Meus dias sombrios escrita por Clarice


Capítulo 10
Capítulo nove


Notas iniciais do capítulo

Segurem-se nas cadeiras!
Boa Leitura!



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Capítulo Nove

Acordei de manhã sentindo um calor de corpo humano em torno de mim, como se o fato de meu marido tivesse dormido ao meu lado me fizesse ainda sentir a aura dele ao meu redor. Era uma ótima sensação, a de ser amada. Era como sempre ter uma razão para continuar. Recebi uma mensagem no celular enquanto tomava banho, era de Natália. "Vai ter uma feirinha literária no centro da cidade hoje, na hora do almoço a gente podia dar uma olhada." Eu achei a ideia genial. "Claro, veja se mais gente do escritório vai querer ir." E aquilo acabou se tornando um evento. Eu chamei Vanessa porque de alguma forma eu precisava muito vê-la. Ela aceitou. Tomei meu café e fui para o carro encarar aquele trânsito diabólico.

Havia acontecido um acidente horroroso de moto logo na rua da frente. A ambulância ou o IML ou o que for havia tirado o corpo, mas havia miolos caídos pelo chão, e cacos de moto na calçada. Devia ter sido uma cena horrível. Minha imaginação a montou sem a minha permissão, e eu tive dificuldade de esquecer aquilo, por mais que tentasse. Como pode, a vida ser tão frágil? Eu entrei em minha sala me perguntando isso. O trabalho para mim era um santo remédio. Tirando a dor de cabeça, eu estava bem. Meio-dia saímos eu, Natália e mais umas cinco ou seis pessoas. Era claro que eu não os pegaria pela mão, na verdade nem fazia questão de andar com eles. Iria conversar sobre literatura com Vanessa.

Natália não saía de perto de mim. Mas recebeu uma ligação e depois disso só fui encontrá-la de novo no escritório. O pessoal se perdeu de mim e eu me perdi deles. A feira estava cheia, com barraquinhas com livros a preço de banana. Muita gente conversando, com livros na mão. Para mim aquilo era tão inspirador! O local era relativamente perto do escritório. Quando encontrei Vanessa ela estava com um daqueles vestidos meio hippies, largo, vinho. Um brinco feito de madeira ou sementes, sei lá. Me pareceu tão bonita que fiquei encantada. Ela sorriu pra mim e me mostrou o livro que segurava. Era Alice no país das maravilhas.

–Então esse era o seu negócio? -Ela me perguntou, depois de comprar aquele livro.

–Sim, estou tentando manter uma editora média em um país de gente que não lê muito. -Eu comentei, quando sentamos depois de muito andar por aí. -Na verdade tudo começou tão inesperadamente.

–Como assim? -Ela parecia tão interessada que me dava ânimo em contar aquela história repisada.

–Eu era funcionária da Irmãos Bianucci, como editora-chefe. Um dos irmãos tinha morrido, o outro estava bem velhinho e a filha única não queria assumir o negócio que estava ruindo... Ela me vendeu. Tudo continuou como estava. Eu nem mesmo mudei o nome, porque já tínhamos conhecimento no mercado. Meu marido me ajudou com o empréstimo, e já estamos quase quitados. Falta só uns três ou quatro anos, se continuarmos nessa maré boa. Eu tive que mudar a estratégia para vender muito, tenho trabalhado como louca. Mas está valendo a pena. É o meu sonho.

–Isso é lindo! -Ela disse, com muito orgulho de mim. Eu sorri também.

–Ainda estou perdendo nessa brincadeira. Agora, até o meu mundo profissional você conhece, além da vida amorosa. -Ela sorriu embaraçada.

–Não é bem assim... -Desconversava. - Você passou uns dias com sua família, não é? Me deu tão poucos detalhes sobre! -E então eu comecei a falar de novo. Eu sempre falava demais. Quando acabei de contar já estava atrasada para voltar ao trabalho, me despedi dela e vim andando sozinha. Não encontrei mais ninguém da empresa no evento, e fiquei feliz, meus funcionários respeitam o horário. Eu é que não estava respeitando.

Comecei a andar apressadamente. Quando senti que havia alguém atrás de mim, mas tão perto que eu não conseguia ver quem era, mas sentia a respiração da pessoa no meu cabelo. Quando eu ia me virar senti algo tocar minhas costas e empurrar, ele sussurrou no meu ouvido:

–Isso é um assalto. Aja normalmente, e nada vai te acontecer. -A voz era rouca e tremia, e eu comecei a tremer insistentemente, perdida. Como se aquilo fosse um pesadelo, fiquei tonta e nauseei um instante antes de conseguir reagir.

–Vamos andando. -Ele disse, me empurrando. Eu queria gritar socorro o mais alto que minhas cordas vocais permitissem, mas estava sem voz alguma. Não saía. Nada saía. -Passa o celular, a bolsa, e sai andando quietinha. Ou eu atiro em você. -Eu o obedeci mas tremia tanto, comecei a suar.

–Ei ei! O que está acontecendo aí? -Um cara aleatório da feirinha pareceu notar o que acontecia, um ar gelado passou pela minha espinha, eu fechei os olhos pensando que ia morrer. O assaltante ficou confuso, não sabia se me largava ou se me segurava. Por fim me puxou e apontou a arma para a minha cabeça, e então todos na feira viram o que estava acontecendo e criou-se um círculo a nossa volta. Ele ia virando para olhar todo mundo e gritava descontrolado. Eu já estava chorando.

–Se alguém fizer alguma coisa a Madame morre! -Ele tremia me segurando, e eu pensava que a qualquer instante iria apertar o gatilho e meus miolos se espalhariam pela rua como os daquele motoqueiro. A polícia chegou no local em dez minutos, e ele se sentia encurralado, o que o fazia não ter nada a perder. Muita gente berrava, e ele apontava a arma para todos os lados. Eu não tinha reação, chorava sem perceber e não conseguia ouvir ou entender direito o que estava acontecendo a minha volta. Era tudo tão confuso como num sonho muito distante da realidade. De repente eu me sentia anestesiada.

Não me lembro como tudo acabou. Só sei que, quando dei por mim, estava em uma ambulância aberta, havia uma blusa de frio em torno de mim, minha têmpora direita doía, tinha um curativo nela. Eu estava com muita dor de cabeça, e tremia insistentemente. Meu marido apareceu do nada e focou os olhos nos meus, e me abraçou, perguntou se eu estava bem. Eu fiz que sim com a cabeça. Não quero descrever minha ida ao hospital e meu boletim de ocorrência. Eu soube depois que o homem que me assaltou morreu com um tiro na barriga dado por policiais. Morreu a caminho do hospital. Meu marido marcou hora com um psicólogo que indicaram.

Aquilo tudo parecia não ter acontecido. Eu fui pra casa, e tomei um banho. Meu assalto saiu no jornal. Eu acabei ficando com as minhas coisas, porque nada daquilo deu certo. O pessoal do meu serviço ficou me ligando nos dois dias que fiquei em casa, e minha mãe também. E meu irmão. Camila então, ficou a beira de um ataque de nervos. Mas eu me sentia tão alheia, era como se não tivesse acontecido comigo. Meu marido ficou comigo o quanto pôde. Não era como se a profissão dele não fosse tão nobre quanto cuidar de mim. Na verdade eu o expulsei de casa, porque não queria ser tratada como uma criança moribunda. O gato me fez companhia. Vanessa me ligou no segundo dia a noite:

–Ei, Lu, eu fiquei sabendo de tudo. Me desculpe, eu... Devia ter te levado lá, não sei. Me sinto culpada. Responsável. -Sua voz era triste. E ela parecia tentar escolher as palavras, mas ao mesmo tempo era sem graça e confusa.

–Não se preocupe, não foi nada. -Eu dizia, como se realmente não tivesse sido nada. -Eu vou ficar bem, tem muita gente preocupada, querendo cuidar de mim. Na verdade eu estou precisando de um pouco de ar fresco. Minha amiga esteve aqui mais cedo e eu a mandei embora. Estou me empanturrando como uma desvairada. -Ela riu.

–Então está tudo bem.

–É. Eu mandei o Matheus voltar ao trabalho também. Não preciso de alguém me tratando como se eu fosse uma criança. Ele até marcou um psicólogo pra eu ir segunda. -Era sexta-feira e o assalto tinha acontecido na quarta.

–E quando volta a trabalhar?

–Volto segunda. O psicólogo é as sete e meia da noite. -Suspirei. - Não vou nem ficar de hora extra.

–Ahm, certo. -Ela cogitava algo. -Você está com medo de sair de casa ou algo do tipo?

–Na verdade eu preciso sair de casa. E se depender do Matheus ou de Camila eu não saio, eles querem mais é que eu vire um vegetal dentro dessa casa. E o pessoal do serviço agora está cheio de dedos comigo. Acham que vou surtar e enlouquecer ou algo do tipo. Eu tenho que ficar insistindo que estou bem o tempo todo!

–Então se eu te chamasse para sair você viria?

–Claro! -Concordei desesperadamente.

–Então... Tem um circo muito bonito de temporada na cidade. Se quiser a gente pode...

–Sim, sim, vou escolher o que vestir e... -Era impossível esconder minha excitação.

–Ok, te pego as sete. -Era umas cinco e meia.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que estão achando da história?
Muito obrigada por lerem!
Au Revoir!



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