The Lost Number escrita por Miss_Miyako


Capítulo 12
Nº 11: O Eco.


Notas iniciais do capítulo

O aniversário da Yellow foi há dois dias atrás, se eu tivesse postado o capítulo nessa data, seria muito irônico... E um pouco de mal gosto.

Não tenho muito o que falar, esse era o capítulo que eu mais queria escrever e também foi o que mais me desgastou. Também foi o que eu mais errei e dei mais trabalho para minha beta. (Obrigada mais uma vez, Blue ♥)

Alias, aconselho a ler este cap ouvindo Echo do Jason Walker (é a oitava track da playlist // http://8tracks.com/miyacharm/the-lost-number) Ou ouvir depois de ler o cap, se vocês forem que nem eu e não conseguem ouvir música e ler ao mesmo tempo jkfdhgh

De qualquer forma, boa leitura.



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Já sentiu como se duas estacas estivessem cravadas nos seus ombros, maltratando seus músculos e nervos, fazendo uma dor aguda se alastrar lentamente pelo seu corpo?

Green nunca esteve numa situação dessas, mas quando sua mente pensou naquilo para comparar com a sensação que tinha no momento, achou-a desagradavelmente viável.

A garota a sua frente, apesar dos olhos azuis como o céu, o fuzilava com um olhar tão incandescente que Green ficou com um pequeno receio de acabar realmente sendo queimado.

Ele não entendia. O que era aquela cena diante de si? Seu corpo estava tão cansado e sua mente tão perturbada ao ponto de criar alucinações de mau gosto? Tudo ao seu redor já não era suficiente para maltratá-lo?  A realidade, a culpa e sua própria incompetência já não eram o suficiente para maltratá-lo?

Ou será que era aquilo que o esperava depois que morresse? Já que morrera com arrependimentos,  então aquilo o assombraria  por toda a eternidade?

Se o seu eu de um dia atrás o visse agora naquele estado, ele muito provavelmente o seguraria pelo colarinho da camiseta e gritaria inúmeros insultos gerados em meio a sua indignação. Também teria raiva do quão miserável ele parecia.

Mas ele não era o Green de um dia atrás, o Green de um dia atrás não havia vivenciado o que ele viveu, não foi ele que tentara, precisara, deveria proteger três pessoas e que falhara miseravelmente com todas elas.

Então, o Green de um dia atrás não tinha a droga de direito nenhum em olhá-lo com desgosto. Nem mesmo o ele do presente tinha.

As únicas pessoas que podiam eram Silver, Lyra e Blue. Principalmente a terceira.

Se a garota a frente dele - que movia seus lábios rapidamente, mas seus ouvidos não tinham vontade de obedecê-lo - estava realmente ali, ela tinha toda a razão em gritar com ele, em bater nele, em jogá-lo no chão com força, em chutar seu estômago e fazendo tudo isso enquanto berrava todas as obscenidades e xingamentos que ele merecia ouvir no momento.

Ele falhara com ela.

—Green?! Green, eu estou falando com você! - Blue caminhou até que seu rosto ficasse a um palmo longe do dele. - Green!

Que injusto. No momento, ele não conseguia registrar nada que ela falava. Não conseguiria ouvir as palavras ácidas que ela devia estar berrando devido a sua expressão irritada. Será que sentiria dor quando ela o machucasse? E se não sentisse?

Que belo pedaço de lixo ele era, pensou amargamente, nem isso ele era capaz de fazer.

Quando a morena levantou as mãos, o garoto rezou para que pudesse sentir a ardência que deixaria em sua pele.

Quando ele não sentiu dor, mas sim as mãos quentes dela segurando suas bochechas, as lágrimas que escaparam de seus olhos conseguiram o fazer se sentir muito pior do que sentiria se estivesse jogado no chão, coberto por hematomas.

Blue queria perguntar por Silver, mas o comportamento do moreno respondia o suficiente. Ela queria bater nele, queria gritar com ele, queria chutá-lo, culpá-lo, machucá-lo…

Mas a sua parte sã, a parte sã que ainda segurava firme e ternamente os sentimentos que tinha por ele, essa mesma parte não aguentava o estado frágil em que ele se encontrava.

Ela também podia se render ao desespero? É claro que podia.

Porém, quando o garoto que raramente se deixava influenciar por suas emoções estava começando a se render, a morena encontrou coragem para manter-se firme.

E o abraçou.

Usou toda a força que tinha nos braços para que ficassem apertados em volta do tronco dele, seu queixo repousado no seu ombro mesmo que incomodasse seu pescoço, sua bochecha imprensada na mandíbula dele.

Silêncio.

Ele não a abraçou de volta.

—-000--

A mão de Red era grande comparada a sua e com elas dadas, aquilo ficava mais evidente.

Yellow ainda sentia sua mente nublada, mas se encontrava bem o suficiente para pelo menos andar com o moreno como guia.

—Para onde está nos levando? - Ela o ouviu perguntar.

—Para longe do topo da montanha, não é óbvio? - O bulbasauro transparente respondeu, sem desviar seus olhos para frente.

—E por quê? - Red insistiu.

Foi naquele minuto que a loira podia jurar que vira o pokémon olhá-la de relance.

—Tenho motivos para averiguar por mim mesmo. - Foi a resposta.

—Mas o qu-! - O garoto tentou continuar, mas foi interrompido quando percebeu a fenda que tava para o pé da montanha.

—Eu conheço uma rota para um lugar onde poderemos conversar se quiserem. Sigam-me.

—Tsc. Eu não gosto desse pokémon.

—Ele nos ajudou, Red-san… - A pequena murmurou, sentindo-se estranhamente cansada. - Se ele está disposto a nos dar respostas…

—E se ele estiver nos levando para uma armadilha?

—Se ele estivesse, eu saberia.

Olhos vermelhos encontraram com verdes impassíveis.

—Agora que você comentou… - Red começou a falar, alguns segundo depois de quebrar o contato visual. - Ele consegue falar…

—Sim…

—Vocês vêm?

Ambos encararam o ser transparente, parado a poucos passos de distância.

Bom, poderiam muito bem discutir o que fosse depois.

O garoto assentiu antes de apertar a mão da loira e seguir o caminho.

—-000--

Blue sentiu preocupação crepitar por si depois que dois minutos se passaram e Green não devolveu o abraço.

Ela o apertou com mais força, tentando expressar sem a ajuda de palavras que ele poderia retribuir o gesto. Que ele devia retribuir o gesto.

Nada.

—Green, por favor... - Pediu com a voz fraca.

Suspirou internamente quando ele deu sinal de tê-la ouvido. Os ombros dele se enrijeceram e ela o ouviu engolir em seco.

—Não… - A voz dele estava rouca, quebrada. - Não.

A morena o abraçou com mais força.

—Blue… Não…!

—Eu te perdoo.

Mais lágrimas quentes desceram pelas bochechas dele, incessantes.

—Não…

Ele continuou repetindo a mesma palavra, como uma vitrola com defeito.

Por cima dos murmúrios dele, a garota voltou a falar.

—Eu estou triste. Estou com raiva, cansada. Seria mentira se eu dissesse que não quero brigar com você… Mas de que adianta? De que adianta pra mim? De que adianta pra você?

Seriam apenas gritos e energia desperdiçados. Seria provocar suas almas gastas até a exaustão.

Seria inútil.

Ele parou de murmurar.

—Green… Por favor.

A súplica na voz dela fez seus lábios tremerem e irrompeu num choro que foi abafado pelo ombro da mesma.

Ele finalmente envolveu seus braços ao redor da cintura dela e a apertou com força contra si.

Tanto ele quanto ela caíram de joelhos no chão, esgotados.

Blue chorava silenciosamente ao mesmo tempo em que ouvia Green chorar pela primeira vez.

Ele a sentiu limpar suas lágrimas com o dedão, seus olhos verdes encaravam as pontas embaraçadas do seu cabelo castanho.

O toque da garota era suave, caloroso em sua pele e aquilo doía. As bochechas dela estavam tão molhadas quanto as suas, mas ela ainda assim preferia dar atenção a ele primeiro.

Aquela foi a primeira vez que chorara tanto. Nem mesmo quando criança, talvez nem quando bebê, chegara naquele ponto.

Sua garganta ardia e seus pulmões reclamavam por ar.

O líder de ginásio conseguiu voltar a sentir a razão pesando dentro dele ao mesmo tempo que seu desespero se aquietava, mas não sumia. Ele ainda estava lá, pronto para explodir se fosse dada a oportunidade.

Quando a mão dela não voltou a tocar em seu rosto, Green finalmente a olhou nos olhos. Suas orbes azuis estavam cansadas - assim como as dele -, ela tinha arranhões pelos braços e uma mancha roxa na testa.

—Como você… - Ele começou.

—Sobrevivi? - Blue sugeriu e olhou para o chão quando ele assentiu. - Sorte, eu acho. Não que eu tenha merecido muito.

O garoto franziu o cenho. Sua mente o recordou de algo que a garota tinha falado quando estavam à beira daquele desfiladeiro.

—O que você… - Mas foi interrompido uma segunda vez quando dois dedos cobriram seus lábios.

—Vamos deixar para falar disso depois. - A morena tentou não soar rude, impaciente, mas ele sinceramente não se importava. Não a impediria se quisesse aliviar seu estresse.

A garota acreditava com todas as suas forças que aquilo era só um contratempo. Silver e Lyra estavam bem, afinal, seu irmãozinho era esperto demais para morrer sem mais nem menos.

Ele se afastou dos dedos dela para poder falar outra vez.

—E o seu pé?

—Quebrado, provavelmente.

—Você ficou andando por aí?

—Granbull me carregou nas costas dele. - Ela negou com a cabeça. - E você? Tá machucado?

Viu o rosto dele se contorcer por um segundo, antes de voltar para a expressão cansada de antes. Green ignorou sua pergunta e se levantou.

—Eu te ajudo a levantar.

—Green! - Mas a garota insistiu, tentando o encarar nos olhos. Ela sabia o que devia estar passando na cabeça do líder de ginásio naquele momento, de como ela não tinha que se preocupar com alguém como ele ou talvez como ele não tinha o privilégio de aceitar a preocupação dela.

Ele ignorou de novo.

Ela tentou mais uma vez, mas Green foi mais rápido - apesar da sua condição cansada - ao levantá-la sem muito esforço do chão. Manteve um braço seguro em volta da sua cintura, sustentando o peso dela para que seu pé não tivesse que fazer esforço.

—O meu Machamp pode te carregar, pode dar um descanso para seu Granbull. - Ele murmurou. Blue bufou com o rosto encostado ao ombro dele.

Ficara com vontade de bater nele de novo, mas dessa vez por um motivo completamente diferente.

—Tá bom. - Só que ela estava cansada, não queria discutir. De alguma forma, sentia que depender dele o faria se sentir melhor, então que fosse. Recolheu sua Clefairy e esperou Green liberar seu Machamp.

—-000--

Havia algo de errado com Yellow.

Poderia ser só o sono finalmente chegando nos seus instintos depois de todo aquele tempo? Podia, mas a garota conseguia sabe a diferença entre seu corpo pedindo por descanso e seu corpo parecendo que iria literalmente parar.

Ela ainda estava tonta, sua mente não clareava e seus músculos continuavam pesados. Àquela altura, já deveria ter se recuperado do choque e já devia conseguir andar por conta própria… Porém, cada minuto que se passava parecia que a loira se sentia ainda pior.

Apesar disso, ainda conseguia distinguir as coisas ao seu redor. Sabia que Red estava a sua frente e que Pika e ChuChu estavam nos seus ombros, sabia que o Bulbassauro transparente ainda os guiava, sabia que o céu continuava mudando de cor e que o chão era arenoso sob seus pés.

Levantou seus olhos verdes para encarar as costas do garoto, fez um esforço para continuar com eles abertos, mesmo que suas pálpebras estivesse ficado ainda mais pesadas.

Seus pensamentos a levaram de volta para a cena na caverna quando esteve frente a frente com o pássaro gigante.

As palavras de Missingno… Suas emoções… Não faziam sentindo. Se ele era mesmo o vilão da história, por que estava com medo?

“EU NÃO VOU SER ENGANADO!”

“EU NÃO QUERO!”

“EU NÃO AGUENTO MAIS!”

“CHEGA!”

Os gritos dele ainda cortavam por sua memória ocasionando pontadas de dor. O que sentira desde o começo, o incômodo no seu peito, a parte da história que faltava ser contada… As palavras do pokémon fizeram parecer ainda mais verdade do que um simples delírio seu.

—Red?! - Uma voz conhecida fez o moreno parar de repente, ela conseguiu apoiar uma mão nas costas dele para impedir que batessem. Moveu seu olhar na direção do som e sentiu seus olhos agirem numa tentativa falha de se arregalarem.

Parados a alguns metros de distância, estavam Green e Blue que era carregada pelos braços de uma Machamp.

—YELLOW! - A morena jogou o tronco para frente e o pokémon lutador teve que agir rápido para que ela não caísse no chão. Ela o ignorou e fez menção de descer.

—Blue, espera, seu pé! - O líder de ginásio exclamou.

—Green-san… Blue… - A loira deu um passo para frente - aliviada em vê-los - mas quando deu o segundo, o mundo deu voltas na frente dela.

E se corpo foi de encontro ao chão.

—YELLOW?! - A última coisa que sentiu antes de desmaiar foram os braços de Red a segurando.

—-000--

Seus músculos doíam e sua cabeça latejou quando tentou abrir os olhos rápido demais. A loira voltou a fechá-los, cobrindo-os com a mão direita que se forçou a levantar.

Sua respiração estava pesada e ela podia jurar que começaria a ficar com falta de ar, mas seus pulmões se acalmaram segundos depois ao mesmo tempo que uma luz lilás cobriu seu corpo.

Franziu o cenho e olhou para o lado, piscou ao ver o Bulbassauro transparente brilhar com a mesma cor à medida que pequenos pontos luminosos saíam do bulbo em suas costas.

—Aromatherapy… - A loira murmurou. - Não sabia que Bulbassauros podiam aprender isso… Ou que podiam usar em pessoas.

“Sinta se à vontade para me chamar de exceção.” O pokémon planta respondeu ao cessar a energia curadora que passava e a encarou com seus grandes e sérios olhos vermelhos. Perto daquele jeito, ela percebeu que além de transparente, ele também tinha a coloração shiny.

A segunda coisa que percebeu foi que ele não usava sua voz. Estava se comunicando com ela através de seus poderes de ler pensamentos.

“Aparentemente você me ouviu. Por isso, posso confirmar que você é mesmo uma criança da floresta de Víridian.” Ela piscou, surpresa. “Gostaria de conversar com você dessa forma e peço que evite de falar alto. Se importa?”

Ainda surpresa, a pequena pode apenas assentir.

“Agradeço.” O pokémon verde assentiu. “Como se sente?”

—Melhor… - Lembrou-se que devia sussurrar a tempo, não foi muito difícil, suas cordas vocais estavam tão bem quanto o resto do seu corpo. - Estranha, mas melhor…

“Os efeitos da minha Aromatherapy não vão durar por muito tempo, ainda mais depois de eu tê-la usado tanto em você.” Ele suspirou. “De qualquer forma, gostaria de ir direto ao ponto.”

—Ao ponto...? - E ergueu a cabeça com o cenho franzido, mas parou quando viu que havia algo debaixo da sua cabeça, mantendo pelo menos ela confortável. Era um colete branco e vermelho, de mangas curtas. - Isso é do… Red-san…?

“Sim, seu namorado parecia muito preocupado com você.”

A loira sentiu as bochechas esquentarem e encarou o pokémon que continua impassível.

—Ele… - Calou-se, lembrando que devia manter o tom baixo. - Ele… Não é meu namorado.

“Ah, sinto muito então.”

Ela balançou a cabeça.

—N- Não tem problema. - Respirou fundo. - Você dizia…?

“Quero realizar o seu pedido.”

—Pedido? Que pedido?

“Você queria entender, não é?”

—Entender…?

—Não. - A voz dela se suavizou sem que percebesse e ela ergueu uma de suas mãos. - Eu quero entender.

“Entender o quê?”

—O que aconteceu. - Foi a resposta. - Você também não quer mais lutar, não é?

Ela engasgou e tentou se aproximar mais dele, uma súplica quieta e curiosa em seus olhos.

—Você pode me contar? De verdade?

“Claro. Se você tem certeza que quer saber.”

Seus olhos verdes encararam os vermelhos da criatura a sua frente, mesmo que muito habilidosa em ler os pensamentos dos Pokémons, o Bulbassauro a sua frente conseguia ser um completo mistério.

Já havia chegado tão longe, era isso que queria tanto saber… Por que recusar agora?

—Tenho certeza.

O pokémon planta assentiu e seu pequeno corpo verde começou a brilhar novamente. Do bulbo, pequenos esporos verdes voaram em direção ao ar. Conforme chegavam cada vez mais perto dela, a garota sentia seus olhos pesarem.

—Sleep… Powder...

E adormeceu.

Quando abriu os olhos, se viu sentada num vasto gramado, árvores marcavam a vista aqui e ali até se aglomerarem mais ao longe, o céu estava sem nenhuma nuvem e o vento acariciava seus cabelos.

O sol estava alto lá no céu e a terra era nova, ela conseguia perceber. A vegetação pulsava com uma energia recém-nascida e ela poderia jurar que a imponente montanha ao fundo sorria orgulhosa.

… Ela conhecia aquela montanha.

Ela conhecia aquele lugar.

—... Cinnabar? - A loira murmurou, incrédula.

Um som de asas enorme batendo fez seus instintos a jogarem contra o chão. Quando olhou para cima, a sombra do Pokémon de penas escuras se projetou sobre ela e um frio absurdo atravessou sua espinha. No entanto, quando ousou olhá-lo nos olhos, aquela mesma sensação se dissipou.

Não estavam foscos. Eram cor de âmbar e aconchegantes.

Missingno olhou em volta, seu peito se estufou de ar puro e ele levantou seu bico para o céu. Ele parecia diferente de quando o vira na Glitch City, estava sereno, cheio de vida, feliz.

“Manhã bonita.” Sua voz também estava diferente, continuava profunda, mas não era pesada. Não havia um único resquício de medo ou agonia, ele estava em paz.

—Missingno! - Uma segunda voz, animada e energética, se fez presente junto de uma rajada de calor repentina. A garota piscou, suas íris sendo automaticamente direcionadas para a luz flamejante que exalava da nova ave que pousara ao lado da primeira.

—Moltres, bom dia. - Missingno cumprimentou, assentindo.

—Então? O que você tá fazendo aqui? - O pássaro de fogo indagou, estreitando os olhos. - Não tínhamos combinado de voar todos os quatro juntos pela região do Sr. Rayquaza?

Foi só ali que Yellow percebeu um traço de tristeza familiar nos olhos do Pokémon escuro.

—É melhor só irem vocês três… Zapdos… Não gosta muito de me ter por perto.

Moltres bufou.

—Zapdos é um quadrado! Não acredito que você vai mesmo se deixar levar pelo o que ele pensa!!

—... Bom, não é como se ele estivesse errado sobre não confiar em mim…

—Missingno, eu vou te queimar.

—N- Não! Por quê?!?

Olhos acinzentados se iluminaram, ardentes.

—Para você deixar de ser idiota. - Logo depois a ave de fogo suspirou. - Sinceramente, e daí que seus poderes podem ser fortes demais?! E daí que nem mesmo Arceus sabe o que esperar deles?!

Ele abaixou a cabeça.

—A vida é sua, Missingno. - Continuou, um tom mais suave. - Se você vai mesmo se tornar um monstro ou não, isso depende de você e só você.

Silêncio se seguiu e Yellow sentiu seu coração parar no estômago enquanto realização de eventos passados e futuros chocavam-se na sua mente.

—Obrigado, Moltres. - Por fim, uma felicidade tímida se alastrou nos olhos com de âmbar. - Você sempre parece saber o que dizer.

—Nem tanto, só parece porque você é muito bobo. - E soltou uma risada. - Só estou fazendo meu trabalho como melhor amiga.

Uma corrente violenta de ar se espalhou pela cena, fazendo seus cabelos loiros cobrirem seus olhos. Quando a garota conseguiu ajeitar seu rabo de cavalo e o vento cessou, percebeu que os dois pokémons haviam sumido, o céu estava dando boas vindas à cor arroxeada da noite e a grama estava molhada a baixo dela.

Tentou se levantar, mas não conseguiu. Piscou para suas pernas, confusa e só por precaução, moveu suas mãos e braços. Seu corpo parecia funcionar perfeitamente da cintura para cima, ela constatou.

A pequena sabia que aquilo era um sonho, mas ao mesmo tempo uma visão do passado. Ela era uma espectadora, seu papel era apenas assistir o desenrolar das ações diante de si, por isso que devia poder apenas continuar sentada, não havia necessidade de andar, tudo viria até ela.

E de fato, Missingno apareceu em seu campo de visão, encarando as estrelas que começavam a pontilhar o céu. Vez ou outra, ele olhava para os lados e mudava o peso entre suas garras, ansioso. Parecia estar esperando por alguém.

Quando o som de algo grande pousando na grama se fez presente, o pássaro olhou para o lado, seus olhos brilhando.

—Moltres-? - Mas sua expressão congelou e ela pode sentir suas emoções rapidamente tornando-se o completo oposto de alguns segundos atrás. Seguiu os olhos de Missingno e prendeu a respiração quando viu quem era.

Ele brilhava com uma aura colorida como um arco-íris, seu peito estufado dava ainda mais impacto na sua figura majestosa, as cores de suas penas eram vivas e bellíssimas, assim como seu bico que reluzia dourado.

Mas o olhar que tinha em suas orbes vermelhas era - ela captou com um frio grosseiro inundando suas costas e braços - hostil, maldoso, sórdido.

Yellow engoliu em seco e se sentiu quase aliviada quando viu que aquela mirada não era para ela.

—Boa noite, Missingno. - Seu tom conseguia ser ainda pior que seus olhos, a garota segurou os braços com força, seu corpo inteiro começou a tremer.

—... Boa noite, Sr. Ho-Oh. - O pokémon escuro conseguiu apenas responder em um filete de voz.

—Bela noite, de fato. - O pássaro colorido comentou, caminhando até o outro. A garota não conseguiu mais se manter firme e olhou para baixo quando ele passou por ela, um medo estranho e irracional encobriu sua consciência. No entanto, se forçou a olhar os dois quando finalmente estavam um do lado do outro.

O silêncio que se fez depois era carregado, Missingno mantinha seus olhos no chão enquanto Ho-Oh continuava com a mesma aura de antes.

Ela não entendia. Será que sentia aquilo porque Ho-Oh era um pokémon lendário poderoso? Era possível, sua forma suntuosa deixaria qualquer um nervoso e em choque. Mas aquele brilho nos seus olhos, aquele tom da sua voz… Poderiam lhe dar qualquer sensação, menos respeito.

—Pobre Moltres. - Ela resistiu à tentação de tampar seus ouvidos. - Ter que lidar com isso deve ser tão desgastante.

O pássaro escuro finalmente o olhou.

—Aconteceu algo com Moltres?

—Ora, mas é claro. - Ho-Oh riu e a pequena encolheu-se. - Ter que lidar, todos os dias, com um pequeno miserável.

A ave de penas escuras abaixou a cabeça quando a outra finalmente a encarou de novo.

—Não acha, Missingno? - Continuou. - Como deve ser tão tedioso? Tão estressante?

Silêncio.

—Não é? - Insistiu e o outro se encolheu.

—Sim. - Respondeu em voz baixa.

—Um erro como você que até mesmo Arceus, seu criador, reconhece tal fato. Não é?

—Sim.

—Uma bomba relógio, prestes a explodir e matar tudo e todos ao seu redor. Não é?

—Sim.

—Um pobre monstrinho que só continuava vivendo por causa da piedade dos outros. Não é?

—... Sim.

—E ainda faz com que Moltres tenha que mentir que é sua melhor amiga só porque tem pena de magoar alguém como você… Não é?

—...

Os olhos de Ho-Oh se escureceram.

—Não ouvi sua resposta.

—... Moltres não é mentiros-

Mas uma garra negra o interrompeu, chocando sua cabeça contra o chão. Yellow gritou.

—Ora, eu sinto muito. - O pokémon arco-íris falou, falso arrependimento estampado em seu tom. - Achei que tinha visto algo na sua cabeça… Ah, não… São essas suas penas RIDÍCULAS.

E bateu a cabeça de Missingno contra o solo outra vez. A loira cobriu os olhos.

—SEU PEDAÇO DE LIXO! ESTÚPIDO! QUEM VOCÊ PENSA QUE É! PARA ME CONTRADIZER! - A cada frase, a outra ave gigante batia suas garras contra a outra, cada vez com mais força. - UM ERRO COMO VOCÊ! UM SER IMUNDO COMO VOCÊ! APRENDA SEU LUGAR!

A cada batida, a garota segurava os ouvidos com mais força, rosto voltado para o chão.

—VOCÊ ME DÁ ASCO. - Os gritos de Ho-Oh ecoavam enquanto Missingno permanecia calado. - IMPURO! SUJO! ESCÓRIA! É ISSO QUE VOCÊ É, ENTENDEU?! ENTENDEU?!?!

Silêncio.

O pássaro de penas escuras levantou devagar do buraco onde estava a sua cabeça, linhas vermelhas e grossas escoriam pelo seu bico.

—... Sim.

A garota tampou a boca, olhos arregalados e vidrados no pokémon.

Outra rajada de vento surgiu e ela viu Missingno ser jogado contra a montanha, as penas de sua barriga estavam ensanguentadas.

A cor do céu havia mudado, devia ser outro dia.

Outra rajada de vento.

Missingno estava caído no chão, corpo chamuscado. Ho-Oh estava atrás dele, chamas envolvendo seu bico antes de lançá-las contra o pokémon caído.

Outra rajada de vento.

O pássaro gigante tentava se arrastar pelo chão, um dos olhos estava inchado e sua asa parecia quebrada. O pokémon arco-íris cravou suas garras nessa mesma asa.

Outra rajada de vento.

A ave de pena coloridas segurava a outra pelo pescoço antes de lançá-la contra o chão.

Outra rajada de vento.

—CHEGA! - A loira berrou a pleno pulmões, agarrando seus cabelos e sentindo uma náusea intensa atingir seu estômago.

Outra rajada de vento.

E silêncio.

Antes de abrir os olhos, tentou acalmar sua respiração e esperou até que seu enjoo passasse. Quando se sentiu apta a abri-los, se arrependeu imediatamente.

Missingno estava jogado no chão, seu estado estava muito pior que todos os outros das visões passadas. Ho-Oh estava na frente dele e limpava suas garras no chão.

—Hah… Apesar de tudo, você é bom para aliviar o estresse. - E riu. - Veja só, devia ficar feliz. Pelo menos existe alguma utilidade para você.

O pokémon arco-íris o encarou com desdém e depois se virou, pronto para alçar voo.

—... Chega… - Yellow congelou. Ela conhecia aquela voz.

Machucada e cheia de medo.

Quando se deu conta, o pássaro de penas coloridas havia sido jogado contra a montanha.

O outro, ofegante, com sangue escorrendo por entre suas penas, o encarava com ódio.

EU NÃO AGUENTO MAIS.

Como se em câmera lenta, a pequena viu o Pokémon avançar sobre o outro. Suas garras arranhavam as penas brancas da sua barriga com força enquanto seu bico prendia o seu pescoço. Balançou-o como um boneco de borracha, alçando-o aos céus e o jogando contra o chão.

Yellow sentia suas mãos, braços, mandíbula, até as pernas que não sentia, tremerem. Sua respiração voltou a ficar errática, seus olhos lacrimejavam e estavam arregalados, desespero cobria sua expressão e seu coração batia tão forte que chegava a doer em seu peito.

Missingno assaltou-o com suas garras, bico, asas, com ataques e com berros. Ele parecia descontar o que parecia meses-! Não. Anos de abuso e violência.

Ele estava tomado pela raiva, pelo medo, pelo ódio, pela frustração, por sentimentos tão pesados e tão fortes que ele esteve guardando durante todo aquele tempo.

Mas quando ia dar o golpe final, ele parou. Seus olhos cor de âmbar se arregalaram e ele deu um passo para trás.

—Não… Não… Não, eu… Não! - E se afastou, balançando a cabeça.

—Então, era verdade… - Uma terceira voz, que parecia reverberar por toda a terra, se pronunciou.

Ela olhou para cima e arregalou os olhos ao ver Arceus, flutuando e brilhando por entre as nuvens. Aura mais majestosa que Ho-Oh, mais imponente que qualquer outra coisa no universo.

Missingno tremia, suas garras se fincaram no chão.

—A- Arceus… Senhor…

—Eu já imaginava. Desde o dia que você nasceu… Que sua existência fora um pecado…

—NÃO! Por favor, senh-

—Por favor, senhor… - Ele parou e olhou para trás, o pokémon arco-íris encarava o deus com clamor. - M- Me ajude…

A loira pôs as mãos no peito, cravando suas unhas contra si. Ela sentia com todas as fibras do seu ser, com cada poro, com cada fio de cabelo todas as emoções que borbulhavam dentro do pássaro de penas escuras.

—Não! - Missingno berrou. - NÃO!!

Arceus começou a brilhar com uma luz tão forte que Yellow podia jurar que seus olhos estavam queimando ao mesmo tempo que os sentimentos de Missingno machucavam seus pensamentos.

Ele caiu no chão e ela sentiu, o pouco da energia que restava nele se esvaindo aos poucos lentamente, dolorosamente.

—Ficará confinado em um lugar onde não há luz ou trevas, permanecerá esperando pelo resto de seus dias até que um desafortunado cavaleiro de cor quente venha para ceifá-lo…

POR FAVOR, NÃO! — Tentou uma ultima vez.

—Ou até que ambos morram tentando.

Um buraco profundo e negro se abriu sob os pés do pássaro e ele foi engolido pela escuridão.

Outra rajada de vento.

Ainda perfurada pelas emoções de Missingno, ela o observou gritar do alto da montanha de Glitch City. Ela chamava por Arceus, por Moltres, por perdão, por uma segunda chance.

Mas nada respondia.

Apenas o seu eco.

—Então no fim… Ele tinha razão… - Ela o ouviu murmurar. - Esse é… E sempre foi o fim para alguém como eu…

As lágrimas caindo de seus olhos cortaram seu coração e as palavras que disse em seguida despedaçaram o que sobrou:

—Não é justo… Eu não quero morrer.

—-000--

Quando abriu seus olhos e sentiu o toque suave do colete de Red sob sua cabeça e o olhar firme do Bulbassauro a sua frente, finalmente decidiu respirar outra vez.

Seus pulmões voltaram a parecer que pesavam uma tonelada.

“A lenda não está errada, mas tão pouco está certa.” O pokémon planta começou quando teve certeza que ela acordara. “Missingno sempre teve muito mais poder do que podia controlar e Ho-Oh tinha sim inveja dele. Inveja que pudesse ser mais forte do que ele, mais sábio, mais digno de respeito… E entre tantas outras coisas que o faziam e ainda fazem com que ele fique violento. Aquela ave idiota só é bonita por fora, nunca admitiu ter ninguém melhor do que ele.”

Silêncio por parte da loira.

“Missingno foi tomado pelo horror, cometeu atos terríveis, tanto pelas suas próprias garras quanto pelos Unowns... “

Ainda sem ouvir uma resposta dela, continuou falando.

“Todos os dias, ele ficou esperando, com medo de morrer pelas mais variada formas. Viu sua morte dos mais variados jeitos e até mesmo tentou acabar com a própria vida mais de uma vez. Todas em vão, ele só pode ser morto pelo Cavaleiro de Cor Quente.”

A loira agarrou o colete com força.

“Enfim, não peço que tenha pena dele… Só espero que entend- Eh?”

Ele parou ao ver as lágrimas caindo dos olhos dela, ainda deitada e com uma expressão indecifrável em seu rosto.

—Por tanto tempo… - Falou em voz alta, sem se importar em sussurrar. - Ele viveu em agonia… Em pânico… E agora… E agora…!

O bulbassauro ficou calado, legitimamente surpreso com a reação dela.

—Por tanto tempo…! - Os lábios dela finalmente tremeram e levantou uma mão para abafar seus soluços. O lugar onde estava era o canto oco de uma caverna com uma única saída de onde aparecia uma fraca luz tremeluzente.

Ao ouvir seu choro, a cabeça de Blue apareceu pelo buraco, luz contra suas costas.

—Yellow?! - Ela tentou se aproximar o mais rápido que pode da loira, mesmo com o pé enfaixado. Red e Green apareceram logo depois. A morena segurou a loira nos braços, a pequena cobria o rosto com ambas as mãos e tremia pelo corpo inteiro. - Yellow? O que foi?

Red a encarou com angústia nos olhos, sem saber o que fazer, mas quando os voltou para o Pokémon transparente, uma raiva prestes a estourar era a única coisa que aparecia em suas orbes escarlates.

—O que você fez…? - Seu tom não era nem um pouco diferente.

O bulbassauro não pareceu ser afetado.

—Contei a verdade que ela merecia saber. - Respondeu. - Pelo visto, ela já compreendeu tudo.

—Compreendeu?! Compreendeu o quê?! - A morena exclamou, abraçando a amiga com mais força.

—Sobre o que aconteceu no confronto com Missingno na caverna algumas horas atrás… - O pokémon planta continuou. - E o que levou ao estado atual dela.

Silêncio.

—Apenas o Cavaleiro de Cor Quente pode matá-lo. - Ele continuou. - Mesmo que a arma tenha sido um ataque vindo do próprio Missingno…

Nenhum dos três dexholders parecia entender o que ele dizia, mas sentiam suas intuições gritarem que o que quer que ele falasse em seguida seria terrível.

—A amiga de vocês, assim como Missingno… - O bulbassauro os encarou, nenhum pingo de hesitação em sua voz. - Está morrendo.

A verdade é cruel

E o pranto é

Totalmente sincero


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Notas finais do capítulo

Se você gosta do Ho-Oh e se ofendeu com o capítulo, eu sinceramente peço desculpas. Essa não era, nem de longe, a minha intenção. Eu sempre o encarei como o tipo de ave lendária que não tem limites, com um complexo de Deus e que não se importar de não controlar certos impulsos. (Isso é por causa da teoria do Universo Pokémon, e como ela ressalta tantas vezes o quanto ele criava discordia com o Lugia.)

Eu fiz as contas e talvez só tenhamos mais 3 capítulos até o final da fic (ou dois, se não contar o epílogo), por isso estamos, pra valer mesmo, oficialmente na reta final. Que eu tenha forças pra escrever essa bodega, meu deus.

Espero que tenham gostado e obrigada por terem lido!



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