Dentro do Espelho escrita por Banshee


Capítulo 26
Sinos do Casamento


Notas iniciais do capítulo

Oe gente! FELIZ HALLOWEEN! Cuidado, os demônios dormem debaixo da sua cama, e hoje temos surpresinha.... Nos vemos nas notas finais, beijos de luz.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/526031/chapter/26

Os vitrais da Catedral de Sonkler se iluminavam nas cores do arco da promessa conforme a luz meridional os atravessava. Bancos de mogno colocados organizadamente, eu mesma os tinha arranjado daquela forma. As freiras deveriam estar fazendo algo de freira, entretanto o Padre Samuel não se negaria a me ouvir.
O homem de fé estava em frente à imagem em tamanho real do bom senhor, uma estátua no nosso amado pai sendo crucificado.
Aproximei-me com passos soturnos, não poderia estragar a concentração divina de uma reza poderosa, mas não tive como impedir ou me conter.
–– Padre... Eu pequei. –– Disse-lhe, sentindo que as lágrimas cairiam dos meus olhos.
Samuel Werneck ergueu sua cabeça, abriu seus olhos e voltou sua atenção o pra mim. Interrompi uma reza iria para o Inferno, entretanto era necessário.
–– Estou sobre voto perpétuo de guarda de segredos, Teresa Delavigne. –– Disse ele –– Venha comigo.
Me levou para o confessionário. Poderia me negar a falar, poderia voltar e me ajoelhar perante os pés do Senhor e contar direto a ele. Mas precisava falar, sim, eu não poderia guardar essa pedra de tropeço comigo.
Ele entrou na salinha e fiquei do lado de fora, fiz o sinal da cruz e sei que fez o mesmo.
–– Diga, minha filha.
Pude ver seus cabelos brancos e calvos, seu sorriso idoso e olhos castanhos cheios de amor e compaixão de um filho de Deus. Ele me entenderia, me perdoaria. Entretanto fiquei calada, me neguei a abrir a boca... Nunca falei a ninguém, jurei a mim mesma que morreria com isso, contudo minha amada Skie desapareceu e um cadáver fora encontrado no banheiro de St. Louis. Quando incitei em falar, um rock pecaminoso começou a tocar na casa em frente à igreja. Mas isso não importava mais.
Não me abençoe, padre, porque eu pequei.
–– O que aconteceu, minha filha? –– Sua voz era doce e melodiosa, como se tivesse absorvido a voz dos pássaros para si. Quem me dera render tamanha paz que a dele.
–– Fiz coisas que são hediondas perante os olhos dos homens e de Deus. Guardei segredos, mas o Senhor vê minha alma... Sinto que isso me consome, padre.
Padre, você sentiu minha falta? Estive trancada por um tempo, fui pega pelo que fiz, mas levei tudo em grande estilo.
Me ajoelhei nas almofadas no chão e fiz o sinal da cruz, olhei para o teto do confessionário esperando uma voz, contudo ela nunca veio, nunca soube o que fazer. Apenas pequei, apenas confessei.
–– Me lembro daquela tarde ensolarada de março. Robert havia ido ao trabalho e eu estava preparando a refeição, meu pequeno Joshua brincava com seus carrinhos como uma bela criança livre tem que ser. Ouvi batidas na porta e senti que o tempo se fechara... Na verdade, a porta da graça se fechara.
Descanse por todas as minhas confissões que trago comigo, mas agora minha versão é muito pior. Então, estou de volta.
–– Abri a porta e vi Robert com manchas de sangue pelo corpo, não havia feridas ou marcas, porém o que ele trouxe consigo ficaria mais marcado que uma cicatriz em nossas vidas, padre. –– Minhas mãos tremiam perante o som da minha própria voz deixando de contar mentiras, deixando de iludir. –– Uma criança. Uma linda e jovem criança de olhos diferentes.
E ele disse: Pelos versos que eu tomei, eu vou para o inferno. Pelo amor que eu vou fazer, eu vou para inferno.
–– Naquele dia lembro-me que meu marido se fechou em copas, subiu para o quarto com a criança chorando. Joshua não viu ou ouviu quando ele disse, Joshua não viu ou ouviu quando ele fez a primeira menção. “Nossa filhinha, Teresa” disse ele. Não entendi o que acontecia, não entendi o que estava fazendo com aquela garotinha no colo, porém ele disse que ela seria nosso bebê, falou que eu deveria dizer aos vizinhos que era a filha da minha falecida irmã que morreu no parto. E eu o fiz. A nomeei de Sky... A minha Skie.
Sendo carregada pelo Diabo. Você pode ouvir os sinos do casamento.
–– Eu a criei como se fosse à filha do meu ventre, o meu bebê. Entretanto, nunca notei que estava alimentando um cordeiro que seria abatido brutalmente... Robert não a via como uma criança, os Monarcas não a viam como uma criança. Ela era uma arma. Nunca entendi o porquê de a chamarem de Criança Cristal. E, padre, todos os meus crimes serão compensados. –– Agora as lágrimas rolavam de meus olhos como cascatas, não poderia me conter mais. Respirei fundo antes de dizer à frase que estava presa na minha garganta –– E ele a matou.
Padre, você sentiu minha falta? Não me pergunte onde estive. Você sabe que eu sei, sim, me contaram que eu redefini o pecado.
–– Era um domingo, Samuel. Quatro de novembro de 2007, uma noite escura onde milhões de anjos choravam, por isso que chovia. Ela tinha apenas sete anos de idade e ele disse que a levaria ao circo para brincar com o pássaro do palhaço. Eu os segui. Depois das aparições lidíssimas dos acrobatas e o espetáculo com lança-chamas do cuspidor de fogo, o vi levando-a a sala de espelhos, deixou Skie com homens de terno e a prenderam numa enorme mesa. Quando meu amado marido retornou, estava fantasiado de palhaço e... –– Não, não era verdade, não era real. Eu repetia a mim mesma que era um pesadelo, que aquilo não havia acontecido, que eu iria acordar com Joshua do meu lado, Robert me beijando e Skie pulando da minha cama. Era apenas um pesadelo que durava longos dez anos. Mas não era, não era uma mentira e eu precisava, precisava contar tudo. Tudo. –– E a estuprou.
Enchentes interas transbordavam dos meus olhos, Samuel não se atrevera a abrir a boca. Nenhuma palavra, nenhum som... Eu não queria conselhos, apenas alguém que me ouvisse, nem que esse alguém fosse somente uma parede.
–– Padre, eu não o impedi. Ele estava na minha frente, mas preferi ouvir os gritos da minha filha do que impedir meu esposo. “mulheres sejam submissas ao marido” é o que diz Efésios capitulo 5 verso 21. E eu me destruí, consumi minha própria alma devida à culpa, me tornei um demônio em corpo de gente. Fanatizei-me.
E agora eu não sei o quê está me levando a colocar isso na cabeça, talvez eu queira poder morrer, talvez eu já esteja morta.
–– Mais tarde descobri que ele levara Joshua ao mesmo lugar e deve ter feito as mesmas atrocidades com ele. Já não me permitia toca-lo como uma esposa toca em seu cônjuge, me enojava o simples pensamento. A minha dor e meu ódio eram descontados em meus filhos, pensava que as culpas eram deles. Obrigava Skie e Josh a se ajoelharem em cacos de vidro e rezarem pedindo perdão ao Pai, se desculpando devido a Luxuria e ao Incesto que eram culpa deles. E sim, sim, fanatizei-me.
E ele disse: Pelas vidas que tomei, eu vou para o Inferno. Pelos votos que quebrei, eu vou para o Inferno.
–– E as mesmas coisas aconteceram até que Azazel foi incendiado com todas as pessoas dentro. E padre, eu pequei de novo. Desejei com todas as forças que Robert fosse engolido pelo fogo, devorado pelas chamas, abocanhado por Lúcifer. Contudo, creio que foi o mesmo Lúcifer que o salvou quando ele chegou em casa com apenas um sapato queimado. E sim, sim, que quis mata-lo. Mata-lo por tudo o que fez e pelas vidas que roubou, mata-lo por ter tirado minha criança, como a vida que te dá um presente, chuta sua perna, deixa-te no chão e o toma de volta.
Pelo jeito que machuco enquanto levanto minha saia. Estou sentada em um trono enquanto eles estão sendo enterrados na sujeira.
–– Os acontecimentos rolaram até aquela noite chuvosa de outubro. Discutíamos por que o senhor Knackfuss era Satã, mas no meu ímpeto sabia que não era. Só queria um motivo para discutir. Robert saiu na chuva e vi minha filha descendo atrás dele, eu a chamei, porém ela não voltou. Fui atrás dos dois e, entre relâmpagos e trovões, ouvi sua conversa. “Olá, papi.” Disse ela, “O que faz na chuva à uma hora dessas? Você pode pegar um resfriado.”. Entretanto meu marido não estava prestando atenção nela, minha filha era apenas um objeto sexual para ele, um item de prazer. O homem não viu quando ela, tomada por um ódio animal, avançou em seu pescoço. E eu te juro: Senti a presença de Satanás naquela hora.
Pelo homem que eu odeio, eu vou para o Inferno sendo carregada pelo Diabo, você já pode ouvir os sinos do casamento.
–– Eu a vi dilacerando o corpo dele com os próprios dentes e depois abrindo o cadeado dos portões da casa do nosso vizinho. Cães selvagens atacaram o corpo inerte e terminaram o trabalho. E eu fiquei feliz, me senti realizada, mas agora tinha um novo problema: Uma filha possuída. –– Meu rosto estava quente, as lágrimas não haviam parado, meu coração acelerava ameaçando ir embora. –– Mas antes disso meu coração havia sido destruído quando Robert assassinou Joshua.
Por favor, me perdoe padre, eu não queria incomoda-lo. O Diabo está dentro de mim padre, está dentro de tudo o que faço.
–– Josh era gay. Um homem que se sentia sexualmente satisfeito com pênis penetrando seu ânus, brincando com sua próstata e isso era abominável aos olhos do Senhor. Eu e meu marido decidimos exorcizá-lo com a ajuda de outro Servo de Deus, contudo o ritual deu errado. Joshua perdeu seu braço. Após dias em estado grave, em coma, se alimentando por tubos, ele enfim acorda. Porém eu não queria olhar em seus olhos e ver o ódio, a mágoa e ânsia, sentimentos mais repulsivos que um filho poderia ter pela própria mãe. Ele me queria morta, e tenho que dizer que eu também queria... Tanto a mim, quanto a ele. E foi aí que Robert decidiu mata-lo.
Pelas vidas que tomei, eu vou para o Inferno. Pelas leis que infligi, eu vou para o Inferno.
–– Padre, meu filho recebeu alta do hospital e meu marido o foi buscar. Demos a desculpa que ele fugiu, mas não foi isso que aconteceu... Robert levou meu filho aos restos do circo e na sala dos espelhos o violou de todas as formas para depois enterrá-lo vivo. Ele chegou em casa e me descreveu o ato em detalhes e não pude acreditar... 5 anos depois, Skie o matou e me senti leve como uma brisa soprando, leve como uma criança. E eu pequei.
Pelo amor que eu odeio eu vou para o Inferno. Pelas mentiras que inventei, eu vou para o Inferno.
–– Eu a torturei de todas as formas. A obrigava a se ajoelhar em cacos de vidro e rezar pedindo a remissão pelos seus erros, pela luxúria, pelo assassinato, pelo ódio e pela vingança. Até que ela surtou, matou e matou de novo, bebeu e bebeu sangue fresco. Preciso contar, me libertar desse segredo, da dor, da culpa. Padre, eu pequei.
Pelo modo em que eu condenso e nunca estendo a mão, minha arrogância está fazendo minha cabeça queimar na areia.
–– O Senhor pode me perdoar? –– Perguntei enfim.
Silêncios apenas silenciam. Alguém me disse uma vez que o silencio era a soma de vários gritos contidos, mas aquele som vazio feria meus tímpanos. Precisava de uma resposta. E ela veio, porém preferia que não.
–– Que Deus tenha misericórdia da tua alma, Teresa Delavigne.
A porta do confessionário fora aberta com brutalidade e o homem saiu às pressas, não estava correndo, mas ainda fugia de mim.
–– Espere! –– Me desesperei, peguei em sua túnica e ela rasgou, o homem caiu no chão e começou a se arrastar para longe de mim.
Pelas almas que roubei, eu vou para o Inferno.

–– Você precisa me conceder o perdão, você precisa! Está nas regras! –– Entretanto ele continuava se arrastando, seu pé voou contra meu rosto e me senti tonta. Ele se colocou de pé e correu, mas fui ágil e joguei minha bolsa contra sua cabeça fazendo-o cambalear.
–– Você foi para o caminho negro, Tess. Nem Deus pode te acompanhar, o pecado da omissão é pior que a mentira, pior que o ódio e a vingança. Você foi a cúmplice e seu marido está queimando no inferno!
Mentiras! Apenas mentiras! Não poderia sair sem a graça, não poderia sair sem remissão. Fiquei de pé e num ato impensado corri até o homem, meus braços voaram contra seu peito com força e seu corpo trombou até cair aos pés da estátua do Nosso Senhor Jesus Cristo. Seus olhos estavam abertos e olhando pra cima, mas não pareciam ter cor. Por trás da sua cabeça uma linha de sangue começou a descer, manchando o carpete da igreja de escarlata.
Casada com o Diabo.

Ajoelhei-me perante o corpo do homem, minhas pernas fraquejaram quando caí no chão. Eu revolucionei o termo pecado e pelo visto nem o Soberano dos Céus poderia me perdoar.
Estava consumado.
E você pode ouvir os sinos do Casamento.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gente, eu e minha "irmã" estávamos trabalhando com a ideia de uma nova fanfic. Na verdade a ideia foi inteiramente minha, daí decidi chamar ela, e a kenga saiu, porém voltou e iniciamos a trama. Essa história se passa algumas semana depois do fim dos fenômenos em Hope. "Mas Marco, não sabemos como termina Hope!" bem, aqui vocês podem ter uma ideia. Espero que curtam, mesmo sabendo que irão preferir a minha escrita ou a da Lilith, mas isso não importa.
Acordem! As janelas do Inferno se abrem!
Copiem e cole o link: http://tinyurl.com/m74t77e