Migatte-sa escrita por João Marcelo Santos


Capítulo 1
Capítulo Único: Egoísmo


Notas iniciais do capítulo

Em relação ao título da história, "Migatte-sa", essa palavra significa "Egoísmo" em japonês. Bom, boa leitura a todos, e se gostarem peço que comentem e deixem suas opiniões.Enfim, é isso ^^ Boa leitura².



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|09 de Julho de 2014. Terça-Feira. Tokyo, Japão. |

Uma chuva pesada caía sobre a cidade de Tokyo. E Sakura ainda não havia voltado para casa.

Sua mãe, Hime, devia estar preocupada. Saíra às três e meia da tarde para comprar os últimos volumes lançados das revistas da Shonen Jump[1] na banca mais próxima de sua casa – que não era tão próxima, mas era onde ela sempre ia, pois onde morava não havia tantas lojas de mangás[2]. Desde que saíra de casa, estava chovendo. Porém, quando estava voltando, a forte chuva começara a cair pesadamente. Por ser uma garota de quatorze anos, sua mãe vez ou outra lhe aconselhava a ter cuidado quando saísse.

Ela estava em um ponto de ônibus fechado. Um ar-condicionado estava ligado no modo “quente”. Ela estava sentada no assento da ponta da esquerda. Havia uma senhora de meia-idade próxima dela, que mexia em seu smartphone, distraída. Um homem estava em pé, e olhava na tela Touch Screen do vidro a previsão do tempo. Já Sakura estava mexendo em seu Iphone.

Ela tinha cabelos negros que iam até seus ombros, meio desfiados. Seus olhos eram de mesma cor. Ela usava uma roupa comum e uma capa preta de chuva. Seu guarda-chuva negro estava fechado agora, ao seu lado. Em seu colo estava uma sacola plástica contendo as duas novas revistas de mangás.

No lado de fora, os carros iam passando com certo receio, pois a pista estava bastante molhada. As pessoas que caminhavam com seus guarda-chuvas nas calçadas vez ou outra eram levemente atingidos pela água, o que os fazia murmurarem algumas frases grosseiras, às vezes. Havia vários prédios enormes ao seu redor, lojas, e alguns pontos de ônibus. Havia diversos telões nos prédios, que os fazia brilhar em diversas cores, do verde ao rosa. Algumas propagandas lá passavam.

Sakura guardou seu celular, e retirou uma revista da sacola, a qual decidiu ler. Estava entediada, e, enquanto aguardava a chegada do ônibus, decidiu ler um capítulo de One Piece.

Sua leitura começou normalmente. Porém, a garota se distraiu com algo. Ela olhou para frente para identificar o que havia acontecido.

Alguns carros buzinavam meio estressados para um homem que parecia ter certa dificuldade para sair do lugar quando o sinal abriu. Ela ficou olhando a cena, e então começou a perceber o mundo ao seu redor, a divagar.

Provavelmente, as pessoas que apressavam o homem não sabiam o que acontecia no carro. Provavelmente havia deixado alguma coisa importante cair e fora pegá-la. Mas, ao invés de esperarem ele, ou então indagarem alguma informação do mesmo, não deram a mínima importância – simplesmente o apressaram ainda mais, gerando mais estresse.

Sakura, entretanto, decidiu deixar para lá o que aconteceu, e pousou novamente seus olhos orientais na revista. Porém, sua mente começou a divagar na leitura. Ela novamente olhou para cima, para as pessoas ao redor, e começou a perceber o quanto a humanidade era egoísta.

Sim, egoísta. Sakura viu um garotinho perto do ponto de ônibus – um garotinho de aproximadamente seis anos, com roupas comuns, porém um pouco rasgadas. Ele estava com a cara espremida no vidro, e encarava Sakura com um olhar pidão. Sakura tomou um leve susto ao repará-lo, e, olhando ao redor, as duas pessoas ali não haviam notado-o. Ninguém. Ninguém notaria um garoto de rua.

Mas Sakura notou.

E notou mais do que normalmente teria notado.

Lá estava um garoto, com vestes sujas, provavelmente sem pais e sem dinheiro. Não era nada comum se ver um morador de rua em Tokyo, pois além de não serem numerosos, eles se escondiam. Se escondiam da grande tecnologia da cidade. Dos prédios. Geralmente, tinham vergonha de não terem dinheiro em uma das cidades mais ricas do mundo.

Mas este garoto era curioso. Encarava Sakura com seus olhos verdes, seus cabelos negros desarrumados. Ele não falava nada, nem por mímica ou murmúrio. Encarou Sakura. Depois, encarou o mangá que a garota segurava.

Porém, em nenhum momento, a moça sentada ao lado de Sakura baixou seu smartphone para notá-lo – é óbvio. Por que diabos ela iria perder seu grande e emocionante entretenimento em seu celular para olhar um garoto passando fome? A vida dela importava mais, é claro. O problema dos outros não a interessava. Não interessava as pessoas. Porque as pessoas tinham mais o que fazer.

E então ela percebeu que sempre foi assim: Desde a antiguidade, a humanidade passava uma falsa imagem de que se importava com os pobres, mas na realidade, os detestava. Na maioria das vezes, eles os achavam repugnantes. Pessoas imundas, certo?

Lembrou-se dos faraós do Egito antigo e os plebeus. Lembrou-se da ditadura. Ambos eram diferentes, as formas de governar eram diferentes, mas sempre tinham algo em comum: O egoísmo. O egoísmo de quem mandava. De quem podia mandar. É como diz aquele ditado: Manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Ela ainda olhava o rosto do pobre menino. Os minutos se passavam, e o ônibus já devia ter chegado, e o homem naquele ponto de ônibus notara isso. Mas Sakura não se importou. Para o garoto, não importava o ônibus, o que importava era comida, dinheiro, mesmo que pouco.

Nas religiões famosas pelo mundo, como o catolicismo, e outras muito seguidas, dizem que todos os seres humanos são iguais: Com direitos e deveres iguais. Mas, se isto fosse mesmo verdade, por que as pessoas não agiam desta forma? Até os seguidores mais fiéis, como padres, preferiam o dinheiro para si do quê para os outros.

As pessoas ao redor de Sakura não eram diferentes. Estavam sempre apenas de mau humor, com estresse, se importando apenas com seus interesses, como chegar em casa mais cedo, assistir televisão, ou até passar uma noite romântica com a esposa – o que não era um jantar. Sakura não entendia o porquê, mas os japoneses não gostavam de muita aproximação com esposas, alguns as viam apenas como meio de reprodução. E, ao invés de ajudarem as pessoas pobres, como um garoto, estavam brigando com uma pessoa na rua, para chegar mais cedo em casa.

As pessoas são realmente egoístas. Se um amigo tiver dificuldades, dificilmente a pessoa o ajudará. Afinal, nossos interesses vêm em primeiro lugar, é claro. Se tivermos preguiça de ajudar alguém, deixemos que ela se vire, afinal, o problema é dela. Lógico, por que não?

Sakura foi retirada de seu devaneio quando percebeu que seu Iphone vibrava. Ela parou de encarar o garotinho e conferiu seu celular. Era sua mãe ligando.

–Alô, mãe? - Sakura atendeu, procurando falar baixo.

–Sakura, onde você está? – Sua mãe indagou – Preciso que fique aqui em casa cuidando de seu irmão, eu e seu pai vamos sair mais tarde. Você sabe como Neko é...

–Estou no ponto de ônibus, mãe. – Ela respondeu – Em poucos minutos estarei aí, não se preocupe. – Sakura sorriu – Não precisa se preocupar. Eu tenho um guarda-chuva. – Ela riu de leve.

Ela ouviu um leve suspiro de sua mãe do outro lado.

–De qualquer forma, não vá se meter em encrencas. Te amo.

–Também te amo. – Ela desligou o telefone, e voltou a olhar o garoto. Dessa vez, ele olhava seu Iphone como uma tecnologia nova, completamente inacessível para ele.

Nesse momento, Sakura sentiu sua consciência pesar. Lembrou que tivera uma discussão com seu pai para ter este Iphone. Seu celular era um Smartphone – que, nos dias de hoje, ter um desses no Japão significava estar ultrapassado. Depois de muito insistir, acabou convencendo seu pai. Porém, ele não deu um que fosse da nova geração, então ela se enfureceu com o pai e teve que se contentar com seu Iphone. Mas o pior detalhe é que ela tinha ganho aquele Smartphone há dois meses antes de pedir o Iphone. Isso fez com que sua consciência pesasse ainda mais. Quantas vezes na sua vida não fora egoísta? Não quisera as coisas só para ela? Quantas vezes não pensara que seus pais davam mais atenção à seu irmão de três anos do que para ela, que tinha quinze? Quantas vezes deixara de pensar que, no momento que ela exigia algo, alguém implorava por um pedaço de pão?

Estaria ela sendo igual á população egoísta ao seu redor, se preocupando apenas consigo mesma, sem dar muita atenção para o sentimento dos outros? Provavelmente sim. Não percebera antes, é claro. Até observar aquele garoto, ela achava que era uma garota simples, comum, que não fazia diferenças entre as pessoas. Mas percebeu que estava enganada.

Ela também teve que lembrar que, não só em Tokyo, mas em várias partes do mundo, em países diferentes, as pessoas faziam questão de demonstrar essas indiferenças sociais. A copa do mundo era um exemplo disso. Nesse momento, ela devia estar acontecendo no Brasil. Ela nunca se interessava sobre outros países, mas ouvira dizer que o Brasil não estava pronto para sediar a copa, pois havia muitas pessoas na miséria que eram sumariamente ignoradas pelo governo e deixadas para trás. Mas isso não acontecia apenas no Brasil, como em vários lugares.

Porém, pouquíssimos suspeitariam de Tokyo. Afinal, o Japão é um dos países mais honestos, o que Sakura concordava com isso. Porém, será que ninguém percebia que os japoneses eram egoístas?

Um exemplo clássico do egoísmo japonês é em relação aos populosos animes[3]. Quando DVD’s de Animes eram vendidos para outros países para terem suas respectivas dublagens, eles simplesmente trocavam as capas dos mesmos por uma pior, para que o “grande sucesso do Japão não seja superado por um sucesso internacional em um trabalho que nós fizemos.” Se isso não era egoísmo, Sakura não sabia o que era.

Até que o ônibus chegou. O garoto fez uma cara desapontada, como se percebesse que sua chance de conseguir um mísero dinheiro se esvaíra.

Mas Sakura não entrou no ônibus.

Assim que ele chegara, a garota pegou seu guarda-chuva, sacolas com revistas e saiu do ponto de ônibus, mas seu foco não era o automóvel. Ela se dirigiu ao garotinho.

A moça reparou no gesto da garota enquanto guardava seu smartphone. Alguns pedestres pararam para olhar a garota que, sem guarda chuva, se molhava naquela chuva pesada.

O garotinho ficou assustado ao ver a garota se aproximando, e recuou dois passos. Até que Sakura fez um gesto inesperado: Abriu o guarda-chuva e protegeu o menino, ficando exposta na chuva. O garoto parou de ser molhado, e ela reparou que suas roupas estavam encharcadas. Só não estava tanto porquê no ponto de ônibus haviam telhas do lado de fora, debaixo das quais ele devia estar havia horas.

Então, novamente, os olhos se cruzaram. Os olhos de Sakura e os dele. Ela retirou alguma coisa do bolso estendeu a mão. Ao olhar mais de perto, o garoto reparou que lá haviam moedas e algumas notas. Eram cerca de quarenta Ienes.

–Tome, pegue. – Sakura sorriu para o garotinho, bondosa. – Não vou usar este dinheiro para nada, certo? Você, no entanto, vai usar ele, sim.

O garoto pareceu confuso, e espantado, falou.

–...E-Este dinheiro... é para mim? – Ele perguntou, seus olhos brilhando ao olhar os quarenta Ienes na mão da menina.

–Eu tenho quinze anos, o que vou fazer com isso?- Ela riu. – Onde estão seus pais? – O menino não conseguiu responder. - .... Ah. Bem, fique com isso. – Ela afundou o dinheiro nas mãos frágeis e pequeninas do menino.

–M-Moça... v-você está se molhando... – Realmente estava. Os cabelos de Sakura já estavam encharcados.

–Você está em pior estado. – ela disse. E nada mais foi dito. As pessoas paravam para olhar. Algumas até tiraram foto, o que Sakura odiava. Mas desta vez não pareceu se importar. Um olhar significou tudo. Ele pegou o dinheiro, e ela deu para ele o guarda-chuva. Antes que ele contestasse que ela voltaria para casa com um grande resfriado, ela se virou e saiu andando, pouco ligando para a chuva que caía sobre ela. O que importava nesse momento é que o menino ficaria seco.

Enquanto andava, ouviu o garotinho gritar:

–A-ARIGATÔ GOZAIMASU[4]!!! – Sakura se virou e sorriu. E se virou novamente, e não andou rápido: andava lentamente sobre a chuva.

As pessoas eram realmente egoístas. Dificilmente, Sakura veria alguém fazendo isso. Mas ela seria diferente. Não seria mais uma garota hipócrita.

Quando chegou em casa, estava com um forte resfriado. Hime, sua mãe, logo acolheu a mãe, preocupadíssima. Ela deu a desculpa que fora assaltada – o que fez Hime realizar um discurso de quinze minutos sobre a filha ter cuidado, que ela sempre avisou, e tudo mais.

Mas ela não se importava. Ajudara um garoto que não conhecia. Fizera o bem sem saber a quem. E, embora Hime tenha dado as broncas, logo percebeu que algo estava estranho em Sakura: estava sorrindo, o que a fez se indagar se realmente havia sido assaltada. Então, resolveu dar as costas e voltar aos seus afazeres.

E Sakura permaneceu sorrindo. Jogou seus mangás na cama, sem parar de pensar no quanto agradecido ele deveria estar. Era pouco a dar para ele, e ela tinha consciência disso. Mas era tudo que ela tinha.

E decidiu, em sua cama, se sempre seria daquele jeito: pura como aquela criança.


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Notas finais do capítulo

TRADUÇÕES:

Shonen Jump[1]: Uma revista de muito sucesso no Japão, responsável por publicar inúmeros mangás semanalmente, no qual tem seu foco os garotos. (Exemplos de mangás lá publicados: Dragon Ball, One Piece, etc.)


Mangás[2]: Quadrinhos japoneses, histórias criadas e desenhadas, geralmente publicadas semanalmente, dependendo da editora que a publica. Alguns mangás acabam sendo adaptados em animes. (EX: One Piece, Death Note.)

Animes[3]: Animações de origens japonesas. (EX: Dragon Ball, Pokemón, Digimon, Bakuman, etc.).

Arigatou Gozaimasu[4}: 'Muito obrigado" em japonês.



—Enfim, é só isso ^^ espero que tenham gostado. Eu sinceramente gostei do meu própio trabalho, é a primeira One Shot que faço com este tema... Enfim, até mais! o/