mesa ao lado bastante impressionantes, lhe encheu mais uma vez o copo de chocolate quente.

Não era fácil deduzir o que induzia a apatia daquela moça. Era só uma garota comum. Talvez ela sentisse falta da beleza que era certo de um dia já ter lhe preenchido com graça os ainda aprazíveis traços de sua aparência física. Talvez ela sentisse falta de um amante que não lhe foi de fato, um amor. Talvez ela tenha amado de mais, e de uma hora para outra, se viu sem reposição para o sentimento perdido, gasto com não merecedores. Talvez ela tenha sido amada de mais, ferida de mais, abandonada de mais. Ou talvez tudo para ela fosse de menos. Pouco amor, pouca coragem, pouca fé, pouca paz. Ninguém saberia ao certo dizer, se de poucos ou de muitos, aquela jovem garota estava esgotada.

E quando a tarde enfim se fez noite, a garota percebeu que era hora de ir. Desviando o olhar da janela e com uma calma cirúrgica guardando seus pertences, ele terminou sua refeição, e se levantou. Com um último suspiro pesado, como se carregasse o peso do mundo nas costas, ela se levantou, e caminho por entre as mesas sem lançar a ninguém um único olhar. Os olhos eram fixos no chão, e depois de poucos segundos ela se viu obrigada a encarar de perto as grossas gotas de chuvas que há poucos minutos atrás ela admirava com tanto afinco. E ela apertou com ainda mais força o pesado casaco que vestia, armou o guarda-chuva e caminhou a passos firmes para agora fazer parte da paisagem de inverno que tantos outros encaravam naquele inicio de noite.

E de repente, ela se foi. Levada pelas gotas da chuva, o fluxo de pessoas e as ruas da cidade. E ninguém notou.

A garota do Café assumiu seu lugar na multidão de almas e histórias que se perdem e se encontram todos os dias. E no caminho ela encontrou um rapaz. Aquele que todo o tempo que ela gastou observando a chuva, ele gastou esperando que as gotas se dissipassem. Ele não tinha um guarda-chuva. Sentado no bar de uma esquina qualquer, ele mantinha os olhos, mesmo desatentos, no visor da televisão. Já era quase noite e ele parecia mesmo querer estar em casa. Os cabelos loiros pareciam um pouco úmidos pela chuva que o prendeu naquele lugar. Os olhos azuis traziam um brilho de curiosidade enquanto de tempo em tempo ele voltava o olhar aos seus arredores, procurando algo digno de lhe prender a atenção. Era uma alma jovem. O frio do lado de fora nem parecia a ele assim tão assustador. Sua casa não estava longe, mas as irritantes gotas d’água caindo do céu pareciam longe de querer dar uma trégua.

Era um garoto que atraia olhares, emanava juventude e coragem. Nem mesmo os cabelos molhados lhe tiravam o ar travesso. Os dedos batucavam na mesa em sincrônica com o barulho da chuva. A bebida nas mãos balançava para lá e para cá. Ofereceu um educado boa noite a uma jovem senhora que lhe cumprimentou com um sorriso, deu uma piscadela de aprovação ao garoto que fez o pai lhe comprar um doce antes do jantar, e em questão de segundos já cogitava a ideia de encarar a chuva do lado de fora. Ele não queria esperar. Ao que parecia, era alguém que gostava de fazer acontecer. E quando a impaciência finalmente parecia estar levando o melhor de si, ele deixou mais uma vez que seus olhos viajassem para a janela, esperando milagrosamente ver que a chuva havia passado. E quando o azul dos olhos daquele rapaz encontrou um vermelho ardente entre a multidão de cinza e branco, ele deixou sua atenção ser levada. Era um grada-chuva que uma garota usava para se proteger do lado de fora. Uma daqueles grandes, que ele com certeza devia ter em casa, mas que por algum motivo saiu para o trabalho naquele dia pela manhã sem ele. E com um último suspiro de coragem, ele se levantou da mesa em que estava, deixou sua bebida já quase vazia para trás e decidiu de uma vez que era hora de ir para casa. E a garota do lado de fora se surpreendeu com a movimentação da porta até então fechada do bar em que ela estava na calçada. E quando a porta se abriu o susto de ir diretamente de encontro a alguém a fez quase derrubar o guarda chuva.

– Desculpe.

Os dois disseram em uníssono quando a escuridão sombria dos olhos dela encontrou o mar azul de excitação dos olhos dele. E percebendo o acontecido entranho, ambos voltaram a se pronunciar.

– Esquece.

Foi a palavra que ela disse, a qual teve como resposta um aceno afirmativo do parte do rapaz que lançava a ela um sorriso cortês.

E ambos mentiram naquele momento. Ele não queria se desculpar. Não havia por que. Foi um acontecimento trivial, e que se não fosse obrigado pelas boas maneiras, ele teria apenas dado a ela um sorriso travesso e continuado seu caminho. E ela não queria que ele, de fato, esquecesse aquilo. E muito menos queria ela mesma se esquecer daquele pequeno momento, onde nos olhos de um estranho, que a notou mesmo que por acidente, ou educação, ela viu tudo aquilo que não havia há tanto tempo nos olhos dela mesma. E o vazio escuro do olhar daquela moça se deixou brilhar, contagiado pela imensidão azul dos olhos daquele rapaz.

E ambos culpariam a chuva para aquele encontro inesperado, e talvez culpassem o sol quando um próximo viesse a acontecer. E no final das contas, não havia culpados para o que já fazia parte do caminho daqueles jovens.

Por que o mundo é um mar de pessoas, de almas, de sonhos, de vidas. E quando as ondas se revoltam em uma tempestade de encontros, os desencontros talvez passem a valer à pena. E tudo aquilo que se foi, e mesmo depois de um grito de mais profundo desespero, não voltou, talvez tenha apenas dado espaço para que algo novo, e ainda mais magnífico pudesse chegar. O importante mesmo é que tempestades vêm e vão, mas o mar nunca se deixa abalar. E o tempo se faz aliado, quando leva para longe o que já não é mais real, e traz na viagem de volta o prêmio para toda a espera. E é fato ainda, que a melhor parte do vazio, é que ele pode ser preenchido,e talvez, ele seja apenas o recipiente recém preparado para receber aquilo que iria se perder ao transbordar sem ser compartilhado.


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Notas finais do capítulo

E então?!Se você leu, me deixe saber se gosto/odiou e o porquê ok?!Vale lembrar que a tempos minha inspiração não anda bem das pernas coitada, mas não me custa nada tentar, não é?!Mile dois beijos e fiquem com Deus!



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