Premonição Chronicles escrita por PW, VinnieCamargo, MV, SamHBS, Felipe Chemim


Capítulo 15
Capítulo 14: Correria


Notas iniciais do capítulo

Escrito por SamHBS.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/525953/chapter/15

DIA DO ACIDENTE – MOMENTO APÓS O ACIDENTE

Samuel estava no estacionamento do Blue River Adventure Park ao lado de todas as pessoas que conseguiram escapar do terrível desastre. Olhares desconcertantes, medo e angústia tomavam conta dos pensamentos de cada um. Tornou-se um festival de horror o que era para ser um dia de diversão.

E foi um festival de horror divertido. Todos os sobreviventes estavam fora do parque, calados, sem esboçar nenhuma fala, um “a”, depois de um momento de agitação, em que estavam desesperados, discutindo, falando alto. Algumas pessoas gritavam quando havia mais um resto de explosão ou alguma coisa terminava de cair. E as coisas ainda caíam. Alguns toboáguas gigantes continuavam a despencar. E foi o que aconteceu com o Green Hype.

Enquanto Sam observava os pedaços do Green Hype a caírem do ponto mais alto até o chão, esmagando as pessoas mortas, ou matando as que ainda estavam morrendo, pensava que esse era o seu destino. Ele estava na fila do exato toboágua com o seu amigo, É-Do-Lado, quando olhou para baixo e viu, de longe, em um quiosque, rostos familiares discutindo. E é claro que isso não poderia significar algo bom. Ainda mais se esses rostos fossem de um grupo de fãs de Premonição da internet. Era óbvio que iria acontecer um acidente, e ele tentou avisar a seu amigo, que o ignorou. A resposta deste foi que já estava na fila há um tempão e que não desceria dali se não fosse pelo toboágua.

Quando Samuel viu o Green Hype desabando, tinha certeza que É-Do-Lado estava lá. O lado bom é que ele realizou seu desejo de escorregar nesse negócio. O lado ruim é que ele morreu. E veio logo aquela frase motivadora em sua cabeça: “mire a lua. Caso caia, estará entre as estrelas”.

Logo em seguida, pensou no que havia o levado até esse lugar. Tentou esquecer-se de todas as mortes, de toda a dor e de toda a depressão do local, por mais que fosse impossível. Isso o ajudou a lembrar. Estava ali porque sua amiga, Zulma, comemoraria o aniversário lá. Quando chegou ao parque, disse que iria primeiro descer no Green Hype, e depois procurá-la, cumprimentá-la, cantar “parabéns pra você” pra ela... Porém, no momento em que saiu da fila do toboágua ao ver os “reapers” discutindo, esqueceu-se de sua amiga. E nesse momento estava no estacionamento, havia escapado da morte, enquanto ela poderia estar lá, viva ou morta. E ele precisava saber como ela estava.

Ao olhar para a entrada do parque, viu João - Jo -, Vinícius - Vini -, e Márcio Vinícius -MV- saindo do parque. Eles haviam voltado para lá por algum motivo. E Samuel também tinha um motivo. Zulma. Ele precisava encontrá-la.

Enquanto os três saíam, ele ia contra o fluxo, e sem ver atentamente quem era, puxou um deles, dizendo:

– Você vem comigo.

A pessoa que ele havia puxado era Márcio Vinícius, que, sem entender muito bem, passou a segui-lo. MV já estava chocado o suficiente depois de ver tantos mortos de uma só vez, e agora essa imagem da morte se fixaria bem em sua mente, pois já era a segunda vez que voltava para dentro do parque aquático. Sam andava rápido, enquanto tentava lembrar em que parte Zulma comemoraria o seu aniversário. Pensando demais, não observou o número de corpos no chão e acabou tropeçando em um.

– Cuidado! – Gritou MV.

Mesmo assim, Sam se desequilibrou e caiu. Para amortecer a queda, colocou seus braços à frente do resto do corpo. O problema é que havia outro morto um metro à frente, com a barriga toda aberta e os órgãos internos a amostra. Sem poder desviar, Samuel caiu exatamente em cima desse corpo, enfiando os braços no meio das tripas dessa pessoa. Muito assustado e com cara de desgosto, foi tirando os braços ensanguentados lentamente do meio daquelas vísceras, enquanto MV procurava manter distância, tampava os olhos e fazia cara de nojo.

– É só sangue! Você também tem! – Sam disse, levantando-se e limpando o sangue em sua roupa.

Com a cabeça erguida, olhou para o Quiosque 18 (é claro que tinha que ser 18, não poderia ser qualquer outro número), e viu um corpo deitado no chão de barriga para cima, com um bolo de aniversário estraçalhado em cima de sua cabeça. Aproximando-se lentamente, reconheceu o cabelo crespo de Zulma, sujo de sangue e glacê, no meio de vários outros corpos, que deveriam ser de seus outros amigos.

Samuel agachou próximo a Zulma e começou a tirar os pedaços de bolo e a massa de chantili de seu rosto e que impediam sua respiração. Com um olhar técnico e ligeiramente frio, colocou seus dedos ensangüentados no pulso de sua amiga. E sentiu.

– Ela ta viva! Ela ta viva! Me ajuda, MV! A gente tem que levar ela lá pra fora!

– Ainda bem. – Soltou MV, com os olhos arregalados de pessoa assustada. Ele entendia muito bem o que estava acontecendo, mas ainda não acreditava no que seus olhos viam.

Márcio segurou as pernas de Zulma, enquanto Sam segurou o seu tronco. Os dois andavam rapidamente em direção a saída do parque, desviando a atenção dos corpos no chão, do mar de sangue que havia se formado nas piscinas, das construções que terminavam de pegar fogo, de alguma coisa ou outra que ainda desabava, da piscina infantil cheia de pequenos corpos boiando... A atmosfera se fechou de repente em luto às almas do Blue River. Como sempre acontece quando alguém morre, começou a chover, para limpar o sangue que manchou o corpo e a mente de cada um que estava lá.

Passando pela saída do parque, Sam e MV viram que já havia várias ambulâncias no estacionamento e os trabalhadores do SAMU – e também do IML – começavam a entrar parque adentro. Os dois carregaram Zulma até a ambulância mais próxima, depositando ela numa maca. Os paramédicos fizeram o resto do trabalho.

Com um sentimento de alívio e de dever cumprido, Samuel olhou para Márcio e apenas disse:

– Fico te devendo essa.

Minutos depois, Sam sentou-se num dos bancos do estacionamento, observando a formação de uma grande multidão no local. As famílias dos mortos, bem como as emissoras de televisão e de rádio, já chegavam. O mundo todo noticiava o dia em que o Blue River se tornou o Red River, e o Adventure Park se tornou Adventure Casket. O local ficava tão cheio que ele perdeu de vista os próprios reapers que ainda deveriam estar lá.

Mesmo assim, reconheceu uma pessoa se aproximando desesperada em sua direção. Era Zípora, irmã mais velha de Zulma, que, com os olhos cheios de lágrimas, não conseguia dizer nada. A voz não saía. Samuel somente a sentou no banco, dizendo:

– Ela está viva.

XXX

MOMENTO ATUAL

Após levantar-se da cama, Samuel ligou imediatamente a televisão. A tela mostrava a vinheta do jornal e, em seguida, um repórter em uma área chuvosa próxima a uma ponte de madeira, que estava, em parte, desabada.

A cidade está aterrorizada com mais uma morte chocante. Uma sequência de acontecimentos estranhos causou o falecimento de um jovem no Bairro da Graça. Emerson Scheimel estava nas margens do Rio Califórnia, quando foi atingido por vários pedaços de concreto que desabavam de uma ponte que liga o centro da cidade ao cemitério. Após investigações, os peritos encontraram marcas de borracha na rua que dá para a ponte, o que indica que o jovem andava de bicicleta, quando não conseguiu frear e atingiu a mureta que a cerca, caindo no rio. Para não ser levado pela correnteza, se agarrou a uma pedra, mas a ponte começou a desabar, matando-o imediatamente.

Samuel pegou o controle e desligou a televisão. Começou a raciocinar consigo mesmo.

– Esse Emerson tava lá no Blue River no dia do acidente... É. É... Realmente tem lista da morte, e os caras não me avisaram nada desde o dia da última reunião. Eu vou ligar pra eles.

Após dizer isso, pegou o celular e começou a buscar pelo nome “Pedro”. Pedro Oliveira. Teclou para discar e começou a chamar. Enquanto o tempo e os “túuus” do telefone passavam, começou a ficar impaciente. Pedro não atendia. Tentou ligar para João R. C. Nesse caso, nem chamou. “O número que você ligou está fora da área ou desligado”. Não possuía o número de MV.

Desistindo de tantas tentativas falhas de falar com alguém, Sam se estressou e decidiu visitar Zulma, que estava no Hospital Regional. Até lá alguém já teria retornado a ligação. Ele andou até o seu guarda-roupa, separou uma calça jeans e uma camisa cinza. Pegou o celular e colocou no seu bolso traseiro. Além disso, pegou as chaves de casa e o cartão de ônibus. Não podia perder tempo sabendo que estava sendo perseguido pela morte, ainda mais depois de que tomou conhecimento de que ela já está correndo atrás dos sobreviventes. Logo, saiu de casa e pegou um ônibus.

XXX

Pedro se via em uma sala completamente escura, sentado em uma cadeira sem conseguir se mexer. Uma luz se acendeu atrás de sua cabeça e a cadeira girou sozinha para que ele pudesse ver o que estava sendo iluminado. Estava a três metros de distância de uma caixa de vidro que guardava uma mulher dentro. Ela estava em uma camisa de força, com a boca tampada por uma fita isolante. Parecia tentar gritar e se agitava como se estivesse louca. Próximo ao chão, mostrou-se a existência de um cano, que pingava lentamente, ameaçando encher o recipiente em que estava a pessoa. Pedro o examinava com precisão, mas não sabia o que aquilo significava.

Como em um piscar de olhos, um barulho de água começa a tomar conta do lugar. Águas começam a ser jogadas por esse cano, e a caixa de vidro começa a ser enchida rapidamente. A mulher que lá estava se mexe incansavelmente e passa a bater a cabeça na parede, sujando-a de sangue.

A cadeira de Pedro gira poucos graus. Quando a caixa termina de encher completamente, a pessoa que lá estava, já flutuando, solta bolhas de ar pela boca e fecha os olhos, afogada. A luz que estava sobre ela se apaga. Outra luz se acende ao lado desta, revelando a existência de um outro recipiente. Desta vez, lá estava um adolescente. Outro cano começa a enchê-lo.

TRRRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIM

Pedro abriu os olhos, completamente desnorteado e assustado. Olhou para o lado e reconheceu o seu quarto. Havia acabado de passar por mais um sonho estranho. Percebeu que a campainha estava tocando e, então, sem tirar o pijama, tentou se levantar, mas sentiu uma dor horrível em uma das pernas. Estranhando essa sensação, tirou os cobertores de cima de seu corpo e percebeu que sua perna estava engessada. Havia se esquecido da queda que teve na torre do cemitério. Viu que há duas muletas encostadas na parede e se levanta com cuidado, esticando seu braço para pegá-las.

– Isso só pode ser brincadeira...

Se deslocando com a ajuda delas, andou até a porta da sala de sua casa como uma verdadeira mula, e, ao chegar lá, gira a chave que já estava na fechadura, destrancando-a.

Não era surpresa as pessoas que batiam na porta. Vinícius estava usando uma jaqueta de couro no estilo motoboy, enquanto João R. se limitava a uma camisa roxa e branca listrada. Em um surto de falta de educação, os dois entraram sem pedir licença.

– Isso não pode continuar assim – Adiantou Vini.

Pedro somente olha diretamente nos seus olhos, sem dizer nada. Os três se assentam nos sofás, sem saberem o que fazer.

– Eu nunca pensei que isso realmente fosse acontecer na vida real. – Disse João.

– Eu entendo – começa Pedro – como vocês estão se sentindo. Eu também sempre fui um verdadeiro fã da franquia, gostava verdadeiramente dela, mas nunca quis, nunca imaginei isso pra minha vida.

– Já foi a Keth. E minha vida não tem o mesmo sentido. Ela era tudo para mim. – Diz Vini. – A gente não pode deixar essa porra da morte acabar com todo mundo.

– Pedro, você tem que dar um jeito de lembrar da lista completa. Talvez se a gente conseguisse salvar, pular alguém, a gente quebraria o ciclo. – Disse João.

– Eu tento, mas não tá sendo fácil pra mim. A gente já tentou intervir na morte do Breno, do Lucas, mas não. Parece que a morte é sempre mais rápida, sempre mais esperta.

– Esperta, mas não imbatível. – Disse Vini.

XXX

Sam chegou ao Hospital Regional pelas 9h da manhã. Após passar pela recepção e pegar o crachá de visitante, entrou no elevador e apertou o sexto andar. Enquanto subia, começou a pensar nas pessoas que viu no estacionamento no dia do acidente, mas seu pensamento foi interrompido pela abertura da porta.

Andando rapidamente, abriu, de forma abrupta, a porta do quarto 605. Ao entrar, se estranhou. Lá estava uma menina com óculos escuros e o corpo todo ligado por fios e tubos. Não parece nem um pouco com Zulma.

– Desculpa! Você não é quem eu tava procurando

Ela parecia se esforçar para falar.

– Não... Meu nome é Marina.

– Desculpa mesmo por incomodar.

Sam saiu do quarto com uma estranha sensação de que conhecia essa menina de algum lugar. Mesmo assim, parecia não ligar para esse fato. O estranho é que o crachá que lhe deram indicava o quarto 602. No corredor, para esclarecer essa informação, viu passando um enfermeiro com papéis nas mãos. Começou a segui-lo e o chamou.

– Ei! Aqui!

O enfermeiro se virou.

– É... Eu estava procurando o quarto da Zulma, mas o crachá que me deram falava que era o 605, mas eu fui lá e tinha outra pessoa.

– Qual o nome completo da pessoa que você veio visitar?

– Zulma... Acho que Zulma Kwame da Silva Niara.

– Zulma o quê?

– Kwame. K, W, A, M, E.

O enfermeiro pegou um de seus papéis e procurou, com o dedo, esse nome no final da lista.

– É no quarto 1305. – Ele disse.

– Ah. Nossa. Obrigado. – Samuel respondeu. – Qual o seu nome mesmo?

– Léo. Se precisar de alguma coisa pode me procurar.

– Ok. Léo enfermeiro.

Sam voltou a chamar o elevador, que já estava no sexto andar. A porta se abriu imediatamente e ele apertou o botão 13 (é claro que sua amiga deveria estar no andar amaldiçoado). Quando chegou lá, encontrou o quarto 1305, abrindo a porta. Dessa vez, era realmente Zulma que estava lá, acompanhada de uma de suas irmãs, Zoraíldes.

– Licença... Zulma! Que bom que você está bem. – Disse Samuel, entrando no quarto, aliviado.

Em vista do que passou no dia do acidente, Zulma estava com uma aparência ótima e parecia já estar bem recuperada. Alguns minutos com as vias respiratórias tampadas e várias partes do corpo com cortes não fizeram tanto estrago.

– Sam, obrigado por tudo que você fez por mim naquele dia. Você salvou minha vida.

– Você é muito importante pra mim. Eu não podia te deixar lá sem saber se você estava viva. Ainda bem que o... – Sam arregala os olhos - MV? Estava lá para me ajudar.

– Quem é MV? E Por que você falou “MV” assim?

Sam refletiu se poderia falar desse assunto com Zulma. Falar de algo tão sério, que envolve o acidente no parque aquático, mas, ao mesmo tempo, envolve aspectos sobrenaturais poderia deixá-lo com uma imagem de mentiroso, e sua amiga poderia não acreditar no que ele diria.

– É que eu não sei se ele está vivo...

No mesmo instante, após recordar de MV e do dia do acidente, Samuel recebeu um flash de memória em sua cabeça e lembrou-se de quem se tratava a menina do primeiro quarto do hospital que entrou. Ela se chamava Marina. Só poderia ser a namorada do Felipe Chemim. Percebendo isso, pediu um minuto para Zulma e sua irmã, saindo do quarto. Andando até uma das janelas do corredor do hospital, ele tirou o celular do bolso e procurou o número de Felipe.

– Ainda bem! – Agradece. – Eu tenho o número dele.

Dessa vez, a tentativa de ligação foi diferente. Chemim atendeu na primeira chamada.

– Alô? – Disse Felipe.

– Cheminho? É o Sam. Eu queria saber se você tem alguma novidade.

– Sam? Que Sam?

– Do Parque Aquático, do acidente, sobrevivente. Acorda.

– Ora, Sam, eu não sei se você sabe mas já morreu muita gente e sua vez pode chegar a qualquer hora. – Ele disse com um ar cético.

– Nossa. Então é tudo verdade. Existe morte, existe lista.

– Existe.

– E você sabe quantas pessoas já morreram?

– Pelo que eu sei, a Keth, namorada do Vini, o Guib, aquele menino, o Lucas...

– Tá bom, tá bom, tá bom. – Sam o interrompe. – É melhor você falar quem ainda está vivo.

– Eu, agora você, o MV, o Vini, o João e o... Pra mim, só nós cinco.

– O quem? Fala logo.

– Pedro.

– Por que você disse o nome dele assim? Você tem algum problema com ele?

– Pobre Sam... Tão ingênuo. Até parece que você nunca experimentou do veneno daquela víbora safada.

– Não fala assim! O que ele fez pra você?

– Essa desgraça estudava comigo e sempre fez de tudo pra me irritar. Eu não sei como ainda tem gente que fala com ele. E pior. – Felipe foi alentando a voz. – A culpa é toda dele. Ele não salvou a Marina. – Sua voz começa agudar e ficar chorosa. - Ela não merecia ter morrido naquele acidente.

– Marina?

Sam começou a pensar se realmente valia a pena falar que provavelmente a namorada de Chemim estaria viva, mas continuou pensando.

– A única pessoa que eu amava de verdade. – Disse Felipe. – E eu não vou deixar barato.

– Você não tá pensando em fazer alguma coisa com o Pedro, tá?

– O quê? Sam, você tá louco? Depois do que ele fez com a Marina, ele merece é coisa muito pior. Pior até do que a morte.

Samuel ficou indignado com o que acabara de ouvir. Felipe estava sendo um hipócrita, estava julgando Pedro por uma coisa que não cabia a ele. O visionário salvou a sua vida, e de muitas pessoas, e ele estava sendo imensamente ingrato.

– Meus pêsames pela Marina... – Disse Sam, omitindo que, provavelmente, ela está viva. – Eu sinto muito por você.

Felipe começa a fungar e parece querer chorar, mas Sam continua a conversa.

– Eu não acho isso justo. Você deveria resolver isso com ele.

– Aquele idiota ainda me paga...

– É melhor vocês conversarem mesmo. Eu estou do seu lado.

Sam simplesmente não contou para Felipe de Marina porque ele não merecia saber essa informação.

XXX

Havia se passado, aproximadamente, uma hora, quando Vinícius, Pedro e João ainda estavam discutindo sobre a morte. Depois de várias discussões, voltavam sempre ao mesmo ponto. Tentando relacionar com os filmes, nenhuma teoria parecia certa, mas a de interromper a lista parecia a mais viável. Quando a campainha da casa soa mais uma vez. Pedro mostra seu esforço para levantar, mas Vini o interrompe.

– Pode deixar que eu vou lá, você tá com a perna toda fodida.

Vini se encaminha à porta e roda a maçaneta imediatamente, abrindo-a.

– Sam? – Diz João.

– Me contem tudo. – Diz Sam, entrando de uma vez. – Então quer dizer que tá todo mundo morrendo e ninguém me conta nada?

– Não foi bem assim, Samuel... – Diz Pedro.

– Você tá com a perna quebrada? – Sam pergunta, interrompendo Pedro.

Pedro, no maior estilo “bom moço”, começou a contar:

– É que no enterro da Vic eu fui subir naquela torre de madeira velha do cemitério pra ver se conseguia sinal pra ligar pro Emerson, só que eu encontrei com o Chemim, e tal, mas quando eu fui descer, eu pisei em falso e caí na borda da escada. Eu até tentei segurar, mas parece que não tinha ninguém lá. Aí eu caí.

– Então o Felipe tava lá? O que ele te disse? – Perguntou Samuel.

– Nada de mais.

– Você não gosta dele, né?

– É...

– Sei... Mas e aí? Quem já morreu?

– Bom. – Começa João com um ar intelectualizado. – Keth.

– Que horror! – Samuel olha para a cara de Vinícius e se acalma. – Meus pêsames.

– Não, não precisa. – Responde Vinícius.

– Guib. – Continua João. – Depois Lucas e Breno. Vic. E agora Emerson.

– Que tragédia... Eu vi na TV o trem do Emerson. – Comenta Sam. – E o MV?

– Ele tava lá no cemitério ontem. – Diz Pedro. – Ele tem sido um amigão...

– Um amigalhão. – Sam diz.

– É, ele me ajudou quando eu descobri os meninos no motel, nunca pensei que ele tivesse tão animado em nos ajudar. Ele até chamou a gente pra ir na final do campeonato de corrida, que comemora o aniversário da cidade, e ele tá achando que vai ganhar.

– Então ele tem ajudado vocês?

– Todo mundo. A gente faz o possível. Eu, o Vinícius, o João, todo mundo. Você não sabe do que a gente já passou. Só o Felipe que não quer ajudar, parece que o ódio dele por mim é maior do que tudo.

– É... Mas você precisa lembrar a ordem. – Diz João, interrompendo Pedro.

Pedro fecha os olhos em um instante de reflexão. Todos permanecem calados, mas o jovem tenta buscar, no poço de sua memória, uma gota de esperança. E não funciona. A fonte está seca, ele não consegue se lembrar de nada.

– Só a Vic conseguia me fazer lembrar a lista. – Diz o visionário. – Eu não sei se vou conseguir sem ela.

– Calma, cara. – Diz Vini. – Só concentra.

Pedro não conseguiu. Olhou nos olhos de cada um que estava naquela sala, mas sua mente não aguentou. A tristeza era mais forte do que ele. Mais do que medo, ele sentia solidão. Preso em uma realidade imutável, sem saber de que forma agir. O que ele podia fazer era apenas observar o falecimento de cada um ao seu lado enquanto hora se aproxima, chegando para levá-lo para sempre. Ele desabou em lágrimas. Tentou levantar-se do sofá, mas sua perna o impediu. Vinícius e João ajudaram-no, levando-o até o banheiro para lavar o rosto, deixando Sam sozinho na sala de estar.

Sam, vendo que não havia ninguém o observando, olhou para o celular de Pedro que estava em cima da mesa de jantar, no canto. Levantou-se calmamente, para não fazer muito barulho, e se aproximou do objeto. Pegou o celular, que, por sorte, não estava bloqueado. Aproveitando dessa situação, procurou o número de Felipe Chemim e começou a escrever uma mensagem.

“A gente precisa conversar e resolver nossas diferenças. Não dá pra continuar assim.”

Ao receber a notificação de “mensagem enviada”, Samuel apagou o que acabara de enviar da caixa de mensagens de Pedro para que ele não pudesse ver o que foi escrito. Depois de fazer isso, foi para a porta do banheiro encontrar com os outros sobreviventes, e disse:

– Eu preciso ir. Eu vou tocar num casamento importantíssimo e eu vou ter que estudar um pouco. Se vocês tiverem alguma notícia, precisarem de alguma ajuda, eu to aí. Só me ligar.

– Não, tranquilo. – Diz Pedro, já mais calmo.

Sam, andando em direção à porta de saída, foi interrompido por Vinícius.

– Ei, toma cuidado.

XXX

Márcio Vinícius, MV, estava na pista de atletismo do lugar de onde treina. O grande dia chegou. Depois de horas de esforço, melhorando o fôlego, fortalecendo os músculos das pernas e adquirindo maior velocidade, chegou sua hora de brilhar. Acontece que, depois do acidente no Blue River e das mortes consequentes, o atleta não tinha cabeça para treinar. E ele tentava.

Alguns dias, ele acordava com a mente pronta para correr. Mas, ao mesmo tempo, não estava concentrado. Pensava nos acidentes, nos sinais, menos na corrida. Isso o abalava e o prejudicava. Mesmo assim, depois de tanto esforço, suas pernas de aço já estavam rígidas o suficiente para aguentar qualquer desafio. E ele precisava ganhar. A medalha era sua cobiça. Pensando alto, não só a medalha, como o troféu de campeão. Esse era o seu maior desejo, talvez não de toda a vida, mas desse momento de sua vida.

Sabendo que sua hora de morrer estaria chegando de qualquer jeito, Márcio queria reconhecimento. Queria recompensas de seu esforço, como também de seu talento. E não seriam poucas pessoas que o prestigiariam. A corrida é em comemoração ao aniversário da cidade, e não seria pouca coisa se ele fosse conhecido como o melhor atleta regional. Bajulação. É isso o que ele queria. Para isso, teria que dar tudo no último treino matinal.

XXX

Sam, já estava no ônibus após sair da casa de Pedro. Sua ideia de enviar uma mensagem para Felipe marcando um encontro seria essencial. Ele se sentiu esquecido pelos sobreviventes e, principalmente, por Pedro. Queria provar que era importante para o grupo. Pensando nisso, achava que, por si próprio, poderia resolver as desavenças entre os dois, e contribuir para luta contra morte. Na mensagem que enviou para Chemim marcando um encontro, decidiu que o visionário não poderia descobrir que ela foi enviada. Então, ligou para Felipe.

– Felipe, Sam aqui.

– E aí.

– Eu dei uma passada na casa do Pedro agora mesmo, e ele está bem abalado.

– É mesmo? Coitado... Como se já não bastasse, fiquei sabendo que quebrou a perna.

– Como você sabe? Você não tem nada a ver com isso não, né? – Sam pergunta. Sem dar tempo de Felipe responder, continua. – Não precisa responder, eu sei que você não faria isso. Acontece que ele quer conversar com você. Agora que nós estamos sendo perseguidos, precisamos tirar qualquer coisa que nos impede de lutar contra a morte! Se tiver qualquer coisa atrapalhando, o destino de todos nós será o mesmo.

– Eu sei disso, mas parece que ele só quer complicar as coisas. Ele até me enviou uma mensagem me chamando para resolver nossas “diferenças”.

– Olha... Eu sei que vocês não se dão bem, mas não desça do salto. Envia outra mensagem pra ele dizendo que vocês têm que conversar. Sei lá, marca um lugar, uma hora, tipo, sei lá, o Bar da Correria, às 18h. Vocês que sabem.

– Boa ideia. Aí a gente se encontra e conversa.

– Não tenta fazer nada de errado, isso só prejudica a gente.

– Tá bom, Sam. – Diz Felipe, desligando o celular.

Samuel tinha certeza de que Felipe iria tentar alguma coisa contra Pedro, mas esperava que isso não acontecesse. Se Chemim fizesse qualquer coisa para prejudicar o visionário, ele iria provar que é covarde e injusto.

XXX

O relógio já marcava duas horas da tarde, quando Vinícius apareceu nas redondezas do parque aquático. Embora fosse dia, o céu estava escuro pelas nuvens e o vento movimentava-se em brisa. Ele estacionou o carro no estacionamento deserto do local, descendo em seguida. O lugar não parecia o mesmo de antes. O mato que era cortado toda semana já crescia com rigidez. A vizinhança jogava lixo nas proximidades, deixando-o com um odor fétido. Não parecia haver ninguém no local, mas as entradas estavam trancadas e cercadas por faixas amarelas de “não ultrapasse”.

Vinícius talvez seja uma das pessoas que mais entendem do universo de Premonição do mundo. Tempos de experiências com o Rest in Pieces, pesquisando sobre todos os filmes da franquia renderam-lhe dominação no assunto. Quando o sobrenatural da ficção partiu para a realidade, ele sentiu-se um pouco chocado, embora acreditasse que conseguiria fazer alguma coisa a respeito. Mesmo assim, lembrou-se de Nick, do The Final Destination, que, embora não gostasse muito dele, viu nele a ideia de voltar ao local do acidente um tempo depois.

E assim o fez. Como os portões do Blue River Adventure Park estavam fechados, andou um pouco, procurando alguma deixa para entrar no local. E encontrou uma área, próxima ao rio quente, com uma cerca de ferro fácil de pular. Colocando os dois pés e as duas mãos nela, começou a escalar e passou para o lado de dentro. Na hora de descer, realizou tal ação com muito cuidado.

E ele já estava próximo ao Rio Quente, chocado com o que viu. Apesar de não haverem mais corpos no local, a água não havia sido trocada. Todo o vermelho-sangue permanecia no local. Em intervalos de espaços, alguma víscera ou qualquer pedaço de corpo esquecido permanecia em decomposição.

Vinícius agachou próximo Rio Quente, passando a mão em sua água sangrenta, que já não corria mais. Sua mão ficou vermelha e ele pareceu não ligar. Andando mais um pouco, chegou ao centro do parque aquático. A piscina gigante, para a qual descem a maioria dos toboáguas. E não importa qual deles, seja o Red River Valley, o Final Destilation, o Green Hype ou o Tubo da Morte, todos estavam no chão, quebrados, formando obstáculos enormes. Próximos a esses, sim, haviam mais pedaços de corpos. Apenas alguns pilares de sustentação e algumas escadas de acesso permaneciam de pé.

Havia muitas cinzas e manchas vermelhas no chão, que pareciam que não iriam mais sair. A água secou, mas deixou todo o resto manchado no Blue River. Vinícius, queria achar o quiosque onde começou a confusão e do qual Pedro avisou a todos sobre o acidente, mas o lugar estava irreconhecível. Enquanto observava um dedo que encontrou no chão, sentiu uma mão em seu ombro.

– O que você pensa que está fazendo, meninão? – Disse uma voz grossa.

Vinícius se assustou, mas pensou em algo que poderia trazer esperanças. Seria esse homem que o tocou uma espécie de William Bludworth, que entende da morte ou pode ter algumas respostas para o que está acontecendo?

– Eu só estou vendo. – Respondeu Vini.

– Se eu fosse você eu tomava cuidado. – O homem respondeu.

– E eu tomo. – Vinícius esperava que ele falasse alguma coisa, olhando-o estranhamente.

– Bom. Você está aqui por algum motivo.

– E você, tá aqui por quê?

– Só estou pegando as informações que eu preciso. Me dê licença. – O homem diz, virando-se e andando para outra direção.

– Ei, espera! Me diz alguma coisa!

O homem parece ignorar Vinícius e continua andando para frente, infinitamente, até sumir do horizonte da vista. Ele parecia estranho, mas não disse nada de relevante. Nos filmes, pelo menos alguma informação seria dada, mais nada. Vini só espera que o encontre novamente.

XXX

Às 17h50, quando o Sol começou a esvair-se por dentre o céu, Márcio Vinícius chega ao local da corrida. Ela começaria em quarenta minutos.

O Centro Esportivo Municipal foi construído há cerca de cinco anos pela gestão anterior, mas estava completamente abandonado, caído aos pedaços. O local era tomado por pichações, o banheiro acumulava porcarias, e algumas telhas e estruturas ameaçavam cair. Com a chegada da nova gestão, o prefeito recém-eleito teria que cumprir uma de suas principais promessas, que se tratava da reforma do local. Como ele sempre dizia na campanha, “não é uma promessa, é um compromisso”. Frase clichê, mas de bastante impacto, que, pelo que parece, o elegeu.

Faltando seis meses para o aniversário da cidade, a reforma do CEM, maneira de qual é tratado pela população local, ainda não passava do processo das licitações. O prefeito, vendo que teria que realizar a super festa municipal, mandou seus secretários apressarem tudo. Escolheram a pior construtora, mas que apresentou o melhor orçamento. Talvez por que não construíram nada novo acima do que deveria ter sido derrubado, o que era velho foi apenas reforçado (ou pintado), enquanto diversos objetos velhos foram reaproveitados. Ao menos, o lugar estava bastante agradável.

– Márcio, hoje é o seu dia de brilhar. – Disse o instrutor de sua equipe. – Lembra que esse é o evento mais importante do ano, e eu sei que você se preparou.

– Pode ficar tranquilo, eu vou dar o meu melhor. – Disse MV, que, apesar da tranquilidade de sua fala, estava morrendo de nervosismo.

Quando o técnico saiu de perto, Márcio olhou para o troféu a ser entregue ao vencedor, que estava guardado em um compartimento de vidro, e disse consigo mesmo:

– Pobre Fábio... Era o sonho dele ganhar esse troféu. Pelo menos vai ser mais fácil sem ele.

Um colega de sua equipe, que olhava as fotos antigas da cidade dispostas em quadros, se aproximou dele e disse:

– Tudo bem com você?

– Tudo. – MV respondeu. – Eu só tava pensando no Fábio.

– Pois é, cara, ele falava tanto nessa corrida... Acho que ele merecia.

– É... Mas, sei lá, se ele merecesse, ele estaria vivo.

XXX

Felipe chegou ao Bar Correria, sentando-se num banco de madeira em uma mesa redonda. Ele sabia que essa ideia do Sam de fazê-lo conversar com Pedro não levaria a lugar algum. Eles sempre foram inimigas de vida longa e não é com uma conversinha que isso mudaria. Nem se fosse para deter a morte. A inimizade deles é maior do que isso.

Lá era o boteco mais antigo da cidade e um dos mais famosos, por sinal. Mesmo assim, o lugar possuía uma aparência sinistra. Para começar, as paredes são escuras e todas as luzes, amarelas. Tudo lá era rústico, de madeira. Bancos, mesa, balcões e até copos – sim, copos -. Só havia garçons baixinhos e carecas. Toda mesa possuía um filtro de chop. Somente um detalhe chamava a atenção: a música ao vivo. Mas não é nada requintado ou legal. No fundo do bar, havia um pianeco de armário (para não chamar de coisa pior) de mais de vinte anos de idade. Suas teclas já estavam em parte comidas por cupins e as cordas todas desafinadas. Algumas já estavam até arrebentadas. O dono do bar não se preocupava com isso, afinal, os bêbados devem achar o máximo. Nele, estava sendo executada a música “A Foggy Day” por um palhaço, com a cara pintada, peruca e tudo. Ele tocava aquele piano com o maior desentuiasmo. Outro palhaço estava no microfone, cantando, mas a voz revelava ser uma cantora. Um detalhe do bar é que todo artista que fosse se apresentar lá deveria vestir-se de palhaço, pois, já que estavam ganhando dinheiro, tinham que pelo menos levar audiência para o local.

A foggy day in London town
Had me low and had me down
I viewed the morning with alarm
The British museum had lost its charm

Felipe consultou as horas em seu celular, verificando 18h10, e Pedro chegou logo em seguida, já de cara fechada, com suas muletas. Atrás dele, vinha João, que o seguia feito um apóstolo. O visionário foi encarado por Felipe e lhe cumprimentou com um “oi”, soltado em um sorriso falso. Eles assentaram na mesa que Chemim estava.

– É, Pedro. Parece que você está bem tranquilo. – Disse Felipe.

– Desde ontem eu não tive nenhuma visão.

– Isso é sinal que você está perdendo o seu dom, a sua habilidade.

João, um zero a esquerda na relação dos dois, interfere:

– Ou a morte deu um tempo.

– A morte não dá tempo. – Disse Felipe. – Ela só está esperando a hora certa, para levar qualquer um, como levou Marina.

– De novo esse assunto... – Bufou Pedro.

– Esse assunto volta, amigo, porque ele não sai da minha cabeça. Assim como a Vic não deve sair da sua.

– Não havia nada entre a gente.

– Não havia porque você foi bobo, como sempre. Você conseguiu salvar ela do acidente, deu tempo pra tudo.

– Vic só era uma boa pessoa. Não coloca ela dentro do nosso papo.

Apesar das palavras de Pedro, ela era para ele mais do que uma boa pessoa. Assim como Mylla para Lucas, ou Breno para Emerson, um laço mais forte os unia. Um sentimento chamado de amor começava a ser criado.

How long I wondered could this thing last
But the age of miracles hadn't past
For suddenly I saw you there
And through foggy London town
The sun was shining everywhere

– É claro que ela era uma boa pessoa, afinal, você escolheu salvá-la lá no Blue River, né?

– Eu não escolhi salvar ninguém! Eu só vi tudo acontecer! É difícil pra você entender isso?

– Não entendo mesmo. Você só salvou quem você queria.

– Claro que não! – Disse Pedro, levantando-se do banquinho. – Você tem que esquecer isso! Tudo que a gente passou não importa mais agora. O nosso inimigo agora é um.

– Você está mandando eu... – Começou Felipe, subindo o tom de voz abruptamente –... esquecer MARINA?!

Chemim se levantou instantaneamente, tirando uma faca do bolso. Nesse momento, o bar todo ouviu um estrondoso barulho, som de coisas se quebrando. As luzes piscaram, o piano e a voz pararam de cantar, se recolhendo em seus lugares, uma brisa fria começou a soprar pelas portas e janelas. Todos ficaram calados e olhavam uns para os outros.

De repente, saiu um cozinheiro de uma porta atrás do balcão, falando em voz alta:

– Calma, gente. É que o forninho caiu lá na cozinha.

As pessoas se acalmaram e voltaram a conversar, mas o local continuou sem música. Felipe continuava com a faca na mão, mas ninguém havia visto. Estava tentando achar uma forma de escondê-la sem chamar a atenção. João a viu e virou o rosto. Pedro estava com os olhos fechados. Nesse momento, Chemim sentiu sua faca ser retirada de sua mão a força. Ele olhou para trás e viu um palhaço apontando o objeto pontiagudo para ele.

Felipe se assustou imensamente e ficou em estado de choque, sem saber o que fazer.

– Você é um canalha mesmo, Felipe. – Disse o palhaço que há pouco tempo estava no piano do barzinho, tirando sua peruca.

Do bolso tirou ele um paninho molhado e começou a passar em seu rosto, removendo parte da maquiagem. Em poucos segundos, o rosto de Samuel ficou reconhecível.

– Seu idiota, era para vocês se reconciliarem. Não para você matá-lo. – Sam continuava com a faca apontada para Chemim. – Se eu fosse você eu saía daqui agora e nunca mais aparecia na frente de nenhum de nós. A gente só quer acabar com a lista, mas você só serve para atrapalhar. Que você morra sozinho, não ferre com a gente.

Felipe olhou Samuel com uma cara de desgosto, soltando um cuspe nojento em sua cara.

– Vocês me pagam. Eu não vou deixar isso barato. Eu vou vingar Marina mais cedo ou mais tarde!

Após dizer isso, saiu andando pela porta do bar. Tudo que Sam planejou havia dado errado, ele ainda levou um cuspe. Ele queria que Pedro e Chemim se encontrassem por conta própria e resolvessem seus problemas pessoais para que todos pudessem acabar com a lista, acabar com a morte, mas o sentimento de vingança de Felipe prevalece, e, a partir desse momento, ele ficou ainda maior.

João olhou para Sam e disse:

– É, vamos sair da aqui.

– É. Vem Pedro, melhor a gente ir embora. – Disse Sam

Pedro, no entanto, não respondia. Estava paralisado, ainda de olhos fechados. Sua visão escurecera. Ele começou a ver uma faixa cortada caindo no chão. Depois, surgiu a imagem de um troféu em sua mente sujo de sangue. Sua visão foi clareando novamente e ele abriu os olhos.

– Eu tive outra visão.

– Me diz o que você viu. Quem é o próximo? – Perguntou João.

– Eu vi uma faixa cortada, um troféu...

– MV! – Disse João.

– Droga. A gente tem que ir rápido. – Diz Sam.

XXX

Um minuto para a corrida começar. Márcio estava na pista de atletismo, próximo a todos os seus concorrentes, já em seus lugares. Deveriam haver oito corredores, mas o lugar de Fábio estava vazio e, em sua homenagem, ninguém foi colocado em sua vaga. MV procurava se concentrar, mas todas as pessoas cantavam, gritavam, conversavam. Nessa hora, a câmera da emissora local se fixou nele e ele, olhando para cima, viu sua imagem no telão, com a frase escrita embaixo: “sua hora é agora”. Tentando despistar que estava sendo filmado, virou a cabeça. E do ponto que observava, viu o anúncio da maior igreja evangélica da cidade, que patrocinava o evento. “Você não é nada. Mude de vida agora!”.

Vendo que a corrida iria começar, olhou para frente e tomou sua posição.

Vai!

E ele disparou. Seus neurônios foram acionados e os músculos de sua perna passaram a se movimentar rapidamente. Sua largada não havia sido positiva, talvez porque se desconcentrou com o que viu antes da corrida começar. Haviam quatro corredores a sua frente, e eles pareciam distanciar-se.

Márcio, correndo, olhou para o lado e viu alguns familiares gritando para ele. Eles estavam lá para dar a maior força possível, e ele não poderia fazer feio. A maior motivação dele estava lá, e, depois de tanto esforço, a única coisa que ele merecia fazer é ganhar essa corrida.

E foi com esse pensamento que ele passou um, dois, e três oponentes. E já conquistava o segundo lugar. Mesmo assim, não era suficiente, mas ele corria o máximo que podia e, com a corrida já acabando, estava ficando sem fôlego. Suas pernas começavam a doer e ele começava a perder a esperança.

Quando ninguém esperava, faltando seis metros para a corrida acabar, o primeiro colocado pisou de forma errada e bateu os dedos do pé direito diretamente contra o chão, tropeçando. Seu corpo se virou para frente e ele começou a cair próximo à linha de chegada.

Márcio viu isso e pensou: “ele era meu único empecilho. Eu tô aqui para ganhar essa droga”. Seu corpo soltou o que parecia ser uma descarga elétrica, e suas pernas passaram a se mover ainda mais rapidamente. Em poucas frações de segundo, passou o primeiro colocado, que ainda estava se levantando do chão. E ele passou a linha de chegada, cortou a faixa com o seu próprio corpo.

Êxtase. Foguetes começaram a ser soltos enquanto ele tentava “desacelerar”. Toda a plateia começava a gritar “MARCIO, MARCIO, MARCIO, MÁRCIO...” e todos os focos das câmeras estavam voltados a ele. Flashes de luzes, a voz do narrador gritando:

– E temos um vencedor! Ele, correu, correu, e corrrrrrrrreu, e venceu. Márcio Vinícius! Márcio Vinícius é o nome dele! Aplaudam o menino enquanto há tempo, porque pelo visto ele não vai esperar e vai sair voando mundo afora! Máaaarcio Viníiiiiciuuuus!

XXX

Pedro, João R. e Samuel já estavam na porta do Centro Esportivo Municipal, quando tentavam passar pela entrada. O visionário foi na frente, mas sentiu uma mão o segurar.

– Vocês não entram, mocinhos. – Disse o segurança com uma voz grossa. – Já tá lotado. Ninguém entra e ninguém sai até a hora do bingo.

– Eu preciso ir lá! Você não tá entendendo, é caso de vida ou morte! – Disse Pedro.

– Não. – Reponde o segurança.

– Ah, fala sério! É urgente! – Diz João.

– Não.

– Então que se dane você! – Diz Samuel.

– Nananinaninanão. Saiam daqui antes que eu tire vocês à força.

Pedro terminou de encarar o segurança desgraçado, virou o seu corpo e começou a correr com suas muletas. Seus discípulos o seguiam. Estavam sem rumo, sem saber o que fazer. Eles precisavam entrar lá, mas não havia nenhuma forma. Nem dinheiro tinham para subornarem o homem e entrarem no CEM. Enquanto andavam, ouviram uma voz vindo de traz.

– Ei, ei! O que vocês tão fazendo aqui?

Eles viraram para trás sincronicamente.

– Vini! – Disse João.

– Eu tive uma visão, e... E é o MV! A gente foi barrado na entrada! – Disse Pedro.

– Porra, vão pular a cerca. – Sugeriu Vinícius.

A sugestão de Vini pareceu brilhante. Como não haviam pensado nisso antes? A cerca dava direto para o fundo do CEM, exatamente o local onde ocorre as premiações. Vinícius é o tipo de cara que usa cabeça, pensa, possui lógica nas coisas que faz. E todos fizeram isso. Pedro, por causa da perna quebrada, foi ajudado pelos demais. Escalaram a cerca, passaram para o outro lado e desceram com o cuidado. Na hora de descer, no entanto, Samuel se desequilibrou, caindo direto no chão. E eles começaram a correr.

XXX

– Esse troféu é apenas o símbolo do nosso reconhecimento de sua vitória! – Disse o prefeito da cidade.

MV pegou o troféu, analisando-o calmamente. Seu coração batia forte e suas mãos tremiam. Talvez de medo, de nervosismo. O troféu era perfeito, dourado, com curvas suaves e detalhes barroquinos. A melhor coisa que já pegou na sua vida. A medalha que fora colocada nele também não era simples. De ouro, possuía a imagem de um homem segurando um troféu. Era exatamente assim o que fazia quando subiu numa espécie de pódio, que fica embaixo de uma grande e pesada estrutura metálica para proteger da chuva.

Márcio olhava para a multidão de pessoas que o aplaudiam e sorriam para ele. Ele sorria com toda a força, mas sua cara fechou quando um forte vento começou a soprar pelas redondezas e a estrutura metálica acima dele começou a balançar, de um lado para o outro. Ele percebeu que estava sendo perseguido, mas não saiu dali.

– Foda-se a morte. – Ele disse baixinho. – Eu ganhei! Eu mereço!

E levantou o troféu com sua mão direita, voltando a sorrir, enquanto soavam palmas fortes e gritos de todos os tipos de pessoas que ali estavam. Ele olhava para todos os cantos, balançando a cabeça e gargalhando, até que viu se aproximarem de um canto Pedro, João, Vinícius e Samuel, parando de rir. Sua alegria foi esvaindo-se enquanto via os quatro se aproximarem rapidamente.

E o vento deu o último sopro. A estrutura acima dele, que já balançava constantemente, começou a se despregar, caindo. Ele sentiu esse movimento e deu um passo a frente, mas já era tarde de mais.

Outros pedaços do local começaram a cair por toda parte. Um deles atingiu Samuel, que se jogou no chão ao ver MV ser atingido, e teve suas duas mãos esmagadas por um bloco de concreto.

A parte inferior à cintura do corpo de Márcio foi esmagada pela estrutura de ferro, espirrando jatos de sangue para todos os lados. Sua boca também escorria sangue e ele parecia mexer os lábios. A parte superior de seu corpo estava para fora do pódio, sendo sustentada por ele. Seu braço direito, com o troféu, já todo ensanguentado, foi descendo lentamente, enquanto seus olhos se fixavam diretamente no que ele segurava. As câmeras das emissoras de televisão mostravam em rede nacional um jovem morrendo, agonizado, com a glória de estar com o troféu na mão.

Ele conseguiu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Não esqueçam de comentar, é importantíssima sua colaboração como leitor para a continuidade do projeto.

Encontro vocês nas reviews!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Premonição Chronicles" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.